Abstract
This work proposes a comprehensive reflection on direct cinema, with a special focus on the work of documentary filmmaker Frederick Wiseman. Emphasis will be given to one of his films about educational institutions (High School, USA, 1968), particularly the way life is depicted in that school and the social concern expressed. The creative treatment and methodology used are addressed, specifically the language, aesthetics, and some components of the social and ethical dimensions.
The article aims to highlight how the author captures the essence of the educational institution, revealing not only the daily life but also the underlying social issues. The school reality is captured by Wiseman’s camera, which acts as a discreet and silent witness, recording intimate moments and situations where emotional confrontations unfold, allowing the viewer an immersive experience of school environment.
Keywords: Documentary, Direct cinema, Wiseman, School institution, Ethics.
Introdução
“Criar não é deformar ou inventar pessoas ou coisas. É estabelecer relações novas entre pessoas e coisas que existem e tal como existem”, referiu o cineasta francês Robert Bresson (1979, p. 21) talvez fazendo referência às pessoas reais que integram as histórias, que transmitem perspetivas sobre a vida, situações ou acontecimentos retratados. Tal como ocorre com o cinema de não-ficção, o documentário não dispensa uma história com qualidade e pertinência, a participação de atores sociais, a tensão na narrativa e o ponto de vista do cineasta, cuja função será moldar “essa história numa proposta ou perspetiva direta sobre o mundo histórico, acatando factos conhecidos, e não criando alegoria fictícia” (Nichols, 2020, p. 153). Enquanto espetadores, para além de reconhecermos e distinguirmos a realidade da ficção, recordamos conhecimentos adquiridos, recuamos no tempo e transferimos as nossas vivências que nos ajudam a compreender e a analisar a experiência cinematográfica. A forma como o documentário se apresenta, nomeadamente através de diferentes estratégias, de dispositivos cinematográficos e através da qual nos apresenta um aglomerado de significados, sobre a existência humana subjacentes aos processos culturais e sociais, permite-nos constatar que as suas possibilidades são inúmeras. O documentário, enquanto objeto cultural, impõe-nos a sua presença e dá-nos acesso a uma vivência e experiência sobre o significado da obra.
As primeiras imagens divulgadas pelo cinema, em que um comboio entrou na estação de La Ciotat, passando pelas obras de Vertov a Flaherty, de Joris Ivens a Chris Marker, nunca deixaram de estar associadas à realidade. O documentário para além de estar próximo da realidade, o seu discurso assenta numa função social e política e ainda nos permite a possibilidade de através das suas imagens, questionarmos aquilo que é representado, encoberto pela sua temporalidade. Deste modo, o documentário é sempre “um registo do então presente, que é agora, passado” (Penafria, 1999, p. 19).
Depois desta breve introdução, iremos abordar o trabalho de Frederick Wiseman, um dos principais responsáveis pela corrente do cinema direto. Por conseguinte, iremos fixar a nossa atenção para a sua filmografia, em particular sobre o filme High School (1968), com a intenção de analisar e de compreender as características das suas construções narrativas e a sua forma de atuar enquanto cineasta.
O cinema direto e a obra de Wiseman
No período de 1958 a 1970, com o impulso da tecnologia e com as potencialidades das novas câmaras, surgiram também os movimentos documentaristas Cinema Verité e o Direct Cinema. As câmaras de 16mm e os gravadores de fita magnética, graças ao seu reduzido peso e à sua portabilidade, permitiam ao cineasta movimentar-se livremente e registar tudo o que acontecesse, tanto ao nível da imagem, como do som. Desta forma, quem manuseava a câmara acabava por adquirir uma maior liberdade e, através de novos ângulos, explorava e mostrava a realidade envolvente (Aufderheide, 2007), permitindo uma maior diversidade de pontos de vista. As abordagens destes dois movimentos eram distintas:
O cinema direto procurou expor a realidade através da captura de momentos desprotegidos de auto-revelação no fluxo normal da vida. O cinema-verdade queria explicar a razão de ser da vida, enquanto o cinema direto queria deixar a vida se revelar (McLane, 2012, p. 233).
O modo observacional que Bill Nichols associa ao cinema direto, assenta numa premissa relativa à não intervenção explícita do cineasta, transmitindo a sensação de um contato próximo da realidade, sem mediações. O trabalho mais distante do cineasta numa posição de observador, leva a que o espetador, por sua vez, assuma um papel mais interventivo perante o que ocorre no documentário.
