Abstract
This text sought to approximate the Law, Art and Visual Culture through the spoken portrait instrument of art and police expertise that underwent transformations throughout its existence, but did not lose its essence of collabo-rative work. The purpose of this text will be to present the historical process of the spoken picture, the constitutive elements of its language and the image of the other in the cinema through the spoken picture. The methodology used was based on a bibliographical review.
Keywords: Portrait Spoken, Bertillonagen, Portrait kits, Western Cinema, Facial Composit
Introdução
O retrato falado1, facial composite ou representação facial humana ou ainda retrato robôt usado na era digital, foi e ainda é usado2 para contribuir com a elucidação de casos policiais em que ocorreu dano ao patrimônio ou pessoas. Há necessidade, para sua confecção que haja testemunha ou vítima que tenha presenciado o fato criminoso e esteja disposta auxiliar o trabalho artístico pericial dos profissionais dedicados a esta linguagem visual.
O cinema hollywoodiano do início do século XX nos filmes conhecidos como “westerns” ou “velho oeste” mostravam em algumas cenas, cartazes de “Procurado” ou Procura-se vivo ou morto” e, ainda, oferecia-se recompensa pela meliante. Neste texto, será trabalhado o processo histórico do retrato falado e sua breve incursão no cinema western a partir da representação antropométrica criada por Alphonse Bertillon no século XIX.
1.Um pouco de história
O retrato falado é uma peça que pode compor o inquérito e auxiliar na instrução probatória processual como uma prova nominada dependendo do tipo ilícito penal cometido que ensejará sua produção. Em outras palavras, o retrato falado consiste na construção de uma representação imagética ou gráfica das características fisionômicas de pessoas, cujo objetivo primordial é a colheita de elementos de convicção para minoração ou exclusão de suspeitos de determinados delitos.
Incialmente o retrato falado era produzido a partir da técnica do desenho artístico associado à entrevista com testemunha ou vítima da ação criminosa para a realização e composição visual da arte final.
a los especialistas que trabajan en esta disciplina son necesario que cuenten, además de su preparación en Artes visuales, con un garaje de conocimientos provenientes de diferentes ciencias y tecnologías para poder llevar a cabo sus diferentes actividades, así requieren de la información recuperada de la memoria y en casos necesarios el manejo de situaciones de crisis o de estrés del entrevistado. (MOSS e SKINNER, 2015, s/p).
O perito em retrato falado necessitava conhecer as técnicas do desenho artístico para transformar adequadamente as memórias do entrevistado (geralmente traumatizado) em representações do suposto delinquente o mais aproximadamente possível, pois, poderia ser a única pista ou auxílio para a investigação policial no caso em averiguação.
O primeiro retrato falado realizado da história criminalística foi relativo ao caso do “Assassino da Ferrovia” ocorrido em 1881, na Inglaterra. O suspeito teria a
edad 22, estatura media, muy delgada, aspecto enfermizo, rasguños en la garganta, heridas en la cabeza, probablemente afeitado, sombrero de fieltro bajo, abrigo negro, dientes muy descoloridos. (MOSS e SKINNER, 2015, s/p).
Com essa descrição oralizada por testemunha ao desenhista/perito a arte final do primeiro trabalho da criminalística no final do século XIX resultou na obra imagética representada na figura abaixo com autoria não identificada.
Figura 1 - Do lado esquerdo o desenho artístico manual do perito e, do lado direito, tem o informativo jornalístico apresentando com o retrato falado e uma recompensa pelo suspeito, o Sr. Mapleton. Fonte:Mdig, 2010
Este retrato falado fora anunciado em jornais de circulação popularizada, de forma que repercutiu imediatamente na sociedade da época. Segundo consta das fontes bibliográficas aqui pesquisadas, encaixam-se, nesta descrição, como suspeitas.
Mas, cabe aqui uma pergunta: a representação imagética do artista (perito) não havia sido semelhante o suficiente para minorar ou excluir suspeitos? Ou o fato de a própria polícia ter precificado “o rosto” do suspeito/delinquente não teria sabotado o trabalho da perícia?
Figura 2 - Do lado esquerdo o desenho artístico manual do perito, sendo considerado como o primeiro retrato falado usado pela polícia e, do lado direito a fotografia do Sr. Mapleton depois de detido.
Essa experiência de retratar o possível criminoso num formato visual contribuiu com a ciências penais, no sentido de alcançar melhores resultados na resolução dos casos. Este tipo de trabalho coadunou com os estudos de Alphonse Bertillon, antropólogo e oficial da polícia francesa que por volta dos anos de 1879 criara o sistema de identificação criminal tendo por base medidas anatômicas e as impressões digitais, ou seja, a antropometria judicial.
