Capítulo / Chapter V | Convidados / Guests

“Duoverse” protagonists & “indexical” spectators

Protagonistas “duoverse” & espectadores “indiciais”

Denize Araujo

UTP-Universidade Tuiuti do Paraná - Brasil

Fernando Sarmento

UTP-Universidade Tuiuti do Paraná - Brasil

Abstract

This research intends to have a main objective, which is to identify and analyze dualities, either related to actions or to behaviors in dual/parallel universes in two films that deal with the same theme. Both films, Barbie (2023) and Russian Dolls (2005), count with what we call here “duoverse protagonists” who try to find themselves in their own “dual universes”, representing dualities. Barbie, the doll, is experiencing a new life, alive, finding out that her world among humans is not the same as her perfect environment as a doll, with Ken. Her journey is a way of self-discovery to find out who she is in live action, finally deciding to become human living in the “real” world, even not knowing exactly the meaning of this world. The second film of the corpus, Russian Dolls, also deals with dolls as a metaphor to imply that women have two or three layers that make it difficult to be explained by the protagonist, Xavier, who is always between his dual universe, as a ghostwriter, imagining a script, and as himself, trying to find out who he really is and what he really wants to find in a companion for life. Both scripts defy “indexical spectators”, who have to accept the challenges of having either a live Barbie or a Barbie in Barbieland, in the first film, and to follow Xavier´s doubts in and out of his imaginary world in which he fights to find a feasible way to portray a couple in love.

Keywords: Duoverse protagonists, Barbie, Russian Dolls, Indexicalspectators, Dual universes.

Introdução

Esta pesquisa tem como objetivo analisar dois filmes que dialogam em seus universos paralelos, nos levando a cunhar o conceito de “protagonistas duoverse”, considerando que tentam viver entre dois universos paralelos, movidos por duas forças que por vezes podem dialogar e, em algumas situações, os levam a questionar suas vidas. O corpus deste estudo é composto pelo filme Barbie (2023) e pelo filme Russian Dolls (2005). A primeira semelhança entre os filmes selecionados está em seus títulos, no primeiro ao mencionar a boneca Barbie e o segundo a se referir às tradicionais bonecas russas que, ao se encontrarem dentro delas mesmas, oferecem argumentos de análise sobre o que cada boneca pode sugerir ou representar.

As vidas de ambos os protagonistas sugerem espectadores que consigam encontrar sentidos em cada vida e que possam validar nosso conceito de “duoverse”. Tais espectadores devem ser o que denominamos de “indiciais”, no sentido peirceano de sua trilogia: símbolo, índice e ícone. Espectadores que conseguem vislumbrar a relação por contigüidade e deduzir o que este contato significa, podendo assim chegar a compreender a dualidade da vida de uma boneca que está entre continuar a ser um brinquedo infantil ou enfrentar a vida no mundo onde ela mesma é assim considerada. No filme Russian Dolls, o “espectador indicial” deve tentar entender a dualidade do protagonista, cujas ações ora parecem pertencer ao roteiro que está escrevendo, ora dão a entender que o protagonista está à procura de uma companheira para sua vida, tentando entender as camadas de cada mulher, que o deixam perplexo. O espectador deve encontrar os indícios de cada cena para conseguir entender o dilema que assola o protagonista.