O cinema observacional não está dispensado das críticas, tal como o cineasta relativamente ao confronto entre realidade e ficção, e a sua posição política e social são temas que levantam alguma controvérsia. Uma outra questão que tanto o cinema observacional como o cinema mais participativo viram-se forçados a analisar, foi de que forma é que a presença da câmara influenciava ou não, a realidade registada. No caso de Wiseman, havia uma preocupação em minimizar o seu efeito (Barnouw, 1993, p. 51).
Assim, apesar de existir esta conexão ao cinema direto, Frederick Wiseman defende que os seus filmes não constituem uma observação imparcial da realidade, pelo facto de existir uma manipulação na seleção e na edição das imagens que se contrapõem à mínima intervenção que ocorre no momento da realização. Por conseguinte, o cineasta refere que os seus filmes devem ser compreendidos como “ficções do real”, uma vez que está implícito um procedimento da ordem da ficção (Wiseman, 2006). Estando consciente desta influência, a atribuição desta designação poderá ser uma justificação, invalidando assim qualquer responsabilidade e inclusive para assegurar que os “seus filmes devem ser vistos como arte e lidos com o mesmo nível de complexidade interpretativa de uma ficção séria” (Benson e Anderson, 2002, p. 2).
A posição observacional por parte de Wiseman através da sua câmara, pode deixar-nos apreensivos acerca do seu olhar vigilante, acabando por ser o mediador daquilo que nos apresenta. Os seus filmes permitem uma abordagem sobre diversos assuntos, acabando o espetador por ser confrontado com a realidade de outras instituições ou com outras situações específicas, podendo desta forma obter-se outros pontos de vista. O cineasta opta por não transmitir uma única perspetiva sobre determinado assunto, de modo a proporcionar ao espetador uma experiência cinematográfica, em que o próprio terá margem para formar a sua própria opinião, promovendo deste modo um olhar crítico.
No início da trajetória do género documental, uma das questões introduzidas e importantes foi o significado do “olhar”, em que o documentário assume-se como “um olho acrescentado à câmara (...) uma ciência do corte e da montagem que representa o mundo”, questionando-o, revelando o que apesar de ser extremamente evidente, passa despercebido a um observador comum (Lipovetsky e Serroy, 2010, p. 146).
Na obra de Wiseman, o documentário não fica circunscrito a assuntos baseados em factos do passado, mas acaba por se ocupar do tempo presente, em que o filme, constitui o acontecimento narrado. Tal como num filme de ficção, em cada exibição, os seus documentários sujeitam-se a diferentes leituras, proporcionando experiências únicas. Apesar da sua obra constituir um valor histórico com o tempo, o espetador não tem uma percepção distanciada ou de retrospetiva, mas sim uma conexão com a realidade apresentada no filme. Uma das principais forças deste cinema reside no impacto sempre renovado dos seus filmes.
As suas obras testemunham diversos temas da sociedade americana, existindo alguns sobre a sociedade francesa. São inúmeros os registos de atividades humanas.
High School foi filmado durante cinco semanas em março e abril de 1968 na Secundária North-east, em Filadélfia e lançado no mesmo ano. North-east, uma escola relativamente boa da rede pública de ensino, é mostrada no filme como tendo muitas instalações e atividades extracurriculares para os alunos, incluindo grupos de discussão, equipas desportivas, banda e coros, e até equipamentos sofisticados para voos simulados ao espaço. O filme mostra também várias aulas, incluindo aulas de idiomas, datilografia, história, economia doméstica, educação física e sexual, além de encontros de professores com alunos sobre disciplina e orientação. Apesar da afluência de classe média da escola, o filme questiona a natureza da sua abordagem à educação (Wiseman, 2006, p. 51).
O cineasta comentou que no primeiro contato com a escola surgiu-lhe a ideia de uma fábrica, o que acaba por ser percetível na própria imagem fílmica. Começando pela primeira sequência em que surgem as cercas e a chaminé alta da escola e terminando com o último momento, em que a diretora da escola lê uma carta de um antigo aluno, o filme deixa transparecer um sistema educativo bastante impessoal, comparável com a linha de montagem de uma fábrica, em que privilegia a socialização em detrimento do conhecimento (Wiseman, 2006). Este filme oferece um poderoso apelo retórico que se manifesta através da sua própria estrutura.
Do ponto de vista do espetador, deparamo-nos com uma estrada ladeada de simples construções urbanísticas, ouve-se a música “The dock of the bay” de Otis Redding, cruzamo-nos com alguns automóveis, segue-se uma cerca de arame, um parque de estacionamento e um prédio, que por sua vez se assemelha a uma fábrica. Wiseman prepara-nos para um regresso à escola.
