Capítulo / Chapter V | Convidados / Guests

PARTICIPATORY CULTURE: THE EMANCIPATED SPECTATOR

CULTURA PARTICIPATIVA: O ESPETADOR EMANCIPADO

Lardyanne Pimentel Guimarães

Universidade Lusófona do Porto, Portugal

António Costa Valente

CIAC, Universidade do Algarve, Portugal

Abstract

The digital revolution and the convergence of media have radically transformed the production, dissemination and consumption of information. This article explores how these technological changes have promoted a participatory culture where users take an active role. By approaching the human-computer interface, described by Manovich as “cultural interfaces”, and Castells’ concept of “autonomous mass communication”, we highlight the centrality of digital technology in the reconfiguration of social and cultural interactions. This study also emphasizes the importance of media convergence and virtualization, which have shaped contemporary times, creating an environment of constant connection and interaction. Digital culture also redefines interaction spaces and social roles, establishing a new dynamic where the local and the global intertwine in an unprecedented way.

Keywords: Convergence, Spectator; participation, Digital culture and connection.

Introdução

A revolução digital e a convergência dos meios de comunicação transformaram radicalmente a produção, disseminação e consumo de informações. Este artigo explora como essas mudanças tecnológicas têm promovido uma cultura participativa onde os usuários assumem um papel ativo. Ao abordar a interface homem-computador, descrita por Manovich como “interfaces culturais”, e o conceito de “comunicação de massa autônoma” de Castells, destacamos a centralidade da tecnologia digital na reconfiguração das interações sociais e culturais. Este estudo também enfatiza a importância da convergência mediática e a virtualização, que têm moldado a contemporaneidade, criando um ambiente de conexão e interação constante. A cultura digital também redefine os espaços de interação e os papéis sociais, estabelecendo uma nova dinâmica onde o local e o global se entrelaçam de maneira inédita.

DESENVOLVIMENTO

A cultura digital acontece na rede e para ela. A internet, alimentada diariamente com conteúdos de diversas partes do mundo, em diversas línguas, culturas e saberes, provoca uma verdadeira revolução em todos os aspetos da vida humana.

“Uma revolução tecnológica concentrada nas tecnologias de informação começou a remodelar a base material da sociedade em ritmo acelerado” (Castells, 1999. P.68). Castells (1999) inclui nas tecnologias de informação, todo o conjunto convergente de tecnologias em microeletrônica, computação (software e hardware), telecomunicações / radiodifusão, optoeletrônica, engenharia genética e seu crescente conjunto de desenvolvimentos e aplicações. Manovich (2002) considera que à medida que a distribuição de todas as formas de cultura se torna baseada em computador, cada vez mais estamos centrados na “interface” numa cultura codificada em formato digital.

O autor utiliza o termo “Interface Cultural” para descrever a interface homem-computador-cultura: os modos pelos quais os computadores estão presentes e nos permitem interagir com os dados culturais. Inclui as interfaces usadas por designers de sites, museus, revistas online e outros objetos culturais dos novos media. Para Scolari (2008) a indústria cultural constituía um sistema onde cada media e linguagem ocupava seu lugar, mas na nova media esfera todos necessitam combinar-se em torno da multimédia. Cazeloto & Trivinho (2009) considera que a Sociedade da Informação se caracteriza principalmente por: “Formação e desenvolvimento de redes digitais virtuais, que ligam pessoas e grupos, independentemente de tempo e espaço; b) reorganização interativa dos processos políticos, sociais, económicos, culturais e institucionais, com base em tecnologias avançadas de informações e comunicações; c) reconfiguração da vida quotidiana dos indivíduos, grupos sociais, governos, empresas e entidades em geral, por efeito da consolidação e crescente expansão de redes digitais. (Cazeloto & Trivinho, 2009, p.21).

O uso dessa tecnologia na produção do conhecimento, no acesso a informação e na comunicação tem reconfigurado papéis. Segundo Scolari (2008), a comunicação digital em rede colocou o modelo de um para muitos, da comunicação de massas em crise, e permitiu o crescimento de formas interpessoais e o intercâmbio de grupos, por meio de fóruns, de correios eletrónicos e de mensagens, e pelo surgimento de novas formas pós-massivas de comunicação (webblogs, wikis, plataformas colaborativas).

Castells (1999), considera essas transformações como um dos raros intervalos de eventos importantes que correm com rapidez e que ajudam a estabelecer a próxima era estável na história, um intervalo cuja característica é a transformação da nossa “cultura material” pelos mecanismos de um novo paradigma tecnológico que se organiza em torno da tecnologia da informação. O que permite o surgimento de novas formas de comunicação. “A digitalização tornou o conteúdo totalmente plástico, isto é, qualquer mensagem, som ou imagem pode ser editado e alterado. E estabeleceu, por essa via, a tendência do cancelamento de fronteiras entre diversos tipos de produtos intelectuais e serviços informativo-culturais” Castells (as cite Shith, 2009). Scolari (2008), diferencia as novas formas de comunicação das tradicionais, com as seguintes características: transformação tecnológica (digitalização), configuração de muitos para muitos (reticular), estrutura de texto sequencial (hipertextualidade), convergência dos media e das linguagens (multimédia) e participação ativa dos usuários (interatividade).

“Se focarmos no processo produtivo e na matéria-prima das novas formas de comunicação, o conceito chave é a digitalização; Se considerarmos o conteúdo (multimédia) e o suporte (redes) do processo de comunicação, a noção que o distingue é a hipermédia. Se concentrarmos o nosso olhar no processo de receção do conteúdo, a palavra-chave é interatividade. A digitalização, esse processo que reduz os textos a uma massa de bits que podem ser fragmentados, manipulados, vinculados e distribuídos, é o que permite a hipermidialidade e a interatividade.” (Scolari, 2008, p. 72). A designação novos media ou novas tecnologias sempre originou bastante debate, por provocar a ideia de rutura, separação dos media. Uma conotação, na nossa perspetiva que pode levar ao erro, pois os media e as tecnologias não se excluem, mas coexistem e se renovam. “O que identificamos, de forma grosseira, como novas tecnologias recobre na verdade a atividade multiforme de grupos humanos, um devir complexo que se cristaliza sobretudo em volta de objetos materiais, de programas de computadores e de dispositivos de comunicação” (Levy, 1999. p.30).

“Cada meio antigo foi forçado a conviver com os meios emergentes, é por isso que a convergência parece mais plausível como forma de entender os últimos dez anos de transformações dos meios de comunicação do que o velho paradigma da revolução digital. Assim, os velhos meios tem suas funções e status transformados” (Jenkins, 2009, p.43).

