Abstract
The study seeks to reflect on the symbolic function of the masks worn by three characters who play the deadly games in the South Korean series Squid Game, a television series created and directed by Hwang Dong-hyuk and broadcast on the Netflix streaming service. The hierarchical structure of the game organization is made up of the leader called Frontman and the guards in pink uniforms. In addition to the VIP characters, they all wear masks to hide their identities. We noticed that the masks, in addition to having the function of hiding the faces of the members of this organization, emit meanings. Masks are seen as signs, this artifact that belongs to the character’s costume, exudes different meanings. This aesthetic object originates from ancient civilizations and was often used in rites of passage. The aesthetics of the masks are distinguished by their functions, and can be beautiful, terrifying, human, animalistic, sacred, solemn or comical. To interpret the masks of the characters Frontman (Lee Byung-hun), the guard No-Eul (Park Gyun-young) and the host Oh Il-nan (Oh Yeong-soo), we sought the contribution of Roland Barthes’ theory (2009) on the fashion system and elements of semiology. In addition to Luciano Guimarães’ color theory (2000).
Keywords: Squid Game, Masks, Costumes, Roland Barthes, Elements of Semiology.
Introdução
A série sul-coreana Squid Game, criada e dirigida por Hwang Dong-hyuk, teve suas duas temporadas distribuidas pelo serviço de streaming Netflix no período de 2021-2024. Série que obteve uma grande visibilidade no cenário midiático, pela temática que instiga a crítica social na sociedade coreana, e que nos faz refletir sobre qual o valor de uma vida humana. A narrativa evidencia jogos mortais, onde pessoas endividadas são convidadas para participar de uma competição, cujo prêmio para o vencedor é de 45,6 bilhões de wons, moeda coreana. Os perdedores dessa competição são descartados pelos guardas específicos. A organização é mantida por investidores chamados de Vips, administrada pelo líder conhecido por Frontman, que supervisiona a guarda rosa, esta possui três níveis hierárquicos, identificados pela figura geométrica (círculo, triângulo e quadrado) impressos nas máscaras. Como se trata de uma organização que utiliza de meios violentos e cruéis, e totalmente contrários à lei que rege a sociedade; todos os integrantes escondem sua aparência atrás de máscaras. É esse artefato estético impregnado de valor simbólico que interpretamos amparado sobretudo pela teoria de Roland Barthes. Sendo o signo constituído pelo significante e o significado, refletimos o sentido exalado por esses signos que compõem o figurino dos personagens mascarados. O artigo está organizado em quatro tópicos, sendo o primeiro esta introdução, o segundo intitulado – As máscaras e os personagens mascarados, no qual discutimos a origem, a classificação e as funções das máscaras bem como os ritos e os mitos que atravessam o uso desse objeto. Além da apresentação dos personagens e das suas respectivas máscaras. No terceiro tópico, Decifrando as máscaras - abordamos a teoria de Roland Barthes que nos auxilia a ver a máscara como uma peça do figurino e que pode ser interpretada segundo os elementos da semiologia que Barthes adaptou da linguística de Ferdinand Saussure. Aliado a esses teóricos, temos a contribuição de Erving Goffman, Cristiane Bezerra, Alison Lurie e Luciano Guimarães. E finalmente na conclusão, temos as últimas reflexões desse estudo que evidencia os sentidos emanados das máscaras na série Squid Game.
As Máscaras e os personagens mascarados
A máscara, esse objeto que possibilita esconder a face, tem múltiplas funções e remonta de épocas antíquissimas, desde os primórdios da civilização em rituais de guerras e místicos. Frequentemente visualizamos em obras do audiovisual como acessório que traz veracidade a cena, caso das máscaras funcionais, e principalmente aquelas que provocam uma inquietação emotiva em narrativas de terror. Nós acostumamos a ver nos dramas televisivos ou fílmicos máscaras simples ou criativas usadas por ladrões em filmes de assalto a bancos/joalherias/museus, como também as aterrorizantes usadas por personagens cruéis. Já nas obras com a temática de super-heróis percebemos uma estética bem distinta, inspirada nas características da fonte da força do herói e com a adoção de tons fortes.
O uso das máscaras sombrias em filmes de terror confeccionadas de materias rústicos e desgastados ou ainda com feições sarcásticas, tem o apelo emotivo que permite que esses objetos possam permanecer na memória dos espectadores. Caso das máscaras dos filmes da franquia Jogos Mortais (2004 - 2023) de James Wan, da franquia Pânico (1996 - 2023) de Wes Caraven, a franquia Sexta-feira 13 (1980-2009) de Sean S. Cunningham, a franquia Leatherface – O massacre da serra elétrica (1974-2022) de Kim Henkel e Tobe Hooper, a franquia Halloween (1978-2022) de John Carpenter e Debra Hill, O silêncio dos inocentes (1991) de Jonathan Demme, Uma noite de crime – A fronteira (2021) de Everardo Valerio Gout, Os estranhos (2008) de Bryan Bertino, Você é o próximo (2011) de Adam Wingard, e A morte de dá parabéns (2017) de Christopher B. Landon. Temos também na franquia Star Wars (1977-2005) de George Lucas, a icônica máscara do personagem Darth Vader. No quadro 1, podemos visualizar algumas máscaras sombrias citadas.

Além dessas, há em algumas obras do audiovisual, personagens que vestem a máscara para esconder a face desfigurada, ou para omitir a sua identidade na sociedade e agir como um justiceiro, conforme figura 1. Caso do personagem V interpretado pelo ator Hugo Weaving no filme V de Vingança (2005) de James McTeigue.