Os referenciais teóricos incluem conceitos de Mikhail Bakhtin, de Julio Plaza e Monica Tavares, de Thiago Pontes e de Sergei Eisenstein. O dialogismo de Bakhtin sugere uma aproximação em relação ao conceito de duoverse- dois universos-, com sua descrição de cruzamentos consonantes e dissonantes, com “vozes imiscíveis” e com ideias que diferem em seus posicionamentos. Julio Plaza e Monica Tavares acreditam que a aproximação se dá através da menção a imagens que usam a metamorfose, “que leva a um comportamento ativo e interrogativo, móvel e moldável”, o que é também uma das transformações dos protagonistas duoverse; Thiago Pontes cita Platão e Bauman como exemplo, e Eisenstein menciona a percepção das sensações, citando que “cada detalhe é preservado nas sensações e na memória”, o que dialoga com as atividades propulsoras do duoverse. Na análise relativa ao espectador, o referencial teórico é de autores que já cunharam conceitos sobre espectatorialidade, como Mahomed Bamba, Janet Murray, Christian Metz, David Bordwell, Roger Odin, Lev Manovich, Denis Porto Renó, Philippe Dubois, Henry Jenkins, Jacques Rancière, Jeffrey Shaw, Lorenzo Vilches, Peter Weibel e Charles Sanders Peirce.

Conceito “duoverse”/ “duplo universo”

Nosso conceito de “duoverse”/”duplo universo” não é fundamentado na teoria do universo paralelo ou no hiperespaço, que são conceitos de ficção científica que tratam da velocidade da passagem do tempo entre dois futuros alternativos. Também não se fundamenta nas teorias do hiperverso ou do multiverso ou no game “Dual Universe”, um MMORPG contínuo de sandbox de fragmento único que ocorre em um vasto universo de ficção científica, com foco na jogabilidade emergente com economia, política, comércio e guerra no jogo orientadas pelo jogador, onde os jogadores podem modificar livremente o universo baseado em voxels criando estruturas, naves espaciais ou estações orbitais gigantes, dando origem a impérios e civilizações.

O conceito que adotamos aqui tem origem na percepção da dualidade de certos protagonistas e suas dúvidas entre as possibilidades de seus universos. Os filmes do corpus deste estudo, Barbie e Russian Dolls, permitem a adoção do conceito de “duoverse”/”duplo universo” no sentido das possibilidades de escolhas de seus protagonistas, que os mantém em dúvida sobre suas escolhas, o que gera alternativas plausíveis de serem analizadas.

Thiago Pontes constrói uma ponte entre Platão e Bauman em sua análise do filme Barbie:

Platão foi um filósofo grego importantíssimo que expôs o famoso Mito (ou Alegoria) da Caverna que basicamente diz respeito a uma enganação que um grupo de pessoas vivenciou por acreditar que as sombras na parede dentro de uma caverna eram de fato a realidade... Agora trago ao palco o grande sociólogopolonês Bauman, que foi o criador do conceito de Modernidade Líquida, era na qualestamos vivenciando atualmente onde nada foi feito para durar, tudo é em nome do parecer ser. (https://horacampinas.com.br/barbie-e-a-filosofia-como-assim-por-thiago-pontes/)

Pontes insinua que, ao sair da Barbielândia, Barbie estaria saindo da Caverna de Platão para entrar no “mundo real” que, de acordo com Bauman, é também um mundo do “parecer ser”. Não sabendo como seria o mundo “real”, Barbie confirma o conceito de protagonismo “duoverse”.

No filme Russian Dolls (2005), o conceito se aplica de outra maneira. Xavier, o protagonista, divide seu tempo entre seu emprego e a procura da companheira ideal, enfatizando seu papel como “protagonista duoverse”. Como escritor e roteirista de um filme para a televisão, por várias vezes sua escrita resvala em seus relacionamentos, confundindo sua vida e revelando seu duplo universo. Em suas crises existenciais, suas incertezas se revelam com mais profundidade. Em seus relacionamentos, Xavier retrata o título do filme, constatando que mulheres possuem camadas superficiais e interiores como se fossem bonecas russas, umas dentro das outras. Em ambos os universos, sua frustração fica evidente, seja como freelancer sobre assuntos que não lhe interessam, seja como ghostwriter para escrever biografias ou um roteiro apelativo, sem poder realizar seu sonhado romance, sentindo-se frustrado neste universo. No outro universo, das relações amorosas, não consegue se definir em suas escolhas e preferências.

