Abstract
The Method of Active Analysis, developed by Constantin Stanislavski, has evolved over time through practical experimentation. This approach is relevant across multiple domains, including film and theatre directing, actor direction for cinema and video, and the broader field of audiovisual arts. Bridging theory and practice in the creative process, this method advocates for the analysis and development of the character to occur through action. It integrates the actor’s psychophysical activity from the outset, thereby eliminating the traditional preparatory stages of textual analysis and theoretical study prior to performance. This methodology brought significant transformations to Stanislavski’s system, both for actors and directors. By incorporating Physical Actions into the analytical process of dramatic material, the actor›s psychophysical totality is activated in the construction of the character from the very beginning. This ensures continuity between the theoretical and practical dimensions of engaging with the fictional universe, avoiding a dichotomy between them. The application of Active Analysis across different artistic languages—cinema, television, and theatre—and within diverse aesthetic, literary, and dramatic contexts enables directors and creators to develop a comprehensive artistic vision grounded in the actors› active work. This results in a more organic and coherent integration of performance within the textual framework.
Keywords: Filmmaking, Directing, Staging, Acting, Stanislavski.
Introdução
A nossa presente comunicação pretende relatar os percursos da nossa pesquisa/investigação que já completou e passou de 30 anos de existência, sob a forma de “guarda-chuva”, ou seja, abrigando, assim, ao longo do tempo, muitos outros subprojetos, correspondentes a módulos dramatúrgicos dentro das linguagens do Audiovisual, mas, também, das Artes Cênicas.
A pesquisa teórico-prática, A Análise Ativa na Direção de Atores, foi iniciada em 1991, na UNIRIO, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, passando, em 2001, para a UFF, Universidade Federal Fluminense, até 2021. No momento, continua, de forma mais independente, estando, entretanto, ligada ao CIAC, da Universidade do Algarve. Tendo como objetivo principal pesquisar e desenvolver as possibilidades de aplicabilidade do Método da Análise Ativa, de Stanislavski, cuja estrutura fundamental é inacabada (Eco 1971) e aberta (Andrade 1977), a pesquisa se divide em várias subunidades investigatórias onde diferentes contextos dramatúrgicos são experimentados.
O presente projeto apresenta, assim, como objeto de pesquisa, a metodologia da Análise Ativa, que tem, como característica, a abertura de seus elementos, sobretudo porque seu autor deixou-a inacabada. Visando criar um método de trabalho para o encenador, ligado ao processo de criação de personagem, vivenciado pelo ator, Stanislavski propõe que a concepção do espetáculo, da realização ou de uma cena (que pode ser cinematográfica ou teatral) nasça a partir da relação interpretação/encenação.
Apresentaremos, a seguir, o que podemos chamar de: objeto de pesquisa e faremos um pequeno histórico da metodologia em questão, acompanhado da averiguação das últimas investigações a esse respeito. Procuraremos também relacionar o método stanislavskiano ao cinema, onde diversos atores e diretores já tentaram a experiência de criação de personagens dentro dessa ótica, desde a criação do Actors Studio de Nova York.
Como objetivos da presente investigação, destacaremos os principais alvos a serem atingidos e suas metas ou linhas de ação. Traçaremos nossos objetivos que serão as ideias guias durante todo o desenvolvimento do trabalho.
Antes de iniciarmos o relato sintético de alguns dados relativos a nossas experimentações com a Análise Ativa, cumpre expor alguns elementos teóricos e históricos acerca do trabalho de Stanislavski e de Eugenio Kusnet com esta técnica - que pesquisamos e às vezes re-conceituamos - para poder esclarecer melhor nossa opção metodológica diante da prática.
