Abstract
Margaret Keane was one of the most popular names in the United States art scene in the 1960s. Decades later her personal and professional lives were translated into cinema by Tim Burton. The objective of this essay is to analyze the biopic film of the artist and draw parallels between the cinematographic work - directors, context, production, etc. - and her career, trying to raise questions about the accuracy of the information presented, the way her pieces were approached and the movie direction’s own interpretations.
Thus, a specific methodology was developed for this study: in addition to the film being carefully watched multiple times, the paintings and prints present in the scenes were almost all identified; Then there was a search for original documents, articles and images to compare the narrative presented to the actual events; Finally, previous Tim Burton films were studied, as well as specialized bibliography, to observe his characteristics in the way of directing as well as the movie’s technical team.
Keywords: Big Eyes, Margaret Keane, Tim Burton, Art, Cinema.
Introdução
A compreensão de uma imagem perpassa obrigatoriamente pela observação de seu contexto. Isto abrange sua cronologia, motivação, produções semelhantes, fruidores, técnicas, meio, aplicação, etc. Segundo Faggiani, “como o valor é outorgado pelos juízos humanos, o valor de cada produto depende de seu lugar e tempo na sociedade de consumo”(Faggiani 2006, 11). Pode-se entender este produto também como a produção artística, e no caso deste estudo, o cinema.
Ao realizar esta análise, e a de qualquer outra onde se misturam meios artísticos diferentes, é importante ter como meta o respeito à linguagem e especificidades de cada um e trabalhá-los de maneira distinta, embora possuam as suas eventuais conexões. Por exemplo, as obras de Margaret, apesar da semelhança estética com o olhar do realizador no filme, não podem ser vistos como iguais; a grande quantidade de quadros presentes nas cenas também não pode ser confundida com uma simples apresentação das pinturas sem critérios; ou a paleta de cores ser considerada apenas como uma escolha arbitrária baseada no padrão da direção sem levar em consideração a cronologia na qual viveu a personagem.
Neste caso, as duas áreas se misturam e separam constantemente, portanto, para a realização deste estudo foi necessária a divisão dos segmentos para uma melhor abordagem: primeiro a vida e obra da artista, a fim de identificar o seu estilo e os eventos de sua carreira no âmbito profissional e pessoal; em seguida, a maneira como estas informações foram traduzidas para o filme, a incluir um levantamento da equipa técnica, estética e histórico do realizador e detalhes da obra como duração, estúdio, etc.; e por último, as considerações finais e referências.
Breve passeio pela trajetória de Margaret Keane
Esta primeira parte pretende expor os eventos de maior destaque na carreira da artista em ordem cronológica, desde o seu nascimento até as suas atividades atuais. Tais momentos são importantes para a compreensão da sua obra e das direções que sua vida tomou antes e durante a fama. Ao estudar a história de Margaret é necessário considerar o contexto social e cultural estadunidense dos anos de 1950 e compreender que a estrutura patriarcal na qual Keane estava inserida teve grande influência na repercussão do seu trabalho e em suas decisões pessoais e profissionais.
Margaret Keane nasceu em Nashville, Estados Unidos, no ano de 1927 e hoje, com 91 anos, vive em Napa, California, onde trabalha em suas peças todos os dias (Huffman 2018). Apesar de pintar desde a infância e ter frequentado quando jovem a Traphagen School of Design- New York (Keane-Eyes Gallery 2019), ela só começou a ter retorno financeiro com suas obras quando se divorciou do primeiro marido Frank em 1955 e mudou-se com a filha Jane Ulbrich no mesmo ano para São Francisco. Ao estabelecer-se na cidade, ela logo conheceu aquele que seria o seu futuro marido e personagem importante na sua carreira de sucessos e conflitos: Walter Keane.
Walter Keane nasceu em 1915 em Nebrasca e trabalhou como vendedor por grande parte da sua vida até então, porém se apresentou a Margaret como pintor (Ryzik 2014). Os dois casaram-se em 1955 e além de estar apaixonada pelo marido, a artista também o via como incentivador de sua arte e protetor de sua família, em especial sua filha, então com cinco anos de idade (Hollywood vs History 2019). Entretanto, no decorrer dos anos, ao usar a justificativa de que uma mulher dificilmente conquistaria o mercado artístico da época, Walter a convenceu a ceder os direitos de suas obras para ele em segredo, ou seja, ele seria conhecido como o autor de tudo o que ela produzisse.