Análise do corpus

Nosso conceito de “duoverse” dialoga com o dialogismo de Mikhail Bakhtin, com imagens que usam a metamorfose, de Julio Plaza e Monica Tavares e com a percepção das sensações de Eisenstein. Segundo Bakhtin, “em toda parte é o cruzamento, a consonância ou a dissonância de réplicas do diálogo aberto com as réplicas do diálogo interior dos heróis. Em toda parte um determinado conjunto de ideias, pensamentos e palavras passa por várias vozes imiscíveis, soando em cada uma de modo diferente” (Bakhtin 2008, 308). Barbie e Xavier compartilham do dialogismo de Bakhtin em seus questionamentos consonantes e dissonantes, em suas dificuldades para decidir seus destinos e em suas escolhas.

Barbie expressa sua alegria entre os humanos, mas não percebe que seu modo de agir é dissonante do mundo em que está. As várias vozes dos dois mundos não são as mesmas e sua decisão final de ser humana não traz as conseqüências de sua escolha e pode ser explicada pelos questionamentos de Bakhtin:

Não existe uma primeira ou uma última palavra e não há limites no contexto dialógico (que se estende ao passado e ao futuro sem limites). Mesmo significados passados, que são aqueles nascidos no diálogo dos séculos passados, não podem ser estáveis (finalizados, terminados para sempre) – eles sempre mudarão (serão renovados) no processo dos futuros desenvolvimentos do diálogo. A qualquer momento no desenvolvimento do diálogo pode haver uma ilimitada quantidade de significados contextuais esquecidos, mas em certos momentos subsequentes os mesmos podem ser rememorados e renovados (em novo contexto). (Bakhtin 1986,170)

Xavier, por outro lado, também vive em incertezas, seja em sua carreira, seja em seus relacionamentos. Suas mudanças de comportamento e suas conclusões sobre sua vida são dialógicas, no sentido que Bakhtin explica, ou seja, podem ser renovadas a qualquer momento de acordo com novas situações.

Outro conceito que pode ser aplicado nesta análise dos dois filmes do corpus é o de Julio Plaza e Monica Tavares, sobre a imagem contemporânea:

A imagem, e sem dúvida a arte toda, não é mais o lugar da metáfora, mas da metamorfose, que leva a um comportamento ativo e interrogativo, móvel e moldável, interativo, de natureza que convida ao jogo, à manipulação, à transformação, ao ensaio e à mudança, àexperimentação e à invenção de outras regras estéticas. (Plaza e Tavares 1998, 199)

As imagens de ambos os filmes demonstram as mudanças comportamentais e as dúvidas de ambos os protagonistas, cada um à sua maneira. Para a análise de Barbie e Xavier, o que mais explica na citação de Plaza e Tavares é a menção ao comportamento interrogativo e interativo. Ambos os personagens querem interagir, porém suas interrogações são freqüentes. Barbie questiona seu relacionamento com Ken em seu mundo móvel, seja em seu lugar de boneca seja em sua visita ao mundo humano. Ela quer se tornar humana, mas não entende realmente o que é o ser humano, e a idéia da morte a amedronta. Xavier, por outro lado, carrega o fardo de seu relacionamento anterior e a incerteza de seus desejos de novas conquistas. Contudo, “do ensaio à mudança”, como cita Plaza, há um longo caminho que o protagonista luta para finalizar, devido ao seu caráter móvel e sua busca por perfeição.

