Capítulo / Chapter III | Cinema – Comunicação / Communication

The impact of non-verbal communication in animation: A case study of “Fragmentos” short animated film

O impacto da comunicação não-verbal na animação: Estudo de caso da curta-metragem “Fragmentos”

António Manuel Rodrigues Ferreira

Universidade do Minho, Portugal

Daniel Brandão

Universidade do Minho, Portugal

Pedro Mota Teixeira

IADE - Universidade Europeia, Portugal

Abstract

Nonverbal communication constitutes a set of languages developed and adopted by humans over millennia, predating verbal language. In the field of animated cinema, the nonverbal dimension plays a central role, allowing characters, settings, and gestures to convey meanings that go beyond their structural aspects. This study analyzes the short film Fragmentos (2020), exploring the nonverbal languages adopted and their symbolic meanings. Through a semiotic analysis, we investigate elements such as gestures, visual composition, and symbolism, and how these contribute to the narrative and emotional communication of the film. This research is part of a broader doctoral research aimed at deepening the impact of animation on human communication.

Keywords: non-verbal, communication, animation, cinema, semiotic.

Introdução

A comunicação não-verbal tem uma história longa e complexa, profundamente enraizada na evolução humana e nas suas dinâmicas sociais, culturais e religiosas. Trata-se de uma forma de comunicação essencial, que antecede a linguagem verbal e escrita, desempenhando um papel vital na interação humana desde os primórdios da sua existência. Antes de pronunciar ou escrever palavras, o ser humano já comunicava através de gestos, expressões faciais e sons (Leucas, 2021). Ao longo da evolução, a comunicação não-verbal tem servido tanto para exprimir intenções e emoções básicas quanto para atender a necessidades mais complexas, como a demonstração de status, a formação de alianças e a criação de convenções sociais, religiosas e políticas.

O estudo da comunicação não-verbal remonta a Charles Darwin, que foi pioneiro na análise das expressões emocionais humanas e a sua universalidade. Pesquisadores como Tomkins, Ekman e Izard deram continuidade a essa linha de investigação, demonstrando que certos gestos e expressões são reconhecidos universalmente, enquanto outros possuem significados subjetivos, variando de acordo com a cultura, o país ou a região. Estes gestos podem ser classificados como símbolos, quando possuem significados universais, ou signos, quando dependem de interpretações culturais específicas (Ferreira, 2013). À luz da semiótica, ambos os tipos de gestos são compostos por três elementos: o referente – o objeto ou gesto em si –, o significante – a forma física ou sonora pela qual é identificado – e o significado – a interpretação atribuída ao gesto.

Além dos gestos corporais, a comunicação não-verbal abrange outras línguas, como a cinésica (expressões faciais e corporais), a proxémica (uso do espaço social), a paralinguística (sinais vocais não-verbais), a aparência física (penteados, roupas, cosméticos), a tacésica (toques físicos), a cronémica (uso do tempo como mensagem), a oculésica (significados do olhar) e os artefactos (objetos manipuláveis que refletem mensagens, como mobiliário ou arte) (Leucas, 2021).

No campo da animação, a comunicação não-verbal desempenha um papel central, permitindo que personagens, cenários e gestos transmitam significados que vão além de suas características visuais (Teixeira, 2013).

A curta-metragem Fragmentos, objeto deste estudo, utiliza a comunicação não-verbal de forma simbólica para construir a sua narrativa e transmitir mensagens emocionais. Produzida em 3D digital, a obra recorre a técnicas como modelação, texturização e animação para criar um universo visualmente apelativo. Este artigo foca-se na análise semiótica dos elementos não-verbais presentes no filme, investigando como os gestos, expressões faciais, composição visual e simbolismo contribuem para a narrativa e a comunicação emocional.

Este estudo insere-se numa investigação de Doutoramento, que visa explorar o impacto da animação na comunicação humana. Ao analisar Fragmentos, pretende-se compreender como a comunicação não-verbal na animação pode ser utilizada para transmitir significados universais, enquanto se adapta simultaneamente a contextos culturais específicos.

