Capítulo / Chapter IV | Cinema – Tecnologia / Technology

“memories in motion: Women and Cinema”: Archive, Montage, and the Poetics of the Audiovisual Essay

“memórias em movimento: A Mulher e o Cinema”: Arquivo, Montagem e a Poética do Ensaio Audiovisual

Alexandre Oliveira Martins

CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Universidade do Algarve, Portugal

Ana Gavina

CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Universidade do Algarve, Portugal

António Costa Valente

CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Universidade do Algarve, Portugal

Bruno Mendes da Silva

CIAC - Centro de Investigação em Artes e Comunicação, Universidade do Algarve, Portugal

Abstract

The following paper describes the artistic process of memórias em movimento: A Mulher e o Cinema, a videoart project that appropriates and is inspired by a manuscript by Fernando Gonçalves Lavrador, a Portuguese literary essayist dedicated to cinema studies. Developed within a PhD in digital media arts, it explores the intersection of text, image, and movement through audiovisual and digital environments. The work also aims to honor Lavrador, whose archives were donated in 2021 to the Cine-Clube de Avanca [Avanca Film Club], serving as a foundation for artistic reinterpretation. This project follows the logic of the audiovisual essay, a format that reconfigures cinematic material to create new meanings. Based on Lavrador’s text “A Mulher e o Cinema” (Women and Cinema), the audiovisual work is divided into three sections. It begins with a prologue featuring Eadweard Muybridge’s motion studies, integrating typographic and kinetic elements. The second segment focuses on the 1950s actress and pin-up icon Betty Grable, portraying her roles as both idealized and objectified through a dreamlike montage. The final section shifts to a rawer, grid-like visual style, presenting the works of the filmmakers Germaine Dulac, Olga Preobrazhenskaya, and Leontine Sagan. Throughout the piece, textual elements remain integral, blending with visuals to enrich the dialogue between Lavrador’s writings and the films and female directors referenced in his text. This work ultimately highlights the potential of the audiovisual essay as both an analytical and creative tool.

Keywords: Archive, Audiovisual Essay, Film Montage, Women in Early Cinema, Fernando Gonçalves Lavrador .

Introdução

Não ir buscar ao passado elementos para se justificarem no presente ... mas para prosseguirem no presente um trabalho que fora iniciado no passado e que deverá ser continuado no futuro.
(Hatherly 1979, 129)

Em 2021, a família do Eng.º Fernando Gonçalves Lavrador cedeu o seu espólio ao Cine-Clube de Avanca [CCA], ficando esta instituição encarregue de estudar, organizar, divulgar e, futuramente, criar um arquivo que apresente ao grande público as memórias e obras desta figura de relevo na cultura portuguesa. O seu espólio é vasto, composto por ensaios e livros de sua autoria, uma coleção pessoal de monografias, revistas cinematográficas, recortes de jornais, correspondências, rascunhos, folhetos, prémios, entre outros objetos.

Com o único propósito de divulgar este valioso acervo – atualmente indisponível ao público-geral –, foi proposto um projeto artístico, logo no início deste doutoramento, que reuniria elementos textuais retirados do espólio com materiais e técnicas relativas à videoarte, proporcionando uma experiência envolvente sobre uma personalidade com um significado relevante para a comunidade e cultura locais.

Apesar do seu vasto contributo para a cultura cinematográfica em Portugal, Lavrador e a sua obra são ainda, em grande parte, desconhecidos do público-geral, e o seu enorme espólio carece de um estudo aprofundado. Através de uma produção artística e audiovisual e revelando textos menos conhecidos desta personalidade, pretende-se divulgar a existência deste acervo, com o intuito de gerar interesse entre a população local. Este trabalho procura ainda disseminar este legado a outros investigadores, apelando ao seu estudo e preservação, com o propósito de apoiar o CCA na procura de pessoal qualificado que possa posteriormente ajudar na construção de um arquivo relativo a esta pessoa.

Estéticas do Arquivo: Práticas Artísticas e a Construção da Memória Contemporânea

A noção de arquivo, quando analisada no contexto das artes e da memória, revela-se como um conceito profundamente enraizado na consciência da mortalidade. O arquivo funciona não apenas como um mecanismo de conservação, mas como um verdadeiro memento mori, carregando consigo o peso daquilo que já passou, ao mesmo tempo em que oferece possibilidades de conhecimento, prazer e nostalgia (Rosengarten 2012). É precisamente essa dualidade – entre a preservação e a evocação – que tem despertado o interesse de inúmeros artistas contemporâneos, que veem no arquivo um campo fértil para refletir sobre o registo, a perda e a reconstrução da memória (Afonso and Bastos, 2020; Rosengarten 2012).

No ensaio An Archival Impulse, Hal Foster (2004) identifica um movimento crescente nas artes visuais da década de 1990 que denomina como um “impulso arquivístico”. Esse fenómeno, mais tarde também reconhecido nas artes performativas por Heike Roms (2013), aponta para uma verdadeira “febre arquivística” que transcende o simples interesse documental. Trata-se de uma atitude estética e crítica, por meio da qual artistas, curadores e teóricos se debruçam sobre os arquivos – sejam eles públicos, institucionais ou íntimos – a fim de questionar as suas formas, funções e os sistemas de poder que neles se manifestam (Carbone 2020).

Nesse sentido, os arquivos deixam de ser vistos apenas como depósitos do passado e passam a ser compreendidos como lugares vivos de negociação simbólica, política e afetiva. A memória, nesse contexto, não é algo estático que se extrai dos arquivos, mas sim um processo dinâmico e contínuo de construção, reconstrução e disputa (Cook and Schwartz 2002). Como afirma Brothman (2001), os arquivos não constroem barreiras entre passado e presente, mas articulam lógicas de continuidade, recorrência e repetição, permitindo o reatamento de narrativas e identidades.

A arte contemporânea tem explorado essa dimensão ao utilizar o arquivo como matéria-prima, conceito ou objeto de investigação. Segundo Arantes (2015), esta prática desdobra-se em cinco estratégias principais:

Ao aplicar estas abordagens, os artistas constroem obras que não apenas resgatam histórias, mas também questionam as ausências, os silenciamentos e as narrativas hegemónicas presentes nos arquivos institucionais. Um exemplo emblemático é o projeto The Fae Richards Photo Archive, criado por Cheryl Dunye em colaboração com a fotógrafa Zoe Leonard. Diante da inexistência de documentação sobre lésbicas afro-americanas em Hollywood, as artistas criaram um arquivo fictício para a personagem Fae Richards, protagonista do filme The Watermelon Woman, de 1996. Apesar de inventado, o arquivo transmite uma sensação de verdade e autenticidade, revelando lacunas da história oficial e dando forma a uma memória coletiva apagada (Bryan-Wilson and Dunye 2013).