Os filmes aqui analisados também encontram diálogos com Sergei Eisenstein quando este menciona a percepção das sensações, citando que “cada detalhe é preservado nas sensações e na memória”, o que dialoga com as atividades propulsoras do “duoverse”. Eisenstein, em O sentido do filme, cita que

Exatamente como as células, em sua divisão, formam um fenômeno de outra ordem, que é o organismo ou embrião, do mesmo modo no outro lado da transição dialética de um plano há a montagem. O que, então, caracteriza a montagem e, consequentemente, sua célula – o plano? A colisão. O conflito de duas peças opostas em si. [...] Tal como a base de qualquer arte é o conflito (uma transformação “imagística” do princípio dialético). (Eisenstein 2002, 42)

A montagem de Barbie revela a colisão conflituosa de duas peças opostas, como cita Eisenstein, criando transições no roteiro, que oscila de acordo com as sensações da protagonista face aos desafios a que está tendo que reagir. Os detalhes de Barbie, de acordo com Eisenstein, são preservados nas sensações da protagonista, enquanto que os detalhes de Russian Dolls estão na memória de Xavier, que carrega consigo, tanto em sua mente como em seu computador, as memórias de sua vida e relacionamentos anteriores, que também atuam em sua ambientação dentro do universo de seu filme atual.

O Papel do Espectador

Nos últimos anos o papel do espectador se tornou um tema bem debatido, por autores que criaram conceitos e analisaram a relevância da trilogia: criação, produção e recepção. Assim como a criação passa por etapas, como argumento e roteiro, a produção se subdivide em pré-produção, produção e pós-produção, a recepção também tem sido analisada, com enfoque nos tipos de espectador.Mahomed Bamba, em seu texto de 2017 “Teorias da recepção cinematográfica ou teorias da espectatorialidade fílmica?” menciona alguns tipos de espectador, como espectador cativo”, “espectador voyeur”, “espectador mudo”, “espectador clássico”, “espectador feminino”, “espectador participante”, “espectador-modelo”, “espectador-cúmplice. (http://mahomedbamba.com/site/wpcontent/uploads/2017/ 12/002.pdf;)

Bamba cita Christian Metz, quando este tenta definir o papel do espectador:

No cinema, diz Metz, a participação afetiva do espectador pode aumentar e se intensificar de acordo com o grau de ficção na narrativa e de acordo com a “personalidade” do espectador. Esta premissa será mais elaborada nas definições do cinema como “instituição” social por Metz. Se a perspectiva psicanalítica serve a Metz (1983, p. 409) para descortinar as modalidades de voyeurismo entre os filmes e o indivíduo, elas lhe servem também as maneiras como “[...] o filme tradicional tende a suprimir todas as marcas do sujeito da enunciação. (Bamba 2017, 30; Metz 1983, 409)

O segundo autor que Bamba cita é David Bordwell. Segundo Bamba, “Bordwell adverte contra a falsa impressão que pode nos levar a acreditar que a estabilidade dos processos argumentativos e as configurações estilísticas no cinema clássico conduzem automaticamente a postular um espectador clássico passivo e refém de uma máquina totalitária” (BAMBA, 2017, p. 40). Bordwell acredita que qualquer espectador, inclusive o mais ingênuo, “realiza operações cognitivas específicas que não deixam de ser ativas mesmo sendo rotineiras e familiares.” (BORDWELL, 1996, p. 166) e define o “espectador clássico” como um sujeito que chega “bem preparado” para entrar em conta com o filme. Além de Metz e Bordwell, Bamba cita Roger Odin, enfatizando que Odin explorou à exaustão a interação texto-espectador, relevando o espaço da recepção, especialmente em texto de 2011, onde define a recepção fílmica “como uma articulação conciliadora entre o paradigma imanentista da semiologia clássica e a perspectiva pragmática contextual”, onde o espectador se comunica com o filme, mas existe “um duplo processo de produção textual: um no espaço da realização e outro no espaço da leitura” (Bamba 2017, 35; Odin 2011-2021 https://www.jstor.org/stable/j.ctv24q4zjq;