O sistema bertlilloniano, como ficou conhecido, apontava que a estrutura esquelética humana não poderia se alterar após os 21 anos. Portanto, poder-se-ia estabelecer o identitário individual baseado em características antropométricas e morfológicas inicialmente e, posteriormente, por meio da colheita de impressões das digitais.
o método sustentava-se em duas premissas básicas: a fixidez quase absoluta da ossatura humana a partir do vigésimo ano de idade e a variabilidade extrema das dimensões entre dois indivíduos diferentes. Para Bertillon, cada homem adulto levava com ele uma espécie de código de identificação, inscrito na sua própria corporeidade. (FERRARI e GALEANI, 2016, p.172)
O trabalho de Bertillon foi bastante aprofundado em anatomia, antropometria, antropologia, artes visuais e etnografia facilitando o processo de criação de seu arsenal pericial que ficou conhecido mundialmente. Na sequência há uma representação visual do trabalho desse antropólogo forense que resultou nas fichas catalográficas criminais.
Parte do Corpo |
Diâmetro antero-posterior da cabeça |
Diâmetro transversal da cabeça |
Diâmetro bi-zigomático |
Comprimento do pé esquerdo |
Comprimento do dedo médio esquerdo |
Comprimento do dedo mínimo esquerdo |
Comprimento do antebraço |
Estatura |
Envergadura (comprimento dos braços abertos) |
Busto |
As características detalhadas do suspeito são descritas conforme as tabelas e as peculiaridades que a testemunha ou vítima do crime forem narrando para a perícia. Não se pode perder de vista que o trabalho de retrato falado artístico ou não, corresponde a trabalho colaborativo, pois demanda a participação do artista perito e a pessoa que esteve envolvida de alguma forma na ação delituosa.
Neste período histórico “a descrição e medição dos corpos/rostos dos “homens primitivos”, ocupam lugar de destaque. As medições de crânios, perfis, narizes, olhos e cor da pele serviam para construir um processo de distinção entre os civilizados e os outros”. (REIS, 2008, p.11)
Fala-se de um período onde impera o positivismo e o evolucionismo cultural que está pautado no contexto da teoria darwiniana excludente e preconceituosa para com os processos culturais humanos. Os parâmetros de civilizado/não civilizado tinham como ponto de referência a Europa e seus habitantes.
Nesta perspectiva, Cesare Lombroso influenciado pela escola darwinista elaborou seus estudos de antropologia médica criminal concluindo que havia uma “raça superior” caucasiana no continente europeu propensa a não delinquir. Para Lombroso, “o criminoso nato era um tipo de subespécie do homem” (BITENCOURT, 2012, p.103)
O retrato falado, então, sofre interferência substanciais das teorias científicas adotados no período histórico do seu próprio nascimento e desenvolvimento. O retrato falado já nasce com um perfil estético de representação do suspeito/criminoso com traço de discriminação de raças porque os estudos sobre fisionomia elaborados a partir de Lombroso e absorvidos por Bertillon possuíam essa característica.
A questão racial, já que foi nascido e vivido em uma Itália que recebia a cada dia mais negros. A colônia do país na África em situação paupérrima beneficiava essa migração em massa para o país. Mais do que isso, esses negros que chegavam eram vistos como seres inferiores. Aliás, a questão de inferiorização de raça, é tão antiga que podemos remontá-la a Aristóteles, que afirmava que alguns povos tendiam naturalmente a escravidão. Em sua pesquisa, Lombroso observa que uma parte considerável daqueles que cometiam crimes eram negros. (GONÇALVES e NOLLI, 2016, s/p)
A questão racial é um elemento importante de análise neste texto, pois influencia no ponto de vista da elucidação do caso a partir representação do criminoso. Tanto quanto a questão das migrações e lutas por terras, também são importantes e definidores da ideia de civilizado e não civilizado. Do que é pertencente a “nós” e aos “outros”.
Outra importante questão pauta-se em como as expressões faciais tendem a ser interpretadas tanto pelo perito quanto pela vítima ou testemunha partido da interação com cultura e a representação, já que estão interligadas.
Corpo e alma foram unidas e separadas ao longo do processo histórico. Em Foucault (1988) encontra-se a ideia de separação e controle do binômio corpo/rosto e alma/mente, de modo que, as expressões faciais estão subsumidas no poder do controlar e significá-las.
