Abstract
This research addresses the discussion about new configurations of cinema, whether through editing, narrative or even exhibition. Currently, what we find is a cinema that has expanded to other media, to other ways of relating to space-time and, mainly, forcing the spectator to interact with issues that were previously technologically impossible, offering different dynamics to see, feel and understand the films. Desktop films and narratives produced entirely on the computer gain strength with the audiovisualization of the software (DAMASCENO, 2020), creating multiscreen narratives that are inspired by social networks, replicating everyday life online and reproducing computer and mobile device screens. As a research corpus, two films are analyzed: Searching (USA, 2018) and Missing (USA, 2023). Both construct a multiscreen montage with invisible cuts, first-person view, sequential shots, where the entire narrative takes place within one screen. To interact with multiscreen narratives, we coined the concept of “expanded-spectator”, which is adapted from Gene Youngblood’s (1970) concept of “expanded cinema”. In the case of multiscreen films, viewers must adapt their perspective to innovative technologies and to montages that defy them to be able to interact with, trying to understand the new ways films can be conceived, including the internet, and to be able to use their knowledge to become “expanded-spectators.
Keywords: Multiscreen Narratives, Expanded-spectator, Desktop Films, Expanded Cinema, Innovative Montages.
Introdução
É possível perceber, atualmente, uma grande mudança na forma de pensar, produzir e exibir um filme. Se por vezes, essas narrativas são criadas para a sala de cinema, com telas cada vez maiores, com sistemas de sons mais imersivos e poltronas que simulam o movimento em tela, por outras, essas narrativas são criadas a partir de dispositivos móveis e exibidas em serviços de streaming ou até mesmo em redes sociais. É fato que, historicamente, os produtores/diretores de cinema sempre inseriram novas formas de pensar a produção de um filme, através da tecnologia disponível em seu tempo de produção, como o cinematógrafo, por exemplo, ou mais recentemente a inteligência artificial. Tecnologias que transcendem a criação e aspectos técnicos, e constroem narrativas que se adaptam de acordo com o público que as consome, dessa forma, produzindo outras experiências interativas e imersivas, ao mesmo tempo em que revisitam ideias clássicas para se reinventar e se reconfigurar.
Ao olharmos para as narrativas cinematográficas atuais, percebemos conteúdos produzidos e editados inteiramente em computadores e celulares, gravados até mesmo com o recurso da webcam ou da câmera do dispositivo móvel. Podemos associar essa reconfiguração de produção e exibição ao aumento do acesso a esses dispositivos móveis para captação de imagens e às possibilidades de edição dentro de softwares criados nas últimas décadas, expandindo fronteiras até mesmo do conceito de “cinema” e de “filme”.
As redes sociais também desempenham um papel importante no cinema atual, como nos chamados desktop films, os quais apresentam uma montagem multitela e que leva em conta a característica de cada aplicativo de computador. O screenlife ou desktop film pode ser definido como um subgênero fílmico, mas também entendido como formato de produções. Alex Damasceno (2020, p. 05) diz que “[...] o screenlife é um formato em constante atualização, cujas formas surgem do encontro entre as diferentes práticas do software e as convenções do audiovisual”. Basicamente, são filmes criados inteiramente através de um computador, utilizando da webcam, das abas da internet, abertura de pastas e arquivos, softwares e sites para criar uma narrativa. Os desktop films basicamente são um formato de cinema em que toda a ação se passa na tela do computador do protagonista e nada mais.
Mesmo que a utilização desses dispositivos e softwares seja uma atualização no modo de produzir cinema, ainda assim a narrativa respeita aspectos tradicionais da arte cinematográfica, como os atos de um roteiro, por exemplo. A escolha dos aplicativos de vídeo chamada para a criação desses filmes influencia na narrativa e na montagem, porém é perceptível uma grande experimentação entre os diversos aplicativos disponíveis.