Análise da curta-metragem Fragmentos

No início do filme, o enquadramento espacial apresenta um recinto estudantil (Fig. 1). O título “FRAGMENTOS” surge em 3D digital, alternando entre dois estados: normal e quebrado. Essa transição dinâmica reforça a carga simbólica do filme, sugerindo desde o início a temática central de fragilidade. A escolha de apresentar o título nestes moldes prepara o espectador para os eventos que se desenrolarão, estabelecendo uma conexão visual e emocional com a narrativa.

Fig. 1 – Versão de lettering normal (topo) e quebrado (baixo) (1º plano)

No terceiro plano (00:09 - 00:11) duas personagens secundárias encontram-se atentas aos respetivos telemóveis e são subitamente distraídas pela presença da personagem principal. Esta última, passa entre ambas, caminhando em profundidade de costas voltadas para o espectador. As personagens secundárias demonstram emoções de surpresa e desprezo (expressões faciais e paralinguística), para com a personagem principal. Na paralinguística enquadram-se os sinais vocais que remetem à emoção de surpresa – 1º som emitido por ambas as personagens secundárias: “Hmm?” – e à emoção de desprezo – 2º som emitido pela personagem ao lado direito: “Humpf…”. Adicionalmente, devido à proximidade entre os três intervenientes, a personagem principal parte para uma ação que distrai e que, por si só, pode motivar as mais variadas reações. Assim, a proxémica pode também ser considerada neste plano, já que a ação poderia não ter perturbado/distraído se a personagem principal preferisse caminhar um pouco mais afastada, ou se não tivesse caminhado especificamente entre ambas. É comum as pessoas olharem atentamente à presença de outra pessoa se esta última se aproximar demasiado, por uma questão de prevenção da integridade física ou de preparação para a fuga – propriedades da emoção do medo (Ekman & Friesen, 2003). Não obstante, a personagem principal caminha pacificamente, sem qualquer alarido e sem qualquer intenção de causar dano, seja ele físico ou psicológico.

Quanto às expressões faciais, a personagem da esquerda demonstra surpresa, aumentando a abertura das descontraídas pálpebras e elevando as sobrancelhas; e a personagem da direita mistura surpresa e desprezo – sobrancelha unilateral levantada e boca aberta – e termina apenas com desprezo – olhos semicerrados, boca neutra e sobrancelhas levantadas.

Assim, graças a estes comportamentos típicos de uma rejeição, conclui-se, nesta fase, que existe algo de possivelmente diferente na personagem central e que existe algo de errado nas personagens secundárias, pois estas últimas possuem fissuras na face.

Fig. 2 - Personagem principal caminha entre outras (3º plano)

De seguida (00:11 - 00:16), numa aula de expressão artística, através de um travelling horizontal vemos várias crianças a pintar um quadro e, no plano seguinte (00:16 - 00:22), percebemos que a personagem principal não possui fissuras na face e que está a pintar a representação de um coração sobre a tela (Fig. 3).

Fig. 3 - Personagem principal pinta coração (5º plano)

No entanto, persiste o desprezo (expressão facial e sinal vocal) por parte de um colega de turma, depois deste olhar para a tela da personagem principal.

Adicionalmente, à luz da semiótica, insere-se neste extrato um simbolismo que remete à referida representação do coração (artefactos). A forma visual que vemos representada corresponde a um símbolo universal reconhecido como um coração e que, por sua vez, possui o significado de um sentimento positivo como amor, carinho, bem-estar, entre outros.

Nos quatro planos seguintes (00:22 - 00:38) a personagem principal apercebe-se que outras crianças sussurram entre si e zombam desta nas suas costas (gestos corporais e expressão verbal). É notório um afastamento entre os emissores e a recetora (proxémica) (Fig. 4).

Fig. 4 – Fissuras surgem na personagem principal (7º plano)

Após esta sequência de acontecimentos, as fissuras começam a surgir na personagem principal, que se revelam marcas visíveis que simbolizam a dor, sofrimento e tristeza.

Fig. 5 – Fissuras surgem na personagem principal (8º plano)

Ao longo da sua reação às atitudes rudes dos colegas, a personagem principal exprime na face e no corpo (cinésica) a emoção de surpresa, medo e tristeza. A mistura de medo e surpresa revelam-se na boca aberta com cantos ligeiramente recuados (expressões faciais), é notório o medo no olhar (oculésca) quando a personagem muda várias vezes a direção do olhar enquanto se apercebe que algo não está certo atrás de si, e a tristeza é evidente nas sobrancelhas com extremidades internas subidas e relaxadas (expressões faciais). Após o riso dos colegas, esta reage com tristeza (quase choro) por toda a face.

