Capítulo / Chapter I | Cinema – Arte / Art

Strategies for conservation of materials from the Material Collection for Art Direction of the UFF Film and Video Department

Estratégias de conservação dos materiais do Acervo Material para Direção de Arte do Departamento de Cinema e Vídeo da UFF

India Mara Martins

Universidade Federal Fluminense - UFF

Abstract

The purpose of this communication is to present the creation of Collections for Art Direction as a strategy that collaborates with new models of sustainable audiovisual production and brings possibilities for developing proposals for the sector, from the perspective of the triad of responsibilities: environmental, social and economic. The Material Collection for Art Direction of UFF is structured around a collection of materials such as stage objects, furniture and costume pieces, which have been gathered over the years from donations from audiovisual producers, public and private companies. These materials require a series of protocols for their conservation and preservation, involving from the structuring of space with air conditioning and appropriate furniture up to the cataloging of materials and the systematization of procedures for control of output and storage of materials. In this work, we present some of the strategies adopted for the operation of a University Collection, considering the limitations of physical, human and material resources and the intrinsic difficulties in the management of a living collection.

Keywords: Collection Art Direction, Conservation, Preservation and Sustainability.

Introdução

A proposta deste artigo é apresentar a criação de Acervos para Direção de Arte como parte de uma estratégia que colabora para o desenvolvimento de novos modelos de produção audiovisual sustentável, na perspectiva da tríade de responsabilidades: ambiental, social e econômica. O Acervo Material para Direção de Arte da UFF é pioneiro nesta estratégia no contexto universitário e se organiza em torno de uma coleção de materiais como objetos de cena, mobiliário e peças de figurino, que foram reunidos ao longo dos anos a partir de doações de produtoras de audiovisual, empresas públicas e particulares. Neste trabalho, tratamos da reestruturação do Acervo de Arte da UFF e das dificuldades inerentes à gestão de um acervo vivo.

Mas antes abordaremos alguns momentos históricos da busca por uma produção audiovisual sustentável, começando pela indústria de produção audiovisual estadunidense.

A emergência de uma crise ambiental sem precedentes passou a exigir também da indústria cinematográfica uma postura mais efetiva em relação ao problema, sob o risco de ficar na contramão da história e ter questionada sua influência econômica e ideológica. A EMA - Environmental Media Association nasce em 1989 com uma missão bem clara: “Nossa missão é fornecer uma voz unificada para o nosso planeta por meio de entretenimento, narrativa e educação. Na EMA, acreditamos que a narrativa pode mudar o mundo” (EMA, 2025). Como é uma das primeiras instituições criada para conscientizar e buscar estratégias para mitigar os impactos ambientais da indústria cinematográfica, vamos trazer um breve histórico da sua atuação.

Num primeiro momento, a principal estratégia da EMA era incluir nas narrativas produzidas atitudes que estimulavam um estilo de vida sustentável. Por exemplo, em 1993, ela incentiva a inclusão da mensagem sobre reciclagem na tela, essa atitude vai estar presente em vários filmes lançados naquele ano. A EMA também investiu em eventos internacionais para propagar sua mensagem. Curiosamente, um dos primeiros eventos da EMA com a presença de celebridades foi no Brasil. Em 1990, a EMA patrocinou o evento beneficente “An Evening in Brazil” para contribuir com o trabalho da Rainforest Foundation com performances especiais de Bruce Springsteen, Sting e Billy Crystal. Mas apenas interferir na narrativa e promover eventos artísticos parecia não chamar a atenção de políticos e autoridades

A partir de 1996, a EMA passa a fazer parcerias com organizações que lutam pelo meio ambiente como atividade fim. Uma das primeiras parceria é com a Coalition for Clean Air para desenvolver uma grande campanha de mídia para reorientar a conscientização pública sobre a má qualidade do ar no sul da Califórnia. A EMA também se associa com a NRDC para apoiar uma batalha judicial travada no Athens Park, mostrando que os depósitos de resíduos perigosos estavam mais frequentemente localizados perto de áreas de baixa renda. A atuação com organizações ambientais mantém o mesmo padrão das ações com o audiovisual, utilizando sua expertise em comunicação e eventos, tendo sempre a presença de celebridades do mundo artístico. Um dos destaques da EMA era com certeza o Annual EMA Awards, o Oscar do tapete verde, com a entrega de prêmios para produtoras, atores e empresas do ramo do audiovisual por sua atuação em defesa do meio ambiente. O evento, que iniciou em 1990 e agora está em sua 35ª. edição, sempre contou com a presença de celebridades e o glamour associado aos eventos da indústria audiovisual para fazer jus à presença das celebridades e trazer convidados dispostos a contribuir com a causa.

