Abstract
In Italy, a film industry was born at the beginning of the twentieth century that from an early age sought to conquer the international market. Was the rise of Italian cinema possible thanks to the success achieved by historical and biblical epics such as Qvo Vadis? (E. Guazzoni, 1913), realistic dramas such as L’ Emigrante (F. Mari, 1915) and “Divas films” such as La storia di un Pierrot (1913), starring Francesca Bertini. Examples of an art that has conquered spectators all over the world, including Portugal, as attested by the 43 Italian cinema posters, gathered by Joaquim António Viegas (1874-1946), when he worked in the main cinemas of Lisbon and Porto.
Film posters are an important extra-filmic heritage, which due to its documentary value is of great value for the research on the history of cinema. With this communication, we seek to make better known the presence of Italian cinema in Portugal during the period 1908-1919, using as sources the Museum of Faro film posters collection and the several Portuguese newspapers from this time.
Keywords: Early cinema, Italian cinema in Portugal, Museum of Faro film posters collection, Joaquim António Viegas.
Introdução
As origens da indústria de cinema italiana, remontam ao início do séc. XX, quando em Roma, Turim, Milão e Nápoles, começaram a surgir casas produtoras como a Cines, Itala Film, Ambrosio, Aquila Films e Milano Films. Contudo, o enorme crescimento da produção cinematográfica entre 1907 e 1909, revelar-se - ia excessiva para a dimensão do mercado interno, obrigando as principais produtoras transalpinas a desenvolverem estratégias com vista à exportação dos seus filmes para mercados estrangeiros, como a Península Ibérica, a Escandinávia e os EUA (Brunetta 2009, 24-27).
Num período ainda dominado pelo cinema francês, a indústria italiana emergiu como a maior rival das grandes produtoras gaulesas, Pathé Fréres, Gaumont e Eclair, em particular nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial (1908-1914), período da história do cinema que Richard Abel classifica como “Early Cinema” (Abel 2010, xxxi), mas que Roberta Pearson considera ser de transição entre o cinema das origens e o cinema clássico (Pearson in Nowell-Smith 1997, 13). Foi precisamente nesses anos de transição, que o cinema italiano conquistou fama mundial, graças aos seus filmes épicos e históricos, a maioria dos quais sobre a História do Império Romano e as origens do cristianismo. Sucessos como La Caduta di Troia/ A Queda de Troia (G. Pastrone, 1911), Quo Vadis? (Enrico Guazzoni, 1913), Gli Ultimi giorni di Pompei/Os Últimos Dias de Pompeia (E. Rodolfi, 1913), Spartaco/Spartacus (G. Enrico Vidali, 1913) e In Hoc Signo Vinces (N. Oxila, 1913), destacaram-se pela adoção de soluções formais inovadoras, em particular a monumentalidade da cenografia. Com Cabiria (G. Pastrone, 1914), este género atingiu o apogeu, exercendo enorme influência no cinema de Hollywood, em particular na obra dos grandes pioneiros D.W Griffith e Cecil B. DeMille, contribuindo assim para impor, não só um género cinematográfico, mas também o formato de longa-metragem.
Paralelamente ao filme histórico, as produtoras Ambrosio, Cines e Film d’Arte Italiana, apostaram na adaptação de grandes clássicos da literatura e do teatro, procurando atrair o publico burguês com a participação de atores reconhecidos pelo seu trabalho nos palcos, como Ermete Zacconi (1857-1948). Filmes como La signora delle camelie (G. Serena, 1918), baseado na obra de Alexandre Dumas filho, ou Tosca (A. De Antoni, 1918), baseado na ópera de Puccini, testemunham a íntima relação que se estabeleceu entre o cinema italiano e a cultura burguesa do séc. XIX. Inserido na tradição literária italiana, o drama realista de temática social, assumiu alguma importância na produção deste período. Títulos como L’ Emigrante (F. Mari, 1915) ou Eugenia Grandet (R. Roberti, 1918), baseado no romance de Honoré de Balzac, constituem exemplos desse subgénero.