Aqui é interessante explicar o alcance que essa máscara teve na sociedade contemporânea. Segundo Griffin (2013) o personagem V surgiu primeiramente nos quadrinhos, uma criação de Alan Moore e ilustração de David Lioyd em 1982. A feição que inspirou a criação da máscara foi a de um renegado católico chamado de Guy Fawkes no ano de 1605 que junto com um grupo de amotinados tenta matar o rei protestante Jaime I. Fawkes foi condenado por tentar explodir a Câmara dos Lordes, sendo capturado, arrastado e enforcado como um insurgente. Antes mesmo da veiculação dos quadrinhos e do filme V de Vingança em 2005, a máscara, criada de forma grotesca, já era usada no final do século XVIII por crianças que pediam esmolas. Após o filme, a máscara passa a ser usada por manifestantes como um símbolo de protesto. Como também uma prova de atividade ilegal.
Em fevereiro de 2013, o Ministro do Comércio do Bahrein, Hassan Fakro, proibiu a importação dessas máscaras. Qualquer pessoa flagrada usando-as será presa. Eles são o terceiro país a implementar a proibição, depois dos Emirados Árabes Unidos e da Arábia Saudita, que ordenaram o confisco e a destruição de todas as máscaras. A máscara está sendo remodelada como sinal de atividade criminosa (Griffin, 2013, p.01)2.
Após compreender o alcance desse objeto estético, seja inspirado por um uma figura da história ou um personagem fictício, usado como uma forma de expressão de revolta contra determinado sistema; buscamos a contribuição da pesquisadora de máscaras Cristiane Bezerra (2020) para nos informar sobre a origem dessa peça.
A máscara é um objeto que remonta a práticas muito antigas oriundas da necessidade de o ser humano mediar relações entre o desconhecido e suas emoções, da necessidade de fantasmagoria em um tempo no qual não existia o pensamento científico tal como o conhecemos e as formas de encontrar significados e sentidos estavam intrinsecamente ligadas à elaboração do pensamento mítico (Bezerra, 2020, p.17).
A autora reforça que a origem da máscara está ligada a função mágica. O seu uso possibilita a transformação em um ser sobrenatural, uma entidade que consegue dominar as forças cósmicas, sendo incapaz de enfrentar na sua forma comum. Ao pôr a máscara em um ritual, lhe é conferida a autoridade para controlar tais forças. É esse pensamento mítico que distingue o mundo habitual em que vivemos, daquele que está oculto imerso, em fenômenos incompreensíveis e extraordinários. A máscara em si é um objeto puro e simples, porém o espírito que ela é capaz de controlar, é o que a faz ser vista como uma peça mágica.
Bezerra (2020) cita o antropólogo Lévi-Strauss para nos informar o uso das máscaras por quase todas as sociedades. E se ampliarmos a definição da máscara para os arrebites e as tatuagens, então todas as civilizações a utilizaram. Na criação desses objetos, muitos materiais foram impregados como: peles de animais, plumas de aves, madeira, palha; podendo ultrapassar o rosto, e cobrir a extensão do corpo. Com diversas formas e funções. Em relação às formas, temos as abstratas, neutras ou expressivas. Já no que diz respeito às funções, podem ser utilitárias, mágicas ou fantásticas. Elas podem ainda ser belas ou sombrias, inspiradas em humanos ou em animais, sagradas ou profanas, e solenes ou bufonescas.
Antigas civilizações usavam as máscaras como uma forma de comunicação, uma linguagem diferente da verbal. Para reforçar essa linguagem, fazia-se uso de distintos gestos, ações, ritmos, palavras e objetos. Nesse ato de vestir a máscara, os mitos eram revividos no ritual. Sendo o mito, segundo Bezerra (2020) uma narração sobre seres e acontecimentos, que remete aos primeiros tempos ou períodos heróicos. Como também um relato simbólico que percorre gerações de um mesmo clã, sendo aceito por todos. Já o ritual é visto como uma cerimônia coletiva na qual as ações realizadas provocam nos participantes uma emoção, um tipo de iluminação que os auxiliam a vivenciar de forma positiva as adversidades.
Nas civilizações antigas, a relação do uso das máscaras com o encantado e o sobrenatural é fortemente evidenciada. No decorrer dos tempos, essa relação é transformada, e a máscara passa a representar os próprios homens.
A relação com um deus e com o sobrenatural está no gene da máscara, sempre de uma maneira ou de outra, ela preserva sua função mediadora do homem com forças misteriosas. No entanto, numa “impreceptível transição”, diz Lévi-Strauss, a máscara vai sendo utilizada para representar os próprios homens – não é mais um deus que se faz presente, mas o próprio membro do grupo que é divinizado (Bezerra, 2020, p.20).
Esse processo oportunizou a prática de homenagear homens pelas suas conquistas e obras. Máscaras essas criadas não somente pela inspiração física, esse objeto guarda símbolos que confere o lugar do homem na sociedade. E nos faz recordar o estrato social, as funções e os cargos.
No desenvolvimento da máscara do ritual para a máscara no teatro da civilização grega, o culto ao Deus Dionísio impulsionou o uso desse objeto, já que todos que participavam do culto ao deus-máscara estavam mascarados. Dionísio também conhecido como deus das estações, deus da embriaguez orgíaca e da melancolia, da vida e da morte, como também o deus do vinho. O culto a esse deus como um ritual primitivo era um festival no qual o povo cantava, dançava e se embriagava.
Com o estabelecimento da forma teatral, a mitologia dionisíaca já não tinha exclusividade, o olhar se voltava para um ponto de vista mais humano. Somado a isso, com a chegada do teatro a cidade de Roma por influência da civilização grega, o teatro se torna laico, porém os atores dessa época possuiam princípios religiosos. Na encenação teatral, o ator do teatro grego veste a máscara em um ato civil e de forma simultânea religiosa, pois a peça se assemelha a uma liturgia onde todos os cidadãos da polis participa. É importante ressaltar que a religião grega prosseguiu na civilização romana, sendo a religião do povo a religião do estado.