Interferir na narrativa, promover eventos artísticos e criar premiações, não afetava os modelos de produção, que continuavam sendo pouco sustentáveis. Contudo, somente em 2000, a EMA passa a atuar na produção com um novo programa ambicioso de “briefings ambientais individuais”, trabalhando diretamente com equipes criativas em produção, lançando “ideias verdes” para trabalhar nas visões de histórias das equipes criativas (roteiristas, produtores, diretores de arte, fotografia). É também nos anos 2000, que a EMA passa a discutir o uso de recursos mais sustentáveis na produção audiovisual. No Disney Studios ela apresenta o The Greening of Hollywood, um painel de especialistas discutindo produtos projetados como alternativas à madeira de lei da floresta tropical.

Em 2015, pela primeira vez, a EMA anunciou quanto um estúdio economizou ao fazer escolhas de produção sustentáveis – algo como $400K no O Espetacular Homem-Aranha 2. Neste mesmo ano, o programa de reconhecimento Selo Verde da EMA, que já tinha mais de 250 premiados, atingiu o maior número, chegando a 59 contemplados pelo selo. Em 2020 a Ema realiza a sua 30ª Edição Anual dos Prêmios EMA de forma virtual, por causa da Pandemia de Covid-19. Em 2021, retoma o evento presencial quando duzentas e vinte e nove produções recebem o Selo Verde EMA (EMA Green Seal) por produção sustentável. Além disso, o Programa expande-se com o novo Selo Verde EMA para Estudantes (EMA Green Seal for Students).

Como podemos observar no levantamento acima, há um movimento para estimular mudanças na postura de Hollywood em questões ambientais, mas a indústria cinematográfica continua sendo a segunda mais poluente do estado da Califórnia. A maioria dos sets de filmagens ainda utiliza materiais poluentes na produção de arte, produz centenas de garrafas plásticas e copos de isopor, além de carros movidos a gasolina serem o principal meio de transporte. Portanto, apesar do esforço evidente para reduzir o impacto ecológico das produções audiovisuais existe um conflito tanto entre o conteúdo produzido nos filmes quanto na lógica de produção planificada e com elevada produção de resíduos.

A grande produção de resíduos, principalmente pelo departamento de arte, levou a EMA a estimular a retomada e expansão dos Acervos para a produção de arte dos produtos audiovisuais. Recentemente a EMA compartilhou, através da sua newsletter, a transcrição do podcast intitulado “How Hollywood Art Directors are working to keep their sets out of the landfill” (1), que pode ser traduzido “Como os diretores de arte de Hollywood estão trabalhando para manter seus sets fora do aterro sanitário”, que destaca a retomada dos Acervos de Arte para a realização da produção de arte dos filmes hollywoodianos a partir de perspectivas mais sustentáveis. O texto é bastante otimista em relação aos Acervos trazendo os vários públicos (realizadores, pequenas produtoras, estudantes de cinema), mas deixa claro que ainda há muita resistência por parte dos diretores de arte norte-americanos. De acordo com Sondra Garcia, diretora de operações cênicas da Beachwood “às vezes, diretores de arte resistem à ideia de reutilizar antigos sets, porque querem realizar sua própria visão criativa” (Veltmann, 2024, p.2) .

Para diminuir essa resistência, a empresa permite que eles alterem o que alugam para atender às necessidades de cada projeto.”Dizemos às pessoas: ‘Você vai dar seu próprio toque nisso. Você vai pintar. Você vai reconfigurá-lo. E então é seu design”. Por outro lado, a utilização de materiais dos acervos é bem aceita pelos produtores. “A coisa mais importante a lembrar é que reciclar coisas é menos desperdício, e os produtores gostam porque economiza dinheiro”, disse Garcia. A Beachwood Services, de propriedade da Sony Pictures Entertainment, aluga cenários e adereços para reutilização que foram originalmente construídos para suas próprias produções. Localizado em Santa Clarita, ao norte de Los Angeles, seus armazéns estão lotados de “joias cênicas”, como o helicóptero do filme de guerra de 2001 Black Hawk Down. Desde então, ele foi reaproveitado em Terminator 4, Suicide Squad e The A Team, entre outros filmes e programas de TV.