Juntamente com os filmes históricos e bíblicos, um dos produtos mais emblemáticos da indústria de cinema italiana neste período foi o chamado “filme de divas”, que abarcou géneros como a comédia, o melodrama e as adaptações de textos literários e teatrais, tendo em comum o facto de serem protagonizados por um conjunto de atrizes muito populares que se tornaram as primeiras vedetas do cinema italiano, num prenúncio do que viria a ser o star system hollywoodiano (Brunetta,2008, 44-45). Atrizes como Francesa Bertini (1892-1985), Gigetta Morano (1887-1986), Diana Karenne (1888-1940), Lyda Borelli (1884-1959) e Pina Menichelli (1890-1984), alcançaram fama mundial e muitos dos seus filmes foram apreciados pela primeira geração de cinéfilos portugueses.
A Primeira Guerra Mundial teve um impacto negativo na indústria de cinema transalpina, que perdeu alguns mercados internacionais, como o norte-americano e, em poucos anos, assistiu à afirmação mundial do cinema de Hollywood, graças a figuras como Cecil B. DeMille, Charlie Chaplin e Douglas Fairbanks.
A coleção de cartazes de cinema de Joaquim António Viegas
Indissociáveis da memória do cinema, os cartazes são artefactos culturais cujo valor artístico por vezes nos surpreende. Contudo, muito para além de refletir a cinefilia dos colecionadores, este património extrafilmico (Duarte 2019), constitui também um documento histórico que nos fornece informações preciosas sobre o cinema silencioso, um período da história da 7ª arte do qual sobreviveu apenas uma pequena percentagem da produção cinematográfica.
Em Itália, as origens do cartaz remontam à década de 1870, quando a editora musical Casa Ricordi, decidiu criar cartazes para promover as óperas de Verdi e Puccini. Nas primeiras décadas do século XX, os formatos dominantes foram os grandes cartazes de 4 folhas, com aproximadamente 200 x 140 cm, o cartaz constituído por 2 folhas, com aproximadamente 140 x 100 cm, e o cartaz de 1 folha, com cerca de 70x 33 cm. (Bagshaw 2005, 11-15).
O primeiro cartaz de cinema remonta a 1902, mas foi a partir de 1908, com a implementação do sistema de aluguer dos filmes aos exibidores, que o cartaz se transformou num instrumento essencial para o marketing da indústria cinematográfica italiana. Nesse sentido, produtoras como a Savoia, Ambrosio, Cines e Milano, contrataram o serviço de ateliês especializados na produção cartazista, onde trabalhavam ilustradores que se tornaram célebres, como Léopoldo Metlicovitz (1868-1944), Lucien Achille Mauzan (1883-1952) e Anselmo Ballester (1897-1974). O seu talento, transpira no colorido e na expressividade do desenho, cujo impacto visual e dramático, cativa ainda hoje o olhar do espetador, despertando a curiosidade por estes filmes esquecidos e, tantas vezes, perdidos.
Dada sua natureza efémera, os cartazes produzidos durante os primeiros anos da História do Cinema, são hoje extremamente raros, um fator que se deve igualmente ao número limitado de exemplares que eram impressos, raramente ultrapassando os 3 mil (Bagshaw 2005, 11-15).
No Museu Municipal de Faro, encontramos uma das mais importantes coleções de cartazes existentes em Portugal. Recolhida pelo pintor e cenógrafo farense Joaquim António Viegas (1874-1946), quando este trabalhou em algumas das mais importantes salas de espetáculo de Lisboa e Porto, nomeadamente O Chiado Terrasse, o Salão Trindade, o Olympia, e o Real Coliseu de Lisboa, ou, na Invicta, o Cinema High-Life, o Príncipe Real e o Águia de Ouro, espaços onde, juntamente com peças de teatro e números de circo e variedades, se realizavam também sessões de animatógrafo.
A coleção reunida por Joaquim António Viegas é constituída por três núcleos temáticos: 1) Cinema; 2) Circo, Teatro e Variedades; e 3) Publicidade Comercial. O núcleo de cinema, apresenta 141 exemplares (datados de 1904 a 1916), de origem francesa, italiana, escandinava, alemã e norte-americana (Ginga, Mestre, Lopes, 2021).