A identificação civil, por meio do retrato falado, de fato, corresponde a atividade profissional com características multidisciplinar e perpassa pelo olhar de várias pessoas para o processo de criação, tanto da criação manual quanto dos processos mais modernos oriundos do sistema bertilloniano.
Percebe-se que o sistema criado por Alphose Bertillon pode ser menos racista do que apresentado por Lombroso. Cabe também uma indagação: por que não há orientais e africanos representados nas tabelas que se seguem?
Figura 4 - Formas faciais do sistema de Alphonse Bertillon.
Em que pese compreender que houve influências de questões raciais nesse período histórico contemporâneo ao sistema ora apresentado, não foram detectadas nenhuma catalogação de rostos/fisionomias de negros ou orientais nesta imagem. A ampliação dos rostos foi realizada na medida em que os crimes sem solução aumentavam e o sistema não mais conseguia suportar a quantidade de “novos tipos” de fisionomias que apareciam com advento dos novos tempos. Segue uma das tabelas sistematizadoras de partes específicas de rostos para a formação dos retratos falados.
Figura 5 - Tabela das partes dos tipos fisionômicos.
Uma hipótese para ausência de outros tipos fisionômicos na principal tabela é o aprimoramento da técnica e demora na ordenação e sistematização das fichas catalográficas do banco de dados. Do desenho artístico ao uso da fotografia no laboratório pericial era um passo sofisticado e audacioso para época em modernização.
2. Retrato falado, alguns caminhos.
Identificar o “outro” criminoso nunca fora uma tarefa fácil, o quanto mais houvesse métodos para salvaguardar a possibilidade de encontrar e confirmar o autor do delito e, claro, poder puni-lo de forma mais eficiente para o Estado e a Sociedade seria a ideia de segurança e sossego para a população poderia ser alcançada.
Contudo, nem na vida real e nem na fictícia paira essa linearidade de uma segurança no cotidiano da vida humana. Não é dada essa trégua. E, nesse movimento de segurança e insegurança a máquina do pensamento humano se movimenta, realiza, inventa e (re)inventa.
Na Europa e Estados Unidos, posteriormente, na América Latina, foram desenvolvidos, sucessivamente, outros sistemas de identificação tais como: Identi Kit, Photo Fit, Cd Fit e os programas computadorizados Face, Horus, dTetive. Todos tiveram por base o sistema de Alphose Bertilon adequando-os à realidade vivenciada à época.
O Identi kit avança na técnica do retrato falado porque usou transparências que se complementavam, bastavam formar as combinações entre os códigos e as partes dos rostos fabricadas em acetato transparente.
Segundo Reis,
este método é uma sobreposição de películas em uma esquadria e a face era analisada, fotografada ou desenha conforme o grau de semelhança através de um decalque para uma folha de papel. (2015, p.14)
O Photofit era uma sequência de códigos e imagens de partes do rosto que eram relacionadas na medida em que as perguntas e respostas eram produzidas entre perito e vítima/testemunha.
Basicamente consiste en una caja de madera que permite almacenar las diferentes placas fotográficas que ilustran las cinco partes constitutivas del rostro ya mencionadas. A su vez, cada grupo de placas se subdivide en sexos y en códigos. (SILVEYRA,2006, p.174)
Com essa técnica seria possível combinar milhares de formatos de rostos para uma identificação facial apta a contribuir na construção do retrato falado. Nessa técnica era utilizada uma ficha com um formato de rosto predeterminado, geralmente, caucasiano ou africano, como indicou a pesquisa bibliográfica.
Os estudos periciais tornam-se restritos e excludentes caso essa metodologia de trabalho pericial fosse utilizada em terras latinas ou orientais, por exemplo. Logo abaixo tem-se a confecção de um retrato falado de uma mulher realizada por meio da técnica de Photfit.
Observa-se que há recortes de partes do rosto que são encaixadas em uma tábula com o formato inicial pronto. O rosto da mulher vai sendo construído a partir das lembranças da testemunha ou vítima e da percepção do artista/perito.
Figura 6 - Arte do retrato falado produzida no Photofit.
As fotografias de cada porção da face e a composição, ao invés de ser feita a partir de sobreposições de transparências era feita a partir de junção de fragmentos tirados de fotografias reais.
Esse sistema evoluiu para o CD Fit, que correspondia a um sistema informatizado de computação. A dinâmica de entrevistas com a testemunha ou vítima continuava a mesma, o perito criminal trabalhava com as partes do rosto a partir de uma espécie de banco de dados fotográficos que havia armazenado no CD Fit.