Adicionalmente, a respiração ofegante revela um efeito psicofisiológico provocado pelo medo e, por fim, a retirada consiste numa reação altamente associada a quem experiencia medo (Ekman & Friesen, 2003).

Assim, a personagem decide bater em retirada (gestos corporais e proxémica), levando consigo a sua tela (artefactos).

A transição de cena é efetuada com recurso a uma transição seamless (indetetável), que consiste na adoção de estratégias técnicas para dar continuidade narrativa à ação da personagem, mas com alteração repentina e indetetável do cenário. O resultado resume-se a uma repentina transição entre a sala de aula e a rua, mantendo o ritmo da ação da personagem.

Fig. 6 – Medo, tristeza e surpresa misturados

Na sequência seguinte (00:38 - 00:49), cabisbaixa, a personagem principal caminha lentamente na rua (gestos corporais), quando é surpreendida por um veículo que quase a abalroa (proxémica) (reação: de susto passa para medo). O olhar muda repentinamente de direção (oculésica), quando a personagem se apercebe do evento danoso e tenta afastar-se do mesmo (proxémica). Em suma, o medo passou a surpresa e, por sua vez, passou a alegria (expressões faciais) quando a menina avista uma loja de presentes no outro lado da rua.

Fig. 7 – Tristeza com indícios de surpresa (esq.); alegria e surpresa (dir.)

Alegre, a menina entra na loja (00:49 - 01:03) e a tentativa de toque (tacésica) e de aproximação (proxémica), ao presente localizado no centro da loja, são subitamente interrompidos pelo proprietário. Este aborda a menina com um tom agressivo, recorrendo à interjeição “ei” (paralinguística) e ao desprezo e raiva que espelha na face (expressões faciais). De imediato o proprietário procede a uma ordem de expulsão, apontando convictamente para a porta de saída (gestos corporais). Este último apresentava fissuras na sua face e, com esta atitude, acentuou as fissuras da menina que bate novamente em retirada – um pouco mais lentamente que a retirada anterior (gestos corporais). A menina exprime uma mistura de surpresa e tristeza, em primeira instância, e apenas tristeza quando se retira (expressões faciais).

Fig. 8 – Ordem de retirada (esq.) e reação da personagem principal (dir.)

A cena muda subitamente, com outra transição seamless, para o interior de sua casa (01:03 - 01:25), onde se encontram os seus pais ocupados, igualmente quebrados, distraídos e afastados um do outro (proxémica). Apesar de entrar triste em casa, a menina olha com alegria (expressões faciais) para os pais enquanto partilha a sua obra de arte – o coração – e emite um som que equivale a uma pergunta (paralinguística); ou seja, ela procurava uma reação dos pais.

Os pais, perante a sua presença, interrompem o que estão a fazer, mas retomam rapidamente (expressões corporais), revelando uma clara indiferença pela sua filha, que reage com um som referente a uma surpresa triste e ao início de um potencial choro (paralinguística).

Fig. 9 – Reação de desinteresse dos pais

As fissuras da menina acentuam-se, a emoção de tristeza sobressai (expressões faciais) e a menina retira-se novamente cabisbaixa (expressões corporais).

A cena muda subitamente para a rua (01:25 - 02:13) e, de novo, a personagem caminha triste, lentamente (expressões faciais e corporais) e senta-se num banco com a tela do coração ao seu lado.

Fig. 10 – Personagem principal sozinha na rua

De repente, surge um sujeito alegre (expressões faciais) que lhe oferece um presente. Primeiramente a personagem principal, como se encontra triste e é surpreendida por algo, revela uma mistura de tristeza com surpresa (expressões faciais) e emite um som característico de quem é surpreendido (paralinguística). No momento em que abre o presente, a menina revela surpresa e alegria (expressões faciais) pois encontra-se um coração novo e brilhante no interior, que, voando, sai da caixa e entra na personagem.

As fissuras são anuladas, a personagem fica surpresa e alegre (expressões faciais e gestos corporais) e dá um abraço ao sujeito (proxémica e tacésica) que reage com alegria e carinho (expressões faciais e corporais).