Dada a relativa escassez de informação sobre a distribuição, exibição e receção do cinema silencioso em Portugal, os cartazes e os programas de cinema, constituem, juntamente com a imprensa nacional e regional, uma fonte histórica indispensável para o estudo do fenómeno cinematográfico no nosso país, durante as primeiras décadas do século XX. Nesse sentido, analisámos os 43 cartazes de cinema italianos da coleção de Joaquim António Viegas no Museu Municipal de Faro, os quais correspondem a 35 filmes, enquanto testemunhos da presença do cinema silencioso italiano em Portugal, entre 1908 e o início dos anos vinte.
O cinema italiano em Portugal (1908-1919)
A popularidade internacional dos filmes épicos e históricos italianos, estendeu-se a Portugal, como se constata pela coleção de cartazes de Joaquim António Viegas, onde se encontram representados sete títulos importantes deste género cinematográfico, que emergiu graças ao sucesso de Gli Ultini Giorni di Pompei / Os Últimos Dias de Pompeia (L. Maggi, 1908), uma produção da Ambrosio Film, que inaugurou as sessões de cinema do Chiado Terrasse em 26 dezembro 1908 (Ginga, Mestre, Lopes, 2021, 41).
Enrico III (1909), realizado por Giovanni Pastrone para a Itala Films, constitui um dos primeiros exemplos desta estratégia implementada pelas maiores produtoras italianas (Ambrósio, Cines, Itala) e cuja principal força criativa foi precisamente Pastrone que, em colaboração com espanhol Segundo de Chomón (1871-1929) e o escritor Gabriele D’Annunzio (1863-1938), realizou Cabiria (1914), obra modelar de um cinema épico – histórico, cujas técnicas e modelo de produção influenciaram profundamente o cinema de Hollywood (Chersi Usai in Abel 1997, 501).
Cabiria (G. Pastrone, 1914), foi um verdadeiro fenómeno internacional. Em Portugal o filme estreou em 26 novembro de 1914, tendo percorrido o país com grande sucesso, como testemunha a imprensa algarvia (O Provinciano, 1916, nº 349).
Graças a Cabiria (1914), Pastrone foi um dos primeiros cineastas italianos a conquistar fama internacional. Com Il fuoco/O Fogo (1916) e Tigre Reale/O Tigre Real (1916), o realizador lançou uma das primeiras “divas” do cinema italiano, Pina Menichelli (1890-1984). Il fuoco/O Fogo, que estreou em Portugal no dia 21 janeiro 1918, contou também com o contributo de Gabriele D’Annunzio e Tigre Reale/O Tigre Real (1916), que estreou em 12 fevereiro 1919, beneficiou da colaboração de Segundo De Chomón.
Quase tão importante como Cabiria (Pastrone, 1914), foi Qvo Vadis? (E. Guazzoni, 1913), um dos maiores sucessos internacionais do cinema italiano deste período, cujo impacto é comparável ao obtido pelo filme de Pastrone. Foi Enrico Guazzoni (1876-1949) quem realizou este filme épico baseado no romance histórico de Henryk Sienkiewicz, sobre a perseguição e martírio dos primeiros cristãos por ordem do Imperador Nero. O Museu Municipal de Faro possui três cartazes distintos desta obra emblemática, mas apenas um deles está completo, nomeadamente um exemplar produzido por encomenda do distribuidor britânico, a Jury’s Imperial Pictures. Estes cartazes testemunham a ambiciosa estratégia comercial de um “filme evento” com duas horas de duração, que impôs o formato de longa-metragem e conquistou plateias em todo o mundo ocidental.
Foto do Museu de Faro.