Era possível mover as partículas escolhidas, individualmente, como se fossem camadas distintas, escolhia-se a proporção correta movendo e elemento em causa, dentro da figura que o circundava, que era a forma da face. (REIS, 2015, p.17)
Todas essas técnicas de composição do retrato falado possuem a mesma base teórico-metodológica, ou seja, o sistema bertilloniano consagrado no século XIX levando em consideração medidas, traços, cicatrizes, cor, sexo, entre outras possibilidades de identificação. Mais recentemente, acompanhando a evolução tecnológica, a polícia técnica cientifica usa softwares de identificação facial.
O avanço tecnológico foi o divisor de águas para ampliação e desenvolvimento das técnicas do retrato falado. Do desenho artístico manual para o reconhecimento facial digital por imagens de vídeo em alta resolução. A margem de erro ao imputar um crime a inocentes com uso de tecnologia avançada é muito baixa, contudo, essa tecnologia não estava/está a serviço e alcance de todos.
Nem todos os departamentos de polícia, tampouco, nem todas as cidades no mundo possuem essas técnicas e os Kits3 para seus peritos trabalharem. Todavia, o retrato falado desenhado nunca fora descartado em definitivo. A técnica do desenho manual para a criminalística não pode ser perdida deve ser mantida, preservada, tal qual um conhecimento tradicional para as populações. É imprescindível.
Como o objetivo de um retrato falado é auxiliar uma investigação policial, diminuindo o número de suspeitos e apresentando um rosto com características semelhantes às do indivíduo procurado, a arte de desenhá-lo quer seja em um papel ou outro suporte, torna-o uma ideia, uma (re)construção da imagem da representação do rosto do suspeito.
No Brasil, os polícias técnicos científicos não utilizam, por padrão, unicamente um software. Vai depender de licitações estaduais e seus respectivos contratos, por exemplo, no Estado de Goiás o Instituto de Identificação usa o Harpia4 que se utiliza de banco de dados do software e compara com as características inseridas no programa pelo perito a partir da entrevista realizada com o requerente do retrato falado. O modus operandi do retrato falado continua o mesmo, ou seja, necessita-se um crime ter ocorrido, testemunha e/ou vítima que tenha presenciado o fato criminoso e tenha tido contato visual com o suspeito e o requerimento para a produção do retrato falado.
3. Retrato falado, encontro com o cinema
O retrato falado foi muito usado no cinema do velho oeste ou cinema western. Esses filmes foram produzidos nos anos entre 1940 até por volta dos de 1970 nos Estados Unidos da América5.
A Expressão “Wanted” ou “Procura-se” esteve presente para indicar que a polícia estava à procura de um criminoso, valentão, forte e destemido. Esses cartazes apresentavam o retrato falado do criminoso que a polícia procurava e, geralmente, vinham com uma precificação pela “cabeça” do delinquente.
“Procura-se vivo ou morto! Recompensa de $ 5 mil dólares” diz um trecho do impresso abaixo.
Figura 7 - Retrato falado do velho oeste cinematográfico
Mas quem era o bandido/criminoso nesse período histórico retratado pelo cinema? Para responder à questão se faz necessário retroceder temporalmente na história americana e perceber, primeiramente, que o contexto de formação e construção do retrato falado coincide com “a marcha para o oeste” dos norte-americanos que ensejaria futuramente, no cinema, as famosas filmografias de cowboy.
A arte do Oeste americano desenvolveu-se numa relação direta com o processo histórico da conquista do Oeste, participando na construção de uma “mitologia” nacional, que transformou a figura do cowboy no símbolo de todo um conjunto de valores culturais e ideológicos que constituem, ainda hoje, parte essencial da identidade dos EUA (CARREGA, 2015, p. 3)
Essa expansão para o oeste, contribuiu para ampliação da guerra civil americana e a disseminação de numerosas populações indígenas. Em 1830 foi promulgada a Lei de Remoção dos Índios que consistia no “deslocamento das comunidades indígenas de seus territórios tradicionais para a região de Oklahoma, onde deveriam se estabelecer em uma reserva determinada pelo governo” (KARNAL, et al. 2007, p.114)
Esse decreto presidencial assinado por Andrew Jackson em 1830 promoveu a migração e expansão das fronteiras da economia “branca” americana e o povoamento das terras indígenas ao mesmo tempo em que surgia a figura do cowboy e do selvagem indígena.