As máscaras no mundo greco-romano foram reproduzidas em pinturas, mosaicos e mármores, o que reforça a relevância desse objeto nessas culturas, porém não há nenhuma informação sobre as técnicas utilizadas na sua construção. Bezerra (2020) informa um dado importante sobre o uso da máscara no teatro greco-romano, em relação ao espectador, que este não exigia da encenação nenhum realismo, pois entendia que a máscara possuia energias mágicas, e a função no teatro se tratava de uma extensão da função no ritual. Somente na metade do século IV, é verificado um elemento realista em uma máscara no fragmento do vaso italiota de Wurzburg. O esboço de um traço psicológico, a melancolia, é identificado e demostra uma superação do convencionalismo das máscaras da época.
Não vamos nos aprofundar nas máscaras com traços psicológicos evidentes, uma vez que as máscaras selecionadas para nosso estudo, não apresentam essas características. Antes de finalizar a reflexão acerca da gênese desse objeto estético, faz-se interessante ressaltar a festa popular – carnaval, período permissivo de uma vida livre, no qual a máscara é usada como um disfarce para preservar o anonimato dos “cristãos não convertidos”, que lhe permite a entrega a todo tipo de licenciosidade. Vestir a máscara pressupõe interligar polos opostos, como: vida e morte, culto e orgia, disfarce e revelação, festa e divindade, e segundo à cosmovisão cristã, deus e o diabo. Observando esses pares dicotômicos, podemos pensar nas máscaras usadas pelos personagens da série Squid Game, ao usar a máscara, os personagens adquirem não uma força mágica, mas uma personalidade que reverbera o poder de ceifar vidas.
No próximo tópico, trazemos a narrativa dos três personagens selecionados, além da descrição das máscaras usadas. Como também a contribuição do antropólogo e sociológo Goffman (2002) sobre o conceito de fachada pessoal.
Os Três Mascarados e a Fachada Pessoal
Na série Squid Game, todos os indivíduos que atuam nos jogos mortais, usam máscaras para não revelar as identidades, e ainda reforçar o clima de mistério dos jogos. As distintas máscaras ainda revelam a hierarquia dessa organização. O líder dos jogos veste uma máscara negra com detalhes que lembram uma superfície tridimensional. Já os guardas de macacão rosa vestem máscaras negras que se assemelham as dos praticantes de esgrima com a impressão de figuras geometricas, e por fim temos os Vip´s que vestem máscaras animalescas na cor dourada. No nosso estudo, vamos refletir três personagens mascarados: O ancião anfitrião Oh Il-nam interpretado pelo ator Oh Yeong-soo, o Frontman pelo ator Lee Byung-hun e a guarda No-Eul interpretada pela atriz Park Gyun-young. A narrativa desses três personagens merece um aprofundamento para compreender as máscaras usadas.
O personagem Oh Il-nam, é o competidor 001, que no início da primeira temporada se apresenta como um idoso com uma doença grave, e participa dessa competição como o último prazer da vida. 001 estreita laços de amizade com o protagonista Gi –hun, o número 456, no decorrer dos jogos. Mas a aparência fragilizada do ancião esconde a sua real ocupação, como idealizador dos jogos mortais. Embora seja muito rico, Oh Il-nan encontrou uma forma de atenuar a vida tediosa nessa competição que vê os indivíduos endividados como peças de jogos que podem ser descartadas com a finalidade de proporcionar prazer para homens ricos e cruéis. Na ocasião da visita dos VIP´s, Oh Il-nam se junta a eles para apostar e se divertir com o massacre humano com direito a bebidas, comidas e promiscuidades. Oh Il-nam veste a máscara da coruja, conforme quadro 2.
O personagem Oh Il-nam morre em decorrência do tumor cerebral, no último episódio da temporada 1 de Squid Game, o que possibilita que o seu sucessor – o novo competidor 001 (Frontman) assuma o seu posto como manipulador dos competidores, em especial Gi-hun, na temporada 2.
O Frontman, o líder dos jogos, atua na organização e na manutenção da competição mortal. No passado, foi um policial condecorado, e após estar em uma situação difícil, esposa com câncer e demitido da polícia por suborno, resolve entrar na competição. Vence os jogos, no entanto após a morte da esposa, perde a fé na humanidade, e aceita comandar os jogos mortais. A função na organização implica estar atrás de muitas telas observando o desempenho dos competidores e supervisionando a equipe de guardas. Porém, quando se faz necessário ele interage de forma incisiva e cruel. Como na ocasião que matou a queima-roupa um guarda que teve a identidade revelada, como também no confronto com o seu irmão, um policial disfarçado infiltrado nos jogos. Na temporada 2, Frontman assume o personagem do competidor 001, com uma personalidade amigável, embora os traços de vilania começam a ser identificados pelo competidor 390, Jung –bae, no decorrer das provas. No episódio final da temporada 2, o competidor 001 trai a equipe que tentava tomar o controle da organização. Mata o competidor 390 na frente de Gi-hun, e o prende. O antagonista retorna ao comando dos jogos mortais com o figurino e a máscara do Frontman. Conforme o quadro 3, podemos perceber Frontman atuando como líder, como competidor e as lembranças do seu passado.

A terceira personagem mascarada selecionada para esse estudo é a guarda chamada No-Eul. A sua narrativa se desenvolve a partir da segunda temporada. Ela vive na Coreia do Sul em subempregos, e por ser uma soldada desertora da Coreia do Norte e por estar também aflita em busca da filha deixada no seu país, aceita ser uma atiradora de elite dos jogos mortais. No-Eul trabalha também como mascote em um parque temático local, onde também usa um figurino mascarado. A personagem possui conflitos internos, por ser mãe, está distante da filha, usar fantasia de coelha na cor rosa, conviver com crianças com câncer, e precisar matar pessoas em um jogo mortal. Por essas questões pessoais, ela procurar atirar com precisão para não deixar a vítima sofrer. No quadro 4, conferimos a personagem No-Eul.