A metodologia dos seus filmes
Interessa-nos o tratamento criativo desenvolvido por Wiseman em torno do processo de representação, das situações reais, observadas e registadas pelo mesmo. Como refere Roberto Chiesi (2000, p. 73), relativamente à obra de Wiseman, a estratégia de aproximação a uma instituição compreende um primeiro movimento inaugural com determinados planos rápidos extraídos “da matéria mais genérica da realidade e atravessados pelo movimento de veículos sem destino, breves segmentos físicos e concretos (...)”.
É interessante perceber a semelhança que existe entre a escola e uma fábrica, nomeadamente os procedimentos que parecem existir, desde o início do filme em que o cineasta mostra o que ocorre em diferentes secções, em distintos momentos na escola, até à exibição do produto final que consiste na exemplar carta escrita por um antigo aluno. É dada uma atenção permanente, por parte de Wiseman, quase que obsessiva sobre os acontecimentos e sobre o desenrolar das ações, às vozes que dão corpo às formas e à própria fisionomia da instituição. A obra de Wiseman é caracterizada pela observação atenta dos comportamentos e interações dos participantes e pela rejeição de outro tipo de elementos que possam condicionar a realidade.
A presença da câmara não passa despercebida. Ela constitui um objeto bastante visível, que se destaca pela sua presença e influência nos momentos registados. Por intermédio da câmara, aproximamo-nos, afastamo-nos das pessoas filmadas, perdemo-nos nas escolhas do realizador. A câmara, por vezes, revela-se por meio da seleção de determinados momentos, acabando por se denunciar através de um jogo de expectativas estabelecidas com o espetador. A utilização de determinadas técnicas como a câmara subjetiva e os longos planos fixos, provoca no mesmo a sensação de estar presente e diretamente envolvido na ação do filme. Apesar de não recorrer aos close-ups de forma exaustiva, Wiseman utiliza-os quando pretende destacar determinados elementos ou emoções, numa dada situação.
Outro dos elementos importantes nos seus filmes é a própria duração dos planos e dos próprios filmes. Efetivamente o cineasta produz filmes bastante longos, em que existe um cuidado especial com os respetivos “fragmentos de realidade”. Para melhor compreender estas características é importante destacar o que foi referido pelo próprio cineasta acerca da montagem:
Tenho que selecionar as sequências que quero usar, editá-las de forma autoexplicativa e imaginar a sua ordem correta. Por exemplo, a minha proporção de filmagem geralmente é de 40 ou 50 para 1 (tempo de filmagem para tempo de tela). (...) Se eu não criar uma história, então não funciona como um filme. É apenas uma série de eventos isolados1.
O filme para que não constitua apenas uma série de eventos isolados, deve ser pensado de modo que haja uma sequencialidade, um especial cuidado na duração dos planos, das correspondências, sendo capaz de se constituir numa matéria complexa, feita de recuos, de aproximações e de reminiscências.
A montagem confere às imagens o efeito de permitir a continuidade de um processo originado num ato descontínuo capturado pelos dispositivos técnicos. Foram diversos os teóricos e críticos que destacaram a importância da técnica na estruturação narrativa, bem como no aumento do coeficiente da realidade das imagens, o que permitiria conquistar o espetador, ao garantir uma certa coesão e unidade na obra apresentada. Esta não é apenas uma operação técnica imprescindível à concretização dos filmes. “É também um princípio de criação, uma maneira de pensar, uma forma de conceber os filmes associando imagens” (Amiel, 2016, p. 7). A montagem confere um efeito de continuidade num espaço muito próximo do real, transmitindo-nos a sensação de que a ação decorreu de forma contínua e que a câmara apenas a registou. Nos filmes de Wiseman, a montagem é bastante rigorosa, uma vez que através de recursos do cinema narrativo ficcional, consegue transmitir as suas histórias num tempo presente. Na análise da sua obra, o momento da edição é um dos mais relevantes, em que o próprio confidencia detalhes significativos acerca do mesmo. Neste sentido, Wiseman refere que não existe uma pesquisa prévia sobre o local e é feita uma visita, apenas um ou dois dias antes. Como o próprio indica:
A filmagem do filme é a pesquisa. [...] Será apenas na edição que eu descubro os temas e a estrutura do filme. Gosto de pensar que o filme editado é um relatório do que eu aprendi ao invés da imposição de um ponto de vista preconcebido sobre a experiência. (2010, p. 30).