Resumindo, a EMA experimentou várias estratégias para mitigar os efeitos ambientais da indústria audiovisual, desde a inserção de atitudes mais sustentáveis na narrativa, ampliação da divulgação sobre o tema no meio artístico, utilização da sua estrutura e participação em embates ambientais da Califórnia, realização de eventos de premiação com a presença de celebridades, consultoria e acompanhamento das produções e, mais recentemente, o estímulo na expansão de Acervos para reaproveitamento de materiais cenográficos nas produções audiovisuais visando uma indústria mais sustentável.

Produção audiovisual sustentável

Mas o que seria uma produção audiovisual mais sustentável? Temos várias perspectivas para pensar a produção cinematográfica sustentável, a mais ampla delas adota a tríade ambiental, econômica e social definida na Conferência de Estocolmo (1972), para estabelecer seus protocolos. “A sustentabilidade na produção cinematográfica incorpora a tomada de decisões social e ambientalmente responsáveis desde a pré-produção até a pós-produção de um filme” (Cinema Verde, 2023). Para ser efetiva, a proposta deve envolver “princípios de desenvolvimento sustentável em todos os níveis da produção cinematográfica e será melhor realizado de maneira unificada com a colaboração e cooperação de todos os departamentos e participantes na produção do filme” (Corbett, 2006). Na prática, para buscar uma produção mais sustentável devemos começar no lançamento do projeto e envolver todos os principais interessados, incluindo o diretor, produtor do filme, diretor de produção, production designer, diretor de arte, figurinista, supervisor de efeitos, produtor de elenco e equipe técnica.

No contexto da indústria criativa, apesar do impacto socioambiental da produção audiovisual ser enorme, o tema é pouco discutido nos cursos de cinema e audiovisual e quase não há pesquisas acadêmicas nos programas de pós-graduação em cinema e audiovisual. Quando falamos em produção audiovisual sustentável estamos nos referindo a produções que fazem uso inteligente e racional dos recursos. Para Dias (2017), o conceito de sustentabilidade passa por ações humanas que visam suprir as gerações atuais sem comprometer as futuras, estando diretamente relacionada ao desenvolvimento humano, no que se diz à utilização de recursos naturais de maneira inteligente ao longo do tempo. Jacobi, Raufflet e Arruda (2011, p. 23) definem a sustentabilidade como “a capacidade de resistir e durar”. Já Miranda et al. (2019) descrevem o desenvolvimento sustentável como algo que assiste a sociedade atual sem prejudicar a futura (Silva, 2022).

Também encontramos definições que falam em sustentabilidade e democracia. Tommasiello & Guimarães se perguntam: “De qual sustentabilidade estamos falando? Uma sustentabilidade atrelada ao desenvolvimento econômico ou uma sustentabilidade democrática. “entendida como o processo pelo qual as sociedades administram suas condições materiais, redefinindo os princípios éticos e sociopolíticos que orientam a distribuição de seus recursos ambientais?” (Leroy et al, 2002, p.18). As autoras explicam que:

(…) dependendo das diferentes matrizes teóricas das concepções de sustentabilidade trabalhadas durante os seus cursos, os profissionais por elas formados podem ter distintos entendimentos sobre as causas e soluções para a crise, que tanto podem objetivar o atendimento ao capital, ao Estado como podem atuar como profissionais atentos às questões socioambientais, às necessidades humanas e à justiça ambiental (Tommasiello & Guimarães, 2022).