Entre 1936 e 1938, em Moscou, Stanislavski iniciou os trabalhos de construção da Análise Ativa, em seu último Estúdio, situado em sua própria casa, ao lado de sua colaboradora, Professora Maria Knebel. Stanislavski procurava desenvolver e aperfeiçoar seu Método das Ações Físicas. Segundo o posterior relato de Knebel, alguns pontos importantes dessa metodologia sofriam alterações e ganhavam novos contornos. Talvez estivesse surgindo um outro método, sem qualquer registro escrito por parte de seu autor. Porém, sem dúvida, a estrutura básica permanecia e, acreditamos, a consciência clara que, talvez, um outro método estivesse sendo criado não existia totalmente. Eram ainda as “ações físicas” que estavam em questão e há muito que Stanislavski investigava a influência da motricidade do ator/personagem, ou da “ação exterior”, como ele dizia, na construção do universo interior ou “ação interior” do personagem e vice-versa, como num movimento de fluxo continuo e circular de informações entre estes dois aspectos técnicos de seu Sistema.
Efetivamente, a questão era a complexa inter-relação entre o corpo e o psíquico, o visível e o invisível, cuja importância é atestada por sua constante presença nos discursos da filosofia, da psicologia, da psicanálise e dos métodos teatrais de construção de personagem ou de preparação do ator. Inserem-se aí também os discursos sobre a expressividade corporal, como o do filósofo Michel Bernard, ex-Professor do “Institut d’Etudes Théâtrales et Cinématographiques de La Sorbonne Nouvelle” (e também de outras Universidades francesas), cujas reflexões dimensionam o problema para além dos limites do puramente metodológico. Além de situar na Filosofia Romântica Alemã o início do interesse pelo conceito de expressão, ele afirma que
[...] estes discursos nascem e se desenvolvem com a expansão conjunta da Psicologia geral, sobretudo clínica e social 3, e da Fenomenologia existencial pós-husserliana graças à tentativa de elaboração de uma ontologia do corpo e mais exatamente do sensível por Merleau-Ponty. 3.[Assim encontramos este conceito em sete níveis diferentes de pesquisa: 1 - como sintoma da personalidade e, consequentemente, elemento de diagnóstico (cf. P. Fraisse et Piaget, Traité de Psychologie expérimentale, P.U.F., 1963 et 1965, fasc.5 et 8); 2 - como fenômeno afetivo (expressão de emoções e sentimentos) (ibidem); 3 - como meio de comunicação e fenômeno cultural (idem fasc. 9 et Klineberg, Psychologie sociale; t. I, 2e. partie, cb. 7, P.U.F, 1957); 4 - como fenómeno diferencial (variável racial, sexual, social, etc.); 5 - como sindrome psicopatológica (cf. por exemplo: J. Bobon, Psychopathologie de l’expression (Masson; 1962) et J. Minkowski, Traité de psychopathologie générale (P.U.F., 1966, etc) 2, em seguida como meio psicoterapêutico (psicodrama moreniano, por exemplo); 6 - como elemento de psicologia comparada (expressão animal e expressão humana); 7 - enfim como modo de abordagem em psicologia genética (problema do sorriso da criança) (Bernard 1986,12)1.
O discurso de Stanislavski, após uma primeira fase realista-naturalista, iniciada em 1998, com a inauguração do Teatro de Arte de Moscou -TAM, voltou-se para a vida psíquica do personagem, tendo em vista a criação do “subtexto” e da “memória emotiva”, onde o subconsciente era o alvo de suas técnicas, enveredando, assim, por uma segunda etapa de seu trabalho, a do realismo psicológico. Posteriormente, surge ainda uma outra nova fase, onde o corpo, o “exterior”, a “ação física” e a expressividade ganham importância fundamental, deslocando o foco de interesses e alterando profundamente o Sistema, levando-o a criar, então, o Método das Ações Físicas.
Evidentemente, a influência do teatro de Meyerhold (Meyerhold 1980), ou seja, de sua técnica Biomecânica, de seus atores performáticos corporalmente, em meio a uma estética construtivista e a uma dramaturgia maiacovskiana, não pode ser negada. Como reconheceria, mais tarde, Brecht, o Método das Ações Físicas, concebido em um contexto político comunista, voltado para o exterior, a vida social, é a parte do Sistema que melhor se adapta às necessidades da estética do Berliner Ensemble, por ressaltar a importância da expressão exterior na criação do personagem (Brecht 1963).