Wiseman procura recriar a ordem dos acontecimentos nos seus filmes, ainda que reproduza as sequências originais, de forma justa, tal como ocorreram. Como o próprio refere, no caso de uma sequência ter durado uma hora de filmagem e de ter sido transformada em oito minutos, na edição final, a ordem inicial do acontecimento dos factos nunca é alterada. Existe uma intenção em provocar, momentaneamente, uma ilusão de ficção, com a garantia de que a situação retratada aconteceu da mesma forma como é exibida, mantendo deste modo uma transparência nas diversas situações. Verifica-se uma preocupação, por parte de Wiseman, em preservar a integridade dos acontecimentos, ainda que seja necessário condensá-los ou alterar a sua ordem, na estrutura geral do filme. Brian Winston (1988) refere que na produção de filme documentário, não se trata apenas de filmar a realidade, mas sim estruturar o material captado pela câmara, que tem como particularidade o facto de ter sido retirado da própria vida social.
O espaço e a dimensão social constituem um outro elemento de incorporação da estética do documentário de Wiseman. Como o próprio refere:
...a vedeta é o lugar e a ligação social; daí a série de filmes que fiz sobre lugares institucionais. Claro que há personagens que emergem na montagem de uma maneira mais forte que outras, mas tento não seguir uma personagem única. Trata-se mais de um mosaico. Estou especialmente interessado na questão de saber como representar ideias abstratas (...) É esse processo que me fascina, que se pode traduzir através das relações entre as pessoas e aquilo que elas implicam (Niney, 2000, p. 76).
Muitos dos seus documentários incidem sobre questões bastante delicadas e algumas controversas, deixando a marca de um pensamento que o caracteriza. A sua obra deixa transparecer pequenos atos de resistência, não apenas no conteúdo dos seus filmes, mas também no levantamento das relações de poder institucional. Os documentários de Wiseman, principalmente os primeiros, também constituem uma forma de ativismo, para além de serem um produto cultural que nos permite refletir e analisar de uma forma crítica e reflexiva. Estamos diante de um tipo de cinema, que é humanista, denunciante, que desmitifica o que nos é apresentado através de um ecrã e que nos permite gostar, rejeitar ou corrigir.
O estilo dos seus filmes esconde uma simplicidade que não corresponde à verdade. Grande parte dos seus filmes são filmados a preto e branco, com a utilização de uma câmara, sem locução ou com reduzida presença. Existe uma coerência na sua obra, apesar da diversidade nos assuntos explorados. Neste sentido como é referido pelo próprio, os seus filmes recaem sobre experiências humanas comuns, ainda que possa existir uma diversidade em termos de lugar, de tradições, de costumes e de hábitos.
Wiseman em cada um dos seus filmes não se limita a dar-nos apenas uma visão do interior do que filma, mas sim, através dos diversos temas traz-nos a dimensão social e política e, por inerência, a dimensão ética subjacente aos procedimentos expressivos do documentário. Os documentários High School e Titicut Follies (1967) de Wiseman, permitem expor as contradições da sociedade americana, ao revelar uma visão crítica dos bastidores de uma escola secundária e de um hospital para criminosos sem o domínio das suas faculdades mentais. Através da observação de diversos encontros entre os atores sociais, enquadrados nas suas própias instituições, acaba por se criar uma realidade representativa de instituições semelhantes existentes em todo o país. High School (1967) não demonstra um pensamento alargado por parte dos seus protagonistas. Pelo contrário, é visível a monotonia dos professores e dos funcionários administrativos que misturam as práticas de ensino com a disciplina. Na instituição existem jovens repletos de energia e de vitalidade, mas que rapidamente são convertidos em indivíduos com mais idade, onde a desatenção e a irritabilidade se instalam. O documentário apresenta diversos encontros formais e informais entre professores, alunos, administradores e encarregados de educação, através dos quais os princípios da instituição se revelam.
Cada sociedade apresenta os seus próprios critérios de organização, com os quais se identifica e se compreende. No caso da instituição escolar, a relação entre identidade, ordem e temporalidade está intrinsecamente ligada, nomeadamente a dinâmica do trabalho escolar que revela relações de poder entre aluno e instituição, apoiada em ordem e disciplina, e em que a probabilidade dos acontecimentos, como clarifica Bauman (1998: 15), não devem estar distribuídas de forma casual, mas “arrumadas numa hierarquia estrita – de modo que certos acontecimentos sejam altamente prováveis, outros menos prováveis” e ainda outros impossíveis. A obra de Wiseman dá-nos a conhecer a dinâmica social inerente às instituições retratadas, revelando as hierarquias, as relações de poder, os conflitos e as suas interações, acabando por nos convidar a refletir sobre a função das instituições na organização e estruturação das sociedades e, consequentemente, na vida de cada indivíduo.