Além da diferente construção da produção dessas narrativas, é possível notar uma outra construção de outro espectador. Há muito tempo a temática do papel do espectador permeia as artes e, muito provavelmente, sempre estará em discussão. Isso porque as evoluções, convergências e transformações não acontecem somente na técnica e nas plataformas de exibições, mas, essencialmente, na mente do público que consome a arte, pois a sociedade é algo em constante mudança, que molda os pensamentos, costumes e tradições.
O espectador de fato nunca foi uma figura totalmente passiva, já que também precisa participar da narrativa para entendê-la na sua mente, o que seria uma interatividade cognitiva. Porém, ele não desenvolvia funções dentro da narrativa, o que agora podemos apontar, então, para um espectador ativo, o qual participa cognitivamente e, por vezes, corporalmente da narrativa. Existem muitos termos que definem o espectador, por vezes direcionando para outras mídias, como o “telespectador” da televisão. Esses termos passaram por inúmeras modificações ao longo do tempo, sendo que para cada produção cinematográfica em diferentes suportes e mídias houve uma atualização. Essas atualizações fazem sentido, principalmente quando observamos que existem diferenças, por exemplo: o espectador da televisão é diferente do espectador que está na internet, pois há outras mediações e outros agenciamentos que são específicos de cada mídia ou suporte.
O ambiente online pode ser associado a uma ideia de espectador-usuário, defendida por Renó (2007), no qual ele pode navegar entre os links oferecidos neste campo online. Acreditamos que este termo se encaixa muito bem com o espectador que vê o filme em um computador ou dispositivo móvel, ou até mesmo em uma smart tv, aparelhos que permitem a conexão de internet e, principalmente, em plataformas de streaming.
Dubois (2014) sugere um “espectador-visitante” para o cinema expandido exibido em instalações, ou até mesmo “caminhante-narrador’’ ou “espectador-montador”. Em conteúdos pós-mídia, como conteúdos interativos, estes termos se tornam relevantes já que a narrativa é construída também por quem a assiste. O autor comenta que à medida que o espectador vai lendo ou vendo determinado material fragmentado, como uma narrativa interativa, ele une esses fragmentos encontrados e formula uma nova ideia, uma nova obra. Outro termo relevante é o interator, utilizado por Murray (2003), que interage de fato com a arte proposta, causando modificações ao interagir.
Além disso, propomos a ideia de um espectador-expandido, um termo com suporte no conceito de cinema expandido, criado por Gene Youngblood (1970). O cinema expandido, seria a expansão da tela do cinema para outras mídias, outras artes e outros suportes.
Um cinema multitelas
O cinema das mídias digitais é construído através da inovação e experimentação das tecnologias dispostas no mundo atual, essencialmente no mundo digital e online. O computador e o smartphone são utilizados como proposta para novos conteúdos, nos quais os filmes podem ser totalmente produzidos, exibidos e divulgados por um destes aparelhos.
Na montagem desses filmes os cortes são (na maioria) invisíveis, utilizando como base de transições de uma cena para outra, características de softwares de vídeo chamada, ou seja, a montagem com base no Skype é diferente da montagem com base no Zoom, por exemplo. Uma das características mais específicas deste cinema é que não há grandes cenários, sendo que a própria tela se transformou em cenário. Em Amizade Desfeita (2015), por exemplo, diversos aplicativos e mecanismos de redes sociais são utilizados durante a narrativa para que os personagens interajam entre eles, ouçam músicas e reproduzam vídeos e fotos.
Sendo assim, afinal, como editamos, contamos uma história ou criamos um sentimento? É impossível simplesmente aplicar a linguagem dos meios audiovisuais do cinema tradicional dentro dessas narrativas atuais. Nem todos os elementos da semântica visual, como o corte, ângulo da câmera e movimento são construídos. Não há off-screen, tudo está no mesmo espaço e ao mesmo tempo. As regras de montagem também são suspensas, criando uma forma que respeita às características dos softwares utilizados.