Em relação ao audiovisual não poderia ser diferente. Ressalto que, em geral, quando se fala em produção audiovisual sustentável no Brasil estamos nos referindo a uma indústria que funciona e se estrutura sem o apoio das leis de incentivo. Algo que nunca ocorreu no Brasil, pois temos problemas crônicos, que envolvem a produção, o sistema de distribuição e exibição e, além da competição com a produção audiovisual, particularmente, a estadunidense, contra a qual temos poucas chances. Este contexto dificulta que a produção audiovisual brasileira se consolide como uma indústria sustentável. E, como pontua Attayde:

Quando se fala em sustentabilidade da atividade cinematográfica no Brasil, tem-se em mente a consolidação desse setor em termos industriais, com a consequente ampliação de ocupação da parcela no mercado brasileiro, que, atualmente, está em torno de 15%. Isso implica a gradual independência em relação aos incentivos fiscais, de forma que o setor privado se sinta estimulado a investir cada vez mais recursos próprios não apenas como forma de estratégia de marketing cultural, isto é, atrelar a sua marca a um produto cultural de maneira a usufruir de uma mídia espontânea, mas, também, como fonte financiadora de uma atividade atrativa em termos financeiros (Attayde, 2006).

Contudo, mesmo longe desse cenário, recentemente a questão da sustentabilidade ambiental passou a ser tema de debates em festivais de cinema e eventos profissionais. Também foram lançados o Guia de Sustentabilidade para o Setor Audiovisual, desenvolvido pela Firjan SENAI (2023), o Relatório 2022 Jornada ESG, desenvolvido pela Rede Globo (2023) e a Cartilha, produzida pelo Cinema Verde. Cada um dos documentos traz perspectivas diferentes que refletem seus objetivos e o público que desejam atingir. Enquanto o Guia da Firjan introduz os principais vocabulários e preceitos de uma produção sustentável e aponta possíveis ações em diversos âmbitos de atuação voltados para empresas, o relatório da Rede Globo apresenta as medidas de sustentabilidade e inclusão, anteriormente adotadas pela empresa, além de compromissos a serem cumpridos até 2030. A equipe do Cinema Verde, empresa de consultoria sediada em São Paulo, pioneiros nesta área, é responsável pela primeira cartilha, que se dirige aos produtores, apresentando diretrizes objetivas e enfatizando as múltiplas ações que devem ser implementadas em uma produção audiovisual.

A equipe do Cinema Verde, inclusive, é a primeira no Brasil, a apresentar o impacto ambiental de uma produção de série ou longa-metragem de ficção. (https://cinemaverde.com.br/).

GERAÇÃO DE LIXO: gasto médio de 200kg por dia
CONSUMO DE DESCARTÁVEIS: médio de 10.000 copos e 5.000 talheres e pratos
IMPRESSÕES: média de 10.000 folhas por produção
TRANSPORTE: consumo de combustível e emissão de gases de efeito estufa
CONSUMO DE ENERGIA: média de 25.000kw/dia (Cinema Verde, 2023)

Apesar destes números, a produção audiovisual pode ser sustentável trabalhando com uma tríade de fatores ambientais, sociais e econômicos. Ambientalmente, por exemplo, reduzindo as emissões de carbono produzidas pelos deslocamentos da equipe, o que envolve desde a escolha de veículos com menos emissões de CO2, o planejamento otimizado de rotas, a carona solidária ou a adoção de um meio de transporte mais sustentável. Todas estas estratégias podem ajudar a reduzir a Pegada Ecológica (2). A Pegada Ecológica (PE) em conjunto com outros indicadores podem ser um passo significativo para a avaliação de políticas alternativas em direção ao desenvolvimento sustentável. Adicionalmente, trata-se de um instrumento de mensuração com importante papel educativo, pois apresenta a pressão que as atividades antrópicas exercem sobre o meio ambiente (Teixeira, 2012; Rohan; Soares, 2018).

A responsabilidade social acontece quando estabelecemos diretrizes claras para minimizar o impacto das filmagens nas comunidades locais (uma maneira de alcançar isso é limitando as horas de trabalho e envolvendo-se antecipadamente com as comunidades sobre os efeitos logísticos na área) e integrando fornecedores e empreendedores sociais na cadeia de suprimentos da produção. Os fatores econômicos, é claro, derivam dos impactos sociais, quando pensamos a produção do filme também como uma maneira de movimentar a economia local, ajudando a comunidade a se beneficiar das atividades cinematográficas, por exemplo, empregando residentes locais em múltiplas atividades (departamento de artes, extras, figurantes, transporte, catering, etc.) e pagando-os de forma adequada.