Entretanto Ferreira (2018) considera que a opção pelo termo novos media reúne num só conceito várias características como o digital, o online, a rede (ou a internet), as bases de dados, a realidade virtual, o que seria eficaz para traduzir dinamismo e 41 mudança na atual realidade dos media. Segundo Jenkins (2009), os velhos meios de comunicação nunca morrem - nem desaparecem, o que morre são as ferramentas que usamos para acessar o seu conteúdo, por exemplo, a fita de cassete vídeo, a Betacam, CDS, arquivos mp3. Estas ferramentas são as tecnologias de distribuição (delivery tecnologias) que tornam-se obsoletas e são substituídas. “Sistemas de distribuição são apenas e simplesmente tecnologias; meios de comunicação são também sistemas culturais.” (Jenkis, 2009, p. 43).

Para Ford, Green & Jenkis (2012) as novas plataformas e as facilitações da mídia digital funcionam como catalisadoras para reconceituação de outros aspetos da cultura, exigindo que sejam repensadas as relações sociais, que imaginemos de outro modo a participação cultural e política. Para Castells ( 2003), a internet passou a ser a base tecnológica para a forma organizacional da Era da Informação: a rede. Castells (2011) nomeia de autocomunicação o uso da internet e das redes sem fio como plataformas de comunicação digital, e a define como comunicação de massa, por processar mensagens de muitos para muitos, com um potencial de se conectar a um número infindável de redes que transmitem informações pelo mundo. Com produção da mensagem decidida de forma autónoma pelo remetente, a designação do recetor autodirecionada e a recuperação de mensagens das redes de comunicação autosselecionada. Para Lemos (2009) estamos num “território recombinante”, numa “cibercultura remix” que fomentam novas práticas recombinatórias nas cidades contemporâneas.

INTERFACE

Segundo Scolari (2002) a web está contaminada com muitos outros medias - a televisão, o rádio, os videojogos, etc - simultaneamente trata de definir a sua própria interface e gramática de interação. Hookway (2014) afirma que a palavra interface foi utilizada pela primeira vez na descrição de um fluído o que sugere a sua abertura. O prefixo inter conota relações que ocorrem dentro de um campo limitado, seja espacial ou temporal, pertence a uma orientação interna, uma interioridade. Utilizado como uma forma de comunicação entre entidades, o papel da interface seria limitado a tradução ou transmissão daquilo que 42 entidades vinculantes projetam. Face é derivado do latim Facies, ou seja, rosto ou semblante, como aparência, caráter, forma ou figura. Portanto, um aspeto de uma coisa, ou seja, é o meio pelo qual essa coisa pode projetar-se para frente e fora de si. Hookway (2014) considera que a combinação de inter e face corporifica uma contradição do termo que pode ter duas leituras: a primeira, como “entre faces”, sugere atividades dentro de um campo circunscrito ou um recinto; e a segunda, sugere um limite ou zona de encontro que ativamente estende-se e condiciona aquilo que separa.

Em combinação, interface é uma interioridade confinada pelas suas entidades delimitadoras e meios de acesso, confrontação ou projeção numa exterioridade. Isto é definido pelas suas entidades delimitadoras ao mesmo tempo que as define. Ao englobar interioridade e exterioridade, passividade e atividade, a interface governa as transformações do estado interior para a relação exterior, da expressão interna para a externa. (Hookway, 2014, p.22) Para Scolari (2012) as interfaces da tecnologia digital em rede não são dóceis instrumentos nas mãos dos usuários, mas complexos dispositivos cognitivos e semióticos que negoceiam o significado das interações. É por meio da Interface que o usuário das tecnologias mediadas pelo computador percorre os recursos interativos e explora os percursos. “A interface – aquela área de fronteira entre a membrana osmótica que atravessa e ao mesmo tempo une duas entidades – é a face visível das hipermediações, o lugar onde ocorrem as trocas entre sujeitos e dispositivos. Neles acontece a conversa globalizada de blogueiros, trocam-se conteúdos P2P e se enfrentam exércitos virtuais comandados por jovens games. Precisamente aí estão as subjetividades, ao interagir com sistemas computacionais ou com outras subjetividades, ao interagir com sistemas computacionais ou com outras subjetividades” (Scolari, 2012, p.265).

Para Manovich (2002) em termos semióticos, a interface do computador atua como um código que carrega mensagens culturais em variedade de mídias. O autor compreende que na cultura da comunicação, um código raramente é um mecanismo neutro. Ao contrário, ele pode fornecer um próprio modelo de mundo; mensagens culturais subsequentes ou linguagens inteiras criadas usando este código serão limitados por este modelo, sistema ou ideologia. “A interface molda o computador, o usuário concebe o próprio computador. A interface também determina como os usuários pensam sobre qualquer objeto de mídia acedido pelo computador, retira diferentes mídias da sua original distinção e impõe sua própria lógica a eles” (Manovich, 2002, p.76). O autor cita, como 43 exemplo o recurso “cortar e colar”, padrão presente em todos os softwares em GUI1 de como a interface impõe a sua própria lógica. A utilização desse recurso tornaria insignificante a distinção tradicional espacial e temporal dos media, bem como a distinção tradicional entre eles, pois o usuário pode recortar e colar parte de imagens e colar um único pixel, uma imagem e todo o filme digital da mesma maneira. Além de poder aplicar esta operação a textos, imagens estáticas e em movimento, sons e objetos 3D da mesma forma. Manovich (2012) afirma que a interface homem-computador se tornou um código semiótico fundamental da sociedade da informação, à medida que a distribuição de todas as formas de cultura se torna baseada em computador. Cada vez mais a “interface” é predominantemente composta de dados culturais. O autor considera que desenvolvemos a interface homem-computador por meio da cultura codificada em formato digital e a define de “Interface Cultural”. “Vou usar o termo “interfaces culturais” para descrever a interface homem-computadorcultura: as maneiras pelas quais computadores presentes nos permitem interagir com os dados culturais. Interfaces culturais incluem interfaces usadas pelos designers de sites, cd-rom, títulos, enciclopédias multimídia, museus e revistas online, jogos informáticos e outros objetos da nova mídia.” (Manovich, 2012, p. 80)

Scolari (2012), afirma que designs e especialistas consideram que a melhor interface é aquela que não se sente, uma interface que respeita os princípios da usabilidade, ou seja, dever desaparecer - o usuário deve se concentrar nas tarefas a realizar e não ficar capturado pela interface. Hookway (2014) considera que a medida em que a gama de experiência e desempenho humano é cada vez mais definido e condicionado pelas forças da tecnologia, a interface é familiar, embora indeterminada e até mesmo com presença espectral. “A interface descreve as maneiras pelas quais a humanidade está ligada em sua relação com a tecnologia. Até mesmo quando homem e máquina entram em contacto, seu encontro já está sujeito a mediação” (Hookway, 2014, p.1). O autor considera a interface como um formulário de relação, ou seja, o que é mais essencial para a sua descrição de interface não reside nas qualidades de uma entidade ou linhas de dispositivos ou tecnologias, mas nas qualidades de relação entre entidades. No que se refere a interface homem-máquina, ela está inteiramente delimitada pelas relações homem e máquina. O seu funcionamento é limitado pelos atos de transação e tradução entre essas duas entidades. 1 abreviadamente, o acrónimo GUI, do inglês Graphical User Interface 44.