Em 1839, outras tantas nações indígenas (como a choctaw, a creek e a chickasaw) foram levadas à força para o Oeste com aprovação do governo federal. Essa remoção abriu cerca de cem milhões de acres de terras férteis para a agricultura dos brancos. Ao mesmo tempo, condenou milhares de nativos à morte, na viagem ou já nas reservas (onde não se adaptavam bem e estavam sujeitos à desnutrição e doenças), varrendo-os da história americana. As tribos resistentes foram combatidas e várias dizimadas. (KARNAL, et al. 2007, p.114)
Por volta de 1860, Abraham Lincoln com as “famosas ideias novas6” de novos políticos consagrou em seu discurso que, de fato, havia que se aceitar que os “brancos” são superiores a outras raças. A escravidão, em especial, nos Estados do sul do país seguia um movimento de libertação e contra libertação, de forma que, como não havia sido declarado formalmente a abolição até vitória presidencial de Lincoln a situação da população negra era instável.
Mas, o movimento protestante contribuiu para começar a modificar o cotidiano americano. “As instituições religiosas visavam a coibir atividades não religiosas praticadas no domingo, acabar com os duelos, jogos de azar e prostituição”. (KARNAL,2007, p.120)
De acordo com Carrara a “arte do Oeste americano desenvolveu-se numa relação direta com o processo histórico da conquista do Oeste” (2015, p.3), forjou um nacionalismo cultural americano pautado na ideia de que migração para América era o “sonho de um novo mundo” repleto de oportunidade para todos.
As narrativas cinematográficas apresentavam um país com muitas riquezas e oportunidades e mostravam também o exército, a polícia protegendo a população contra os indesejados (populações indígenas, negras, latinas) que eram selvagens e atrasadas. A representação desses grupos no cinema e, nos retratos falados da época, baseavam nos tipos fisionómicos construídos por meio do bertilloniano.
Do ponto de vista da técnica, o retrato falado já sofria influência também da fotografia. Abaixo tem-se a representação do Billy the Kid7 em um retrato falado e sua respectiva fotografia jogando críquete.
Figura 8 - Famoso criminoso e pistoleiro do velho oeste americano.
O cinema Western clássico e pós-clássico hollywoodiano desenvolveu gênero cinematográfico tendo como pano de fundo as guerras externas e internas pelas quais os EUA enfrentaram, em especial, as suas próprias convulsões internas. A guerra civil americana tratava de luta de classes entre seus moradores, ou seja, indígenas e estado, imigrantes e migrantes, enfim o que Norbert Elias e John L Scotson (2000) chamaria, posteriormente, de estabelecidos e outsiders. A luta entre as populações indígenas e o branco americanos e os europeus colonizadores que avançavam no “Novo Mundo” ou “Nova Inglaterra” na esperança de uma vida melhor fez do velho oeste, e do EUA, um campo de batalha constante.
Os pioneiros lutavam e tentavam se adaptar ao progresso acelerado e selvagem que iniciavam guerras classicistas entre ricos e pobres, índios e governo, nativos e invasores, a única autoridade desta época era a força bélica, fosse ela dos fora-da-lei ou dos que faziam e defendiam as leis, este foi o momento histórico em que se formou uma cultura que é vivida até hoje nos EUA, a cultura das armas (GODOY, 2018, s/d)
A luta por terras, por liberdade e por direitos civis marcaram o tempo histórico em que o cinema western materializa as narrativas visuais com personagens heroicos lutadores e salvadores de donzelas, da cidade. É o retrato da representação de seus personagens o bem e o mal cada qual com sua idealização para servir a propósitos do seu tempo.
A medida que o capitalismo avançava e as tecnologias também, as mudanças do cotidiano social, cinematográfico e policial os acompanhavam. A fotografia e os kits retrato falado substituíam a desenho artístico manual, o pistoleiro e a prática de duelos iam acabando-se e, os filmes western perdiam força no cinema sendo cada vez mais relegado ao cinema B.
Conclusões
O retrato falado como instrumento artístico e pericial sem dúvida foi e ainda é um elemento indispensável para o combate contra o crime contra a pessoa ou patrimônio. Precisa existir um trabalho colaborativo entre o artista/perito que irá re(construir) uma representação imagética para o suspeito a partir do acesso à memória da vítima ou testemunha do ato criminoso. É um trabalho colaborativo para o processo criativo que será desenvolvido na arte final que é o retrato falado e a possível prisão do suspeito.