Depois das Ações Físicas, vem a nova técnica, ainda mais decisiva na elaboração do trabalho corporal e físico, onde toda a análise do personagem deve ser ativa, em ação, continuando a dar muita atenção à atividade motora do ator.
No entanto, não podemos esquecer que no Sistema de Stanislavski como um todo, do princípio ao fim, não há dissociação possível entre a “ação interior” e a “ação exterior” e/ou “ação física”. Estes dois polos estão unificados naquilo que nos parece ser a corporeidade mesmo da emoção, endossando o conceito de expressividade, como signo composto de significante e significado ao mesmo tempo. Apenas, verificamos que, a partir do Método das Ações Físicas, Stanislavski passou a acreditar num método “psicofísico” mais orgânico que pudesse levar o ator à criação do personagem, sem uma prévia concepção teórica e supostamente psicológica das intenções deste em cada palavra ou gesto. O corpo analisa e a emoção se expressa em atos, gestos e movimentos, desde o primeiro contato com a situação ficcional.
Mas, com a morte de Stanislavski, em 1938, o novo Método da Análise Ativa, fica inacabado, contando apenas com as informações extraídas dos dois anos de experiências presenciadas por Knebel, que escreve, sobre a matéria, em seu livro Toda a Vida (Vsia Jizn), mais especificamente, no capítulo: “Ao lado de Stanislavski” (Knebel 1967).
Eugenio Kusnet, que foi ator e professor de interpretação (imigrante russo-ucraniano no Brasil), em 1968, em viagem à União Soviética, toma conhecimento desse trabalho e de outras experiências desenvolvidas por encenadores e professores soviéticos. De volta ao Brasil, resolve pôr em prática a última técnica stanislavskiana, que ele traduz como Análise Ativa, sendo também possível a tradução: análise efetiva. Durante seus últimos sete anos, entre 1968 e 1975, Kusnet pesquisa a Análise Ativa com alunos e atores profissionais. O resultado é objeto de um capítulo de seu último livro: Ator e Método (Kusnet 1975).
Assim, no âmbito da nossa investigação, contando com experiências práticas nossas em relação à técnica em questão, além de uma bibliografia geral e outra específica, composta sobretudo por um capítulo e dois apêndices do livro A Criação do Papel, de Stanislavski (Stanislavski 1972) , sobre as Ações Físicas, além da tese que escrevemos, Eugenio Kusnet: o ator e a técnica no teatro brasileiro (Machado 1987), foi iniciada, sob nossa, orientação e coordenação, a pesquisa: A Analise Ativa na Direção de Atores, com atores profissionais convidados, alunos, ex-alunos, bolsistas e professores colaboradores.
Para nós, do ponto de vista metodológico, o mais importante foi estabelecer que as experiências a serem realizadas seguiriam sempre um mesmo procedimento, onde alguns princípios pré-estabelecidos, no caso, os da própria técnica em questão, seriam confrontados com elementos móveis, no caso, os diferentes contextos dramatúrgicos escolhidos, numa tentativa de testar a flexibilidade, os limites eventuais e as necessidades de adaptações e de criação de variantes, portanto, de elementos novos, dentro do Método da Análise Ativa. Para isso, selecionamos uma série de textos variados, com o objetivo de aplicar este método de realização, direção, encenação, direção de atores, interpretação e construção dos personagens.
Desenvolvimento
Numa perspectiva sequencial, é interessante fazer um pequeno histórico relativo aos textos utilizados durante a investigação.
Inicialmente, os textos escolhidos foram: O Urso, O Pedido de Casamento, Os Males do Tabaco e O Canto do Cisne, de Anton Tchecov. A seguir, selecionamos dramaturgias diversas: Vestido de Noiva, de Nelson Rodrigues, O Inspetor Geral, de Gogol, O Burguês Fidalgo, de Molière, Auto da Feira e Auto da Lusitania, de Gil Vicente, Santa Joana dos Matadouros, de Brecht, O Banquete, de Mário de Andrade. Em 2000, encenamos Otelo, de Sheakespere, depois de muitos meses de ensaio. Essa montagem, em especial, dada a complexidade do texto, solicitou uma grande dedicação de todos durante o longo período de preparação até a estreia.