O departamento de artes, responsável pela materialização dos elementos visuais de um filme (cenário, figurino, objetos, acessórios, etc.), é um dos setores particularmente importantes numa produção que deseja ser mais sustentável na perspectiva ambiental, social e econômica. A começar pela produção da arte, que pode planejar uma produção que diminua a produção de lixo, reaproveitando objetos, figurinos e cenografias, assim como pode considerar a sustentabilidade social, com o envolvimento da comunidade na produção. Neste aspecto, o departamento exige uma mão de obra qualificada, mas baseada em práticas, que muitas vezes já fazem parte das atividades da comunidade local: costura, serviços de camareira, maquiagem, cabelo, marcenaria, elétrica para o set de filmagem, etc.. Estas práticas podem ser aprimoradas com cursos básicos realizados pelas administrações locais com apoio das Film Comission das cidades maiores próximas à região de filmagem.

Na estrutura de produção, cada departamento é responsável por diferentes etapas da produção audiovisual e têm dinâmicas próprias, apresentando um impacto socioambiental diferente. Importante ressaltar que o papel estratégico da equipe de Artes que, justamente por chegar antes na locação, pode planejar o aproveitamento da mão de obra local, prevendo cursos de qualificação, além, é claro, movimentar a economia local, pesquisando os prestadores de serviço da região e adotando práticas, que reduzem o uso de transporte durante o processo de produção do departamento de arte e de produção.

Quando falamos em produção audiovisual sustentável, estamos nos referindo a produções que fazem uso inteligente e racional dos recursos, o que certamente também leva a redução na produção de resíduos. O reaproveitamento de materiais faz parte da história do cinema, desde os primeiros filmes que utilizavam cenários anteriormente pertencentes aos estúdios de fotografia, assim como cenografias de peças de teatro e de óperas. Mas é na década de 1930, considerada a idade de ouro para o departamento de arte na cinematografia estadunidense, que teremos a constituição de grandes acervos. Cenografias inteiras eram armazenadas e reaproveitadas e a estratégia passa a fazer parte do próprio estilo dos filmes do período.

Na Califórnia, o espaço não era um problema, embora a construção dos sets de filmagem fosse tão condicionada ao orçamento quanto todo o resto nos filmes. A solução lógica era deixar as construções em pé na parte de trás do lote, que após alguns anos começaram a parecer uma aglomeração surreal de geografias e arquiteturas. Motivos visuais estavam concentrados: uma rua europeia dava conta de um número de países estrangeiros com apenas alguns objetos e retoques. Uma memória coletiva estava sendo promovida na plateia pelo reconhecimento de certos pontos de referência do estúdio - uma escada, um beco ou uma praça - um déjà vu que inspirava familiaridade, em vez de desprezo (Corliss, Clarens, 1978).

Corliss e Clarens destacam que a “Cenografia em Hollywood tornou-se intimamente ligada ao sistema dos estúdios”, o que foi estabelecido nos anos 20 e floresceu durante três décadas depois. “Os estúdios cresceram e os departamentos de arte cresceram juntos. Quando o diretor de arte começa a se estabelecer, no meio dos anos 20, ele vai definir não apenas o estilo visual de um diretor específico, mas o de um estúdio inteiro”. A influência do departamento de arte neste período era tão grande que em alguns filmes superaram a do próprio diretor: “A interferência por parte do escritório principal poderia amenizar o estilo de um diretor, mas nunca, nunca o do Departamento de Arte” (Corliss, Clarens, 1978).

A retomada dos Acervos

Como observamos na introdução, num contexto de crise ambiental, os acervos materiais voltam a se tornar uma referência importante para uma produção audiovisual sustentável. No contexto latino americano, em especial no contexto brasileiro foco da nossa pesquisa, a produção audiovisual, por suas dimensões reduzidas e menos planificadas, já desenvolve estratégias que hoje são consideradas sustentáveis como o reaproveitamento de materiais e a utilização de locações pré-existentes, que são adaptadas pela direção de arte para atender às necessidades dramáticas do projeto audiovisual.

Numa perspectiva que se aproxima da EMA, considerando as diferenças proporcionais, temos o Cinema Verde, que foi o pioneiro na criação de uma cartilha e está atuando na consultoria de projetos audiovisuais brasileiros, que buscam a certificação de Cinema Verde, desde 2010. A novidade desta comunicação é incluir esta questão nos cursos universitários de formação para a atuação no campo audiovisual, numa perspectiva extensionista e de pesquisa aplicada, como é o caso do Acervo de Arte da UFF.