Fig. 11 – Processo de cura das fissuras

A personagem transita muito alegre (expressões faciais e gestos corporais) para a cena da casa dos pais e da loja (02:14 - 02:31), e abraça-os um a um, enquanto estes reagem com surpresa e alegria (expressões faciais). A ação da menina cura as fissuras de todos os visados. No caso dos pais, estes terminam a cena abraçados (proxémica e tacésica).

Fig. 12 – Processo de cura das fissuras

De seguida passa para o plano da escola (02:32 - 02:41) e a menina hesita, em primeira instância, revelando um gesto típico de braços associado à emoção de medo (gestos corporais) (Ferreira, Gomes e Teixeira, 2015) e com uma expressão facial de medo, no entanto, menos intensa que nas cenas anteriores. Num plano aproximado a personagem transita do medo para tristeza e, ganhando coragem, transita para alegria e dirige-se aos amigos, os quais abraça de igual forma.

No exterior da escola o sujeito desconhecido observa alegremente (expressão facial) e revela-se Jesus Cristo, que segura a obra de arte da personagem – o coração (tacésica). A curta-metragem encerra com uma mensagem escrita.

Relevância da linguagem não-verbal na animação

No contexto da animação, a comunicação não-verbal é uma ferramenta essencial para criar personagens e narrativas que ressoem emocionalmente com o público, muitas vezes sem a necessidade de diálogo (Cai, 2024). Após uma recolha e análise conjunta do conteúdo não verbal, de seguida debruçamo-nos individualmente sobre cada um dos códigos, destacando a relevância individual no conjunto dos instrumentos comunicacionais.

Cinésica

A cinésica refere-se ao estudo das expressões faciais e corporais como formas de comunicação, sendo uma das principais ferramentas para transmitir emoções e intenções de forma visual e impactante (Bobkina, Romero & Gómez, 2023). Em animação, onde os personagens muitas vezes não possuem diálogos ou linguagem verbal, a cinésica torna-se essencial para criar uma conexão emocional com o público. Wall-E (2008) é um exemplo clássico, no qual os personagens principais comunicam quase exclusivamente por meio de expressões faciais e movimentos corporais, demonstrando como a cinésica pode substituir o diálogo verbal e transmitir mensagens universais.

De igual forma, em Fragmentos, o discurso verbal está ausente, e as expressões faciais e corporais das personagens assumem um papel central na construção da narrativa. Através de gestos, posturas e microexpressões, o filme explora uma ampla gama de emoções, como tristeza, medo, surpresa, alegria e desprezo. Esses elementos cinésicos ajudam a contar a história e permitem que o público compreenda e sinta empatia pelas personagens, independentemente de barreiras linguísticas ou culturais.

No filme, as expressões faciais são utilizadas para destacar momentos-chave da narrativa. Por exemplo, a personagem principal demonstra tristeza e vulnerabilidade e as personagens secundárias exprimem desprezo e rejeição, através dos gestos faciais já constatados. Estes detalhes cinésicos são cuidadosamente animados para transmitir as dinâmicas emocionais e sociais entre as personagens, reforçando a exclusão e o isolamento da protagonista.

Além das expressões faciais, os gestos e movimentos corporais desempenham um papel igualmente importante. A postura da personagem principal, frequentemente retraída e hesitante, reflete a sua fragilidade emocional e a sua luta interna. Por outro lado, os gestos de rejeição das personagens secundárias, como virar o rosto ou cruzar os braços, reforçam a distância emocional e social entre elas. No clímax do filme, os gestos de aproximação, como abraços e toques, simbolizam a reconciliação e a cura emocional, demonstrando o poder transformador da empatia e do amor.

A cinésica em Fragmentos também é utilizada para criar contrastes visuais e emocionais ao longo da narrativa. Por exemplo, a ausência de fissuras no rosto da protagonista no início do filme é complementada por movimentos suaves e expressões serenas, enquanto as fissuras que surgem posteriormente são acompanhadas por gestos mais tensos e expressões de dor. Estes contrastes ajudam a enfatizar a jornada emocional da personagem e a evolução da narrativa.