Cada autor corresponde a uma subpesquisa independente, que se enquadra dentro de uma investigação maior e geral, com estrutura múltipla capaz de abrigar e dar unidade às várias iniciativas isoladas.
Convém ressaltar que mesmo havendo em nossas escolhas passadas ou futuras autores já trabalhados por Stanislavski, as, obviamente, novas circunstâncias espaço-temporais e individuais que abrigam nossos trabalhos, significam variantes capazes não só de alterar resultados e dados, mas também de criar paralelos e/ou divergências. O mesmo se deu, anteriormente, quanto às pesquisas de Eugênio Kusnet, que contavam com ainda outras e inéditas circunstâncias históricas e pessoais, tendo contornos específicos e resultando em dados novos, relativos à Análise Ativa.
Para nós, desde o início de nossas experiências, a partir das informações de Maria Knebel e das pesquisas de Eugênio Kusnet, a Análise Ativa já se apresentava como uma estrutura claramente estudada e definida, inclusive sob a ótica de experiências no campo da psicologia, inseridas por ele em suas práticas e re-conceituações (Kusnet 1975, 54). Partimos então da seguinte estrutura metodológica implícita na Análise Ativa, no sentido de abordar a realidade textual: 1 - leitura do texto pelos atores (ou uma narração dos acontecimentos contidos neste); 2 - elaboração do “roteiro dos acontecimentos” (fluxo de “ações exteriores” e “ações interiores”); 3 - improvisação das “circunstâncias propostas”; 4 - relato, análise e avaliação do “monólogo interior” dos atores durante a cena. Este quarto elemento foi por nós formalmente acrescentado a este quadro, embora já existisse na prática, tanto para Stanislavski, como para Kusnet.
Começamos nossas experiências tentando criar uma noção de paralelismo ou de familiaridade entre nosso objeto de investigação e o meio ambiente onde ele seria inserido. Portanto, começamos com Tchecov, dada sua enorme influência na criação e desenvolvimento do Sistema, desde o início do Teatro de Arte de Moscou (Guinsburg 1985, 133). A relação Stanislavski-Tchecov forma um paradigma estético-técnico singular na História da Encenação, da Dramaturgia e da Interpretação do Ator, sendo o início e a base do teatro moderno, embora também denominado: realismo psicológico. Iniciamos re-visitando esta situação.
Vale ainda dizer que a montagem de A Gaivota que o TAM estreou em 17/12/98, em Moscou, foi o princípio de uma investigação que, em sua primeira fase, criou quase todos os elementos fundamentais do Sistema, no que diz respeito à formação do ator. Estes elementos encontram-se descritos no segundo volume da edição soviética da obra de Stanislavski: O trabalho do ator sobre si mesmo (que no Brasil corresponde aos livros: A Preparação do Ator (Stanislavski 1976b) e A Construção da Personagem (Stanislavski 1976a). Isto significa que na primeira fase do Sistema, foi criado um método de formação e preparação para o ator. Trata-se do trabalho do ator sobre si próprio, sobre seu instrumento de criação. Na segunda fase, Stanislavski buscou uma metodologia de trabalho para o encenador. O Método das Ações Físicas e a Análise Ativa constituem o conjunto técnico que o encenador pode utilizar para elaborar sua concepção de direção e que, automaticamente, é capaz que englobar todos os elementos criados para o trabalho do ator.
Podemos afirmar que nossas experiências nos levaram a perceber que a Análise Ativa é um método global, cujas unidades significativas são apresentadas todas ao mesmo tempo, já articuladas e agenciadas, solicitando um trabalho dedutivo, para se chegar às partes isoladamente, enquanto que as técnicas dirigidas para o trabalho do ator sobre si mesmo seguem uma metodologia do tipo tradicional onde as unidades são apresentadas separadamente e vão se interligando de forma progressiva, solicitando um trabalho indutivo para se chegar ao todo.