Uma das produções mais famosas é Host, um filme de 2020 que recupera o manifesto criado por Timur Bekmambetov em 2015, no qual há regras para a construção de filmes de computador, são elas:
- Unidade de lugar: o cenário é a realidade virtual em geral e uma tela de computador específica, pertencente a um personagem. A ação nunca sai da tela. O tamanho da tela (os limites do quadro) permanece uma constante. O surgimento de novos elementos visuais tem uma explicação racional e corresponde aos formatos de vida em um espaço virtual: o espectador deve estar constantemente ciente de onde exatamente se originou a ação que ocorre em um determinado momento. O trabalho da câmera é estilizado para se assemelhar ao comportamento da câmera de um dispositivo digital.
- Unidade de tempo: toda a ação ocorre em tempo real - aqui e agora, enquanto o filme é montado por meio de montagem in-frame sem quaisquer transições visíveis (como se filmado em uma tomada contínua).
- Unidade de Som: todos os sons do filme vêm do computador. Sua origem sempre pode ser explicada racionalmente; o espectador tem que entender o tempo todo de onde vem a faixa musical.
Todos estes elementos são levados em conta em Host (2020), Amizade Desfeita (2015), Searching (2018) e Missing (2023). Em Host, por exemplo, os efeitos visuais e digitais foram criados a partir do olhar da velha guarda dos efeitos cinematográficos (cadeira arrastando, porta fechando, e assim por diante). Cada ator e atriz teve que aprender como colocar estes efeitos na prática e também a se relacionar com a câmera e a tela do computador. Isso pode apontar para uma reconfiguração na produção do cinema, o que já era de se esperar com as inúmeras possibilidades que a tecnologia, o meio online e, mais recentemente, a inteligência artificial podem criar.
Como defendido por Peter Weibel, “[...] as novas mídias não foram apenas um novo ramo da árvore da arte, mas na verdade transformaram a própria árvore da arte” (Online, 2012). Ou seja, as mídias digitais se inseriram em contextos inimagináveis causando grandes evoluções para o cinema, a fotografia e as artes do vídeo. É possível apontar até mesmo uma atualização deste pensamento, onde as redes sociais e os softwares também transformaram a árvore da arte por completo. Desse modo, o que se pode apontar é um contexto de pós-mídia, um território, segundo Weibel (2012), no qual toda mídia se torna digital e pode assim ser reconfigurada a qualquer momento.
O software tornou-se a principal ferramenta deste cinema, já que é possível modificar qualquer pixel disponível na imagem. Lev Manovich, em 2013, pontua que o software se tornou nossa interface com o mundo, com os sujeitos, com nossa memória e nossa imaginação: “Uma linguagem universal através da qual o mundo conversa, um motor universal através do qual o mundo se movimenta” (MANOVICH, 2013, p.02). O que aponta para outro conceito do mesmo autor que é a estética pós-mídia, uma estética construída através e pelos softwares.
Essas convergências de mídias, que também acontecem na mente dos indivíduos que as consomem, como defendido por Henry Jenkins (2009), criaram novos formatos e gêneros de produção. Katia Maciel (2006) apresenta seu conceito de “transcinema”, o cinema como interface, envolvendo sensorialmente o espectador como participante do filme. Assim como o conceito criado por Youngblood, em 1970, que é o cinema expandido.
O cinema é uma arte em constante movimento, evolução e desconstrução. Observando os exemplos já citados, podemos apontar que atualmente o surgimento de experimentações com a tecnologia digital disponível tem destacado o papel da interface na montagem de filmes, como cita Scolari: “A interface é a mediadora de um intercâmbio que funciona de maneira muito similar à relação entre autor-texto-leitor” (SCOLARI, 2018, p. 226).