As interfaces homem-computador se proliferam, tornam-se quase omnipresentes, assim, como a tecnologia em rede tem estado a possibilitar uma nova dimensão de tempo e espaço. “Os dispositivos móveis conectados a Internet estão a resinificar conceitos de proximidade, presença e mobilidade. O fato de poder estar sempre disponível, a qualquer hora e em qualquer lugar, transforma a gestão das atividades e a regulação do ciclo da vida social” (Scolari, 2012, p.271). A interface homem-computador está por todo lado da vida contemporânea, integra comportamentos e a relação com diversos aspetos da cultura.

VIRTUALIZAÇÃO

A virtualização de diversas atividades e modos de interagir em rede, torna-se cada vez mais presente e veloz. Para Levy (1999) virtual que vem do latim medieval Virtualis, derivado por sua vez de cirtus, força, potência não se opõe ao real, é como um complexo problemático, o nó de tendências ou de forças que acompanha uma situação, um acontecimento, um objeto ou entidade qualquer, e que chama um processo de resolução.

O que neste caso permite uma atualização, ou seja, uma criação, uma invenção de uma forma a partir de uma configuração dinâmica, de forças e de finalidades. “Quando uma pessoa, uma coletividade, um ato, uma informação se virtualizam, eles se tornam “não-presentes”, se desterritorializam. Mas a sua existência é real, o que muda é a noção de espaço (Levy,1999. p.30). De qualquer parte do mundo, com acesso a Internet podemos nos comunicar em direto, com transmissão internacional, sendo necessário apenas: um dispositivo móvel de valor acessível, conexão a rede mundial de computadores e um cadastro numa rede social. Qualquer pessoa com um grau mínimo de literacia digital pode fazer uso de uma transmissão de vídeo e áudio de alcance mundial, antes restrito as grandes empresas de comunicação. O local torna-se cada vez mais global, a comunicação cada vez mais veloz e as vozes se multiplicam no terreno dos media. “É mais que um processo de virtualização, mas uma transformação de coisas, de estradas, de relações, de bosques, rios e cidades, em dados, desencadeou uma dimensão informatizada da realidade e seus diferentes tipos de interação, assumiram uma natureza informativa e informatizada” (Felice, 2019, p.4). Castells ( 2001), considera que vivemos “A Cultura da virtualidade real”, virtual porque é construída basicamente através de processos de comunicação virtuais eletronicamente baseados e real porque não é imaginária. “Essa virtualidade é nossa realidade, é principalmente através da virtualidade que processamos nossa criação de significado” (Castells, 2001).

A pandemia do Covid-19, com início em 2020, contribui para virtualizar diversos serviços e hábitos, pois as restrições de contacto físico e social, a reclusão em casa, o fecho do comércio, de fronteiras, a limitação de viagens, determinou a necessidade de virtualização de diversas práticas diárias. Nesse contexto, a internet passou a ser o principal espaço de interação. “É virtual toda entidade “desterritorializada” capaz de gerar diversas manifestações concretas em diferentes momentos e locais determinados, sem contudo estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular” (Piere Levy, 1999, p.50). A escola, as lojas, os serviços, os concertos, os shows, o teatro e uma série de atividades foram impedidas de realizarem-se de forma tradicional. O mundo passou a ver e a integrar, ainda mais, a web nas atividades diárias. A digitalização de serviços e das práticas sociais passou a ser vital para sobreviver em tempos de pandemia e confinamento, seja do ponto de vista económico como psicológico. A sociedade, tornou-se ainda mais conectada e on-line. Este cenário determinou a adaptação digital e online, reconfigurando espaços. Concertos, festas populares, missas, cultos religiosos se transformaram em “lives”, com transmissão ao vivo pela web, com comentários e participação do público.

“Os públicos estão se fazendo presentes ao modelarem ativamente os fluxos de mídia, e produtores, gerentes de marca, profissionais de serviços ao consumidor e comunicadores corporativos estão acordando para a necessidade comercial de auvi-los e responder de maneira ativa.” (Sam Ford, 2014, pág 25). O espaço em rede, um banco de dados em crescente expansão de conteúdo, de acesso e de atividades, assume contornos em constante mutação, tanto pela sua dinâmica de inovação constante das tecnologias, como pelas novas experimentações no campo dos recursos interativos. “Enquanto muitos criadores de conteúdo enfrentam a crescente proeminência dessas práticas genuinamente populares da audiência, surgiu uma ampla variedade de ferramentas de comunicação on-line para facilitar o compartilhamento informal e instantâneo” (Sam Ford, 2014, p.25). “Os anos 80 viram o prenúncio do 46 horizonte contemporâneo da multimédia. A informática perdeu seu status de técnica e de setor industrial particular, para começar a fundir-se com as telecomunicações, a editoração, o cinema e a televisão.” (Levy, 1999. P.34). Surge um mar digital de navegadores e participantes que a cada minuto alimentam a web com conteúdo, nos seus mais variados formatos, seja, em texto, vídeo, música ou produção científica. Levy (1999), afirma que quanto mais se disseminam a infraestrutura física do novo universo informacional da virtualidade, quanto maior sua potência de cálculo, capacidade de memória e de transmissão, mais os mundos virtuais irão multiplicar-se em quantidade e desenvolver em variedade. A virtualização já não é o futuro, é o agora, e a lógica cultural da convergência dos meios de comunicação anunciada por Jenkins (2012), no livro Cultura da Convergência uma realidade.