Desde 2001, já no Curso de Cinema da UFF/Universidade Federal Fluminense, nossas pesquisas conhecem um novo caminho, o do Audiovisual. Muitos textos foram experimentados tanto nos ensaios dedicados à investigação, como nas aulas de Direção de Atores e na Oficina de Realização. Uma nova perspectiva se abre e fica cada vez mais claro que a Análise Ativa é uma metodologia para o encenador, podendo mesmo ser bastante interessante para o dramaturgo, sobretudo no caso de adaptações de obras literárias para roteiros.
Os textos experimentados foram bastante diversos, mas Tchecov esteve presente, como um marco inicial para nossas investigações, quer para o teatro, quer para o cinema ou a televisão. Dessa forma, O Urso e o Pedido de Casamento foram adaptados e filmados na Televisão Comunitária do Rio de Janeiro, TVCRIO. Outros textos adaptados também serviram de base para os blocos investigatórios. Assim, a Análise Ativa foi aplicada a textos de Monteiro Lobato, Machado de Assis, Fernando Pessoa, Gianfrancesco Guarnieri, Nelson Rodrigues, Arthur Azevedo, Ingmar Bergman e outros.
Podemos dizer que a Análise Ativa pode constituir uma metodologia que é capaz de organizar o trabalho do realizador audiovisual, desde a criação do roteiro ou guião, passando pelos ensaios improvisados e sistematizando as marcas da “découpage” de câmera, possibilitando uma parceria muito interessante entre encenador e fotógrafo. O Actors Studio já havia provado que o Método, como é conhecido o Sistema nas Américas, era perfeito para o trabalho sutil e interiorizado da linguagem do ator de cinema. Pois a Análise Ativa vai além, oferecendo um caminho de criatividade integrada para toda a equipe cinematográfica.
Os filmes longas metragens realizados no contexto da presente pesquisa nos mostram os resultados desse processo: Entre a Missa e o Vermute: O Oráculo, Tchecovianas e Escobar, que hoje encontram-se editados em formato de série com sete episódios de aproximadamente 30 minutos cada um.
O presente projeto, a partir de 2008 passou a estabelecer uma parceria com meu outro projeto: A Televisão Pública/digital como fator de transformação sociocultural.
Dessa forma, a finalidade inovadora da técnica da Improvisação e as possibilidades de abertura da Análise ativa passaram a ser interessantes para a investigação sobre a dimensão de uma pesquisa de linguagem, dentro do conceito de Comunicação Pública, o que é, sem dúvida, o fim que se justifica em qualquer concessão de sinal eletromagnético, cujas responsabilidades com a inovação, a educação e a cultura são evidentes. Sobre a questão da chamada natureza do projeto de pesquisa, podemos dizer que a presente investigação, experimental e ao mesmo tempo aplicada sobre o Método da Análise Ativa para diretores, encenadores, realizadores e atores, de minha autoria, baseia-se, inicialmente, nos experimentos de Constantin Stanislavski e de Eugênio Kusnet. Trata-se de uma pesquisa que se situa dentro das áreas: direção de atores e encenação, para Cinema e Vídeo, ou seja, Audiovisual em geral e também para Teatro.
Tal método, criado, como já dito acima, no final do percurso de Stanislavski, propõe que a análise e a própria criação do personagem sejam realizadas em ação, inserindo a atividade psicofísica do ator nesse processo, o que elimina o antigo trabalho preparatório de leituras e estudos teóricos anteriores à ação cênica, conhecidos como “leitura de mesa”.
A pesquisa em questão pode ser considerada aplicada por propor a verificação das possibilidades de execução do método escolhido através de procedimentos práticos de aplicabilidade de uma técnica sobre o material básico de criação.
Trata-se também de um processo de investigação experimental, já que este método de trabalho foi deixado inacabado, o que nos solicita uma pesquisa baseada em experimentos práticos visando um processo de continuidade permanente, impedindo a cristalização de seus elementos. Além disso, a linguagem cinematográfica utilizada, criou um contexto diferente do original, no qual foi elaborada a metodologia em questão. Selecionamos situações dramatúrgicas sob a forma de roteiros, procurando diversificar estéticas e poéticas para que a Análise Ativa seja aplicada em diferentes textualidades.