O projeto Acervo Material para a Direção de Arte do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense fez dez anos em 2024 e pode ser considerado pioneiro enquanto estratégia sustentável para a produção audiovisual universitária (3). O Acervo de Arte foi criado como projeto de extensão e vem viabilizando a produção de arte dos filmes dos discentes e de parceiros externos eventuais, disponibilizando material cenográfico, objetos, mobiliário, figurinos e acessórios.

Figura 1- Réplicas de roupa de época na vitrine do Acervo. Foto da autora

Em 2024, com a mudança do Instituto de Arte e Comunicação Social para outro Campus em Niterói - RJ, o Acervo de Arte foi contemplado com um novo espaço, no antigo prédio do Instituto de Arte e Comunicação situado no Ingá, Niterói, o que permitiu sua reestruturação e ampliação. Atualmente o Acervo de Arte da UFF é dividido em setores como Cenografia e mobiliário, Figurinos e acessórios, Objetos e Ateliê/Oficina. A médio prazo, a ideia é que o Acervo também tenha um espaço para formação, seja no campo da direção de arte - costura para figurinos, marcenaria, pintura, produção de objetos, etc. - seja na área museológica. Para tanto, é necessário um espaço amplo, com equipamentos modulares, que possam ser adaptados a cada nova atividade de formação.

O novo espaço permitiu que o Acervo fosse ampliado e voltasse a aceitar doações, assim como ampliasse o atendimento de empréstimos para cursos de cinema parceiros, projetos sociais e iniciativas de outros contextos educacionais, formais e não-formais, apoiando as produções audiovisuais de baixo orçamento. Além de colaborar para uma direção de arte com um custo reduzido para os projetos de egressos, produtoras independentes entre outros parceiros, o Acervo colabora com as produções que desejam ser mais sustentáveis na perspectiva ambiental. A começar por receber e reaproveitar materiais de construção cenográfica, objetos, figurinos e cenografias. O Acervo recebe doação de materiais das empresas de produção audiovisual do Rio de Janeiro, a exemplo da TV Brasil, que em 2022 fez uma doação significativa de tapadeiras, cenografias e figurinos.

A reestruturação do Acervo de Arte da UFF está sendo financiada por recursos do edital APQ1-2023 da Faperj e foi realizada em três etapas:

1a. etapa:

Reforma e adequação do espaço, com a retirada de divisórias, pintura e colocação de prateleiras e mobiliário adequado (estantes de ferro forradas com etaphoan e outros materiais para a organização dos objetos), forração dos cabides para guarda dos figurinos.

Figura 2 - Aluna coloca etaphoam nas prateleiras de ferro. Foto da autora

2a. etapa:

Instalação de vitrines para figurinos e acessórios de época, araras e armários para a guarda de figurinos e acessórios. Instalação de vitrine para os livros de direção de arte, que podem ser consultados no local para pesquisa. Em andamento, organização do Ateliê para atividades de produção de arte e oficina de conservação dos materiais do Acervo.

3a. etapa:

Criação de um sistema online para facilitar o acesso ao Acervo. O Sistema consistirá na implementação de um site com banco de dados dos materiais disponíveis para empréstimo e permitirá a seleção e reserva dos materiais de forma remota, além da atualização periódica com novas aquisições.

Figura 3 - Fotomontagem de referências do Acervo de Arte da UFF. Acervo da Autora

A primeira e a segunda etapa já foram concluídas, restando alguns ajustes em função de novas doações e da reestruturação do espaço da cenografia, em andamento. Concluídas as etapas que envolviam obras e aquisição de mobiliário, novos desafios se apresentam neste momento, entre eles: definir protocolos de segurança para a conservação dos materiais, estabelecer metodologias para sistematizar a classificação dos materiais em categorias e gerar dados para alimentar o sistema de empréstimo online, além de estabelecer parâmetros para a adequação às normas da universidade, determinando o que deve ser patrimoniado e o que será apenas classificado no sistema.