Essa estratégia de ficcionalização do arquivo revela o seu caráter inacabado e fragmentário. Ao construir arquivos imaginários, os artistas denunciam omissões institucionais e criam espaço para memórias alternativas. Uma abordagem semelhante é observada na obra Appointment With Sigmund Freud, de 1998, da artista Sophie Calle, que insere objetos pessoais no espaço de exposição do Museu Freud, interferindo poeticamente no acervo do psicanalista e colocando em tensão os limites entre o pessoal e o institucional, o real e o ficcional (Carbone 2020).

Outras práticas artísticas convertem o arquivo em ação performativa, trazendo à tona vozes marginalizadas e questionando estruturas de poder. É o caso de 50 Kilometres of Files (2011), instalação itinerante do grupo Rimini Protokoll, onde os participantes percorrem as ruas de Berlim munidos de auscultadores e mapas, ouvindo gravações de arquivos da Stasi. A obra reativa documentos da Guerra Fria, estabelecendo um diálogo entre passado e presente e oferecendo uma experiência imersiva que recontextualiza a memória histórica (Hahn 2014; Carbone 2020).

Assim, o uso artístico do arquivo ultrapassa a preservação de dados: ele transforma-se num campo de produção estética, política e afetiva. Por meio do arquivo, os artistas expõem tensões entre memória e esquecimento, visibilidade e apagamento, oficialidade e subjetividade. A arte arquivística permite, portanto, a criação de contra-memórias, expandindo a forma como compreendemos o tempo, a identidade e a história. Como observa Carbone (2020), ao incorporar arquivos nas suas práticas, os artistas não apenas revelam as camadas latentes do passado, mas também transformam o presente e apontam caminhos para o futuro, convertendo o arquivo num espaço de crítica e reinvenção contínua.

Fernando Gonçalves Lavrador: Técnica, Cultura e Cinema

Tal como foi referido na introdução, um dos propósitos do projeto em discussão fundamenta-se na divulgação do espólio de Fernando Gonçalves Lavrador através de diferentes iniciativas culturais, entre as quais a exposição de uma videoinstalação. O objetivo assenta na apresentação deste artefato audiovisual na 29ª edição do Festival de Cinema de Avanca. A partir de documentação textual do espólio do Eng.º Lavrador, procura-se divulgar a existência deste conjunto documental e homenagear esta figura com um significado relevante para a região e também para o próprio evento.

Falando um pouco sobre esta personalidade, Fernando Gonçalves dos Santos Ferreira Lavrador nasceu a 13 de março de 1928, na freguesia de Paranhos, Porto, filho de Manuel Ferreira Lavrador e Maria José dos Santos Lavrador. Fernando Lavrador desde muito cedo demonstrou um profundo interesse pela cultura e pelas artes, sendo que com cinco anos já assistia a espetáculos de teatro e de ópera. Anos mais tarde, frequentaria o Liceu Alexandre Herculano, onde conheceu estudantes como Hipólito Duarte que se tornaram seus colaboradores na fundação do Clube Português de Cinematografia, posteriormente renomeado Cineclube do Porto (Cine-Clube de Avanca 2025; Marta and Cardoso, n.d.).

No início da década de 1950, formou-se em Engenharia Eletrotécnica na Universidade do Porto. Desenvolveu a sua carreira como engenheiro eletrotécnico, tendo trabalhado em diversas instituições de destaque, como os CTT (mais tarde Portugal Telecom). Atuou em áreas técnicas e de estudo, ocupando cargos como engenheiro-chefe e integrando o Centro de Estudos de Telecomunicações em Aveiro. Publicou livros e artigos especializados e, após a aposentação em 1998, continuou a colaborar com o Instituto de Telecomunicações e a lecionar na Universidade de Aveiro.

Paralelamente à sua carreira técnica, destacou-se como ensaísta nos domínios da semiótica e do cinema. Foi autor de obras importantes como Justificação Estética do Cinema e Estudos de Semiótica Fílmica, sendo um dos primeiros a introduzir em Portugal, o pensamento do grupo de filmologia da Sorbonne, além de apresentar as suas próprias teorias sobre fenómenos fílmicos e cinematográficos. Durante a sua carreira ensaística, colaborou ainda em jornais como O Comércio do Porto, Portucale e Vértice, e em revistas como Visor e Celulóide.

Além disso, os contributos de Lavrador para o desenvolvimento da cinefilia e do movimento cineclubista em Portugal foram particularmente significativos. Foi cofundador do Clube Português de Cinematografia - Cineclube do Porto -, onde ocupou cargos de destaque como vice-presidente e, mais tarde, Presidente da Assembleia Geral. Tornou-se sócio honorário da instituição e teve participação ativa nos cineclubes de Coimbra e Aveiro, tendo também co-fundado a Cooperativa de Cinema “Grande Plano”, em Aveiro. Organizou e participou em diversos congressos e colóquios, entre eles o Primeiro Congresso Nacional de Cinema Não-Profissional, em 1970, onde foi eleito presidente, e integrou júris de vários festivais de cinema.

Em reconhecimento pela sua dedicação à cultura, foi distinguido com a Medalha de Ouro de Mérito Cultural pela Câmara Municipal do Porto em 1996. Após a sua morte, em 2005, foi homenageado em várias ocasiões, incluindo a criação do “Prémio Eng.º Fernando Gonçalves Lavrador”, atribuído pelo Cine-Clube de Avanca. Esta iniciativa serviu de homenagem a uma pessoa que manteve uma conexão próxima com o CCA desde a sua fundação. Esta proximidade levaria os seus familiares a entregarem, em 2021, uma parte considerável do seu espólio ao CCA, com o propósito de salvaguardar e promover um legado cultural de grande importância para a região e para o país. Legado esse que deve ser divulgado, em parte, através de iniciativas culturais, académicas e artísticas.

Com este repto em mente, iniciou-se assim um processo criativo em torno de obras que pretendiam recordar Fernando Gonçalves Lavrador.

memórias em movimento: uma aproximação experimental à videoinstalação

A produção da videoinstalação que será detalhada mais adiante resultou de um projeto criativo desenvolvido no âmbito de um doutoramento em Média-Arte Digital. Este projeto englobou a realização de diversos objetos audiovisuais que exploram a relação entre texto, imagem e movimento, entre os quais se destacam as obras [o][p][r][e][s][s][ã][o], MetaAnémic Cinéma e right to copy collection (Martins 2022, 2023, 2024). Todas estas criações, de natureza experimental, foram concebidas como ensaios de convergência entre linguagens textuais, visuais, cinéticas e sonoras, configurando-se como etapas preparatórias para investigações subsequentes.