Neste sentido, acreditamos que a presente investigação é inesgotável, pois cada texto dramatúrgico escolhido representa sempre uma subpesquisa ou uma parte do todo. As possibilidades desta investigação são tão múltiplas quanto aos movimentos da própria literatura dramática. Cada produto criado é considerado como um subproduto independente, dentro do contexto geral da pesquisa matriz.
Para uma melhor definição do objeto da investigação, podemos dizer que se trata de um estudo teórico-prático sobre a Análise Ativa no processo de criação do personagem, pois a partir da prática, se desenvolvem trabalhos teóricos, criando conceitos e conhecimentos.
Cumpre relembrar sempre que sendo o último elemento metodológico desenvolvido por Stanislavski, já no período da União Soviética, isto é, já nos anos 30, a Análise Ativa, traz a experiencia de Stanislavski durante a fase construtivista das artes em geral naquele país. Aliás, o Método das Ações Físicas, desenvolvido durante a década de 20, também conheceu e esteve inserido nesse mesmo momento histórico e estético. Este procedimento alterou profundamente o Sistema stanislavskiano de interpretação para o ator, incluindo a atividade corporal, as “ações físicas”, no processo analítico do material dramatúrgico. Desse modo, a integralidade psicofísica do ator era mobilizada na construção do personagem desde o início, não havendo rupturas entre estes dois modos de abordagem e vivência do universo ficcional. Sobre especificamente o Método da Análise Ativa, que sucedeu o Método das Ações Físicas, embora guardando vários procedimentos deste, há apenas os depoimentos de Maria Knebel, amiga, aluna e colaboradora de Stanislavski, no fim de sua vida. Knebel descreve em seu livro, Toda Vida, os experimentos de Stanislavski em seu último estúdio, onde ele alterava procedimentos referentes a seu Método das Ações Físicas, passando a chamá-lo de Análise Ativa (podendo também ser traduzido como: análise efetiva).
Stanislavski não teve tempo de redigir nada de forma sistemática sobre suas últimas experiências metodológicas. Portanto, como já esclarecido, os relatos de Knebel constituem os únicos elementos referenciais desta técnica, na sua forma original. Portanto, baseando-se nessas referências, Eugênio Kusnet empreendeu, no Brasil, o trabalho pioneiro de por em prática esse método, pela primeira vez, no Ocidente. Durante sete anos, aplicou, então, a Análise Ativa nos seus trabalhos pedagógicos, o que o levou a desenvolver uma metodologia própria, baseada nesse procedimento, ou talvez uma vertente do método original, tendo publicado um capítulo acerca do assunto em seu último livro: Ator e Método, em 1975.
Em Paris, durante o colóquio Le Siècle Stanislavski, em 1988, os professores e diretores soviéticos convidados para o evento expuseram suas experiências com a Análise Ativa, através de cursos e palestras. Esse material, juntamente com o trabalho de outros convidados, foi publicado em dois livros, em Paris, por Lew Bogdan, pela Editora Bouffonneries: Exercices (Bogdan 1989a) e Le Siècle Stanislavski (Bogdan 1989b). Além desse matérial referencial, existe nossa tese de Doutoramento, já acima citada.
Resta, portanto, uma longa pesquisa a ser desenvolvida no sentido de, não somente estudar o método em questão, mas também lhe dar continuidade.
Nosso objetivo principal é, assim, a investigação e o prosseguimento deste processo de trabalho.
Destacamos, assim, que o objetivo principal da pesquisa é o estudo teórico-prático da análise em ação do personagem. Isto significa, portanto, que pretendemos ampliar os conhecimentos já existentes acerca dessa metodologia de trabalho para o ator.
Pretendemos, desta forma, realizar um levantamento o mais detalhado possível dos elementos articuladores desse processo, que é um verdadeiro sistema, a fim de destacarmos todas as etapas que se agenciam logo que a atividade psicofísica do ator é desencadeada, no sentido não só da construção do personagem, mas também do próprio conhecimento do material ficcional.