Estamos em um momento de transição das narrativas, que se tornam interativas, imersivas com realidade aumentada e com um potencial de se tornarem ainda mais populares e amadoras. Transitando em um território de exibições que começa a se desconstruir com o streaming, começamos a questionar falas como a de Philippe Dubois (2008): “Apesar de tantas inovações tecnológicas, o dispositivo principal continua sendo uma sala com o espaço fechado, escuro, onde uma comunidade de espectadores está instalada” (DUBOIS, 2008, p. 146). Filmes pensados para o streaming desconfiguram a estreia em cartaz de uma sala de cinema. A tela nem sempre vai ser grande e muito menos em uma sala escura. Além disso, a tecnologia digital é uma forma de consumo que permite que o espectador pare, adiante ou retroceda a narrativa ao mesmo tempo em que a consome, ou simplesmente troque a narrativa em minutos. A produção em si também ganha outras formas, visto que é possível capturar, montar e finalizar com muito mais rapidez e facilidade devido à evolução dos softwares. E, por fim, até mesmo a exibição desses conteúdos ganha outra proposta, por vezes pautada no algoritmo dos streaming, como também das redes sociais.
Com o surgimento do TikTok, rede social exclusiva para vídeos curtos, também surgem narrativas cinematográficas criadas através dessa rede. Narrativas que foram parar até mesmo em Cannes, com a extensão do Festival chamada: #TikTokShortFilm, onde apresenta e premia curtas realizados e postados na rede social.
Os curtas apresentados no #TikTokShortFilm são curtas que levam em conta os ensinamentos da linguagem cinematográfica, porém com uma abordagem para a rede social. Em sua maioria, são curtas gravados em tela vertical, narrativas amadoras e com baixo orçamento (o que não faz a qualidade ser deixada de lado).
Sendo assim, essas narrativas também apresentam outra forma de consumir o conteúdo, através de um dispositivo móvel, dentro de uma rede social. Inclusive, o perfil da Paramount disponibilizou o filme Meninas Malvadas (2004), inteiramente no Tik Tok, porém fragmentado em mais de 20 vídeos, reconfigurando a forma que o filme pode ser consumido. Seria então pertinente apontar para um “novo cinema” ou até mesmo para uma reconfiguração da linguagem?
As narrativas multitelas
Se no início da história cinematográfica a inspiração para imagens em movimento veio de outras artes, como a pintura e a fotografia, com o passar do tempo as narrativas encontraram modos de inserir outras formas de pensar o cinema. Por vezes, acolhendo preposições de jogos de videogame ou até mesmo, mais recentemente, se inspirando nas redes sociais. O que encontramos é um cinema que se expandiu para outras mídias, para outras formas de se relacionar com o espaço-tempo e, principalmente, fazendo imergir o espectador em questões antes tecnologicamente impossíveis. André Parente (1998, p. 39) define o termo “cinema expandido” como um “[...] processo de desocultamento do dispositivo do cinema e da produção de uma imagem processual, aberta, que envolve o espectador”. Dessa forma, o cinema expandido produz obras que dialogam com o sujeito e com construções imagéticas de outras mídias. No caso do corpus deste artigo, há conteúdos que simulam o cotidiano do espectador referente à tela, tanto na gravação vertical através da câmera do celular, quanto no cursor do mouse que abre e fecha as guias no computador.
Os “desktop films” adotam principalmente a perspectiva subjetiva do protagonista, em vez da perspectiva onisciente. Geralmente, o público tem a mesma perspectiva que o protagonista (ou seja, o manipulador da interface) e obtém a mesma quantidade de informações, como se o público fosse o interno dos filmes, em busca de pistas e descobrindo a verdade em empatia com os personagens. Além disso, os “desktop films” usam principalmente os close-ups, guiando a linha dos olhos do espectador por meio do mouse em movimento, marca de digitação, janela pop-up na tela do desktop, fazendo com que o público se identifique com o protagonista que está operando a interface e criando um senso de participação, imersão e empatia (Yang, 2020, p. 134-135. Tradução nossa).