Durante os anos de maior sucesso de suas obras, a década de 1960, Walter era o grande rosto por trás da marca e das pinturas de Margaret. O mesmo participava de programas de televisão, lançamento de livros e catálogos, aparecia em jornais e assinava contratos, confirmando sua autoria sobre todas as peças já produzidas. A respeito deste período a artista afirma que
apesar de pintar desde a infância, acreditava que uma artista mulher não venderia tão bem quanto um homem. Ela [Margaret] nunca duvidou do seu talento, mas a confiança recém descoberta ocorreu em paralelo à ascensão do movimento feminino e à aceitação de artistas [mulheres] “de fora” e pop (Hollywood vs History 2019, tradução própria).
A popularidade de suas obras ocorreu em um período de intensa massificação da cultura, principalmente nos Estados Unidos. Os objetos de arte e outros elementos culturais foram sendo produzidos em larga escala e barateados através da sua aplicação em meios menos onerosos, como cartões postais, cartazes, souvenirs, etc. (Shanes 2012, 7). Nesta mesma época e com suas criações alcançando tanto sucesso, Margaret sentiu a necessidade de criar sua própria assinatura e vender suas produções ao lado de Walter– eles então já possuíam uma galeria –. Até aquele momento a artista assinava suas peças apenas como “Keane”, o que possibilitava maior liberdade ao marido para assumir a autoria; porém, nesta nova fase, ela assinaria como “MDH Margaret Keane” (figura 1).
Figura 1 - As duas assinaturas de Margaret, a primeira como a própria e a segunda atribuída a Walter.
Fonte: Keane-eyes gallery 2019.
Entretanto, esta atitude, apesar de promover certa liberdade e atribuir identidade a parte do que Margaret produzia, não a isentou de continuar a criar as peças que Walter vendia como suas (figuras 2 e 3). Em meio a tantos segredos, a artista também descobriu que o marido nunca foi pintor e que as obras que ele vendia quando se conheceram eram de autoria de outra pessoa. Em entrevista anos mais tarde ela confirma:
ele enganou-me completamente, eu pensei que ele fosse um artista [...] confrontado com a verdade ele disse que sua ‘musa’ estava adormecida, eu quis acreditar nele, tentei ensiná-lo, mas ele dizia que era minha culpa não conseguir aprender, que eu não o estava a ensinar direito (Ryzik 2014, tradução própria).
Figura 2 - Margaret e Walter ao lado de algumas obras.
Fonte: Ronson 2014.
Figura 3 - Margaret e Walter. As obras do lado esquerdo seriam de autoria de Walter e as do lado direito, de Margaret.
Fonte: Haynes 2014.
Após dez anos de conflitos em um relacionamento considerado aos olhos da atualidade nitidamente abusivo, Margaret pediu o divórcio em 1965 e mudou-se com a filha para Honolulu, no Havaí. Em 1970, ela foi a público e contou a verdade sobre sua carreira, afirmando a sua autoria em todas as obras produzidas pela marca Keane (Ronson 2014). Tal atitude gerou uma reação agressiva de Walter que a difamou publicamente, acusando-a de “bêbada, psicopata e ninfomaníaca” (Ronson 2014).
Alguns anos mais tarde, em 1986, a artista processou o ex-marido em um julgamento bastante peculiar (Ryzik 2014): o juiz exigiu que os dois pintassem ao mesmo tempo um quadro com a mesma estética dos previamente comercializados. Ela finalizou o seu em 53 minutos, enquanto que Walter afirmou ser incapaz de pintar por sofrer de fortes dores. Por fim, Margaret venceu a ação com direito a receber uma indenização de 4 milhões de dólares, porém tal quantia nunca foi paga, já que o acusado decretou falência (Ronson 2014).
Walter faleceu em 2000 em estado de miséria, enquanto que Margaret pinta diariamente e comercializa suas obras em sua galeria: a Keane-Eyes. A artista vive com sua filha e genro na California (figura 4) e quando confrontada sobre a morte, afirma, em referência também à sua obra: “eu não planejo morrer, viverei para sempre” (Huffman 2018, tradução própria).
Figura 4 - Margaret Keane em sua casa na California.
Fonte: Hamlin 2014.
Esta foi uma breve apresentação de alguns eventos marcantes na trajetória de Margaret Keane e que com certeza tiveram influência em suas produções artísticas. No tópico seguinte serão analisadas as obras da artista de maneira mais profunda, seu estilo, temas, materiais e demais características.