Cumpre assinalar que o aspecto inovador desse processo reside, justamente, no fato de propor justamente uma análise em ação do material dramatúrgico, quer dizer, uma análise na qual o ator já esteja dentro das circunstâncias do papel. Portanto, uma exploração minuciosa das diversas etapas dessa análise não passiva do material dramatúrgico pretende continuamente ser empreendida. Verificar também, em profundidade, todas as implicações contidas na questão da interdependência existente entre a “ação física” e o “monólogo interior”, isto é, na questão da natureza da atividade psicomotora do ator durante a construção do personagem, é fundamental. Por outro lado, reafirmamos que a dimensão teórica do presente trabalho é crucial e faz parte de nossa pesquisa acerca desse determinado processo técnico, sendo a base do conhecimento a que nos propomos elaborar. Neste sentido, temos também, como objetivo, a ampliação do discurso sobre a relação do ator com a encenação, dentro da História do Teatro e da Historia do Cinema.
Sem dúvida, é de grande importância para a História do Teatro e do Cinema, em geral, o desenvolvimento dos estudos teóricos acerca do ator, o que recentemente está possibilitando a criação de um seguimento novo, que se define como: História do Ator ou História da Interpretação. Nosso objetivo é também, portanto, poder contribuir para isso com mais um estudo acerca da técnica do ator contemporâneo.
Pretendemos, também criar uma ligação entre ensino e pesquisa, além de trabalhar com a extensão, o que, hoje, é um dos objetivos centrais das investigações teórico-práticas academicas e pedagógicas em geral.
Acreditamos que o presente projeto se situe dentro da perspectiva da interdisciplinaridade interpretação/direção, criando elos importantes entre o trabalho dos atores e a própria concepção da cena cinematográfica, por parte do realizador e/ou diretor. Essa dinâmica proporciona maiores possibilidades de extensão ao trabalho sobre a Análise Ativa em ralação ao cinema e também ao teatro.
A importância dessa pesquisa justifica-se plenamente por tratar-se de uma investigação inédita sobre a importante contribuição de Stanislavski, o maior pedagogo do teatro ocidental, para a construção de um processo técnico sistematizado de interpretação dramática e de direção, tanto para o teatro, como para o audiovisual em geral.
O aspecto inovador da Análise Ativa dentro do conjunto do Sistema stanislavskiano é incontestável e visto ser um método inacabado, acreditamos ser fundamental que pesquisadores continuem a investigar seus caminhos e possibilidades, a fim de colocar à disposição do ator contemporâneo elementos concretos a esse respeito.
Continuar e prosseguir pelos caminhos já traçados por Stanislavski e também por Kusnet, no sentido de descobrir uma metodologia ativa de análise do personagem é também contribuir numa dimensão mais ampla para o enriquecimento dos conhecimentos técnicos acerca da interpretação cênica e da encenação.
Acreditamos, sem dúvida alguma, nos benefícios técnicos desse processo de interpretação para o ator quando colocado diante da questão da criação do personagem, além das possibilidades múltiplas que o mesmo abre para o encenador. Portanto, pesquisar, continuar, investigar, ampliar, prosseguir, difundir e transmitir a Análise Ativa é fazer evoluir a relação ator/encenador.
Conclusão
O presente projeto já tem como objeto de sua própria pesquisa e investigação uma metodologia, no caso, voltada para o realizador/diretor/encenador e o ator, no trabalho de construção de personagem. Para o encenador, quer teatral ou cinematográfico, seu processo de trabalho, sua construção da cena conhece novas dimensões criativas. Isto significa também falar aqui sobre a própria metodologia de pesquisa que será empregada para a investigação da técnica investigada.