Percebemos que esses três personagens apesar de usar máscaras nos jogos mortais para esconder suas identidades, e assim exercer atividades ilegais, quando estão sem esses acessórios, usam máscaras sociais para não revelar suas intenções verdadeiras. O ancião fundador dos jogos, na primeira temporada, simula perante os competidores e principalmente a Gi-hun, uma personalidade sofrida e resignada. O Frontman, como competidor 001, na segunda temporada, finge ser um competidor sofrido e amigável. A guarda No-Eul, na sociedade leva uma vida dúbia, como animadora infantil convivendo com crianças, e nos jogos como assassina. Para compreender essas práticas de representação do eu perante os outros, buscamos a contribuição de Erving Goffman (2002) sobre o termo fachada.
Será conveniente denominar de fachada à parte do desempenho do indivíduo que funciona regularmente de forma geral e fixa com o fim de definir a situação para os que observam a representação. Fachada, portanto, é o equipamento expressivo de tipo padronizado intencional ou inconscientemente empregado pelo indivíduo durante sua representação (Goffman, p.29,2002).
Goffman (2002) ainda nos informa que as partes padronizadas do termo “fachada” compreende primeiramente o cenário, a disposição física com a mobília e os elementos do pano de fundo, onde o indivíduo desenvolve a ação humana. Pensando na série Squid Game, e nos personagens mascarados do nosso estudo, o cenário dos jogos mortais auxiliam os personagens atuarem com suas fachadas.
Lembrando que o cenário onde os jogos se desenvolvem foi produzido com o objetivo de provocar pertubação. Segundo o site portodueto.com3, a arquitetura foi utilizada de forma pertubadora, os espaços limpos e minimalistas, geralmente coloridos que nos remetem a infância gera um contraste com as mortes violentas. Enquanto a ambiência dos jogos mortais possui uma atmosfera infantil e lúdica, o espaço do dormitório tem uma estética bruta, com ares industrial. O site portodueto.com cita o relato da diretora de arte da série Squid Game Chae Kyung-sun sobre o desenho das camas dos competidores, ela afirma que a competição da sociedade moderna sempre pronta em ascender patamares inspirou o projeto do cenário, as camas empilhadas é uma analogia a visão das pessoas como objetos empilhados. Já a escadaria em forma labiríntica lembra a Muralha Vermelha de Ricardo Bofill na Espanha, como também recorda a estética dos desenhos do holandês Escher (1898 -1972) com a ideia de infinito e conceitos matemáticos. De modo geral, os cenários dos jogos destacam as cores doces e ambientes divertidos, e os espaços de descanso priorizam a hostilidade. O que nos leva a perceber que os cenários não representam a materialização das emoções dos indivíduos, e sim uma quebra de espectativas. Salvo, o cenário do Frontman com ambiência escura e materiais como couro na poltona, reforçam a hostilidade do morador. Esses espaços contribuem para reforçar a fachada dos personagens. Espaços que geram pertubação nos competidores pedem personagens com perfis amigáveis e solidários como um porto seguro. Por isso que as fachadas dos personagens do ancião e do competidor 001 (Frontman) conseguem convencer.
Após a descrição dos principais cenários da série Squid Game, retornamos ao conceito de “fachada”, desenvolvido por Erving Goffman para destacar que os estímulos transmitidos que formam a fachada pessoal de determinado indivíduo é constituído pela “aparência” e “maneira”.
Pode-se chamar de “aparência” aqueles estímulos que funcionam no momento para nos revelar o status social do ator. Tais estímulos informam também sobre o estado ritual temporário do indivíduo, isto é, se ele está empenhado numa atividade social formal, trabalho ou recreação informal, se está realizando, ou não, uma nova fase no ciclo das estações ou no seu ciclo de vida. Chamaremos de “maneira” os estímulos que funcionam no momento para nos informar sobre o papel de interação que o ator espera desempenhar na situação que se aproxima (Goffman, p.31,2002).
É esperado que ocorra a compatibilidade entre a aparência e a maneira, fortificando a fachada pessoal do indivíduo, porém pode ocorrer uma contradição entre esses dois estímulos. Exemplificando com os personagens selecionados para esse estudo, temos que o ancião (criador dos jogos) foi o único que não levantou suspeita da sua fachada pessoal, ele conseguiu convencer os competidores e principalmente Gi-hun da sua condição social. Já o competidor 001 (Frontman) não conseguiu manter o equilíbrio entre a aparência e a maneira perante o competidor 390. E a guarda No-eul, apesar de interagir nos jogos mortais e no parque temático sempre com as máscaras específicas, foi nos jogos mortais que teve sua máscara tangível arrancada por outros guardas porque sua conduta não foi coerente com a sua função de assassina cruel. O seu modo de operar – matar sem sofrimento, foi questionado pelos membros da organização.
A seguir, interpretamos as máscaras dos personagens Oh Il-nam, Frontman e a guarda No-Eul, utilizando principalmente a teoria de Roland Barthes que nos permite ver as máscaras como peças do figurino e que podem ser lidas e interpretadas como signos.
Decifrando as Máscaras
As máscaras vestidas por atores para interpretar os seus personagens em obras seriadas ou fílmicas pertencem à área do figurino, portanto iniciamos nossas reflexões a partir da conceituação dessa área subordinada à direção de arte.