A experiência adquirida com estas obras foi fundamental para o desenvolvimento de duas novas peças, desta vez centradas no espólio de Fernando Lavrador. A primeira dessas criações, intitulada memórias em movimento (Martins and Gavina 2024), teve como principal objetivo explorar uma seleção de documentos provenientes desse espólio. Foram escolhidos manuscritos de autoria de Lavrador, abordando diferentes temáticas ligadas à cinefilia e à crítica cinematográfica1, os quais deram origem a seis animações textuais.

Cada animação resultou da associação entre um texto manuscrito de Lavrador - num total de seis - e uma sequência de imagens pré-cinemáticas de Eadweard Muybridge (Muybridge 1979)2. A decisão de articular estes dois conjuntos de materiais assentou na potencialidade poética e crítica de uma convergência entre arquivos de naturezas distintas: um centrado na palavra escrita, o outro composto por imagens em movimento. Assim, a proposta criativa questionava: de que forma se poderiam interligar os estudos de movimento fotográfico de Muybridge com as reflexões críticas e ensaísticas de Lavrador sobre o cinema? Como fazer dialogar duas formas de pensamento visual e textual, separadas no tempo, mas convergentes no interesse pela imagem em movimento?

A primeira etapa deste processo consistiu na recolha e seleção da matéria-prima: por um lado, os seis textos de Lavrador; por outro, seis sequências visuais extraídas dos estudos de movimento de Muybridge. A lógica composicional partiu da premissa de que os registos visuais de Muybridge confeririam ritmo e dinamismo às animações, enquanto os fragmentos textuais de Lavrador seriam incorporados nos corpos e nas formas em deslocamento, atribuindo-lhes uma nova dimensão material e semântica. Deste modo, foram construídas seis composições animadas, cada uma explorando a intersecção entre a palavra e a imagem em movimento, reunidas sob o título memórias em movimento (Figura 1).

Figura 1 – Três composições de memórias em movimento (Martins and Gavina 2024)

A natureza exploratória deste trabalho serviu de base para a conceção de uma videoinstalação subsequente, posteriormente apresentada numa edição do Festival de Cinema de Avanca. Neste primeiro exercício de articulação verbo-visual, destaca-se, em particular, o processo de levantamento, transcrição3 e apropriação de um dos manuscritos utilizados: trata-se do ensaio intitulado “A Mulher e o Cinema”. Este texto, assinado por F. Gonçalves Lavrador e não datado - embora se estime que tenha sido redigido entre a primeira e a segunda metade do século XX -, oferece um testemunho crítico sobre o papel da mulher na história do cinema, conforme percecionado pelo autor à época:

vamos referir-nos às mulheres que têm servido a arte das imagens e a têm dignificado.

Lavrador reconhece a importância do trabalho de várias realizadoras e pioneiras do cinema, sublinhando que esses contributos ocorreram apesar da persistente desigualdade de género, que historicamente relegou as mulheres para papéis secundários no seio da sétima arte:

Em pleno século XX ainda há quem pense ser a mulher mentalmente inferior. Ainda há quem defenda mesmo a sua inferiorização sistemática, a prisão do espírito feminino para que não acompanhe, em seus vôos arrojados, o espírito do homem.

Antes de enunciar os nomes e feitos destas mulheres, Lavrador introduz uma ressalva fundamental, na qual clarifica o tipo de figuras femininas que pretende abordar, distinguindo-as de representações que considera periféricas ou meramente decorativas:

Não me quero referir certamente às inúmeras Betty Grables que povoam os écrans de todos os países e que nada representam de importante na arte cinematográfica.

Daquelas cuja presença e ação são, de facto, significativas para os propósitos críticos e históricos deste ensaio:

Quero antes referir-me às mulheres que têm ocupado a função fundamental da 7ª arte: a realização. É nêste lugar, que representa o do artista-criador do filme, que a mulher pode evidenciar as suas qualidades de cineasta.

A partir desta delimitação inicial, Fernando Lavrador inicia a secção principal do texto, onde passa a nomear algumas realizadoras e a destacar os seus contributos mais relevantes para o desenvolvimento artístico e intelectual do cinema. Entre todas, a figura que recebe maior ênfase é a da cineasta, jornalista e crítica francesa Germaine Dulac:

Em 1917 aparece em França o filme “Ames d’hommes fous”, assinado por uma mulher – Germaine Dulac, e com êle se inicia a grande escola cinematográfica que ficou conhecida pelo nome de vanguardismo. Germaine Dulac apareceu-nos assim como a fundadora do vanguardismo ...

Em 1919 Germaine Dulac apresenta, de colaboração com Delluc, autor da planificação, o filme “Fête Espagnole”. O seu nome torna-se bastante conhecido e a realizadora enfileira ao lado de Marcel L’Herbier, Abel Gance e outros grandes nomes do cinema francês. “Arabescos” e “Disco 957” são experiências estéticas que, pelo seu valor, podem ser colocadas ao lado das grandes tentativas dêste género, como “Entreacte” de René Clair, “Ballet Mécanique” de Fernand Léger

Após a referência a Dulac, Lavrador continua a sua exposição mencionando outros nomes marcantes da primeira metade do século XX:

Esther Choub, autora de notáveis documentários, Marguerite Barskaïa, directora dum filme célebre para crianças “Os Sapatos Rôtos”, e, principalmente, Olga Préobrajenskaïa que, com o seu filme “A Aldeia do Pecado” (1928), adquiriu fama internacional.

Em 1931 Léontine Sagan realiza o mais notável filme feito até hoje por uma mulher: “Mädchen in Uniform” (Raparigas de Uniforme), onde revela o seu extraordinário sentido de cinema e a sua sensibilidade delicada.

Leni Riefenstahl que realizou, com Angst e Schneeberger, o filme “A Luz Azul”, sôbre planificação de Bela Balasz, dirigiu mais tarde, o notável documentário “Olimpíadas”, que constitue um prodígio de montagem.

Esta leitura revelou-se especialmente enriquecedora, não apenas pela empatia demonstrada em relação às dificuldades enfrentadas pelas mulheres numa indústria e numa sociedade que, historicamente, as marginalizaram e oprimiram, mas também pelo seu valor enquanto síntese concisa e esclarecedora de história do cinema. Esta assimetria histórica entre homens e mulheres no campo do cinema - e o gesto de Lavrador em homenagear figuras que, em grande medida, permanecem desconhecidas, esquecidas ou deliberadamente apagadas da memória cultural - inspirou-nos a revisitar este texto, desta vez não apenas enquanto matéria-prima visual, mas enquanto objeto substantivo de análise.