Adotamos como metodologia a aplicação da Análise Ativa em contextos e ambientes estético-literário-dramáticos diferenciados para verificar seus padrões de desempenho, enquanto técnica artística e para responder às seguintes questões: 1 - A Análise Ativa está indissociavelmente ligada à literatura tchecoviana, cuja dramaturgia forneceu as bases para a criação de seus componentes técnicos? 2 - A Análise Ativa é uma técnica aberta a outras dramaturgias e estéticas? 3 - Até que ponto a Análise Ativa é uma técnica universal e pode ser aplicada em toda e qualquer dramaturgia?
A cada texto, adotamos o mesmo plano de ação, no qual encontramos, como ponto de partida, a técnica da improvisação. Esta, porém, deverá inserir-se dentro das “circunstancias propostas”. Vale dizer que analisaremos o material dramatúrgico em ação cênica, por meio de improvisações, que deverão sempre obedecer a um “roteiro dos acontecimentos”. Trabalharemos no sentido de percorrer e ir montando as sucessivas cenas do roteiro, de onde emerge, cada vez mais detalhado, o esboço e depois o desenho do personagem.
Utilizamos para tanto, diferentes textos, guiões ou roteiros cinematográficos, previamente escolhidos. O interesse do trabalho proposto é justamente criar verdadeiros subprojetos cada vez que há uma mudança de texto. Cada autor escolhido será estudado, analisado e pesquisado como se fosse um módulo diferenciado, pois cada universo dramatúrgico solicitará um tratamento específico. Nossa intenção é verificar como a técnica em questão se adapta em cada caso, segundo as características dos autores escolhidos.
Colocando desde o início os atores em ação, através das improvisações, pretendemos verificar quais os melhores procedimentos para que o texto e seu contexto geral sejam completamente assimilados, sem que os atores se vejam obrigados a decorar suas réplicas e a obedecer a marcações, sem antes sentí-las de forma orgânica. Tal processo deve surgir espontaneamente, a fim de manter intacto o desenvolvimento da criatividade do ator.
No que diz respeito especificamente ao aspecto teórico da pesquisa, trabalhamos com textos dramatúrgicos e/ou roteiros cinematográficos e também outros de áreas paralelas, como a semiologia, a história e a psicologia, tentando esclarecer todas as dúvidas relativas não só à própria linguagem do ator, mas aos processos psicofísicos implícitos no ato de interpretar. Também estudaremos o autor e seu contexto histórico/literário/estético/poético para que possamos avaliar com maior clareza o impacto de uma determinada dramaturgia nos procedimentos da Análise Ativa. A relação da literatura com suas possibilidades de encenação é, assim, fundamental.
Todo resultado obtido nas investigações é sempre, se possível, objeto de publicações, debates ou palestra, com a finalidade de expor a pesquisa e transmitir maiores conhecimentos sobre a Análise Ativa.
Nota final
1Tradução da autora a partir do original: [...] ces (discours naissent et se développent avec l’essor conjoint de la Psychologie générale, surtout clinique et sociale 3, et de la Phénoménologie existentielle post-hursserlienne grâce à la tentative d’élaboration d’une ontologie du corps et plus exactement du sensible par Merleau-Ponty. 3. [Ainsi rencontret-on ce concept à sept niveaux différents de la recherche psychologique : 1--- comme symptôme de la personnalité et, par suite, élément de diagnostic (cf. P. Fraisse et Piaget, Traité de Psychologie expérimentale, P.U.F., 1963 et 1965, fasc.5 et 8);2 -- comme phénomène affectif (expression des émotions et des sentiments) (ibidem); 3 --- Comme un moyen de communication et phénomène culturel (idem fasc. 9 et Klineberg, Psychologie sociale; t. I, 2e partie, ch. 7, P.U.F., 1957);4 --- comme phénomène différentiel (variable raciale, sexuelle, sociale, etc.); 5 - comme syndrome psychopathologique (cf. par exemple: I Bobon, Psychopathologie de l’expression (Masson, 1962) et I. Minkowski, Traité le psychopathologie générale (PUF, 1966, etc) et, par suite, comme moyen psychothérapeutique (psychodrame morémen, par exemple); 6 -- comme élément de psychologie comparée (expression animale et expression humaine); 7 -- enfin comme mode d’approche en psychologie génétique (probleme du sourire del’enfant).
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