Proxémica

A proxémica estuda o uso do espaço físico como forma de comunicação, analisando como a distância entre indivíduos, a ocupação do espaço e a proximidade ou afastamento podem transmitir mensagens sobre relações interpessoais, emoções e hierarquias sociais (McCall, 2024). Em animação, a proxémica é uma ferramenta narrativa poderosa, permitindo que os cineastas expressem dinâmicas emocionais e sociais de forma visual e simbólica (Gimboš, 2012).

Um exemplo notável do uso da proxémica em animação é Frozen (2013), onde a distância física entre Elsa e Anna reflete o afastamento emocional entre as irmãs, enquanto a sua eventual aproximação simboliza reconciliação e aceitação. De forma semelhante, em Fragmentos, a proxémica desempenha um papel central na construção da narrativa, destacando as relações entre a personagem principal e as outras figuras ao seu redor.

Ao longo do filme, a distância física entre a protagonista e as personagens secundárias é utilizada para simbolizar exclusão social e rejeição. Por exemplo, a personagem principal é frequentemente representada em isolamento, com as outras crianças mantendo uma distância significativa, tanto física quanto emocional. Esta separação é reforçada por ações como sussurros e olhares de desprezo à distância, que criam uma barreira invisível entre a protagonista e o grupo. A escolha de enquadramentos amplos e a composição visual das cenas enfatizam a sensação de isolamento, permitindo que o público perceba a solidão da personagem sem a necessidade de diálogo.

Adicionalmente, a proxémica é utilizada para transmitir tensão e desconforto em momentos de interação. Por exemplo, quando a personagem principal passa entre duas crianças no início do filme, a proximidade física inesperada provoca reações de surpresa e desprezo nas personagens secundárias. Esta cena ilustra como a proximidade pode ser percebida como uma invasão de espaço, especialmente em contextos onde já existe uma dinâmica de rejeição (Kreus & Roberts, 2017).

No clímax do filme, a proxémica é invertida para simbolizar reconciliação e cura emocional. A aproximação física entre a protagonista e as outras personagens, marcada por abraços e gestos de proximidade, reflete a superação das barreiras emocionais e sociais que antes as separavam. Estes momentos de contato físico são acompanhados por mudanças na linguagem corporal e nas expressões faciais, reforçando a ideia de que a proximidade física pode ser um catalisador para a conexão emocional (McArthur, 2016).

Outro exemplo significativo de proxémica em Fragmentos é a interação da protagonista com o espaço ao seu redor. A forma como ela ocupa o espaço – caminhando cabisbaixa, sentando-se sozinha num banco ou afastando-se lentamente de situações de rejeição – comunica o seu estado emocional e a sua vulnerabilidade. Por outro lado, a sua aproximação ao presente oferecido no final do filme simboliza a aceitação de uma nova oportunidade de conexão e cura.

Paralinguística

A paralinguística refere-se aos sinais vocais não-verbais que acompanham ou substituem a comunicação verbal, como entonação, volume, ritmo, pausas e interjeições. Estes elementos vocais, embora não sejam palavras, carregam significados emocionais e contextuais que enriquecem a comunicação (Schandorf, 2020). Em animação, a paralinguística é amplamente utilizada para transmitir emoções e intenções de forma subtil, especialmente em obras onde o diálogo é ausente ou limitado (Burtt, 2008).

Um exemplo clássico do uso da paralinguística em animação é The Lion King (1994), onde os rugidos de Simba e Scar demonstram força e comunicam emoções como raiva, medo ou determinação. Em Fragmentos, a paralinguística complementa as expressões faciais e os gestos das personagens para transmitir emoções de forma clara.

No filme, os sons vocais emitidos pelas personagens – como suspiros, murmúrios, interjeições e mudanças no ritmo da respiração – são cuidadosamente utilizados para reforçar o estado emocional de cada cena. Por exemplo, no início do filme, as personagens secundárias reagem à presença da protagonista com interjeições como “Hmm?” e “Humpf...”, que expressam surpresa e desprezo, respetivamente. Estes sons, embora breves, são suficientes para comunicar a rejeição social e o desconforto que a protagonista enfrenta, sem a necessidade de palavras.