O novo trabalho que daí emergiria teria, assim, um duplo propósito: homenagear as mulheres das primeiras décadas da história do cinema, e também o homem que escolheu celebrá-las num dos seus ensaios críticos. Dada a natureza ensaística do manuscrito e do seu autor, surgiu naturalmente a possibilidade de abordá-lo sob a ótica do ensaio audiovisual. “A Mulher e o Cinema” seria, portanto, o ponto de partida de uma nova obra que articula os filmes mencionados por Lavrador numa narrativa verbo-visual. Nela, os fragmentos cinematográficos dialogam com as palavras do autor, num jogo de interpelação mútua onde determinadas imagens se tornam legíveis e as palavras, observáveis - e vice-versa.

O Ensaio e a Montagem Audiovisual como Práticas Críticas e Criativas

O ensaio audiovisual digital constitui uma prática artística, reflexiva e crítica que opera na interseção entre criação, análise e mediação cultural. Esta forma híbrida de produção assenta num modelo metodológico flexível e não normativo, caracterizando-se por uma abordagem subjetiva e especulativa ao objeto audiovisual. À semelhança do ensaio literário, o ensaio audiovisual privilegia a subjetividade do autor, a exploração formal e o diálogo contínuo com o seu objeto de análise (Baptista 2017; Almeida 2024).

Trata-se de uma prática que reflete sobre o cinema e, ao mesmo tempo, é constituída por linguagem cinematográfica. Como tal, incorpora fragmentos de filmes, imagens de arquivo, colagens visuais, textos, sons e vozes, organizados através de processos de montagem que revelam uma lógica argumentativa sensível e visual. Estas obras não se limitam à ilustração de ideias previamente estabelecidas: geram, pelo contrário, conhecimento a partir da experimentação formal e da relação íntima e prolongada com os materiais audiovisuais (Baptista 2017).

Com a proliferação de ferramentas digitais acessíveis, o ensaio audiovisual expandiu-se significativamente nas últimas duas décadas. Os processos de montagem digital oferecem um ambiente de criação mais democrático, económico e aberto à experimentação contínua, contrastando com os constrangimentos técnicos e materiais das tecnologias analógicas (Baptista 2017). Esta condição técnica favorece a emergência de novos modos de ver, pensar e fazer cinema, possibilitando formas de produção em que a montagem se torna não apenas um método técnico, mas uma forma de pensamento - uma “forma que pensa”, nas palavras de Jean-Luc Godard (Warner 2018, 177).

O ensaio audiovisual, enquanto forma de conhecimento estético, permite pensar o cinema a partir da sua própria matéria: imagens e sons. Como destaca Català (2022), a mentalidade ensaística configura-se como “una forma de saber a través de la estética [...] por medio de procesos reflexivos expresos” (124), sendo particularmente adequada para lidar com “las complejidades del mundo contemporáneo, a través de su condición fluida, rizomática y multidimensional” (117).

Num contexto em que o espectador deixa de ser apenas recetor passivo, o ensaio audiovisual convoca uma figura ativa: o “espectador-montador” (Almeida 2024, 6). Este sujeito estabelece novas relações entre fragmentos de filmes e a sua própria memória ou imaginação, reorganizando criativamente os materiais de origem. Assim, prolonga a montagem no seu próprio pensamento, transformando a experiência fílmica numa prática interpretativa profunda (Bernardet 1999; Lins 2010).

A montagem - enquanto técnica e operação cognitiva - é aqui central. Permite ao espectador-autor atribuir novos significados às imagens e sons, alterando a sua ordem, duração e sentido (Aumont 1995). Este gesto de remontagem e recomposição constitui um espaço de subjetividade e reflexão crítica, em que a relação com os filmes analisados se transforma num ato de autoria e reinterpretação.

O ensaio audiovisual contemporâneo não surge ex nihilo. Ele herda do filme-ensaio moderno uma tradição de questionamento das convenções narrativas e formais do cinema. Desde os anos 1950, cineastas ensaísticos procuraram distinguir-se da ficção e do documentário tradicionais, optando por uma abordagem que privilegia a subjetividade, a hibridização de géneros e a autorreflexividade (Català 2022). Este modelo de pensamento cinematográfico ganha nova força com as possibilidades técnicas e discursivas oferecidas pelo digital.

A prática ensaística favorece, assim, uma crítica imanente, que opera a partir dos próprios materiais do cinema. Em vez de articular discursos sobre filmes através da palavra escrita, o ensaio audiovisual transforma o pensamento crítico em construção visual. Esta abordagem torna-se especialmente relevante na era digital, na qual o consumo, a análise e a produção audiovisual ocorrem em ambientes convergentes e interativos.

Um exemplo notável da sofisticação estética e argumentativa do ensaio audiovisual digital é o trabalho de ::kogonada. Este autor sul-coreano realiza vídeos curtos que utilizam o formato supercut - uma técnica de montagem baseada na repetição e justaposição de planos com características semelhantes (Baio 2008) - para explorar temas e estilos cinematográficos.

No ensaio Eyes of Hitchcock (::kogonada 2014), o autor constrói uma sequência de olhares das personagens dos filmes de Alfred Hitchcock, articulados em função de uma peça musical. Esta repetição, longe de ser redundante, revela um padrão visual recorrente e inscreve um argumento subtil sobre a centralidade do olhar no cinema de Hitchcock. Segundo Baptista (2017),

:: kogonada usa a montagem para reforçar as relações de semelhança entre imagens diferentes, sugerindo que tudo se equivale. Ao fazê-lo, reduz as relações materiais por trás da produção, circulação e receção das imagens às relações formais, de superfície, entre as próprias imagens. (Baptista 2017, 8–9).

O ensaio audiovisual digital afirma-se como uma prática cada vez mais relevante na paisagem contemporânea da crítica, criação e reflexão cinematográfica. Ao articular análise e expressão estética através da montagem, esta forma de produção desafia os limites entre espectador e autor, entre teoria e prática, entre crítica e arte. A sua expansão, facilitada pelas tecnologias digitais, aponta para um futuro em que pensar o cinema passa, cada vez mais, por fazer cinema - ainda que com imagens e sons já existentes.

memórias em movimento: A Mulher e o Cinema: ensaio textu_visu_aur_[al]

Com algumas intenções, conceitos e metodologias mais abstratas já delineadas, tornava-se necessário regressar à matéria-prima deste trabalho: o texto “A Mulher e o Cinema”. O propósito era construir uma colagem audiovisual a partir das imagens dos diversos filmes referidos por Fernando Lavrador no manuscrito.