Em 2024, o Acervo Material para Direção de Arte foi transformado em Laboratório Sustentável para Direção de Arte - LABS-ARTE, para também se dedicar à pesquisa. As atuais pesquisas estão voltadas para a conservação do patrimônio do Acervo (cenografias, mobiliário, objetos, figurinos, etc.), como a pesquisa intitulada Estratégias de preservação para o Acervo Material para Direção de Arte, com bolsa do CNPq. A pesquisa principal, “Produção audiovisual, direção de arte e estratégias de sustentabilidade”, financiada pela agência Faperj e que foi responsável pela reforma do Acervo, está em andamento e tem um objetivo mais amplo, investigar as práticas sustentáveis que estão sendo utilizadas na produção audiovisual carioca, particularmente, naquelas desenvolvidas a partir do departamento de arte.

Conclusão

Com a reestruturação do Acervo novos desafios surgem no horizonte, entre eles está o levantamento das condições ambientais do Acervo: umidade, iluminação, riscos, a definição dos protocolos de catalogação, a conclusão da catalogação dos materiais, a criação do site e do sistema de empréstimos online, a inserção no ecossistema do Arariboia Tecno - Centro de Inovação, o estreitamento da relação Ensino, Pesquisa, Extensão e Inovação, o aprofundamento dos estudos sobre conservação e preservação, a parceria com Fundação Euclides da Cunha - FEC para tornar o Acervo economicamente sustentável. Também se abrem novas perspectivas para os próximo anos, entre elas, certamente temos a colocação dos Acervos (Acervo de Arte e Lupa) na linha de frente dos projetos de sustentabilidade do Arariboia Tecno, a alimentação constante do Sistema de Empréstimo Digital, realização de campanhas de doação e ampliação do Acervo, o desenvolvimento do projeto Estratégias de Preservação do Acervo Material para Direção de Arte - PIBIINOVA, ampliação do atendimento ao público em geral e, principalmente, a abertura de cursos técnicos aproveitando a infraestrutura do Acervo e do Centro de Inovação.

A gestão dos Acervos de Arte universitários são um constante aprendizado, pois não tem recursos humanos e materiais, mas podem ser considerado um potente vetor de um ecossistema que envolve os discentes em formação, os egressos que criam suas produtoras e tem poucos recursos para a produção de arte, as empresas de produção audiovisual, que precisam descartar materiais utilizados em suas produções e ainda a comunidade em geral, que deseja realizar produções artísticas e procuram os Acervos para ter apoio. Por outro lado, após o encerramento das produções, novos materiais que foram produzidos especialmente para as produções apoiadas pelo Acervo retornam como doação para incrementar ainda mais o catálogo do Acervo, usando uma abordagem sistêmica para manter o fluxo circular dos recursos por meio da adição, retenção e regeneração de seu valor, contribuindo para o desenvolvimento sustentável.

Na prática, estamos atuando num sistema de economia circular, com o aproveitamento de materiais e objetos que iriam para o lixo após a produção dos filmes profissionais e universitários e o acolhimento de doações de objetos e mobiliário da comunidade, que também seriam destinados aos lixões urbanos. Assim cumprimos o ciclo da economia circular focado na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e energia. “O conceito associa a melhor gestão dos recursos naturais a um desenvolvimento econômico, que requer não apenas o fechamento dos ciclos, com o reaproveitamento de resíduos e recursos, mas também reduzir a velocidade dos ciclos dos materiais, desenvolvendo produtos reutilizáveis e duradouros”. Deste modo, também contribuímos para a economia local, com o empréstimo destes materiais após a sua recuperação ou customização, tanto para os filmes universitários quanto para produções profissionais. Assim criamos um círculo virtuoso, numa perspectiva que envolve a tríade da responsabilidade sustentável: ambiental, econômica e social.

Citações

  1. O podcast originalmente foi veiculado pela NPR e posteriormente republicado na revista Art & Design.
  2. Wackernagel e Rees (1996, 1997) introduziram o conceito de PE e seu método com a ideia básica de que cada indivíduo, processo, atividade e região têm um impacto na Terra, através de uso de recursos, geração de resíduos e utilização de serviços fornecidos pela natureza. Estes impactos podem ser convertidos em áreas biologicamente produtivas. (SILVA e outros, 2022)
  3. Além do Acervo da UFF, agora temos o Acervo da UNILA, em Foz do Iguaçu e em andamento, o Acervo da ESPM, no Rio de Janeiro. Apesar das diferenças entre instituições públicas e privadas, os problemas enfrentados pelos Acervos Universitários são semelhantes.

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