A respiração também é um elemento paralinguístico importante em Fragmentos. Em momentos de tensão ou tristeza, a respiração da protagonista torna-se mais pesada e irregular, refletindo o impacto emocional das situações que enfrenta. Por exemplo, quando a protagonista percebe que está a ser zombada pelas outras crianças, a sua respiração ofegante transmite medo e vulnerabilidade, enquanto o som quase inaudível de um suspiro sugere resignação e tristeza.

Outro uso significativo ocorre na interação da protagonista com o proprietário da loja. A interjeição “Ei!”, dita de forma agressiva, transmite autoridade e hostilidade, enquanto o tom de voz elevado e abrupto reforça a rejeição que a protagonista já vinha experienciando. A reação da protagonista, por sua vez, é marcada por um som de surpresa triste, seguido por um murmúrio quase inaudível, que simboliza a sua dor e resignação.

No clímax do filme, a paralinguística é utilizada para transmitir uma transformação emocional. Quando a protagonista recebe o presente que cura as suas fissuras, os sons vocais que emite – um suspiro de surpresa seguido por um riso suave – refletem a transição de tristeza para alegria. Estes elementos vocais, combinados com as expressões faciais e os gestos, criam um momento de grande impacto emocional, permitindo que o público sinta a mesma alegria e alívio que a personagem.

Aparência Física

A aparência física das personagens é um dos elementos mais visíveis e impactantes da comunicação não-verbal em animação. Detalhes como roupas, penteados, cores, texturas e características faciais são cuidadosamente projetados para transmitir informações sobre a personalidade, o estado emocional e o contexto social das personagens. Estes elementos visuais ajudam a construir a identidade das personagens e desempenham um papel narrativo, guiando o público através da história e das emoções que ela evoca (van Rooij, 2019).

Em muitos filmes de animação, a aparência física é utilizada para desafiar estereótipos e transmitir mensagens sobre aceitação e inclusão. Por exemplo, em O Corcunda de Notre Dame (1996), a aparência física de Quasimodo, com a sua deformidade e postura curvada, contrasta com a sua bondade interior e a sua capacidade de amar e ser amado. De forma semelhante, em A Bela e o Monstro (1991), a aparência assustadora do monstro esconde um coração gentil e uma alma nobre, enquanto a beleza física de Gaston mascara a sua arrogância e maldade. Em Shrek (2001), a aparência do ogre desafia os padrões de beleza convencionais, transmitindo uma mensagem sobre a importância de valorizar a beleza interior e a autenticidade.

Em Fragmentos, a aparência física das personagens é utilizada de forma simbólica para refletir o estado emocional e as dinâmicas sociais. Um dos elementos mais marcantes são as fissuras no rosto das personagens, que funcionam como uma metáfora visual para fragilidade emocional, sofrimento e desconexão. Estas fissuras não são apenas um detalhe estético, mas um recurso narrativo que evolui ao longo do filme, acompanhando as mudanças emocionais e sociais das personagens.

No início do filme, a protagonista é apresentada sem fissuras no rosto, o que simboliza a sua pureza, resiliência emocional e esperança. Em contraste, as personagens secundárias já apresentam fissuras visíveis, sugerindo vulnerabilidade, imperfeição e uma desconexão emocional que as impede de se relacionar de forma empática com a protagonista. Esta diferença visual inicial estabelece uma clara distinção entre a protagonista e o restante grupo, reforçando a sua posição de outsider no contexto social.

À medida que a narrativa avança, as fissuras começam a surgir no rosto da protagonista, refletindo o impacto emocional das rejeições e dificuldades que enfrenta. Cada interação negativa – seja o desprezo das outras crianças, a indiferença dos pais ou a hostilidade do proprietário da loja – contribui para o aparecimento de novas fissuras, simbolizando como as experiências de dor e exclusão deixam marcas visíveis na sua aparência física. Esta transformação visual visa comunicar o estado emocional da personagem, e também serve como um elemento narrativo que guia o público através da sua jornada de sofrimento e eventual redenção.

No clímax do filme, a aparência física da protagonista sofre uma transformação significativa. Após receber o presente que simboliza cura e esperança, as fissuras no seu rosto desaparecem, restaurando a sua aparência inicial. Esta mudança visual é acompanhada por uma mudança emocional, com a protagonista demonstrando alegria, confiança e empatia. Além disso, a sua interação com as outras personagens – marcada por abraços e gestos de proximidade – resulta na cura das fissuras nos rostos destas, simbolizando o poder transformador do amor e da empatia.