Dado o elevado número de obras citadas, bem como a diversidade de materiais fílmicos em discussão, decidiu-se desde o início estabelecer um critério de seleção. Sem uma motivação rigorosamente metodológica a priori, foram deixados de fora os filmes de cariz documental - nomeadamente os trabalhos de Esther Choub e Olimpíadas de Leni Riefenstahl. O foco recaiu, portanto, sobre as obras de ficção, que incluíam: La Fête Espagnole, La Coquille et le Clergyman, Disque 957 e Étude cinégraphique sur une arabesque; A Aldeia do Pecado; Mädchen in Uniform; A Luz Azul; e Os Sapatos Rotos.

Para além deste corpus rico e multifacetado, surgiu também a vontade de integrar um segundo grupo de filmes, motivada por uma passagem do manuscrito que afirma: “Não me quero referir certamente às inúmeras Betty Grables que povoam os écrans de todos os países e que nada representam de importante na arte cinematográfica.”.

Este comentário levou-nos a incluir algumas obras protagonizadas por Betty Grable, ícone do star system hollywoodiano, com o intuito de testar possíveis pontos de contacto - ou fricção - entre o seu universo fílmico e os títulos anteriormente selecionados. A ideia era não apenas verificar se haveria um diálogo possível entre estes dois mundos, mas também problematizar os critérios de legitimação e valorização no campo cinematográfico, colocando em tensão os conceitos de arte, entretenimento e representação feminina.

A partir desta dualidade introduzida por Lavrador, delineou-se uma proposta composicional baseada na construção de duas narrativas paralelas a serem exibidas simultaneamente. De um lado, destacavam-se as atrizes admiradas pelo grande público - neste caso, personificadas em Betty Grable, figura incontornável do cinema musical norte-americano dos anos 1940 e 1950, cujo apelo comercial e popular foi incontestável. Do outro lado, figuravam as mulheres realizadoras que, segundo Lavrador, são aquelas que “têm servido a arte das imagens e a têm dignificado”.

Criava-se, assim, uma relação dicotómica - e por vezes antagónica - entre dois arquétipos de mulheres no cinema: a estrela glamorosa e a artista invisibilizada. Ainda que diferenciadas, estas figuras iriam, em determinados momentos, dialogar ou interferir mutuamente no espaço visual da videoinstalação. Tal estrutura permitia que as imagens de uma narrativa se infiltrassem subtilmente na outra, tensionando a separação entre as categorias estabelecidas e instigando o espectador a refletir sobre as representações e os valores atribuídos às mulheres no ecrã e por detrás dele.

Apesar da separação proposta, durante a visualização dos filmes em análise, rapidamente se tornaram visíveis intersecções e tensões entre os dois blocos narrativos. Se por um lado os filmes de Betty Grable transbordam energia, charme e ostentação, por outro, as suas personagens revelam, por vezes, um subtexto emocional que desafia a superfície da narrativa. Não foram raros os momentos de desconforto, tristeza ou empatia profunda perante as figuras que Grable interpretava - frequentemente manipuladas, reduzidas ou moldadas por personagens masculinas que tentavam enquadrá-las em ideais femininos rígidos, quando não eram simplesmente ridicularizadas por se desviarem desses padrões. Ao terminar o visionamento da sua filmografia, a empatia com Betty era inegável: estávamos do seu lado, tanto quanto apoiávamos e celebrávamos o olhar singular das cineastas referidas no ensaio de Lavrador.

Apesar de compreendermos o contexto e a intenção da crítica de Lavrador - que provavelmente usou o nome mais emblemático da cultura popular da época para ilustrar uma lógica de produção e representação problemática -, a proposta aqui não seria antagonizar Betty Grable com as realizadoras. As suas personagens e os filmes que protagonizou não representariam o “outro lado” menos digno, menos válido ou menos artístico. Pelo contrário, a sua presença na obra deveria constituir igualmente uma forma de homenagem - não só à atriz, mas a uma ideia de mulher moldada por uma gramática visual masculina e industrializada.

Deste modo, embora os dois vídeos pudessem apresentar-se como opostos, funcionariam também como espelhos fragmentados de uma mesma realidade, complementando-se em tensão. A intenção era construir um diálogo honesto, compreensivo e enriquecedor entre dois imaginários femininos - o da visibilidade glamorosa e o da autoria silenciosa -, pertencentes a uma história do cinema que é, como se sabe, profundamente desigual.

Com a visão do projeto já mais estruturada, e com as prioridades criativas definidas para a obra final do percurso doutoral, passámos à recolha de imagens e à experimentação com ideias de montagem. Contudo, ainda antes de avançarmos para a versão definitiva da instalação, surgiu a oportunidade de apresentar uma primeira iteração da obra na conferência #23.ART e na exposição EmMeio#16, que realizou-se na Escola Superior de Educação do Porto entre 5 e 7 de dezembro de 2024.

Com cerca de mês e meio até à data da inauguração, optou-se por conceber uma versão mais contida e formalmente mais simples do que a inicialmente pensada para o Festival de Avanca, em julho de 2025. Colocou-se, assim, de parte a ideia de duas telas em simultâneo. Em vez de uma separação espacial das narrativas de Betty Grable e das realizadoras, esta primeira versão organizou os conteúdos numa única linha temporal, seguindo de forma aproximada a ordem estabelecida por Lavrador no manuscrito original - com pequenas alterações editoriais.

Esta versão, intitulada memórias em movimento: A Mulher e o Cinema (Martins and Gavina 2025), funcionaria como uma ponte entre o projeto anterior - memórias em movimento - e a obra futura, operando segundo uma lógica de cadáver esquisito.

Devido ao tempo limitado e à complexidade do material, alguns filmes foram temporariamente excluídos desta montagem: como A Luz Azul e Os Sapatos Rotos. A decisão de os deixar de fora prendeu-se sobretudo com a metodologia adotada na edição, que usou o texto de Lavrador como guião estruturador da sequência, orientando o corte e o alinhamento dos excertos fílmicos. A montagem foi inteiramente realizada num editor de vídeo e de som, em regime de constante experimentação e reformulação, à medida que se testavam soluções formais e conceituais. A versão final, apresentada na exposição EmMeio#16, organizou-se da seguinte forma:

Sobre a Parte I, o ensaio audiovisual inicia-se com uma lógica semelhante à desenvolvida previamente no projeto memórias em movimento. A partir de alguns materiais visuais desse trabalho anterior foram recriadas novas animações textuais de figuras femininas, retiradas dos testes de movimento de Muybridge. Esta secção inaugural propunha uma introdução gradual à temática central do ensaio, recorrendo de forma meta-referencial a material preexistente: uma citação direta ao vídeo anterior e uma homenagem às mulheres que serviram de corpo - literal e simbólico - aos estudos de movimento de Muybridge. A escolha do título para esta nova obra refletiria esse gesto de continuidade e adição: memórias em movimento: A Mulher e o Cinema, estabelecendo uma ponte declarada entre os dois projetos e propondo uma leitura intertextual entre eles.