Segundo Souza (2017), o figurino de um personagem engloba todas as roupas e acessórios do mesmo, e tem a função de dar veracidade à trama, portanto essa indumentária atua como um personagem coadjuvante à medida que reforça a representação do personagem diante dos espectadores. Na criação do figurino, os profissionais realizam pesquisas históricas, analisam a contextualização do tempo e o espaço do personagem, bem como a sua caraterização. Os figurinistas com a permissão do diretor da obra têm a liberdade de modificar detalhes de indumentárias de outros períodos. O figurino, embora possa ser inspirado em uma época determinada, não fica preso a tendências, o objetivo primordial é envolver os espectadores na narrativa.
Leite e Guerra (2002) nos explicam que a origem do figurino remonta de um passado distante, das cerimônias religiosas ou místicas, sendo a função da indumentária dos participantes servir de fio condutor do transcendente.
Por esse processo - no qual o que denominamos “realidade” esbate seus contornos, num primado do delírio visionário e místico – é que se presentifica o elo de comunicação entre o ser e o plano do “grande mistério”. Esse pode caracterizar o homem como um ser diferente dele mesmo: um ser que traja não as suas vestimentas, mas um figurino que o faz assumir um “personagem” (Leite e Guerra, p.62,2002).
Sendo assim, o figurino representa um componente poderoso na criação do espetáculo teatral, fílmico ou televisivo. Vai além de vestir os atores, é um elemento comunicador, no qual leva a indumentária a ultrapassar o sentido plástico e funcional, adquirindo um estatuto de objeto animado.
Percorre a cena no corpo do ator, ganha a necessária mobilidade, marca a época dos eventos, o status, a profissão, a idade do personagem, sua personalidade e sua visão de mundo, ostentando características humanas essenciais e visando a comunicação com o público (Leite e Guerra, p.62, 2002).
Percebemos a importância de ler o figurino dos personagens para assimilar as características socioeconômicas, psicológicas e até filosóficas, objetivando o entendimento do personagem no interior da narrativa e, por conseguinte a sua aceitação pelos espectadores.
E devido o figurino possuir a parcela do elemento plástico, este deve estar em equilíbrio com a cenografia da cena. Exemplificando com a cenografia de Squid Game, especificadamente o cenário da sala do personagem Frontman, observando todas as mobílias, cores, texturas e iluminação, constatamos o equilíbrio que há entre o figurino totalmente preto e o cenário sombrio. O objeto cênico colorido, miniatura de uma banda de jazz, não rivaliza com o figurino do personagem, só nos fornece a informação do seu gosto musical.
Souza (2017) nos informa que o figurino de uma obra do audiovisual produz sentido nos espectadores e, sobretudo nos analistas de imagens. Joly (1994) reforça essa afirmação ao abordar a relevância de analisar determinados fenômenos com a semiótica.
Abordar ou estudar certos fenômenos sob o seu aspecto semiótico é considerar o seu modo de produção de sentido, por outras palavras, a maneira como eles suscitam significados, ou seja, interpretações (Joly, 1994, p.30).
Nesse sentido, podemos interpretar o figurino dos três personagens selecionados da série Squid Game, com suas máscaras a partir da contribuição da teoria de Roland Barthes sobre os elementos da semiologia, pois entendemos que o figurino se trata de um signo. Porém, antes de nos aprofundarmos nas reflexões acerca dos sentidos emanados por esses signos da indumentária, faz-se necessário compreender o figurino como um vestuário filmado.
Barthes (2009) ao pesquisar as imagens fotografadas em uma revista de moda, conseguiu identificar três distintos sistemas de vestuário segundo a substância presente na comunicação de cada um. Sendo o primeiro vestuário denominado de vestuário-imagem, por ser fotografado ou desenhado. O segundo, é o mesmo sendo descrito, logo foi transformado em linguagem. Já no terceiro tipo, o vestuário-real, se distingue dos dois tipos anteriores, mesmo que possam servir de modelos. O vestuário-real não está no nível da língua nem no das formas, pois ao visualizar uma peça do vestuário real é impossível esgotar sua realidade. Em resumo, temos que o vestuário-imagem tem uma estrutura plástica, o vestuário-escrito a sua estrutura é verbal, e o vestuário real tem a estrutura tecnológica.
Barthes (2009) destaca que o estudo do vestuário de moda implica a necessidade de classificá-lo em cada uma das suas três estruturas. É necessário estabelecer o que se vai estudar, se atos, imagens ou vocábulos. Não é recomendado estudar todas essas substâncias de forma simultânea. Pois cada uma dessas estruturas precisa de uma análise apropriada. Ao estudar o vestuário “representado” pela imagem ou palavra obtemos uma vantagem metodológica sobre o vestuário real, o vestuário descrito nas revistas de moda proporciona ao pesquisador uma sincronia pura. Já o vestuário real possui alguns objetivos, como: proteção, adorno e pudor, diferentemente do vestuário representado, que somente podemos perceber a emissão dos significados desses fins.
Para interpretar os figurinos da série Squid Game, será utilizada uma quarta estrutura, específica para o figurino de obras fílmicas ou seriadas. Uma contribuição da pesquisadora Kwitko (2011), que ao analisar o figurino e a narrativa cinematográfica do cineasta espanhol Pedro Almodóvar a partir da Semiologia, na sua dissertação de mestrado, definiu uma quarta estrutura. O figurino na pesquisa de Kwitko é definido como vestuário filmado, com uma quarta estrutura a ser estudada, sendo real, pois foi produzido por alguém e vestido por um ator; sendo também fictício, pois foi usado para interpretar um personagem. Para Kwitko (2011) o figurino é uma sobreposição do vestuário filmado com o real, logo é compreendido como vestuário representado.
A partir da contribuição de Barthes (2009) e Kwitko (2011), o figurino dos três personagens selecionados será visto como vestuário representado. E para interpretá-los buscamos os elementos da semiologia, precisamente o par dicotômico – significante e significado.