Os Grandes Olhos: As Obras de Margaret Keane
Margaret pintava crianças com olhos grandes desde a sua infância, era a sua característica mais latente e assim foi durante toda a sua carreira. Quando questionada sobre a razão desta peculiaridade, a mesma respondeu: “eu sempre me interessei por olhos porque estou interessada pela pessoa interior” (Huffman 2018, tradução própria). Todavia, tais personagens sofreram alterações no decorrer dos anos, influenciados pelos ambientes e experiências que a artista vivenciou. Por exemplo, durante seu casamento com Walter, tanto as expressões quanto os cenários e títulos de suas obras tornaram-se melancólicos, por vezes até desesperados; quando a mesma criou a sua própria assinatura, apesar das figuras apresentadas serem mais adultas, continuavam tristes e em conflito; porém, após a mudança para o Havaí suas temáticas tornaram-se mais leves, sua paleta mais colorida e os rostos passaram a ser retratados com alegria.
Independentemente de suas fases, algumas características observadas através deste estudo são recorrentes no trabalho de Margaret e merecem destaque para a identificação de suas obras:
- Olhos Grandes: Todas as figuras retratadas pela artista possuem olhos grandes e expressivos.
- Crianças: A maioria das obras da década de 1960 (atribuídas na época a Walter) e as da atualidade possuem como figura principal crianças, sejam sozinhas ou em grupo.
- Adultos: As obras atribuídas à artista na década de 1960 e algumas na atualidade apresentam como destaque mulheres adultas (figura 5); sejam em conflitos como nas suas primeiras aparições ou tranquilas em trabalhos mais recentes, demonstrando uma Margaret madura e a conquistar sua independência.
- Animais: Estão bastante presentes, sejam sozinhos como figuras principais da peça, ou acompanhando as crianças (figura 6). São em sua maioria domésticos como gatos e cachorros, mas há também algumas representações de coelhos e cabritos e nas obras mais recentes, animais selvagens como leões e zebras.
- Séries: Apesar de Margaret não ter criado nenhuma série oficial, ao estudar a sua obra como um todo é possível agrupar certas peças por temas comuns, como por exemplo, cenas quotidianas de Chinatown, em São Francisco (figura 7); crianças na aula de ballet; crianças sentadas em cadeiras; na praia ou sozinhas em escadas; figuras vestidas de palhaços, meninas havaianas (figura 8), etc. É importante observar que as criações não precisam ser feitas no mesmo período para encaixarem-se na temática: a artista pode criar uma pintura em 1964 e outra em 1990 com motivos semelhantes.
- Material: A grande maioria de suas obras são feitas com tinta à óleo sobre tela, com exceção de algumas mais recentes, que são feitas com tinta acrílica sobre tela ou madeira, com presença pontual de folhas de ouro (Keane-Eyes Gallery 2019).
Figura 5 - Mulheres adultas. Da esquerda para a direita: Three Harlequins (1962); Silent Conscience (1963); Transition, (1962). Fonte: Keane-eyes 2019. Adaptado pela autora.
Figura 6 - Crianças e animais. De cima para baixo, da esquerda para a direita: Little Ones (1962); Bedtime (1963); Gauguin And Child (1963); Birthday Party (1960’s); Boston Terrier (2007). Fonte: Keane-eyes 2019. Adaptado pela autora.
Figura 7 - Temática de Chinatown. Da esquerda para a direita: Sunday in Chinatown (1963); City Girl (1992); May We Come In? (1960’s). Fonte: Keane-eyes 2019. Adaptado pela autora.
Figura 8 - Temática Havaiana. Da esquerda para a direita: Flowers of Old Hawaii (1968); Keiki Lisa (1972). Fonte: Keane-eyes 2019. Adaptado pela autora.
Como já mencionado anteriormente, as obras de Margaret ganharam popularidade entre 1960 e 1964 – ano da apresentação de uma de suas peças mais conhecidas: a Tomorrow Forever, encomendada para New York World Fair –, período de massificação da arte, o que levou os Keane a reproduzirem as pinturas em larga escala através de peças gráficas, aumentando a abrangência do trabalho da artista para diferentes meios. Todavia, como Walter era o então autor das criações, muitos desses cartazes e cartões ainda são comercializados atualmente em sites de vendas e leilões de arte com a autoria do período em que foram produzidos (figura 9).