O desenvolvimento tecnológico contribuiu com a sistematização e ampliação do banco de dados bertilloaniano possibilitando a combinação de milhares de faces/rostos para a elucidação de casos policiais. Ficou mais célere o processo de criação do retrato falado.
O cinema western usou o retrato falado desenhado e em fotografia para buscar os mais variados tipos de criminosos que rondavam o velho oeste, os “índios selvagens” certamente os mais perigosos.
No cinema, atualmente, em especial no brasileiro o retrato falado tem sua função ampliada. A expressão “Procura-se” no cinema contemporâneo nacional serve também para fazer reconfigurações do retrato falado para o promover seus filmes.
Figura 9 - Cauã Reymond
O retrato falado do ator Cauã Reymond e de outros personagens do filme Alemão foram exibidos nos cinemas no ano de 2014. A empresa Dharma dirigiu a campanha de marketing e entendeu como “inovador” a ação de espalhar retratos falados pelas ruas da cidade com a ideia de “denúncia” pela cabeça de um criminoso. O velho oeste, Bertillon e a representação do criminoso no retrato falado permanecem com suas rupturas e avanços.
Notas Finais
1 A representação de uma pessoa, por meio do trabalho de um desenhista, da utilização de artifícios técnicos ou da combinação de ambos, segundo a descrição de seus aspetos físicos gerais, específicos e de seus caracteres distintivos (PAPILOSCOPISTAS.ORG, 2008).
2 O Retrato Falado é usado e aceito como meio de prova, desde que, esteja em consonância com o conjunto probante. É um processo científico, uma vez que obedecendo uma metodologia e técnicas próprias visa atingir sempre o resultado esperado (PAPILOSCOPISTAS.ORG, 2008).
3 Em Portugal, por volta dos anos 1980 existiam apenas 2malas de Identi kit no País segundo Reis (2015).
4 Desenvolvido em parceria com UFG. http://institutodeidentificacao.policiacivil.go.gov.br Acessado em 31/12/2018. Outras Estados como São Paulo e Paraná usam /usaram o Horus.
5 Ver: O universo de Western para aprofundar no tema. ALBERT A. G. y HOARAU, P. A, El Universo del Western (4ª edicion), Madrid: Editorial Fundamentos, 1997.
6 A estratégia de ideia nova é tão velha, mas ainda parece ser eficaz. Ver as ideias novas de Abraham Lincoln candidato à presidência do Estados Unidos nos anos de 1860 no texto de Leandro Karnal em História dos Estados Unidos (2007).
7 Figura representada nos cinemas como um ladrão de gado e assassino. Sua história é contada no filme Billy the Kid de 1930, The Kid from Texas de 1950.
Bibliografía
Albert A. G. y Hoarau, P. A. 1997. El Universo del Western 4ª edición, Madrid: Editorial Fundamentos.
Carrega, Jorge Manuel Neves. 2015 Entre a História e a Lenda: a arte do oeste americano no western de Hollywood. Metakinema: Revista de Cine e História nº 17: 1-11
Jenkins, P. 2012. Breve Historia del Estados Unidos 4º edición, Madrid: Alianza Editorial.
Silveyra, Jorge. 2006. Sistemas de Identificación Humana, Buenos Aires, Argentina, Ediciones La Rocca.
KARNAL, Leandro. 2007. História dos Estados Unidos: das origens ao século XXI. [et al.]. Marcus Vinícius de Morais, Luiz Estevam Fernandes, Sean Purdy. São Paulo: Contexto.
Frizot, M. Albert, P. Harding, C. A. 1998. New History of Photography. Edição Konemann
Uma Breve História do Wester http://lounge.obviousmag.org/polimorfismo_cultural/2013/04/uma-breve-historia-do-western.html Acessado em 30 de dezembro de 2018.
Uma análise sobre a teoria do criminoso nato. http://www.salacriminal.com/home/-uma-analise-sobre-a-teoria-do-criminoso-nato#_ftn1. Acessado em: 30 de dezembro de 2018.
Jessejames. http://ocinemaantigo.blogspot.com/2013/03/jesse-james-1939.html. Acessado em 30 de dezembro de 2018.
Billy the Kid was trilingual, one of the language he spoke was Gaelic. https://www.thevintagenews.com/2018/01/23/billy-the-kid-was-trilingual/. Acessado em 02 de janeiro de 2019.
PAPILOSCOPISTAS.ORG: Novas tecnologias dão vida ao retrato falado. Disponível em: http://www.papiloscopistas.org/novosite/modules.php?name=News&file=article&sid=130. Acesso em: maio de 2019.