As movimentações na tela e efeitos descritos por Yang (2020) e os lugares onde o espectador é colocado, apontados por Damasceno (2020), nos indicam uma montagem que é construída a partir das mídias digitais, inserindo possibilidades de acordo com os aplicativos que são abertos na tela do protagonista ao longo da narrativa. Isso coloca o espectador em um lugar de pertencimento, pois há um reconhecimento das ações na tela, que acabam sendo as mesmas que o espectador faz em sua rotina: abre e fecha aplicativos, escreve mensagens, ouve músicas, vê vídeos, e assim por diante.
O corpus do estudo é composto por dois filmes: Searching (2018) e sua sequência Missing (2023). Ambos os filmes constroem uma narrativa multitela, visto que é possível acompanhar a vida online dos protagonistas através da abertura de redes sociais, arquivos no computador, vídeos dispostos em sites, exatamente como se fosse uma gravação de tela em tempo real.
Inúmeras telas são abertas no mesmo momento, criando camadas dentro da narrativa. Sendo assim, o espectador pode ler, ouvir e entender o filme de inúmeras maneiras. São algumas das principais características dos dois filmes:
Em Searching, de 2018, existem inúmeras formas de apresentar as imagens, através do aplicativo Facetime, abas na internet, pastas de arquivos, mensagens de texto e utilizando as redes sociais.
Missing, de 2023, é um filme continuação de Searching, seguindo a mesma lógica de apresentação das cenas. Os recursos utilizados são abas da internet, como sites e redes sociais, assim como outros aplicativos, como Google Maps, reprodutor de imagens e vídeos.
Observando esses exemplos de produção é possível notar que a utilização dos softwares contribui para a construção da narrativa, não somente a imersão na tela da protagonista por parte do espectador, mas principalmente a criação de clímax entre a abertura de uma aba ou outra.
O “Espectador-expandido”
Para interagir com narrativas multitelas, criamos o conceito de “espectador –expandido”, ou seja, o espectador que deve adaptar suas perspectivas para poder compreender e interagir com montagens que adotam tecnologias de inovação e desafiam plateias que devem não só conhecer as técnicas selecionadas, mas também poder entender o funcionamento das mesmas. Nosso conceito é uma adaptação do conceito de “cinema expandido” de Gene Youngblood (1970), que complementa o conceito de 1967, de Stan Van Der Keek, ao mencionar os novos formatos, efeitos especiais, diálogos com o teatro, a pintura e a música, ambientes multimídia, experimentações híbridas entre vídeo e informática e diálogos que surgiram nas décadas de 60 e 70 com o uso das novas tecnologias.
Outros autores também se manifestaram sobre o tema, como Katia Maciel, que cita o lugar do espectador: “o espectador experimenta sensorialmente as imagens especializadas de múltiplos planos de vista, bem como pode interromper, alterar e editar a narrativa em que se encontra imerso” (Maciel 2009, 17-18). Raymond Bellour se refere ao diálogo entre as imagens, ou seja, entre a fotografia, o cinema, o vídeo e as mídias digitais, em seu conceito de “entre-imagens”:
O vídeo-arte, por mais exterior que seja ao cinema, não pode ser apreendido sem referência ao que o altera – o cinema assim como as outras artes (artes plásticas, música) em suma, tudo de onde ele provém e para onde ele volta sem cessar. (Bellour 1997, 17-18).
Arlindo Machado, em seu livro “Pré-Cinemas & Pós-Cinemas” (1997), cita que:
[...] fica cada vez mais difícil falar em cinema stricto sensu ou mesmo em vídeo stricto sensu quando os meios se imbricam uns aos outros e se influenciam mutuamente, a ponto de, muitas vezes, tornar-se impossível classificar um trabalho em categorias como cinema, vídeo, televisão, computação gráfica ou seja lá o que for. Talvez seja melhor falar de cinema, no sentido expandido de kínema-ématos + gráphein, ou seja, a “arte do movimento”. (Machado 1997, 216).