Figura 9 - Cartão a reproduzir a pintura Tomorrow Forever, sem nenhuma menção à Margaret.
Fonte: Mercado Livre 2019.
Big Eyes: O Olhar de Tim Burton
Após serem apresentados alguns fatos da vida e obra de Margaret, torna-se mais fácil a compreensão do filme biópico da artista intitulado Big Eyes, com realização de Tim Burton.
Relativamente aos aspetos técnicos, Big Eyes é uma longa-metragem de 106 minutos, colorida, produzida entre 2013 e 2014 nos Estados Unidos e no Canadá e lançada oficialmente em novembro de 2014. A obra teve como produtoras principais as companhias The Western Company, Silverwood Films e Tim Burton Productions; laboratório Technicolor Creative Services; e tecnologia sonora Dolby Digital. Teve o custo de 10 milhões de dólares, bilheteria de 29,2 milhões e também venceu um Globo de Ouro na categoria de melhor atriz (IMDB 2019a).
Antes de analisar esta obra cinematográfica, é importante também identificar sua equipa técnica, pois a mesma possui grande influência na maneira como a história é contada, e este filme em particular, por ser dirigido por Tim Burton, que é conhecido por dar especial atenção aos aspetos estéticos, nomeadamente as cores, maquilhagem, figurinos, cenários, etc. Odell e Le Blanc acrescentam que “técnicas de narrativa tradicionais existem em seus filmes, mas são secundárias à imagem e sentimento”(Odell e Le Blanc 2005, 11, tradução própria).
Em virtude desta particularidade, neste trabalho serão abordados estes elementos em detrimentos de outros igualmente importantes em um filme, mas que não serão explorados neste estudo, como por exemplo, a direção de som.
Apesar de um filme ser resultado do trabalho e dedicação de um grande número de indivíduos, muito do que é experimentado ao assistí-lo é fruto da criatividade e olhar do realizador. No caso de Big Eyes quem assume tal papel é um dos nomes mais conhecidos no meio cinematográfico da atualidade: Tim Burton.
Burton nasceu na Califórnia em 1958 em uma região que mesclava o subúrbio tradicional com o lar de estúdios de cinema de renome, mistura que acabaria por influenciar fortemente suas criações futuras. Quando jovem sempre demonstrou talento para a ilustração e como consequência, conquistou uma bolsa de estudos aos 18 anos no California Institute of Arts, fundado por Walt Disney com o objetivo de aprimorar os artistas de sua empresa. Tim logo se destacou e foi convidado para trabalhar na Disney Company, onde participou da produção de clássicos da animação como The Fox and The Hound (1981) e The Black Cauldron (1985) (Odell e Le Blanc 2005, 26). A partir de então, o estilo peculiar do artista começou a ganhar destaque, como em sua realização de Beetlejuice (1988), Batman (1989), Edward Scissorhands (1990), Sleepy Hollow (1999), Charlie and the Chocolate Factory (2005), Sweeney Todd (2007), Alice in Wonderland (2010), Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children (2016), entre outros (IMDB 2019e; Odell e Le Blanc 2005).
Além do realizador, cujos filmes já conquistaram 8 Oscars e 4 Globos de Ouros, outros integrantes da equipa também merecem destaque: a diretora de figurino, Colleen Atwood, vencedora de 4 Oscars, já trabalhou com Burton em várias de suas produções como Edward Scissorhands (1990), Sleepy Hollow (1999), Planet of the Apes (2001), Sweeney Todd (2007), Alice in Wonderland (2010), Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children (2016) e o recente Dumbo (2019) (IMDB 2019c); e os diretores de arte, que apesar de não terem participado previamente de obras de Tim, possuem estéticas semelhantes, o que pode ter contribuído para as suas contratações: Nanci Noblett, que dirigiu Matrix Reloaded (2003) e Matrix Revolutions (2003) (MDB, 2019d), e Chris August, responsável pela direção de arte de I, Robot (2004) e Underworld Evolution (2006) (IMDB 2019b).
Em relação aos intérpretes, Margaret foi vivenciada por Amy Adams; Walter por Christoph Waltz; a amiga fictícia da artista, Dee-Ann, foi interpretada por Krysten Ritter; e o jornalista Dick Nolan, por Danny Huston.
Após o levantamento dos dados técnicos e informações relevantes da equipa, a análise do filme pode ser feita de maneira mais embasada. É válido ressaltar que a cópia da obra utilizada para este trabalho é a que encontra-se disponível no DVD lançado em 2015. Assim, pode-se ter inicio a análise das relações entre a arte de Margaret e a de Tim Burton.