Barthes (2007) nos explica que a semiologia é uma parte da linguística, parte esta que trata das grandes unidades do discurso. Esses elementos objetivam retirar da linguística os conceitos analíticos que proporcionam a pesquisa semiológica. Há quatro pares dicotômicos, chamados de: língua e fala, significado e significante, sistema e sintagma, e denotação e conotação, todos oriundos da Linguística estrutural. Roland Barthes adaptou os elementos da Semiologia, teoria idealizada por Ferdinand Saussure, aos três sistemas de vestuário ( imagem, escrito e real), já mencionados nesse estudo. E em relação ao signo fílmico, Barthes (2005) explica que é a união do significante e do significado, e o processo que os une se chama significação.
Do ponto de vista estrutural, um signo é constituído pela junção de um significante (ou forma) com um significado (ou conceito, na linguagem de Saussure). Trata-se, naturalmente, de realidades analíticas, operatórias. É preciso ver agora o que esses dois elementos vêm a ser no signo fílmico, ficando claro que deixaremos de lado, aqui o estudo do signo oral, ou seja, da narrativa falada ou do diálogo. [...] I- Significante. Os suportes gerais do significante são o cenário, o guarda-roupa, a paisagem, a música e em certa medida, os gestos. [...] Segue-se que, na maioria das vezes, o significado é um estado da personagem ou das personagens entre si: será por exemplo, profissão, identidade, caráter, nacionalidade, estado civil. Claro, pode ocorrer que atos, e não apenas estados, sejam significados (Barthes, 2005, p.37-44).
Sendo os outros três pares dicotômicos (língua e fala, sistema e sintagma, conotação e denotação) para Barthes de grande relevância para compreender o sistema da moda. Mas que para nossa pesquisa nas máscaras em Squid Game não nos aprofundaremos.
A primeira máscara a ser interpretada é o do personagem Oh Il-nam, conforme quadro 5.
O quadro 5 mostra a cena em que o mascarado Oh Il-nam está em um espaço à espera do Frontman, fica subentendido que ele não irá recepcionar os apostadores VIP´s. Nessa cena, os espectadores ainda não conhecem a identidade do criador dos jogos e anfitrião dos VIP´s.
Percebemos que a máscara de coruja cobre todo o rosto na frente, porém na parte detrás da cabeça, deixa uma parte considerável dos cabelos e nuca à mostra. A máscara da coruja é um signo, formada pelo significante e significado. Como o significante engloba o material, estilo e cor, podemos deduzir que a máscara da coruja apesar de aparentar ser fabricada em ouro, pelo tom reluzente da peça, pensamos na usabilidade e no peso para o ator, logo concluimos que deve ter sido fabricada com uma base em plástico rígido e pintada na cor dourada. O design inspirado nas penas da coruja, sugeri um efeito 3D. Já em relação ao significado da máscara de animal, buscamos a contribuição de Carl G. Jung (2016) que nos revela que nas iniciações em sociedades secretas, e em instituições monárquicas de certas tribos africanas, os animais e as máscaras de animais têm uma função poderosa.
Um chefe primitivo não se disfarça apenas de animal: quando aparece nos ritos de iniciação inteiramente vestido com sua roupa de animal, ele é o animal. Mas ainda, é o espírito do animal, um demônio aterrador que pratica circuncisão. Nessas ocasiões, ele encarna ou representa o ancestral da tribo e do clã, portanto, o próprio deus original. Representa e é o totem animal (Jung, p.317,2016).
O autor continua a nos explicar que com o decorrer do tempo, a roupa ou a fantasia animalesca foi substituída por máscaras. Os homens primitivos usavam sua criatividade na criação dessas máscaras, evidenciando a força e a expressão. As máscaras animalescas fazem parte da arte popular de muitos países modernos como a Suiça e dos antigos dramas do Japão.
A função simbólica da máscara é a mesma do disfarce completo do animal original. A expressão do indivíduo humano desaparece, mas em seu lugar o portador da máscara adquire a dignidade e a beleza (e também a expressão aterradora) de um demônio animal. Em termos psicológicos, a máscara transforma o seu portador em uma imagem arquetípica (Jung, p.317, 2016).
Nesse sentido, podemos pensar que o ancião Oh Young-soo quis adquirir as qualidades da coruja. Essa ave noturna é conhecida por muitos povos como expressão de mistério, inteligência, sabedoria e conhecimento. A sua capacidade de visão noturna a destaca perante os outros animais. A característica particular da coruja de conseguir girar o pescoço em até 270 graus sem movimentar minimamente o corpo, a torna uma excelente caçadora, aliada a sua alta capacidade de visão e audição. Na mitologia grega, a deusa da sabedoria, Athena, possuia a coruja como símbolo, segundo o site www.significados.com.br 4.
O personagem Oh Young-soo se via como um homem bastante astuto e inteligente por ter criado um jogo, que saciava seu prazer morbido e ainda o tornava mais rico. Logo, compreendemos a escolha dessa ave como a máscara do anfitrião. A cor dourada da máscara também emite um sentido. Conforme nos informa o site www.significadodascores.com.br5, o dourado ou cor de ouro está associado à riqueza, a prosperidade, a inteligência superior e a nobreza.
Na cena com os personagens VIP´s percebemos que a riqueza e a prosperidade estão representados nessas figuras, que ostentam prazeres bizarros.
Na imagem analisada, o personagem veste um terno escuro, camisa clara com gravata, inclusive usa um prendedor de gravata na cor dourada. Emitindo sua posição social. O terno é bem cortado e se ajusta perfeitamente ao corpo. O que indica a feitura sob medida por um alfaiate. Lurie (1997) nos fala que a roupa criada para mostrar a posição social de quem a veste possui uma longa história.