Outros autores já criaram conceitos espectatoriais. Para Lev Manovich, ao contrário dos velhos meios, os novos meios são interativos, permitindo que o usuário possa interagir com o objeto midiático, podendo escolher, neste processo de interação, que rotas seguir. Neste sentido, o usuário se transforma em coautor da obra (Manovich 2005, 97). O autor complementa: “Agora, qualquer um pode converter-se em criador somente com o que proporciona um novo menu, ou seja, que faça uma nova seleção a partir do corpus total disponível.” (Manovich 2005, 181). Henry Jenkins (2008) cita que estamos diante de uma convergência de tecnologias e, consequentemente, de narrativas. O receptor deixou de ser passivo e se tornou construtor da narrativa a ser vista. O público já não é mais o mesmo, como complementa Denis Porto Renó (2007, 2): “agora ele pode ser chamado de espectador-usuário, pois o mesmo está sempre disposto a ´navegar´ pelas tecnologias oferecidas.”

Philippe Dubois, ao comentar a obra “O tempo não recuperado”, de Lucas Bambozzi, menciona que o “espectador-visitante” pode decidir qual vídeo assistirá em seguida, criando sua própria narrativa. “A autonomia de quem assiste os vídeos se torna virtual, não mais física no sentido de quem faria a edição percorrendo o espaço da galeria. De um lado temos o “espectador-montador” e do outro lado o “caminhante-narrador” (Dubois, 2014). Jacques Rancière, em seu texto “O espectador emancipado”, parte da noção kantiana de estética,reinterpretando-a desta maneira: “a experiência estética implica o livre jogo da faculdade intelectual e da faculdade sensível. A experiência estética [...] ignora também algo que parece ser fulcral à prática artística: a vontade de impor uma determinada forma à matéria e de exercer um efeito específico sobre a sensibilidade do espectador. (Rancière 2012, 6).

De acordo com Janet Murray, em seu Glossário, “Imersão é uma experiência do interator, uma sensação de estar contido em um espaço ou estado de espírito que é separado da experiência comum, mais focado e absorvente, e que requer diferentes suposições e ações. A autora complementa dizendo que imersão e interatividade são prazeres característicos dos ambientes digitais. (Murray, versão de 2011 https://inventingthemedium.com/glossary/)

O papel do espectador tem sido analisado através de diversos ângulos. Jeffrey Shaw argumenta que o espectador interativo pode realmente participar das produções de games e vídeos que permitem a interatividade (2005), Peter Weibel, em sua teoria de pós-mídia de 2005, inclui o espectador e Lorenzo Vilches (2003, 229) cita que “a interatividade não é um meio de comunicação, mas uma função dentro de um processo de intercâmbio entre duas entidades humanas ou máquinas”. Contudo, nosso conceito dialoga com Lev Manovich que, em 2001, conceituou a estática pós-mídia, com a trilogia “autor, texto, leitor” como “emissor, mensagem e receptor”, que é uma das bases para nosso conceito de “espectador indicial”, que inclui o espectador junto com o autor e o texto (http://manovich.net/index.php/projects/post-media-aesthetics).

Consideramos também o termo “indicial” com base na teoria de Charles Sanders Peirce e seus três níveis: símbolo, índice e ícone. Peirce considerou:

Agora achamos que, ao lado de termos gerais, dois outros tipos de signos são perfeitamente indispensáveis em todo raciocínio. Um desses tipos é o índice, que, como um dedo apontado, exerce uma força fisiológica real sobre a atenção, como o poder de um mesmerizer, direcionando os sentidos para um objeto particular. Tal índice deve entrar em toda proposição, sendo sua função designar o sujeito do discurso. (Peirce 1994, par.8.39)

Peirce também menciona que na relação triádica entre signo, objeto e interpretante, todos tem natureza sígnica, sendo “a relação triádica existente entre um signo,seu objeto e o pensamento interpretante, em si mesmo um signo, considerado como constituindo o modo de ser de um signo. Um signo se coloca a meio, entre o signo interpretante e seu objeto” (Peirce, CP 8.332).