Para além dessa camada paratextual, as imagens selecionadas permitiram estruturar, desde o início, uma série de elementos visuais e conceituais centrais. Um deles seria a intercomunicação recorrente entre texto, imagem e movimento, que atravessa o corpo da investigação. Esta ideia é expressa desde os primeiros segundos do vídeo, por meio de uma transição direta entre a animação original da mulher que transporta um cesto à cabeça e a nova versão construída em HTML (Figura 2). O gesto de transcodificação de um suporte para outro - imagem → HTML -, funcionando como metáfora visual, explicita uma das ideias nucleares do projeto: a articulação entre linguagens tecnológicas, corpos em movimento e discurso histórico.

Simultaneamente, esta abertura introduz também as palavras que compõem o manuscrito de Fernando Lavrador, que servirá como fio condutor da obra. O manuscrito original é inteiramente textualizado já nesta secção inicial, criando uma ponte entre o gesto visual e o gesto crítico: este será um percurso histórico e imagético sobre múltiplos retratos de mulheres - com, por e através delas.

Figura 2 – Primeiras imagens de memórias em movimento: A Mulher e o Cinema (Martins and Gavina 2025)

O momento seguinte reforça esse enquadramento. O foco recai agora sobre a nova composição HTML construída a partir da sequência de Muybridge da mulher a rastejar: 182. Crawling on hands and knees (Muybridge 1979). A escolha da imagem foi inicialmente justificada pela sua coerência com o arco temático traçado. Contudo, durante a edição, um detalhe inesperado emergiu: ao isolar e repetir em loop os últimos fotogramas da sequência, o movimento da mulher deixava de parecer um rastejar, passando a sugerir a ação de esfregar o chão (Figura 3). Esta pequena alteração, surgida no processo de experimentação, reconfigurou a leitura da imagem - sem, no entanto, comprometer a sua força simbólica. O gesto de “rastejar” ou “limpar” o chão converte-se aqui numa metáfora visual potente, que evoca a posição historicamente subalterna da mulher - um corpo inclinado, dobrado, próximo do chão, numa atitude de serviço ou submissão. A esta imagem, sobrepõem-se então as palavras do primeiro parágrafo do texto de Lavrador, funcionando quase como uma epígrafe visual:

Colocada sistematicamente numa situação de inferioridade, a mulher não tem desempenhado um papel comparável ao do homem no desenvolvimento da Arte, da Ciência e da Cultura. Em pleno século XX ainda há quem pense ser a mulher mentalmente inferior. Ainda há quem defenda mesmo a sua inferiorização sistemática, a prisão do espírito feminino para que não acompanhe, em seus vôos arrojados, o espírito do homem.

Figura 3 – Mulher esfrega o chão (Martins and Gavina 2025)

Com estes dois momentos iniciais, estabelecem-se desde logo algumas das ideias-chave que irão atravessar todo o ensaio audiovisual: a visibilidade - ou invisibilidade - da mulher na história cultural e artística, a relação entre corpo e discurso, e o modo como diferentes linguagens podem ser articuladas para gerar um comentário crítico.

No plano sonoro, toda esta secção é acompanhada por um som característico de um gira-discos - riscado, saturado, crepitante - que atravessa também as restantes partes do vídeo. Este ruído analógico, por vezes mais presente, outras vezes quase impercetível, funciona como uma espécie de textura unificadora: uma “cola” sonora que confere continuidade e coesão à peça, ao mesmo tempo que remete para uma temporalidade distante, precária e ruidosa - tal como a própria história invisibilizada das mulheres no cinema.

A transição entre a Parte I e II do vídeo dá-se a partir de uma figura de Muybridge que varre o chão - uma figura que, já em memórias em movimento, evocava gestos de invisibilidade e labor doméstico - e que aqui funciona como ponto de inflexão.

O corte para o segundo momento é marcado pela decomposição do texto completo de Lavrador em quatro letras isoladas, que se movimentam de forma enérgica e errática no espaço da tela, quase como partículas ou “átomos verbais” em agitação: “b”, “e”, “t”, “y”. Esta fragmentação tipográfica anuncia a entrada do novo foco do ensaio: Betty Grable (Figura 4).

Figura 4 – Mulher que varre. Transição entre o texto “A Mulher e o Cinema” e as letras “b”, “e”, “t”, “y” (Martins and Gavina 2025)

Passados alguns segundos, emerge ao centro da tela a icónica imagem da atriz em pose de pin-up, sobreposta pela palavra “grable”, repetida em padrão por toda a composição. Esta imagem, convertida em “fotografia-texto”, foi submetida a uma exploração formal que acabou por gerar novas camadas de leitura. Durante o processo experimental - que envolveu o uso combinado de um editor de vídeo e outro de texto - foi testado um pequeno exercício de anagramatização da palavra “grable”, que revelou resultados inesperadamente sugestivos: palavras como “gal” - miúda, rapariga -, “glare” - olhar penetrante -, “blare” - som estridente ou brilho intenso -, “grab” - agarrar - e “leg” - perna - emergem da reorganização das letras, revelando uma série de associações que espelham com ironia e precisão os modos como o corpo de Betty é representado - e instrumentalizado - no imaginário hollywoodiano.

Segue-se uma nova transição, que espelha formalmente a abertura da obra. A imagem-texto de Betty dá lugar à célebre fotografia em fato de banho, retirada do filme Pin Up Girl (Figura 5), momento em que arte e realidade colidem: a personagem de Grable, Lorry Jones, assina cópias dessa mesma imagem para soldados, enquanto, no mundo real, a atriz consolidava o estatuto de símbolo sexual nacional.

Figura 5 – Fotografia-texto, com a palavra “grable” e respetivos anagramas, transita para imagem do filme Pin Up Girl (Martins and Gavina 2025)

A partir daqui, desenvolve-se uma sequência de cenas extraídas dos filmes previamente selecionados - Down Argentine Way, Coney Island, Sweet Rosie O’Grady, Pin Up Girl e Mother Wore Tights - onde a figura de Betty é recorrentemente agarrada, manipulada, controlada, mas também admirada e, em certos momentos, idolatrada (Figura 6).