Várias sociedades elaboraram decretos, conhecidos como leis suntuárias, para prescrever ou proibir o uso de estilos específicos por classes específicas. No antigo Egito, somente aqueles da classe social alta podiam usar sandálias; os gregos e os romanos controlavam o tipo, a cor e o número das peças do vestuário e o tipo de bordado com que podiam ser enfeitadas (Lurie, p.129,1997).
Na vida contemporânea não existe mais leis e regras para restringir o uso de peças do vestuário para a nobreza ou elite, porém os materias nobres, a fabricação manual e a costura sob medida por um alfaiate de renome confere status ao indivíduo. E é o que nós podemos conferir no sentido emanado do figurino do anfitrião dos Vip´s. A indumentária e a máscara de Oh Il-nam emanam poder e riqueza. A simbologia da máscara da coruja representa como ele quer ser visto, como um homem “sábio”.
O personagem Frontman na primeira temporada permaneceu com o figurino e a máscara negra em quase todos os episódios. Na segunda temporada, ele se disfarçou do competidor 001, porém só vamos interpretar o Frontman com sua indumentária específica com a máscara. No quadro 6, temos as cenas em que há o encontro com o irmão policial, e o Frontman retira a máscara.

Percebemos que o figurino do Frontman tem o seu significante composto de uma espécie de bata, como as utilizadas em laboratórios, sendo longa, com capuz, e confeccionada de um tecido sintético, impermeável. Constatamos no fotograma acima, que o tecido não absorve a água. Além dessa bata longa, o Frontman veste calça comprida, botas, luvas e a máscara. A indumentária cobre todo o corpo e a face, não permitindo que a pele seja revelada. A cor é preta, na imagem visualizada na tela da televisão percebemos um preto azulado. Guimarães (2004) nos revela o significado da simbologia cultural da morte, e afirma que desde os primórdios da civilização a morte se vincula a cor preta e ao desconhecido e às trevas.
O preto, além de ser a cor da morte e das trevas, é a cor do desconhecido e do que provoca medo. As representações demoníacas são muito mais tenebrosas quando envolvidas pela escuridão. O demônio preto, o vampiro, o lobisomem etc. São figuras mais aterrorizantes que um curupira verde. Darth Vader, o principal vilão do filme Guerra nas Estrelas (Stars Wars,1977) – que reestreou em 1997 -, veste-se todo de preto, incluindo uma máscara que lembra os capacetes dos soldados nazistas (Guimarães, p.91, 2004).
A cor preta do figurino do personagem Darth Vader e o conteúdo da linguagem permitem a identificação imediata como um signo negativo. É interessante informar que o diretor de Squid Game, Hwang Dong-hyuk, se inspirou no personagem Darth Vader na criação do Frontman, segundo o site rollingstone.com.br6. O diretor afirma que a semelhança entre os dois vilões não foi uma coincidência, foi uma forma de homenagear o antagonista de Star Wars (1977), como também diferenciar o vilão de Squid Game dentre os outros integrantes dessa organização. Lurie (1997) reforça o conteúdo simbólico da cor preta ao nos informar que essa cor, inversa a cor branca, representa a escuridão, e por muito tempo também emanou a tristeza, o pecado e a morte.
É a cor tradicional do luto, e na mitologia clássica a própria Morte aparece em uma veste de zibelina. Outra antiga associação é ao ascetismo religioso e secular, com a negação simbólica da vida sexual: monges e sovinas, sacerdotes e scholars com frequência usam preto. [...] As Fúrias, as três deusas vingadoras do drama grego, sempre se vestem de preto, assim como as feiticeiras, os magos e outros praticantes da magia negra (Lurie, p.200-201, 1997).
Nesse sentido, o significado do figurino do Frontman exala o lado obscuro do ser, e principalmente a morte com toda a sua carga negativa provocada pela crueldade do ato de tirar a vida do outro. Uma expressão de dor, sofrimento e tristeza. A máscara como já mencionamos foi inspirada em um personagem vilão Darth Vader que tem relação estética com as máscaras usadas pelos soldados nazistas. O estilo da máscara do Frontman é mais moderno, lembra figuras geométricas e se encaixa perfeitamente no cenário da sala, sobretudo as paredes com revestimento 3D na cor preta. No quadro 7 podemos perceber as semelhanças.
A máscara do Frontman corrobora com a personalidade de Hwang In-ho, dúbia, enigmática e carregada de sombras do passado.
A guarda No-Eul, teve sua narrativa desenvolvida na segunda temporada. Antes de interpretar o figurino da personagem, faz-se necessário explicar o uniforme da guarda rosa com todas as referências das figuras geométricas impressas nas máscaras com suas respectivas funções na hierárquia dos guardas.
O site ovicio.com.br7 traz o relato do diretor Hwang Dong-hyuk sobre os uniformes usados na série, tanto para os competidores quanto para os guardas. O figurino dos competidores, roupas esportivas na cor verde, teve uma inspiração pessoal na sua vivência como aluno coreano do ensino médio. Já o figurino dos guardas, macacão utilitário com capuz na cor rosa, teve essa cor escolhida simplesmente por estar no sentido oposto ao verde no círculo cromático. O objetivo dessa escolha foi reforçar o antagonismo entre as duas equipes. A cor rosa foi usada para provocar medo. Cor também utilizada em alguns cenários.
Em relação a organização dos guardas, o diretor se inspirou na estrutura de um formigueiro, com funções e atribuições estabelecidas para criar a simbologia das máscaras. O que diferenciam os soldados, são as figuras geométricas nas máscaras. Logo, o círculo representa os trabalhadores, o quadrado impresso nas máscaras identifica a gerência e o triângulo corresponde aos soldados, os atiradores. A guarda No-Eul é uma atiradora, sendo assim a sua máscara possui o triângulo. No quadro 8, temos no primeiro fotograma a cena em que ela foi chamada para conversar com o gerente que a recrutou, e no fotograma à direita, temos No-Eul em ação sem a máscara.