No caso de nosso conceito de “espectadores indiciais”, os mesmos se referem ao pensamento interpretante, procurando índices (não símbolos e nem ícones) dos protagonistas para poder interpretá-los em duas dúvidas e incertezas, mas especialmente tentando identificar o universo duplo em que cada um deles se insere. Para Barbie, o espectador deve analisar seu desejo de se tornar humana sem realmente entender o que é o mundo além de sua presença como boneca. Para entender Xavier, o espectador deve procurar entender se o protagonista está pensando em seus roteiros ou se está relacionando os mesmos à sua procura da companheira ideal, ou mesmo associando seu momento ao episódio anterior da mesma série.

Conclusão

Entre conceitos e análises de nosso referencial teórico, acreditamos que Sergei Eisenstein, em seu O sentido do filme, na parte de Palavra e Imagem, oferece maneiras de inclusão dos elementos da criação de uma obra em seus estágios fundamentais:

O primeiro é a reunião da imagem, enquanto o segundo consiste no resultado desta reunião e seu significado na memória... para conseguir seu resultado, uma obra de arte dirige toda a sutileza de seus métodos para o processo. Uma obra de arte, entendida dinamicamente, é apenas este processo de organizar imagens no sentimento e na mente do espectador... a imagem de uma cena, de uma sequencia, de uma criação completa existe não como algo fixo e já pronto. Precisa surgir,revelar-se diante dos sentidos do espectador... é particularmente importante que, no curso da ação, seja não apenas construída uma idéia do personagem, mas também que seja construído, seja “formado mentalmente”, o próprio personagem. (Eisenstein 2002, 21-22)

A menção que o autor faz quando cita que “cada detalhe é preservado nas sensações e na memória como parte do todo” explica tanto o papel do protagonista quanto o do espectador. Nos dois filmes do corpus de nosso estudo, há diversos detalhes a serem considerados relevantes, o que evidencia o “espectador indicial” que deve decodificar os “protagonistas duoverse”. Ambos os protagonistas, Barbie e Xavier, transmitem suas experiências em suas sensações e em suas memórias: Barbie quer viver intensamente, quer se tornar humana, Xavier lembra seu passado e quer encontrar a companheira ideal, além de trabalhar em seus roteiros.

Bakhtin também colabora com a seguinte citação: “O discurso representável converge com o outro discurso representativo em um nível e em isonomia. Penetram um no outro, sobrepõe-se um ao outro sob diferentes ângulos dialógicos. [...] Como resultado desse encontro,revelam-se e aparecem, em primeiro plano, novos aspectos e novas funções da palavra. (Bakhtin 2008, 309).Segundo Peirce, o índice é

[...] um signo ou uma representação que reenvia a seu objeto não tanto porque possui alguma similaridade ou analogia com ele, nem porque está associado com as características gerais que este objeto possui, mas porque está em conexão dinâmica (aí compreendida espacial) com o objeto individual de um lado e com os sentidos e a memória da pessoa para quem serve de signo, por outro lado. Os índices podem se distinguir dos outros signos ou representações por três características: primeiramente, não possuem nenhuma semelhança significativa com seus objetos; em segundo lugar, reenviam a indivíduos, unidades singulares, a coleções singulares de unidades, ou a contínuos singulares; em terceiro lugar, dirigem a atenção sobre seus objetos por impulsão cega (Peirce 1931-1958, § 2.305-2306)

O “espectador indicial”, segundo o conceito de índice de Peirce, deve procurar detalhes nos protagonistas que o façam entender e também experienciar os índices que são transmitidos nas sensações vividas pelos personagens e nas memórias que os mesmos transmitem. O universo duplo de cada personagem deve ser desvendado em seus índices. O corpus desta pesquisa é o objeto de análise de dois filmes que nos trazem protagonistas “duoverse”, que transitam entre universos duplos. Podemos chegar à conclusão de que nossos conceitos, de protagonistas “duoverse” e de espectadores ‘indiciais” se revelam possíveis de serem comprovados com os referenciais teóricos que selecionamos.

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Filmografia

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