Machado relembra o questionamento: “o cinema é uma linguagem em vias de desaparecimento, uma arte que está morrendo?” feito por Wim Wenders em seu filme Chambre 666 (1982) no qual Wenders reuniu, em seu quarto no Hotel Martinez, durante uma das edições do Festival de Cinema de Cannes, cineastas emblemáticos para comentarem sobre uma possível morte do cinema. Apenas dois cineastas rejeitam o ponto de vista na formulação, e chamam a atenção para a possibilidade de reinvenção do cinema com a incorporação dos meios eletrônicos. Lucia Santaella (2009) corrobora com Godard e Antonioni, os dois cineastas que divergiram sobre o tema da morte do cinema, quando menciona que
[...] a revolução causada pelas inovações tecnológicas faz parte de um programa revolucionário: não acredito que o advento e o desenvolvimento da tecnologia sejam simplesmente uma consequência da instabilidade capitalista, mas que são também partes de um programa revolucionário. (Santaella 2009, p. 500)
Dado França, diretor multimídia, acredita que o cinema expandido “estabelece um diálogo entre o filme, o espaço físico que o envolve, e busca estabelecer uma relação de participação do espectador” além de discorrer sobre o audiovisual expandido citando a nova percepção em relação ao público:
Com o desenvolvimento tecnológico, o digital e a interdisciplina entre as manifestações artísticas, o Audiovisual Expandido oferece ao público uma nova percepção sobre sua relação com a arte, a paisagem urbana, o marketing e o mundo. Seja a partir de manifestações de proporções gigantescas, como video-mapping, em um universo de realidade aumentada em dispositivos móveis, interconectividade de interfaces vestíveis, instalações de arte-tecnologia, projeção 360º e também Realidade Virtual em 360º. (Dado 2018, online)
Considerações finais
A partir dos exemplos citados abordamos possibilidades do audiovisual ao produzir narrativas cinematográficas que são recentes comparadas à história do cinema ou das artes do vídeo, levando-nos a sugerir o conceito de “montagem multitela”, onde a interface é que constrói a montagem. Assim como a ideia de “narrativa multitela”, onde a narrativa se constrói entre as abas exibidas no filme. Ou seja, com a abertura de abas de matérias de jornais, textos em sites, mensagens de texto, sons do computador, criam diferentes lógicas no espectador.
São configurações que nos levam a questionar se os termos “cinema” e “filme” ainda são válidos para descrever esses tipos de produções.
Sendo assim, o debate sobre produção, montagem e exibição desses conteúdos deve ser aprofundado para entender outras perspectivas desse “novo cinema” ou dessa “nova linguagem”. Segundo Linda Hutcheon, interagir com uma história é também diferente de lê-la ou vê-la, e não apenas por permitir um tipo de imersão mais imediata. Tal como uma peça teatral ou filme, na realidade virtual ou em um jogo de videogame, a linguagem não tem de evocar um mundo sozinha: esse mundo está presente perante nossos olhos e ouvidos. (Hutcheon 2011, 51)
Podemos concluir, então, que o espectador-expandido se diferencia de um simples espectador. Sua missão é de entender o conceito de cinema expandido de Youngblood. Nas palavras de Maria Henriqueta Creidy Satt:
Proposto de forma visionária por Gene Youngblood, na década de 70, o termo cinema expandido expressa esse alargamento que a concepção de cinema vem sofrendo nas últimas décadas, priorizando a convergência das linguagens no meio audiovisual. (Satt 2009, 10).
Concluindo com as palavras de Gene Youngblood sobre o espectador, “o espectador é forçado a criar junto com o filme, a interpretar por ele mesmo o que ele está experimentando” (1970, 64) e, no caso de nosso conceito, o espectador-expandido deve compreender não só a convergência de linguagens no meio audiovisual, mas também as narrativas multitelas.
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