Figura 6 – Colagem com múltiplas cenas de diferentes filmes protagonizados por Betty Grable (Martins and Gavina 2025)

A montagem destas imagens foi fortemente inspirada pela instalação Mise en Abyme, de Vicki Bennett, em particular pela sua estética de colagem fluída e camadas sobrepostas (Bennett 2024). Procurou-se criar um universo visual onírico, quase liquefeito, onde as fronteiras entre planos são difusas e em constante mutação. Técnicas como transições suaves, aplicação de vinhetas, redução da opacidade e efeitos de distorção de luminosidade foram empregues para criar essa sensação etérea, como se as cenas habitassem um limbo entre o sonho e o delírio.

Este efeito visual é amplificado pela manipulação sonora. A música My Heart Tells Me, interpretada por Grable no filme Sweet Rosie O’Grady, serve de pano de fundo emocional para esta secção. No entanto, a faixa foi alterada: desacelerada, reverberada e distorcida, a voz de Betty soa distante, frágil e etérea - uma presença quase-fantasma. Este tratamento sonoro aprofunda a aura contemplativa da secção e intensifica o seu caráter voyeurístico, remetendo para a figura de Betty não apenas como ícone de desejo, mas também como corpo observado, exposto, condicionado.

Pontuando este ambiente melancólico, surgem intermitentemente clipes de áudio com vozes masculinas que interpelam Betty com frases de correção e dominação:

You moved around too much”
“You didn’t make the words mean anything”
“When you sing, stand still and sing”
“Be a good girl”
“She’s alright

Estas vozes, secas e instrutivas, funcionam como ecos de uma indústria que, mesmo quando eleva Betty à categoria de estrela, insiste em controlar o seu corpo, a sua voz, o seu comportamento. A sobreposição destas falas ao canto distorcido e melancólico cria uma tensão sonora que espelha a tensão visual da montagem: entre admiração e opressão, entre brilho e clausura.

À medida que a canção se aproxima do fim, a imagem de Betty desvanece lentamente. A última cena mostra-a sorridente, segurando um ramo de rosas. Ao fundo, uma porta entreaberta sugere uma possível fuga, uma abertura simbólica para fora deste estado de encantamento hipnótico - ou talvez um gesto de despedida.

É através dessa porta - literal e metafórica - que se inicia a transição para a Parte III (Figura 7). A sequência que se segue introduz imagens dos filmes de Germaine Dulac: uma figura feminina parece despertar de um longo sono. Estica os braços, espreguiça-se, como se emergisse de um transe - ou de um sonho sonhado por outrem. Com o regresso do som do gira-discos riscado, percebemos que esse aparelho esteve sempre a tocar - possivelmente muito próximo desta mulher-adormecida, talvez uma Alice - que agora desperta e se prepara para atravessar outro espelho.

Figura 7 - Transição para o segmento de Dulac, Preobrazhenskaya e Sagan (Martins and Gavina 2025)

Este despertar, onde a figura feminina ergue lentamente os seus braços, espreguiçando-se após o fim de um sonho embalado pela voz distorcida de Betty é mais do que um gesto físico. É o sinal de uma mudança sensível e poética.

Assiste-se aqui a uma viragem dupla: por um lado, a imagem muda no seu cromatismo e tratamento visual; por outro, o olhar que a constrói e a sustenta transforma-se. O regime visual policromático, saturado e etéreo da secção anterior - dominado por fusões, sobreposições e efeitos que embelezavam a figura de Grable - cede lugar a uma paleta austera, onde prevalecem o preto, o branco e os cinzentos. Esta alteração plástica acompanha uma outra, mais fundamental: abandona-se o nexo tradicional masculino-feminino (♂-♀), substituído por uma ligação entre mulheres (♀-♀), sugerindo um novo eixo de reconhecimento, partilha e desejo.

Também a gramática técnica sofre uma mutação: as transições lentas desaparecem, as vinhetas e filtros dissipam-se, e a montagem torna-se mais incisiva, feita de cortes rápidos, planos opacos, e imagens despidas dos artifícios anteriores. Perde-se o véu do sonho, e com ele a fluidez enganadora da colagem onírica. Em seu lugar, surge uma nova lógica de montagem: uma justaposição mais seca, mais marcada, mais lúcida. O espaço agora é recortado, não dissolvido.

É nesta reformulação que se inscreve uma nova matriz de inspiração: a vídeo-instalação Wilderness (Aitken 2022), de Doug Aitken. Em Wilderness, Aitken constrói uma tapeçaria visual onde corpos humanos, rendidos ao fascínio da tecnologia, observam e documentam o pôr do sol em Venice Beach. O momento de maior ressonância estética para este projeto ocorre a meio do vídeo de Aitken, quando a imagem se fraciona em múltiplas molduras organizadas em grelha (Figura 8). Mãos, telemóveis, rostos, o sol - todos multiplicados, invertidos, repetidos em padrões visuais que se assemelham a um caleidoscópio digital. Esta estrutura - uma montagem fractal, multicanal, de potencial cinematográfico expandido - viria a ecoar na construção visual da nossa terceira parte.

Durante o processo de levantamento e experimentação com imagens de Étude cinégraphique sur une arabesque, de Germaine Dulac, uma imagem em particular revelou-se chave: uma flor, repetida, formando um painel em grelha (Figura 9). Este fragmento serviu de ponte entre a linguagem formal de Dulac e os mosaicos visuais de Wilderness. Esse “clique” intuitivo reativou as memórias do trabalho de Aitken e abriu caminho para o vocabulário visual da última secção.

Figura 8 - Wilderness, Doug Aitken, 2022 (Aitken 2022)
Figura 9 - Étude cinégraphique sur une arabesque, Germaine Dulac, 1929 (Dulac 1929)

Assim, esta terceira parte do ensaio audiovisual adota um novo princípio compositivo: o da multiplicação em molduras bem definidas, mosaicos plurais que remetem tanto para o cinema de vanguarda dos anos 1920 como para práticas de montagem digital contemporânea (Figura 10).

O ecrã torna-se superfície expandida de múltiplas visões, onde se entrecruzam narrativas, corpos e gestos. Trabalhando em blocos sucessivos - primeiro os filmes de Dulac, depois A Aldeia do Pecado, por fim Mädchen in Uniform - a montagem constrói, por sobreposição e contraste, um arquipélago visual de figuras femininas que se procuram e que se protegem mutuamente dos olhares ou atos predatórios masculinos.

Estas histórias podem ser lidas como múltiplas ou como uma só, como fragmentos ou como um todo fluído. Essa ambivalência narrativa deve-se, em grande parte, aos próprios processos técnicos de montagem: à testagem de combinações, à manipulação paramétrica das imagens, ao modo como o software se tornou, ele próprio, colaborador criativo.

Em paralelo com esta composição visual, instala-se uma voz-off - seca, autoritária, distante - que, tal como nas falas que ditavam a conduta de Betty Grable, dita aqui novas normas de conduta. Um manual de comportamentos: como ser… como agir. Este tom instrucional surge como contraponto àquilo que as imagens começam a sugerir: que há formas de escapar.