“A convergência também ocorre quando as pessoas assumem o controle dos media. Entretenimento não é a única coisa que flui pelas múltiplas plataformas de media. Nossa vida, nossos relacionamentos, memórias, fantasias e desejos também fluem pelos canais de media. Ser amante, mãe ou professor ocorre em plataformas múltiplas. [23] Às vezes, colocamos os nossos filhos na cama à noite e outras vezes nos comunicamos com eles por mensagem instantânea, do outro lado do globo. (Jenkins, 2012, pág 45) A produção e a prática mediática deixa de ser privilégio de poucos, os recursos e os meios de produção de conteúdo tornam-se de fácil acesso. As grandes plataformas e diversas redes sociais, como por exemplo Instagram, Facebook e TikTok possibilitam a utilização simples, rápida e gratuita de canais de comunicação com alcance mundial. Segundo, Sam (2014) as facilitações da mídia digital funcionam como catalisadoras para reconceituação de outros aspetos da cultura, exigindo que sejam repensadas as relações sociais, que imaginemos de outro modo a participação cultural e política, que as expectativas económicas sejam revistas e que se reconfigurem as estruturas legais. A produção digital anexada a rede mundial de computadores cresce de maneira exponencial a cada dia, as plataformas online passaram a ser alimentadas diariamente com conteúdos novos e acervos.

O Youtube, segundo dados da própria plataforma à data deste trabalho, tem mais de 2 mil milhões de utilizadores com sessão iniciada todos os meses e todos os dias são visualizados mais de mil milhões de horas de vídeo que geram milhares de milhões de 47 visualizações. Os utilizadores também são criadores de conteúdo, por meio dos seus canais, com contas personalizadas, produzem receitas na ordem dos seis dígitos. Em 2021, o número de canais, com faturação dos seis dígitos, aumentou 40%. O número de canais com mais de um milhão de subscritores aumentou mais de 65% face ao ano anterior. “A plataforma, fundada em 2005 e adquirida pela Google em outubro de 2006, tem lutado desde seu lançamento para equilibrar as atividades de seus usuários com o interesse dos detentores dos direitos autorais, com receitas de publicidades provenientes da atenção atraída pela vasta gama de vídeos, predominantemente criados pelos usuários” (Ford, Green & Jenkins, 2013).

O Youtube criou o Content ID, um sistema que permite identificar se o conteúdo é protegido por diretos de autor. Os proprietários dos direitos de autor podem configurar o Content ID para bloquear carregamentos que correspondam a uma obra protegida ou podem permitir que o conteúdo reivindicado continue disponível no Youtube com anúncios, neste caso a receita publicitária é destinada aos proprietários dos direitos de autor do conteúdo reivindicado. Ainda segundo a plataforma, nos últimos cinco anos, foram pagos dois mil milhões de dólares aos parceiros que optaram por rentabilizar as suas reivindicações de autoria. Mais de nove mil parceiros utilizam este sistema, incluindo as principais emissoras de televisão do mundo, estúdios cinematográficos e editoras discográficas.

Os parceiros da plataforma já reivindicaram mais de 800 milhões de vídeos desde que o sistema foi implementado, com mais de 75 milhões de ficheiros de referência ativos na base de dados do Content ID. O Youtube transformou-se num mega acervo digital de vídeo mundial. De acordo com Green & Burges (2018), o valor económico, cultural e social do Youtube nunca foi produzido única ou exclusivamente por sua estratégia corporativa, mas sim por criação coletivamente dos seus usuários, incluindo o público, criadores de conteúdo e intermediários, por meio do consumo, da avaliação e das atividades empresariais.

O negócio principal do Youtube é a cultura participativa. Na cultura participativa, a audiência passa a produzir, a propagar e a participar. Já não é necessário trabalhar numa empresa de comunicação para ser um influenciador, um produtor de conteúdo ou um apresentador com uma grande comunidade de fãs. Configurasse um novo cenário mediático, de distribuição para circulação. “Essa mudança sinaliza um movimento na direção de um modelo mais participativo de cultura, em que o público está a moldar, a compartilhar, a reconfigurar e a remixar conteúdos dos media” (Ford, 2014, p.48-24).

Jenkys (2012) afirma que essa dinâmica da cultura da Convergência representa uma transformação cultural, à medida que os consumidores são incentivados a procurar novas informações e fazer conexões a conteúdos dos media dispersos. Jenkys (2012) considera que se delimita a cultura participativa como aquela que contrasta as noções mais antigas sobre a passividade dos expectadores dos meios de comunicação, com as noções de participação e interação, de acordo com um novo conjunto de regras que ainda não estão compreendidas por completo.

CULTURA PARTICIPATIVA

As designações são múltiplas para definir a mudança na perspetiva das transformações culturais e tecnológicas que o ciberespaço permite. Sociedade da informação, era digital, cultura da conexão, cultura da convergência e cultura participativa são algumas das nomenclaturas utilizadas pelos estudiosos da área, para designar todo uma série de mudanças que os novos media possibilitam.

Neste trabalho, apresentamos também uma designação própria, nomeadamente, a “Cultura do protagonismo” para referir-nos a uma das características da Cultura da Conexão, ela será elucidada num dos tópicos deste capítulo.

Audiência, público, espetadores, recetores, leitores, são algumas das nomenclaturas tradicionais utilizadas para se referir aqueles que tradicionalmente desempenham o papel de consumidores da produção cultural. Com as novas tecnologias mediadas pelo computador surgem outras nomenclaturas: utilizadores, interator, usuários, navegador e etc. “Os receptores nem sempre foram reconhecidos por este nome: as audiências, de inspiração cultural; o leitor da semiótica; espetador quando se trata dos meios audiovisuais.” (Scolari, 2012, p. 236). Para Scolari (2012) a primeira diferença entre o usuário e o recetor é a dimensão interativa do consumo digital. Um usuário que se move agilmente numa rede de documentos interconectados, é em seguida o consumidor que se converte em produtor. “Pode-se dizer que o Macintosh - o computador pessoal com interface gráfica introduzido pela Apple em 1984 - inventou o usuário, uma nova figura que se caracterizava por não ter muita experiência em informática e por ter em suas mãos um objeto aberto à exploração.” ( Scolari, 2012, p. 240). 49 Neste trabalho adotamos o termo usuário, por se tratar do mais utilizado pelos autores da área. Scolari (2012) afirma que se cada texto cria um leitor, cada tecnologia gera seus usuários. Para compreender a participação do usuário na Internet é fundamental abordar a participação, ou seja, sua “interatividade” dentro da tecnologia.