Adicionalmente, a utilização de cores e texturas para reforçar o estado emocional das personagens é mais um aspeto particularmente relevante em Fragmentos. A paleta de cores associada à protagonista muda ao longo do filme, começando com tons mais claros e suaves que refletem a sua inocência e esperança, e gradualmente tornando-se mais escura e opaca à medida que enfrenta rejeição e sofrimento. No entanto, no final do filme, cores mais vibrantes e quentes são utilizadas para simbolizar a sua transformação emocional e a restauração da harmonia.

Oculésica

A oculésica é uma linguagem não-verbal que faz uso da direção, duração e intensidade do olhar e pode transmitir intenções, emoções e relações entre pessoas de forma evidente e subtil (Burgoon, Guerrero & Floyd, K, 2016). Em animação, onde os personagens são criados analogicamente ou digitalmente, o olhar é cuidadosamente projetado para criar uma conexão emocional com o público e para comunicar mensagens que muitas vezes não precisam de palavras (Hooks, 2017).

Em filmes como O Rei Leão (1994), o olhar de Simba ao observar o céu estrelado reflete a sua saudade e busca por orientação, enquanto em A Bela e o Monstro (1991), os olhares trocados entre ambos durante a dança no salão simbolizam a crescente conexão emocional entre os dois. Em Shrek (2001), o olhar de Fiona, que alterna entre vulnerabilidade e determinação, ajuda a revelar as camadas emocionais da personagem. Estes exemplos demonstram como o olhar pode ser usado para transmitir emoções complexas e criar momentos narrativos impactantes.

De forma semelhante, em Fragmentos, o olhar da protagonista é um dos principais meios de comunicação emocional ao longo do filme. Através da direção, intensidade e duração do olhar, a protagonista exprime uma ampla gama de emoções, como tristeza, medo, esperança e alegria, permitindo que o público compreenda a sua jornada emocional de forma profunda e universal.

No início do filme, o olhar da protagonista é frequentemente direcionado para baixo ou para longe, evitando o contato visual com as outras personagens. Essa escolha reflete a sua vulnerabilidade, insegurança e desejo de se afastar das situações de rejeição. Por exemplo, em momentos de exclusão social, como quando as outras crianças zombam dela, a protagonista evita olhar diretamente para elas, comunicando o seu desconforto e a sua tentativa de se proteger emocionalmente (Knapp, Hall & Horgan, 2013).

À medida que a narrativa avança, o olhar da protagonista torna-se um reflexo direto do impacto emocional das interações que enfrenta. Em momentos de dor, como quando os seus pais ignoram a sua tentativa de partilhar a pintura do coração, o seu olhar é carregado de tristeza e desilusão, com movimentos lentos e hesitantes que reforçam a sua sensação de abandono. Por outro lado, em momentos de surpresa ou medo, como no momento em que é quase abalroada por um carro, o olhar da protagonista muda rapidamente de direção, transmitindo a sua reação instintiva ao perigo.

No clímax do filme, o olhar da protagonista sofre uma transformação significativa. Após receber o presente que simboliza cura e esperança, o seu olhar torna-se mais direto e confiante, refletindo a sua renovada força emocional e a sua disposição para se reconectar com os outros. Esta mudança é particularmente evidente nas cenas finais, onde a protagonista olha diretamente para as outras personagens enquanto as abraça, simbolizando a superação das barreiras emocionais e sociais que antes os separavam.

O uso do olhar também é evidente nas personagens secundárias, cujos olhares de desprezo, indiferença ou surpresa ajudam a reforçar as dinâmicas sociais e emocionais do filme. Por exemplo, as crianças que zombam da protagonista frequentemente trocam olhares cúmplices entre si, enquanto evitam olhar diretamente para ela, o que reforça a exclusão social. Da mesma forma, o proprietário da loja utiliza um olhar altivo, severo e fixo para intimidar a protagonista, comunicando a sua hostilidade de forma clara e direta.

Artefactos

Os artefactos, ou objetos manipuláveis, são elementos narrativos frequentemente utilizados em animação para transmitir mensagens simbólicas, enriquecer a narrativa e criar conexões emocionais com o público. Estes objetos, muitas vezes carregados de significados profundos, podem representar emoções, valores ou transformações, funcionando como catalisadores para o desenvolvimento das personagens e da história (Wells, 1998).