A Narrativa
A narrativa segue a ordem cronológica, sem flashbacks (figura 10). A história inicia-se com o divórcio e mudança para São Francisco; Margaret conhece Walter e os dois casam-se; ele começa a vender as obras da esposa, posteriormente assumindo a autoria; há a abertura da galeria; começa a reprodução em larga escala e o aumento da popularidade das peças; Margaret sente-se sufocada e cria sua própria assinatura; os Keane mudam-se para uma casa maior, demonstrando o sucesso alcançado; os conflitos entre o casal intensificam-se, a farsa de Walter como pintor é descoberta pela artista; ocorre a encomenda e lançamento de Tomorrow Forever; as críticas negativas abalam Walter que se torna mais agressivo; em briga com Margaret ele ateia fogo em seu estúdio; a artista foge com sua filha para Honolulu; Margaret vai a um programa de rádio e expõe os segredos; acontece o julgamento e a vitória da artista.
Há algumas observações a serem feitas em relação à narrativa, as mais percetíveis são as datas um pouco diferentes da cronologia real vivida pela artista, como por exemplo, o julgamento que na realidade ocorreu apenas em 1986 e não em 1970 como apresentado no filme. Outros elementos são totalmente fictícios, como o fogo no estúdio de Margaret ou a amiga Dee-Ann, que foi criada com o objetivo de representar a mulher moderna da década de 1960 em contraste com a personagem principal, ainda oprimida por ideias conservadoras (Hollywood vs History 2019).
Figura 10 - Ordem cronológica da narrativa fílmica. Fonte: Autora, 2019.
As Obras de Margaret no Filme
Como Margaret é uma artista, é primordial observar como as suas obras são retratadas no filme, por isso, neste trabalho procurou-se identificar o maior número possível de suas peças originais, seus títulos e cronologias, a fim de que possam ser comparadas com as apresentadas em cena, assim como as mensagens que as mesmas buscam transmitir. Entretanto, em virtude da falta de uma catalogação completa das suas produções, foi necessário recorrer a outras fontes além do site oficial de sua galeria, como por exemplo, os sites de leilões de arte.
No total, foram 57 obras identificadas, uma média de uma a cada 1,85 minutos de filme. Criou-se então uma tabela, separando estas criações de acordo com o tema principal da cena, os minutos, a peça original, como ela aparece no filme e algumas observações. A seguir estão alguns exemplos desta metodologia (figuras 11, 12, 13, 14 e 15).
Figura 11 - Exemplo das obras na tabela. Fonte: Autora, 2019.
Figura 12 - Exemplo das obras na tabela. Fonte: Autora, 2019.
Figura 13 - Exemplo das obras na tabela. Fonte: Autora, 2019.
Figura 14 - Exemplo das obras na tabela. Fonte: Autora, 2019.
Figura 15 - Exemplo das obras na tabela. Fonte: Autora, 2019.
No filme, as obras aparecem nos ateliês da artista (figura 16), penduradas nas paredes das casas, em ambientes de exposição, nos supermercados, programas de televisão, etc. Algumas receberam destaques em cenas específicas, como quando Margaret decide criar sua própria assinatura e pinta o que seria o primeiro quadro com o seu estilo independente; na entrevista para o lançamento da assinatura da artista, quando Walter e o repórter tentam diminuí-la (figura 17), a pintura em destaque é a Little Ones (presente na figura 6), representando a sua pequenez diante da situação; ou no período de sucesso, mas também de conflitos morais, aparecem em primeiro plano peças como Silent Conscience e Transition (presentes na figura 5). A produção do filme revelou em entrevista que de fato “peças-chave foram pensadas para estarem em cenas específicas” (Miller 2014, tradução própria).
Outra observação pertinente é o fato de que algumas obras no filme são anacrónicas, propositadamente ou não. Por exemplo, pinturas de 1990 e 1970 aparecem em uma cena de 1963. Isto ocorre com mais de três peças.
Figura 16 - O ateliê de Margaret na primeira residência do casal. Fonte: Big Eyes 2015.
Figura 17 - Cena da entrevista que anunciaria Margaret como artista. Fonte: Big Eyes 2015.