Como afirmou Levy (1999), seria trivial mostrar que um recetor de informação nunca é passivo, a menos que esteja morto. Para Levy (1999) a interatividade ressalta a participação ativa do beneficiário de uma transação de informação e a possibilidade de reapropriação e de recombinação material da mensagem por seu recetor, constituindo um parâmetro fundamental para avaliar o grau de interatividade do produto. Assim, o recetor é sempre ativo e a interatividade pode ser analisada em graus e nas suas características que assumem novos contornos com a Internet. No campo digital e no que se refere a interatividade, de acordo com Martins & Penafria (2007), a novidade é que a tecnologia não se dá no objeto, mas como um espaço a ser vivido, experimentado e explorado. O ambiente virtual só se revela ou se atualiza, a partir da ação do espetador (interator). “O termo interator é um termo criado por Brenda Laurel (Comupter Teatre, 1991), dramatiza a interatividade das interfaces computacionais e faz uma analogia entre a experiência e o teatro, onde os espetadores participavam da peça.” (Martins & Penafria, 2007, p.32). Jenkins (2009) estabelece uma distinção entre interatividade e participação.

A interatividade refere-se ao modo como as novas tecnologias são implementadas para responder ao feedback do consumidor, existindo, portanto, graus de interatividade que variam em função das possibilidades de uso de diferentes tecnologias da comunicação. Já a participação, por outro lado, são formas de engajamento do público, moldadas por protocolos culturais e sociais, e não pela tecnologia em si. A participação é mais ilimitada, menos controlada pelos produtores dos media e mais controlada pelos consumidores. Jenkins (2009) afirma que, cada vez mais, a web se torna um local de participação do consumidor, que inclui muitas maneiras não autorizadas e não previstas com o conteúdo de media. Lemos (2009) afirma que a cibercultura instaura uma estrutura dos media ímpar na História da humanidade, na qual pela primeira vez qualquer indivíduo pode produzir e publicar informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, adicionar e colaborar em rede com outros, reconfigurando a indústria (“massiva”), como por exemplo: blogs, podcasts, sistema peer to peer, softwares livres, softwares sociais, arte eletrónica e etcs. Segundo Manovich (2002), com a popularidade da Internet cresceu 50 progressivamente o papel do computador digital e se reconfigurou a sua utilização, inicialmente utilizado como uma tecnologia particular (uma calculadora, um processador de símbolos, um manipulador de imagens, etc.). Ele passou a ser um filtro para todas as culturas, uma forma através da qual todos os tipos de produção cultural e artística está sendo mediada. Manovich (2002) considera que a interface do computador atua como um código que carrega mensagens culturais numa variedade de linguagens. Felice (2018), afirma que o advento de uma nova tecnologia de uma nova arquitetura de comunicação, além de contribuir para a mudança das formas de interação e participação, acaba por atingir a esfera de interação com o mundo, contribuindo para determinar a transformação da estrutura da perceção da realidade.

“O advento das redes digitais, após a difusão da banda larga, as interações comunicativas não se deixam mais descrever por meio dos modelos dos fluxos informativos unidirecionais de A para B, nem mesmo por aqueles mais complexos que previam a descodificação, o ruído, e não a passividade dos recetores.” (Felice, 2018, p.71). Para Lemos (2009), os media de massa - televisão, jornais, rádios, impresso - são na verdade meios de comunicação que não permitem nenhuma interação, a não ser indiretamente, pela interpretação e demais processos simbólicos de receção e formação de opinião pública. Entretanto a cultura digital é pós-massiva e estabelece processos de mão-dupla. A cultura digital pós-massiva estabelece processos de mão-dupla, aumentando a possibilidade efetiva de ocorrência de fenómenos comunicativos.

A diferença existente em relação aos meios massivos é que nestes, o território é, na maioria das vezes, um espaço privado (ou semiprivado) e o consumo da informação se dá de forma unidirecional, apenas como receção, sem mobilidade. Hoje, o território digital cria uma zona dentro de outros territórios onde é possível aceder, produzir e distribuir informação, de maneira autónoma, estabelecendo redes colaborativas e processos comunicativos mais complexos. (Lemos, 2009, p. 45) A interatividade é uma das características do hipertexto, o elemento estrutural da Internet e fundamental para compreendemos os mecanismos de interação em rede. Segundo Scolari (2012), a maioria dos investigadores reconhecem que a definição de hipertexto privilegia: a estrutura reticular descentralizada dos conteúdos; a leitura não sequencial; a interatividade entre usuário e sistema; a redefinição dos papéis do autor e leitor.

O conceito de interatividade para Scolari (2012) pode assumir diferentes sentidos, as vezes significa uma resposta programada dentro de um sistema, um sentimento de 51 controle e poder textual, como no videogame ou um sítio da web no qual o usuário decide onde ir, mas está limitado pelos limites do projeto. Assim, o usuário não pode escapar da dialética de controle e liberdade. No entanto, considera que o meio digital está convertendo os usuários em produtores textuais e a interação em rede aumenta a entropia do sistema. Para Castells (2011), a comunicação digital é multimodal e permite a referência constante a um hipertexto global de informações cujo componentes podem ser remixados pelo ator que comunica. No entanto, define os novos media como uma autocomunicação de massa que fornece a plataforma tecnológica para a construção da autonomia do ator social.

Felice (2018), considera que há uma passagem dos media de massa aos media pessoais, e esta pode ser indicada como a criação de um processo de comunicação colaborativa entre diversas arquiteturas informativas (site, blog, comunidades virtuais etc), dispositivos de conexão (smartphones, tabletes, computadores etc,) bancos de dados e pessoas a estes conectadas, numa comunicação em rede com um conjunto de camadas por meio das quais não é possível reconstruir uma fonte de emissão ou direção única. Assim, o emissor constrói um sistema com percursos de navegação e conexões. Para Levy (1999) o grau de interatividade de uma media ou de um dispositivo de comunicação também pode ser medido em eixos bem diferentes, dos quais destaca: possibilidades de apropriação e de personificação da mensagem recebida, seja qual for a natureza da mensagem. A reciprocidade da comunicação (a saber, um dispositivo comunicacional “um um” ou “todos todos”).

A virtualidade, que enfatiza aqui o cálculo da mensagem em tempo real em função de um modelo e de dados de entrada. Implicação da imagem dos participantes nas mensagens, a telepresença. A interativa da tecnologia digital em rede estrutura-se de forma descentralizada, a permitir um fluxo de comunicação entre vários eixos de maneira reticular, a propiciar um campo fértil para a criatividade e a inteligência coletiva. Todas estas dinâmicas numa cultura digital fluída possibilita ao usuário uma prática criativa de recombinação de linguagens e de mensagens. Segundo Castells (2012) a cultura dos produtores da internet moldou o meio, são eles os primeiros usuários. O autor faz uma distinção entre os usuários da internet, dividindo em: produtores / usuários para referir-se àqueles cuja prática da Internet é diretamente reintroduzida no sistema tecnológico e consumidores / usuários são aqueles beneficiários de aplicações e sistemas que não interagem diretamente com o desenvolvimento da Internet, embora contribuam com a evolução do sistema, com efeito agregado decorrente do uso.