Em filmes de animação, os artefactos desempenham papéis centrais em diversas narrativas. Por exemplo, em Toy Story (1995), os brinquedos em si são artefactos que simbolizam a infância, a amizade e a passagem do tempo. O chapéu de cowboy de Woody, em particular, representa a sua identidade e o seu papel como líder e amigo. Em O Estranho Mundo de Jack (1993), a árvore de Natal e os presentes são artefactos que simbolizam a descoberta de um novo mundo e a tentativa de Jack de compreender o espírito natalício. Já em Kubo and the Two Strings (2016), o shamisen (instrumento musical) de Kubo é um artefacto que carrega memórias familiares e poderes mágicos, sendo essencial para a sua jornada de autodescoberta e superação.

Em Fragmentos, o coração pintado pela protagonista é um dos artefactos mais significativos, funcionando como um símbolo universal de amor, esperança e resiliência. A tela com o coração acompanha a protagonista ao longo do filme, representando a sua essência emocional e a sua tentativa de se conectar com os outros. Este artefacto não é apenas um objeto físico, mas também uma extensão da personagem, refletindo os seus sentimentos e a sua busca por aceitação.

Ao longo do filme, a rejeição que a protagonista enfrenta é refletida na forma como os outros ignoram ou desprezam a sua obra. Na escola, os colegas zombam da pintura, enquanto em casa, os pais demonstram indiferença quando ela tenta partilhar a tela com eles. Estas reações negativas reforçam o isolamento emocional da protagonista e simbolizam a dificuldade de encontrar empatia e compreensão no seu ambiente.

No clímax do filme, o presente que a protagonista recebe – um coração novo e brilhante – torna-se um artefacto transformador. Este objeto simboliza a cura emocional e a renovação da esperança, marcando um ponto de viragem na narrativa. Ao aceitar o presente, a protagonista restaura a sua própria força emocional e inspira mudanças nas outras personagens. As fissuras nos rostos das outras figuras desaparecem após interagirem com ela, simbolizando o impacto positivo que a empatia e o amor podem ter nas relações humanas.

Além disso, o coração brilhante transcende o seu papel como um simples objeto, tornando-se um símbolo de transformação coletiva. A sua luz e energia curam a protagonista e ilumina as vidas das outras personagens, reforçando a mensagem central do filme: a importância de se conectar com os outros e de espalhar bondade e empatia.

Em Fragmentos, a forma como os artefactos estão integrados na narrativa visual é frequentemente destacada em enquadramentos que enfatizam a sua centralidade na história, como por exemplo, o coração no clímax do filme, que é apresentado com uma iluminação vibrante e movimentos fluidos, simbolizando a sua natureza mágica e transformadora.

Conclusão

A análise de Fragmentos demonstra como a comunicação não-verbal pode ser uma ferramenta poderosa para transmitir emoções e construir narrativas que transcendem barreiras linguísticas e culturais. Através das diversas linguagens não-verbais, o filme explora temas universais como exclusão social, empatia, resiliência emocional e transformação. Estes elementos enriquecem a narrativa e também criam uma conexão profunda entre o público e as personagens, permitindo que mensagens complexas sejam transmitidas de forma visual e simbólica.

O coração pintado pela protagonista, as fissuras no rosto das personagens e o uso do olhar são exemplos de como a comunicação não-verbal pode ser utilizada para simbolizar emoções e mudanças ao longo da narrativa. Estes elementos, aliados a uma composição visual cuidadosa, tornam Fragmentos uma obra que emociona e que convida à reflexão sobre a importância da empatia e da conexão humana. Uma excelente mensagem para miúdos e graúdos.

Pretendemos continuar os presentes estudos, investigando como diferentes públicos interpretam estes elementos não-verbais, bem como o impacto emocional que eles geram em contextos culturais variados.

Referências bibliográficas

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Notas Finais

Esta investigação foi financiada por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito da Bolsa de Doutoramento com a referência 2022.10351.BD, integrada na tese “Do Artesanal ao Digital: O Impacto da Animação na Evolução da Comunicação Humana”.