O significante do figurino da guarda No-Eul é constituído pela peça única, o macacão utilitário com capuz em um tecido sintético, além do cinto utilitário, as luvas, as botas, a balaclava, capuz confeccionado de tecido especial, e a máscara. Sobre a peça macação, recorremos a Crane (2006) para nos explicar a origem dessa peça única usada pela guarda em Squid Game.
Macacão que consistiam em um inteiriço de calça e jaquetas brancas foram primeiramente usados na Inglaterra na década de 1870, como uma espécie de roupa protetora, projetada para atender às exigências da legislação governamental. Entre os primeiros trabalhadores a usá-los, encontravam-se varredores de rua e entregadores de leite, enquanto seus supervisores vestiam “preto profissional (Crane, p.181,2006).
O macacão como peça única confeccionada no tecido brim surgiu na Inglaterra no final do século XIX, nesse mesmo período nos Estados Unidos, essa peça podia ser comprada nos catálogos de venda por correio, usados principalmente por trabalhadores rurais e operários. Essa peça padronizada era produzida em massa, e possibilitava um tipo de anonimato. Diante do exposto por Crane (2006), conseguimos identificar pontos de similitudes com a série, no que diz respeito, ao uso por operários e a massificação da peça propiciar o anonimato. O supervisor desses operários na Inglaterra, assim como o Frontman se vestia de preto. Já em relação a cor rosa (choque) escolhida para o macacão dos guardas que o diretor optou por ser oposta a cor verde, com o objetivo de enfatizar o antagonismo nos jogos e também provocar medo. Pensamos também no efeito de “chocar” dessa cor criada pela estilista Elsa Schiaparelli seguidora do Movimento Surrealista. Mackrell (2005) enfatiza que Schiaparelli compreendia que o ato de chocar fazia parte de qualquer ideia nova. O macação rosa choque usado por muitos guardas mascarados em uma situação angustiante deve ocasionar uma série de pertubações e ansiedades nos competidores.
Em relação às máscaras dos guardas, se assemelham aquelas usadas nos esportes de esgrima com objetivo de proteção. O material confeccionado para os guardas deve ser de um tipo de plástico na cor preta. O triângulo impresso na cor branca identifica a função. No caso o triângulo representa a morte, já que os guardas com esse emblema, são os que usam armas e matam os competidores que falham nos jogos. O site dicionariodesimbolos.com.br8 nos revela que apesar do triângulo ser um dos símbolos geométricos mais comum e fundamental, expressa muitos significados, como: ser o símbolo da Santíssima Trindade nas culturas cristã, hindu, egípcia e babilônica. A composição do triângulo em três segmentos se refere a algumas tríades, o início, meio e fim por exemplo. No caso dos guardas rosa com a máscara do triângulo, eles podem representar a última visão dos competidores antes da morte, ou a falsa pretenção de controlar quem morre e quem vive, como se estivesse imbuído de um poder divino.
Nos aproximamos das reflexões finais acerca do percurso investigativo dos três personagens máscarados em Squid Game. Impossível discutir o sentido emanado das máscaras e do figurino desses personagens sem antes compreender a origem desse artefato estético e a sua função “mágica”.
Conclusão
As máscaras estão presentes na sociedade desde a época das civilizações antigas, se nessa época a sua função tinha um cunho místico nos rituais, nas obras do audiovisual nos gêneros suspense e terror, elas adquirem a atribuição de elevar o nível de carga emocional dos personagens mascarados. Na série Squid Game, todos os personagens que atuam nos jogos mortais vestem as suas máscaras específicas, aumentando a carga dramática dos mesmos. Ao analisar o figurino dos três personagens amparados pela teoria de Barthes que vê a indumentária fílmica como um signo, constatamos que o sentido emanado pelo figurino completo dos personagens, incluso a máscara reforça a narrativa. Ou seja, há o equilíbrio entre a estética da indumentária com a narrativa, logo esse entrelaçamento entre o falado e a imagem contribuem para a aceitação e o vínculo emocional com os espectadores.
Notas Finais
113 máscaras mais marcantes ou assustadoras da história do cinema –AdoroCinema. https://www.adorocinema.com/slidesshow/filmes/slidesshow-158271/ Acedido em 27 de abril de 2025.
2A History of the Anonymous Mask/Dazed. Https://www.dadezddigital.com/artsandculture/article/15260/1/a-history-of-the-anonymous-mask Acedido em 28 de abril de 2025.
3O design incoerente de Round 6/ Squid Game. https://www.portodueto.com/post/o-design-incoerente-de-round-6-squid-game#.~~:text=Trata%2Dse%2C%20ent%C3%A3o%2C%20de,um%20forte%20componente%20na%20s%C3%A9rie Acedido em 07 de maio de 02025.
4Coruja: significado e caracteristicas - significados. https://www.significados.com.br/coruja/ Acedido em 09 de maio de 2025.
5O significado do Dourado. https://www.significadodascores.com.br/significado-do-dourado.php Acedido em 09 de maio de 2025.
6Round 6: 4 detalhes incríveis sobre os figurinos da série –cores, referências e mais [LISTA] https://rollingstone.com.br/entretenimento/round-6-4-detalhes-incriveis-sobre-os-figurinos-da-serie-cores-referencias-e-mais-lista/ Acedido em 08 de maio de 2025.
710 Curiosidades sobre Round6. https://ovicio.com.br/10-curiosidades-sobre-round-6/ Acedido em 12 de maio de 2025
8Triângulo: significado e simbologia - Dicionário de simbolos. https://www.dicionariodesimbolos.com.br/triangulo/ Acedido em 13 de maio de 2025.
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