“A cultura da Internet é a cultura dos criadores da Internet” (Castells, 2001, p.41). Rodrigues & Queiroz (2007 pud Steuer) utilizam a metáfora do deslocamento aéreo para referir-se à interatividade do usuário em rede. O “vôo virtual” consiste na criação de um ambiente computacional que permite a perscrutação dos dados representados, por meio de uma interface interativa e flexível de visualização tridimensional de dados geográficos. Segundo os autores, o grau de interatividade e complexidade de interação variam conforme a atividade realizada e a experiência do usuário. A classificação da interatividade se refere a navegação: Interatividade Descrição Exploratória O participante explora e busca informações sobre as aplicações, estruturas e operações. Navegacional, o usuário escolhe os seus caminhos ou seleciona opções a partir de um menu. Expositiva, o participante observa a exposição dinâmica de informações (aula, palestra, etc).

Operatória, o usuário, propositadamente, envolve-se num conjunto de ações para atingir determinado objetivo. Reflexiva, o usuário discute aspetos das suas experiências com o observador. Acidental, o participante inicia uma interação para a qual o programa não está preparado para responder. Rodrigues & Queiroz (2007), afirmam que há uma ordem de importância nos tipos de interatividade, sendo o nível exploratório o mais importante, pois permite perscrutar os dados. Depois o navegacional no qual o utilizador pode traçar rotas de navegação e, por último, o operatório em que é possível manipular o conteúdo nesse cenário, no qual os recetores / público / usuário / utilizador / navegador têm uma variedade de conexões virtuais. “Ao interagir com o mundo virtual, os usuários o exploram e o atualizam simultaneamente. Quando as interações podem enriquecer ou modificar o modelo, o mundo virtual torna-se um vetor de inteligência e criação coletiva.” (Levy, 1999, p. 82). Manovich (2002) considera ser uma tautologia o uso do conceito de interatividade em relação aos media baseado em computador. Isto porque a interface homem-computador moderna (HCI) é por sua própria definição interativa. “Uma vez que um objeto é representado em um computador, torna-se automaticamente interativo. Portanto, chamar referir-se a interatividade do computador não teria sentido, pois significa simplesmente declarar o fato mais básico sobre os computadores. (Manovich, 2002, p. 71). Manovich (2002) afirma ainda que o computador enquanto media interativo exterioriza e objetiva as operações da mente.

“O próprio princípio do hiperlink, que forma a base de grande parte da mídia interativa, objetiva o processo de associação, muitas vezes considerado central para o pensamento humano. Processos mentais de reflexão, resolução, recuperação e associação são externalizados e equiparados a seguir um link” (Manovich, 2002, p. 74) Segundo o autor, a partir da década de 1920, os media e a arte moderna colocam novas demandas cognitivas e físicas ao espetador. Para Felice (2018) a Internet à fibra ótica gera ecologias interativas digitais e colaborativas que permitem a experimentação das interatividades net-ativistas, ou seja, dos conjuntos das dinâmicas digitais das interações advindas por meio da contínua troca de informações entre humanos, dispositivos de conexão e dados. Ford, Green & jenkins (2013), acrescenta que a ampla variedade de ferramentas que surgiu facilita o compartilhamento informal e instantâneo 54 dos artefactos dos media. E utilizam a expressão “propagabilidade” para se referir ao potencial - técnico e cultural - dos públicos de compartilharem conteúdos por motivos próprios, às vezes com permissão dos direitos autorais, às vezes contra o desejo deles. E a expressão “aderência” para se referi à necessidade de criar conteúdo que atraia a atenção da audiência e que a envolva num forte engajamento para compartilhar com mais pessoas.

A audiência na Web passa a ser medida também pela quantidade interação do conteúdo com os utilizadores, tendo em conta o número de: compartilhamentos, comentários, aderência e links. Quanto mais o conteúdo é compartilhado, propagado pelos usuários, maior é a audiência e o alcance. “A propagabilidade enfatiza a produção de conteúdo em formatos de fácil compartilhamento, por exemplo, os códigos embedded do Youtube, que facilitam difundir vídeos pela internet. Encorajando pontos de acesso ao conteúdo numa variedade de lugares (Ford, Green & jenkins, 2013, p.29). Felice (2018) afirma que as arquiteturas contemporâneas de interações digitais, enquanto arquiteturas informativas colaborativas baseadas em processos de acesso e compartilhamento em ambientes informativos, no qual diversos tipos de substâncias se conectam e interagem, obrigam-nos a repensar a própria ideia de comunicação. O autor considera que a comunicação não deve ser compreendida como apenas um intercâmbio comunicativo entre entidades (grupos humanos, territórios, estruturas etc), mas como uma ecologia pancomunicativa no interior de cada membro, humano e não humano, ao mesmo tempo produto e produtor do ambiente comunicativo que interage. Uma ideia que considera distante da morfologia social, e, mas próxima da noção de ecologia das ciências biológicas, ao referir-se a peculiar condição habitativa comum e conectiva. Felice (2018) apresenta a distinção entre três tipos de ecologias comunicativas da interação que são: as ecologias comunicativas da democracia; as ecologias comunicativas colaborativas difundidas com as redes digitais e social networks; e as arquiteturas de redes ecológicas digitais transorgânicas.

Cada um deles, enquanto ecologia comunicativa, estabelece diferentes modelos e práticas de participação e interação. O primeiro, articulado em duas formas de interação - a da disseminação e a do diálogo, é a ecologia que fundou as formas democráticas de participação. As duas últimas mais recentes são aquelas que estão incrementando processos de interação em rede e permitindo a experimentação de processos de participação estendidos aos dispositivos, aos bancos de dados e ás arquiteturas informativas construídas na rede, no caso das ecologias da colaboração, e mesmo aos territórios, à biodiversidade e aos diferentes tipos de superfície conectadas entre si por meio das novas tecnologias de conexão (RFID, Internet of things), como no caso de ecologias comunicativas transorgânicas. (Felice, 2018, p.44) 55 As redes ecológicas digitais transorgânicas estão associadas ao conceito de internet das coisas. Segundo Oliveira (2017) a RFID (Rádio Frequency Identification) é a primeira tecnologia associada ao conceito IoT (Internet das Coisas), consiste em dispositivos para o monitoramento e atuação em diversos tipos de cenários e ambientes, desde automação residencial e comercial, passando por sensoriamento ambiental, redes veiculares e trânsito. Segundo Magrani (2018), existem fontes de divergência em relação ao conceito IoT, mas de maneira geral, pode ser entendido como um objeto de ambientes físicos interconectados com a internet por meio de sensores pequenos e embutidos criando um ecossistema de computação onipresente (ubíqua), introduzindo soluções funcionais no dia a dia. Ainda segundo o autor essa tecnologia processa dados num contexto de hiperconectividade que é a disponibilidade de se comunicar a qualquer momento e tem desdobramentos importantes. Todos os dias “coisas” se conectam à internet com capacidade para compartilhar, processar, armazenar e analisar um volume enorme de dados entre si. Essa prática é o que une o conceito de IoT ao de big data. Big data é um termo em evolução que descreve qualquer quantidade volumosa de dados estruturados ou não estruturados que têm o potencial de serem explorados para obter informações. (Magrani, 2018, p. 22) 1.9.