E a saída é, aqui, encontrada nos braços de outras mulheres. Entre elas estabelece-se um gesto partilhado - de solidariedade, amizade e carinho. Não se trata de uma resolução redentora ou utópica, mas de um momento de suspensão, onde o afeto interrompe o ciclo da repressão. O gesto de acolhimento é recíproco, e é nesse momento que irrompe, com suavidade, o hino cristão do século XIX:

So nimm denn meine Hände / Und führe mich / Bis an mein selig Ende / Und ewiglich

Então, toma as minhas mãos / E guia-me / Até ao meu bendito fim / E para sempre

Cantado pelas jovens alunas de Mädchen in Uniform, este cântico originalmente religioso é aqui deslocado do seu contexto devocional para adquirir outro significado: um cântico de amor e de esperança entre mulheres, onde o amparo não é celeste, mas profundamente terreno.

Este fim - reconfortante, ainda que ambíguo - culmina com a dissolução gradual das imagens e do som. A composição encerra-se num gesto de ternura, de aceitação e de partilha, como se o olhar tivesse finalmente encontrado um lugar de repouso.

Numa última nota sobre esta 1ª versão da videoinstalação, apresentada na exposição #EmMeio 16, no Porto, é inevitável retomar a dimensão textual desta obra, elemento transversal e estruturante ao longo de todo o ensaio audiovisual. O texto está sempre presente: ora como legenda, ora como imagem, ora como elemento gráfico animado. Transita entre línguas, entre suportes e entre funções - desde as frases originais de Fernando Lavrador que acompanham Betty Grable, até aos intertítulos retirados de La Fête Espagnole, ou ainda às legendas que traduzem os diálogos de Mädchen in Uniform (Figura 11). Texto e imagem, nesta obra, não apenas dialogam - fundem-se, espelham-se e invertem os seus papéis. Vê-se o texto e lê-se a imagem. Tal como o olhar feminino que desperta e se afirma neste vídeo, a escrita aqui também se emancipa - deixa de ser legenda e torna-se linguagem visual e expressão estética.

Figura 10 - Diferentes colagens geométricas (Martins and Gavina 2025)
Figura 11 - Composições onde texto, imagem, som e movimento convergem (Martins and Gavina 2025)

Em Lugar de uma Conclusão: o Ensaio Audiovisual como Leitura Ativa do Espólio de Fernando Gonçalves Lavrador

Este ensaio audiovisual, tal como descrito ao longo do capítulo anterior, resulta de uma investigação que se estende no tempo e que combina práticas de montagem, experimentação técnica e reflexão crítica em torno do texto e da imagem. A primeira versão de memórias em movimento: A Mulher e o Cinema, articulou-se em torno de uma narrativa sequencial única, fundindo excertos fílmicos e animações tipográficas, construindo uma tapeçaria de referências visuais e sonoras. O projeto incorporou influências formais de obras como Mise en Abyme, de Vicki Bennett, e Wilderness, de Doug Aitken, e explorou uma gramática audiovisual que permitisse pensar e problematizar a representação feminina e os seus enquadramentos históricos, técnicos e simbólicos.

Neste momento, encontra-se em desenvolvimento uma segunda versão da obra, que será apresentada sob a forma de videoinstalação na 29ª edição do Festival de Cinema de Avanca. Esta nova configuração, que expande e reformula a primeira versão, será exibida em dois ecrãs simultâneos, onde a narrativa de Betty Grable será projetada num lado, e a das realizadoras - Dulac, Preobrazhenskaya, Sagan, etc. - no outro. Esta separação já não é apenas temporal, como na versão original, mas agora espacial, permitindo ao espectador experienciar, em simultâneo, as duas histórias - ou mover-se entre elas.

Durante os primeiros testes desta nova montagem, foi particularmente revelador perceber como a divisão da narrativa original em dois ecrãs expôs múltiplas combinações visuais e simbólicas que antes permaneciam latentes. As imagens começaram a dialogar entre si de formas inesperadas. Além disso, a diferença de duração entre os segmentos de Betty e das realizadoras introduz uma dessincronia inevitável na exibição simultânea: a cada nova reprodução, o alinhamento entre as sequências muda ligeiramente, criando novas correlações e leituras possíveis, que nem sempre tinham sido diretamente pensadas, mas que estavam, de algum modo, inscritas no material. Este processo destaca a abertura da montagem como método e o poder do acaso como motor interpretativo.

Importa sublinhar que este projeto, nas suas duas versões, é profundamente ancorado no espólio de Fernando Lavrador, em especial no texto “A Mulher e o Cinema”, que funcionou como matéria-prima, guião e provocação crítica para o ensaio audiovisual. O gesto de transpor o texto para o campo da imagem em movimento representa mais do que uma adaptação: trata-se de uma ressignificação ativa. Os vídeos aqui produzidos reactivam um pensamento que estava adormecido, que, não podendo ainda ser consultado diretamente pelo público no seu formato original, ganha vida nova e relevância ao ser colocado em diálogo com imagens, sons e novas formas de expressão. Assim, este trabalho contribui não só para dar continuidade ao legado intelectual de Lavrador, como também para promover e valorizar o seu acervo, mostrando como os seus escritos podem ser catalisadores para novas leituras, práticas artísticas e investigações futuras. Ao fazê-lo, o projeto transforma textos estáticos, e em certo sentido “mortos”, em matéria viva, aberta, polifónica e dinâmica.

Notas Finais

1Dois ensaios intitulados “Do Fenómeno Fílmico à Emoção Cinematográfica” e “A Mulher e o Cinema”; outro ensaio –possivelmente sem título ou intitulado “Cohen-Séat”– sobre o confronto entre o cinema como arte e como indústria; uma introdução ao filme Repulsa, do realizador Roman Polanski; um rascunho –sem título, apenas com o incipit “Minhas Senhoras e meus Senhores”– de uma palestra sobre as características dos cinemas nacionais; e, por fim, um texto datilografado, na altura encontrado incompleto, intitulado “Cinema de Amadores, Cinema Independente e Cineclubismo”.

2Relativamente aos testes de movimento de 1897 de Muybridge, foram selecionadas as sequências: 7, Walking; 33, Walking and carrying a 14.lb basket in hand, hands raised; 91, Ascending stairs; 164, Jumping and pole-vaulting; 219, Stooping, lifting a broom and sweeping; 344, Striking a blow with right hand; 386, Miner Using a Pick; 416, Toilet, putting on dress.

3As passagens sublinhadas correspondem a marcações feitas pelo próprio Fernando Lavrador no manuscrito original.

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