A existência de um encontro entre o cineasta e a pessoa filmada ocorre num mesmo plano, acabando por existir uma maior proximidade e complexidade. Habitualmente é este tipo de interação que conduz a discussões sobre a conduta ética. Importa também referir que o próprio papel do observador está subjacente a outras considerações éticas que engloba o próprio ato de observar os outros. Neste sentido, Nichols (2020), interpela-nos para o facto da posição do espetador diante de um documentário poder ser mais desconfortável comparativamente a um filme de ficção. Possivelmente porque o teor dos assuntos explorados, também pode constituir um fator para algum constrangimento, contrariamente a uma situação ficcional, em que existe uma tomada de consciência para uma realidade construída. No caso do documentário trata-se de testemunhar factos reais que nos podem levar a refletir sobre a nossa própria responsabilidade em relação a determinados assuntos. Os seus filmes convocam-nos a questionar, de certa forma, as implicações e consequências morais dos acontecimentos e escolhas que ocorrem dentro dessas instituições. Em toda a sua obra existe uma realidade social e política, que se manifesta através dos seus filmes, bem como uma reflexão pessoal em torno de questões sociais, políticas e ética que contribuem para uma maior compreensão da sociedade.
Na relação entre documentarista e pessoas filmadas, no caso concreto de Wiseman, pede consentimento verbalmente quando procede às gravações, mas “quando filma em instituições públicas, sustentadas por impostos, tem o direito de registar o que acontece” (Nichols, 2020), acabando por nesta situação ter poder de decisão sobre o resultado. É nesta proximidade e/ou distanciamento entre o realizador e as pessoas filmadas que estarão sempre associadas questões de ordem estética e de ética, pelo que fará parte das suas obrigações lidar de maneira atenta e cuidada com os intervenientes. Em suma, será a própria natureza das ações filmadas e o desempenho das pessoas envolvidas num determinado contexto e espaço sociológico que irão determinar a componente social, sociológica e antropológica dos seus filmes.
Conclusão
Todas as histórias têm o seu começo, que por vezes é instável e muitas vezes disperso. O cinema documental não foge a esta regra. Contudo, apraz-me referir que, atualmente, o documentário continua a emergir, com novas fronteiras e novos horizontes. Ao incidirmos sobre uma pequena parte da obra de Wiseman, nomeadamente sobre o filme “High School”, procurámos desconstruir algumas interpretações que a obra convida e as estruturas retóricas que acabam por condicionar o nosso olhar. O espaço fílmico é criado a partir da combinação de escolhas realizadas no momento da captação da imagem e, posteriormente, na montagem. O rigor metodológico que caracteriza a obra de Wiseman é revelador da tensão que se manifesta em toda a imagem e da simplicidade que o mesmo apresenta. Para além da beleza estética da obra, existe também um ganho político. A compreensão, a identificação e a análise dos personagens contribuem para uma tomada de decisões, na sociedade em que estamos inseridos.
Frederick Wiseman considerado como um dos cineastas mais importantes do cinema observacional, revela-nos como a sua obra pode ser uma estratégia bastante eficaz e significativa para documentar a realidade, sem que exista uma distorção ou manipulação dos acontecimentos. Contudo, mais do que documentar a verdade, a sua essência recai sobre o envolvimento do espetador e na forma como este extrai o sentido do filme.
Como referia Almada Negreiros (2019, p. 73) no seu texto sobre cinema, os filmes que mais interessam aos espetadores são os documentários, uma expressão cinematográfica, “onde é impossível a arquitetação de um enredo (...) os que copiam a natureza sem a intervenção da imaginação humana”. O papel do cinema não se alterou com o tempo. À imprecisa luz da narrativa, é-nos dado a conhecer outros mundos, outras realidades, ficando apenas espaço para a nossa própria imaginação.
Notas finais
1 Retirado de uma entrevista realizada a Frederick Wiseman que consta na obra «A sketch of life», publicada pelo Museu de Arte Moderna, em 2010. https://pleasekillme.com/frederick-wiseman/
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