REDES SOCIAIS

As estruturas das redes, segundo Recuero (2009) é definida por dois elementos: atores (pessoas, instituições ou grupos; os nós da rede) e suas conexões (interações ou laços sociais). Nas redes sociais na Internet, os atores são constituídos de maneira um pouco diferenciada, pois há uma comunicação mediada por computador no qual os atores não são imediatamente discerníveis. Para a autora, os atores sociais são compreendidos como representações dos atores sociais, ou com construções identitárias do ciberespaço. Assim, o ator social pode ser representado por um weblog ou por um fotolog, e ainda representar um único nó que é mantido por vários atores quando a construção é coletiva. “Inicialmente, não são atores sociais, mas representações dos atores sociais. São espaços de interação, lugares de fala, construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua personalidade ou individualidade” (Recuero, 2009. P. 25).

Felice (2018) compreende que a participação em rede, assume um particular tipo de interação não mais resultado de 56 um fazer do sujeito-ator, nem de um fazer técnico sobre o sujeito, mas de algo que toma forma pelas múltiplas interações colaborativas entre entidades diversas. Algumas redes sociais da Internet, nomeadamente, o Facebook, o Instagram, Tiktok e o Youtube são exemplos de plataformas que ao longo dos anos ampliaram e incrementaram processos de interação em rede. O aumento do número de usuários e a experimentação de processos de participação estendidos aos dispositivos móveis, fez eclodir a interação e a produção de conteúdo em rede em escala mundial.

Lemos (2009) afirma que estas tecnologias ou mídias locativas, estão reconfigurando as práticas sociais e comunicacionais nas cidades contemporâneas. Segundo o autor, a interface entre o espaço eletrónico e o espaço urbano cria os territórios informacionais, espaços híbridos que se caracterizam de maneira diferenciada em relação ao espaço de informação dos meios massivos como a tv, a rádio e a mídia impressa, pois há maior controle informacional e é possível fazer mais escolhas do que consumimos e também emitir nossa própria informação. Lemos (2009), considera que a internet e as tecnologias móveis atuais permitem a vivência de processos desterritorializantes, mas, ao mesmo tempo de controle informacional, ou seja, de criação de territórios. Um exemplo, seria o mapeamento de territórios via gps ou telemóveis. As redes sociais são espaços de interação e diálogo presente na nossa vida contemporânea. Como já mencionado, no tópico sobre a Internet, 53, 6% da população mundial, em janeiro de 2021 estava conectada ás redes sociais na Internet, dados do relatório Hootsuite (2021).

Os números representam aquilo que se regista em todas as esferas da vida social e política. Nas redes sociais da Internet, a identidade se constitui por meio de uma conta perfil que permite agregar informações pessoais e profissionais, fotos, gostos, paixões e opiniões. Recuero (2009), afirma que a página pessoal (perfil, fotoblog, webblog e etcs) é uma construção personalizada, com ferramentas que são, portanto, apropriadas como formas de expressão do self, espaço do ator social e percebidas pelos demais como tal. A autora considera que a expressão pessoal e o primeiro aspeto relevante das redes sociais. Através da página pessoal, estabelecemos links à medida que adicionamos amigos, compartilhamos conteúdo, participamos de grupos e seguimos páginas.

O surgimento dos aplicativos, com os seus recursos adaptados aos dispositivos móveis, permitiu levar as redes a estar sempre conectado em qualquer sítio. 57 Felice (2018) afirma que a disseminação em larga escala dos dispositivos móveis de conexão (tablets, smartphones, notebook etc.) e de formas de conexão wi-fi (banda larga via satélite, RFID etc.) e, de outro, da difusão social networks resulta numa singular interação que têm originado uma particular forma conectiva ecológica não apenas social, mas capaz de conectar em tempo real pessoas, dispositivos, informações, territórios e dados de toda espécie. Este cenário possibilitou outras formas de: produção cultural em rede; conexões interpessoais, compartilhamento de mensagens; acontecimentos; ativismo; relação com o espaço físico. A omnipresença das redes sociais como espaços de interatividade e diálogo é uma realidade que permeia os nossos hábitos sociais, mecanismos de expressão e relações produtivas. Vejamos, alguns recursos interativos das redes sociais em destaque. Na rede social Instagram, identifica-se o recurso interativo Stories.

O recurso funciona igualmente no Facebook quando há a integração de contas entre as duas plataformas. A permitir que o conteúdo seja publicado simultaneamente nas duas redes. Por meio do seu perfil, isto é, da sua conta pessoal ou profissional (outra modalidade disponível) é possível partilhar fotografias, vídeos, textos e ícones. A ideia do recurso como o próprio nome diz, na sua tradução, é contar histórias. O usuário pode compartilhar de maneira rápida um conteúdo numa linguagem multimédia que ficará visível aos demais usuários, durante 24 horas. No entanto, caso o usuário deseje ter seu Storie com visualização permanente no seu perfil, deverá incluir o mesmo no recurso. O stories é um recurso muito utilizado pelos utilizadores desta plataforma, pela dinâmica de duração da disponibilidade do conteúdo, bem como os efeitos e as músicas oferecidas pela plataforma de criação de conteúdo. O stories são cada vez mais utilizados em forma de storytelling por utilizadores em geral, blogueiros, influenciadores digitais, jornais, políticos, empresas e governos.