O Olhar da Direção
Tim Burton possui várias características estéticas em seus filmes e ao analisá-las com cuidado, as mesmas podem ser encontradas em todas as suas criações cinematográficas – se não todo o conjunto a seguir, boa parte dele por projeto – , nomeadamente: listras e formas circulares bicolores (figura 18); destaque para os olhos (figura 19); planos que destacam os subúrbios (figura 20); personagens que flutuam; televisão como elemento importante (figura 21); personagens em conflitos, sozinhas e com ausência de figura paterna (Odell e Le Blanc 2005); influência da Pop-Art traduzida em embalagens vibrantes e cenas de consumo pós-moderno (figura 22); tons pastéis; tons de vermelho, geralmente contrastando com elementos verdes e vice-versa (figura 23); tons de azul, por vezes acompanhados de branco (figura 24); e tons de amarelo.
Muitos destes elementos podem ser identificados em Big Eyes, inclusive algumas temáticas se misturam com a própria mensagem do realizador de modo mais direto. Antoniou afirma que o filme também foi “uma resposta de Burton às críticas de que seu trabalho é repetitivo, artificial e insignificante, e que não entendem que a mente por trás da criação é a única coisa que importa” (Antoniou 2014, tradução própria).
Figura 18 - Listras e cubos bicolores. Sendo os dois planos da esquerda de Big Eyes. Fonte: Big Eyes 2015; Sleepy Hollow 1999; Sweeney Todd 2007; Beetlejuice 1988. Adaptado pela autora, 2019.
Figura 19 - Olhos em destaque, através da maquilhagem, figurino ou pós-produção. Sendo os dois planos da esquerda de Big Eyes. Fonte: Big Eyes 2015; Charlie and the Chocolate Factory 2005; Alice in Wonderland 2010; Beetlejuice 1988. Adaptado pela autora, 2019.
Figura 20 - Subúrbio. Fonte: Big Eyes 2015; Edward Scissorhands 1990. Adaptado pela autora, 2019.
Figura 21- Presença da televisão. E frase de Tim Burton sobre esta influência (Odell e Le Blanc, 2005, 19). Plano da esquerda de Big Eyes. Fonte: Big Eyes 2015; Edward Scissorhands 1990; Charlie and the Chocolate Factory 2005; Beetlejuice 1988. Adaptado pela autora, 2019.
Figura 22 - Referência ao consumo e Pop Art. Sendo os dois planos da esquerda de Big Eyes. Fonte: Big Eyes 2015; Charlie and the Chocolate Factory 2005; Miss Peregrine’s Home for Peculiar Children 2016. Adaptado pela autora, 2019.
Figura 23 - Tons de vermelho em contraste com verde. Sendo os dois planos da esquerda de Big Eyes. Fonte: Big Eyes 2015; Charlie and the Chocolate Factory 2005; Alice in Wonderland 2010; Sleepy Hollow 1999. Adaptado pela autora, 2019.
Figura 24 - Tons de azul com elementos em branco. Sendo os dois planos da esquerda de Big Eyes. Fonte: Big Eyes, 2015; Charlie and the Chocolate Factory 2005; Sweeney Todd 2007; Beetlejuice 1988. Adaptado pela autora, 2019.
Outra área atribuída à direção que merece destaque neste filme é o figurino e ambientação, ambos de acordo com a cronologia, tanto no que diz respeito à modelos de roupas, acessórios, carros e móveis, quanto à paleta de cores utilizada (figuras 25 e 26).
Figura 25 - Comparação entre publicidades e catálogos originais do período e cenas do filme Big Eyes. Fonte: Big Eyes 2015; Jeffs 2019.
Figura 26 - Cenas do filme Big Eyes e publicidade da década de 1960. Fonte: Big Eyes 2015; Fashion Folks 2019.
Conclusão
Analisar uma produção cinematográfica já é uma tarefa que exige dedicação, pois a mesma possui linguagem e elementos próprios, quando soma-se a isto o levantamento da vida/carreira de uma artista e a investigação de suas obras o estudo torna-se ainda mais complexo. Portanto, é esperado que um trabalho como este com suas limitações características não seja capaz de abranger com maior profundidade as vertentes que o estudo desta proposta exige, deixando assim, espaço para pesquisas futuras. Ainda há muito para ser aprofundado tanto no que diz respeito ao realizador do filme, quanto à Margaret. Entretanto, pode-se concluir que os objetivo propostos foram alcançados, especialmente pelo fato de não existirem muitas publicações acerca da relação das peças de Keane com o biópico Big Eyes, como apresentado nesta análise.
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