Um recurso utilizado à nível global, com facilidade de uso que reforça a estrutura de uma rede descentralizada. Possibilita o acesso e a difusão de uma produção multimédia, com a participação de muitos para muitos. Com um simples smartphone ligado a Internet é possível ter um canal de exibição e promoção de conteúdo multimédia, além de interagir diretamente com o público sem grandes investimentos ou vínculos com os grandes conglomerados de comunicação. O recurso Live, presente nas três redes sociais indicadas e noutras plataformas da Web é outro exemplo interativo que representa a revolução da comunicação digital em rede. Este recurso, cada vez mais utilizado pelos usuários e pela indústria cultural, converteu-se num verdadeiro evento mediático, com a participação do público por meio de comentários e ligações em direto. Transmissões em direto com telepresença, antes só possíveis de se realizar por grandes emissoras de rádio e de televisão passaram a estar ao alcance de qualquer pessoa com um smartphone ligado a Internet. Baran (1964), afirma que um atributo-chave dos novos media é a formação de novas rotas de conexão em rede de forma barata, que permite a transmissão da ordem de um milhão de bits por segundo, alta o suficiente para ser económica, mas baixa o suficiente para ser processada de maneira barata com as técnicas de computador digital entre os nós da estação retransmissora. Manovich (2002) afirma que a telepresença, ou seja, a capacidade de ver e agir à distância. antes, estava restrita a poucas aplicações industriais e militares especializadas, recentemente tornou-se uma experiência familiar. Para o autor, à telepresença pode ser considerada um exemplo de tecnologias de representação ao permitir a ação, ou seja, permitir que o espetador manipule a realidade por meio de representações.

No entanto, considera que o termo mais adequado seria teleação, por atuar à distância, em tempo real. Ford, Green & Jenkins (2013), consideram que a comunicação em rede, especialmente quando associada às práticas da cultura participativa; cria uma diversidade de novos recursos; facilita novas intervenções para a variedade de grupos que há muito tempo lutam para se fazer ouvir; constituem-se em oportunidades para a diversidade e a democratização. Com a crise pandémica do Covid-19, já mencionada, o uso desse recurso cresceu exponencialmente e a cada dia tem mais utilizadores. As Lives passaram a ser eventos e comunicações diárias sobre diversos temas. Por meio delas, o comercio está a se reinventar, profissionais de diversas áreas estão a recriar diferentes maneiras de interação com os clientes e vendas. As realizações religiosas passam a ser transmitidas on-line, com fiéis que se comunicam simultaneamente ao rito litúrgico, com preces em formato de mensagens digitais e desenhos gráficos como interação.

Os utilizadores conversam entre si sobre assuntos triviais, sobre política, sobre vida privada, sobre os mais diferentes temas, em direito para um público que faz parte da sua rede ou de forma aberta. 60 O perfil nas redes sociais é criado para demarcar um espaço de comunicação, a visibilidade social e a possibilidade de interação com os membros da rede. A estrutura das redes é construída com base nas interações dos utilizadores. A atividade interativa dentro da rede é primordial para manter à lógica do sistema. A atualização e a frequência de compartilhamento de conteúdo é algumas das características fundamentais para estabelecer e manter os nós das redes. Um mundo cada vez mais virtual, com uma tecnologia que permite facilmente a ligação direta de todos para todos. Recuero (as cite, Sibilia, Lemos & Doring 2009) considera que as redes sociais são espaços de interação que trabalham aspetos de “Construção de si” e da narração do “eu”, como apropriações individuais do ciberespaço, como forma permanente de construção de si, dentro do foco da pós-modernidade.

Segundo a autora, estas apropriações funcionam como uma presença do “eu” no ciberespaço, que ao mesmo tempo é privado e público, essa individualização de alguém “que fala” através desse espaço é que permite que as redes sociais sejam expressas na Internet.

CULTURA DO PROTAGONISMO

Ao compreender as novas dinâmicas comunicativas de uma rede digital como interativa, fluída, dialógica em redes reticulares da Internet, numa perspetiva de participação, interação, de utilização identitária do ciberespaço, na perspetiva do “eu”, distante da linearidade da conexão dos laços sociais, da pseudo “passividade” do recetor, compreendemos que os criadores da Internet, ou seja, os usuários, assumem outras formas de interagir. Definimos essa forma de interagir de “Cultura do Protagonismo”, ao identificarmos que a produção de conteúdo dos usuários atinge atualmente a perspetiva do “eu”.

Tal como uma montra pública da vida social, os usuários partilham preferências, atividades, hábitos e opiniões em diferentes graus de exposição. Recuero (as cite Sibilia, 2009), identifica a necessidade de exposição pessoal na rede como um “Imperativo e visibilidade”, algo decorrente da intersecção entre público e o privado, em consequência direta do fenómeno globalizante que exacerba o individualismo, no qual é preciso ser “visto” para existir no ciberespaço na sociedade atual. Identificamos que o público se reconfigura não somente como produtor ou coprodutor de conteúdo, mas como protagonista da sua própria produção multimédia. Os atores sociais são os personagens da sua própria narrativa e não se limitam a comentar, a produzir ou a compartilhar, mas estão ávidos por protagonizar o conteúdo. Com pouco conhecimento técnico, a partir dos recursos criativos de produção de conteúdo multimédia disponibilizados por aplicativos, como o TikTok e o Instagram, criam diversos conteúdos multimédia a partir de recursos disponibilizados pela a inteligência artificial e por aplicativos que proporcionam a utilização fácil de recursos de edição de imagem, som e vídeo. Diariamente uma grande quantidade de vídeos e fotos são produzidos e divulgados nessas plataformas pelos seus usuários. As narrativas são produzidas com recursos da rede e para a rede.

No espaço de divulgação e interação com o público, a base condutora do conteúdo é o “dono do perfil” ou do “canal”, temos assim um espaço personalizado de comunicação com potencialidade global de captação de público. O espetador antes restrito a produção da comunicação multimédia das grandes empresas de comunicação, passa a ter disponível diversos espaços de produção e de publicitação de conteúdos em rede, numa sociedade cada vez mais conectada e digital.

Conclusão

A análise apresentada neste artigo destaca o impacto profundo da digitalização e da convergência mediática na sociedade contemporânea. A emergência da cultura participativa e a centralidade das “interfaces culturais” na comunicação moderna indicam uma transformação significativa na maneira como interagimos com a informação e entre nós mesmos. As novas formas de comunicação digital, caracterizadas pela interatividade e multimodalidade, não apenas desafiam os modelos tradicionais de comunicação de massa, mas também promovem novas formas de participação social e política.

A virtualização, intensificada pela pandemia de COVID-19, demonstrou ser um processo vital para a continuidade das atividades humanas em tempos de crise, evidenciando a importância da adaptabilidade digital. Em suma, a convergência dos meios de comunicação e a cultura digital configuram um cenário de constante inovação e redefinição das relações humanas, apontando para um futuro onde a tecnologia continuará a desempenhar um papel central na construção da nossa realidade social e cultural.

Este trabalho é apoiado por fundos nacionais através da FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDP/04019/2020.

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