Entre 1909 e 1917, Enrico Guazzoni, pintor de formação, desenvolveu uma carreira importante na produtora Cines, onde se especializou no género do filme histórico e bíblico, realizando filmes como Caio Giulio Cesare/Júlio Cesar (1914), parcialmente baseado na obra de William Shakespeare, Ivan, il terribile / Ivan o Terrível (1917), La Gerusalemme liberata / Jerusalém Libertada (1918), baseado no poema épico de Torquato Tasso ou ainda Fabíola (1918), baseado no romance de Nicolas Patrick Wiseman, obras que, tal como Qvo Vadis? (1913), puderam ser apreciadas pelo público português1.
Um outro pioneiro do cinema italiano que contribuiu significativamente para o género cinematográfico do filme histórico, foi Mario Caserini (1874 – 1920), realizador de Siegfriedo (1912), uma produção da Societá Anonima Ambrosio de Turim, que adaptou A Canção dos Nibelungos, obra máxima da literatura épica medieval germânica2. O cartaz, produzido pelo Atelier Butteri, retrata este personagem da mitologia nórdica num estilo que remete para a tradição pictórica do retrato, sublinhando a profunda relação destes filmes com a cultura burguesa do séc. XIX.
Igualmente para a Ambrósio Films de Torino, Caserini realizou o drama histórico La Gorgona (1915), um filme perdido, do qual sobrevivem apenas algumas fotos e os cartazes produzidos no Atelier Butteri, dois dos quais, recolhidos por Joaquim António Viegas numa das salas de Lisboa ou do Porto. A ação decorre em Pisa, no século XII, durante a guerra com os turcos.
Mario Caserini e Eleutério Rodolfi (1876-1935), corealizaram uma outra obra emblemática deste período, Il ultimi giorni di pompeia / Os Últimos Dias de Pompeia (1913). Trata-se da segunda versão cinematográfica do romance histórico de Edward Bulwer-Lytton (1834), da qual o Museu de Faro possui três cartazes (estando dois incompletos), o que revela bem a popularidade deste filme e a campanha de publicidade que originou.
Caserini foi um dos grandes profissionais do cinema italiano, tendo a maioria dos seus filmes sido exibidos nas salas portuguesas. Em 1919 estrearam La vita et la morte/Amor Inimigo (M. Caserini, 1917), no dia 4 de janeiro de 1919, Vittime dell’amore / Vitimas do Amor (M. Caserini, 1918), em 9 abril e La sfinge / A Esfinge (M. Caserini, 1918), que estreou no dia 19 maio no Salão Central (Pina 1990).
Realizado por Nino Oxilia (1889-1917), In Hoc Signo Vinces / In Questo Segno Vincerai (1913), foi um dos sucessos da Savoia Film Torino. O cartaz deste filme histórico de temática cristã, evidencia a exibição do filme em Portugal. O talentoso e prolífico ilustrador Lucien Achille Mauzan (1883-1952), assinou um belo cartaz que destaca a visão experienciada pelo Imperador Constantino.
O crescimento da indústria de cinema italiana permitiu atrair profissionais oriundos de outros países, em particular, franceses como Henry Étiévant (1870-1953), que realizou para a Milano Films o drama histórico Il Rubino del destino (1914), uma obra considerada perdida, mas da qual, felizmente, sobreviveu o cartaz, assinado por A. Vassallo, que comprova a exibição deste filme em Portugal, o qual, segundo Bertellini, foi um dos últimos filmes exportados pela produtora milanesa após o início da Primeira Guerra Mundial (Bertellini, In Abel 2010, 435-36).
Intimamente relacionado com o género épico e histórico, surgiu um dos mais populares seriados da segunda metade da década de 1910 e da primeira metade dos anos vinte. No célebre Cabiria (1914), Pastrone lançou Bartolomeu Pagano (1878-1947), um estivador tornado ator, que desempenhou o personagem de Maciste, um escravo dotado de uma força extraordinária, e cuja popularidade permitiu a produção de vinte seis filmes no espaço de treze anos (1915-1927). Em Portugal, a estreia do primeiro filme da série, Maciste (L. Borgnetto, V. Denizot, 1915), criou tanta antecipação entre o público que o jornal A Capital dedicou-lhe uma crónica intitulada “Maciste…nunca existiu?” (A Capital, 6 março, 1916, nº 2004).
Títulos como Maciste alpino/Maciste soldado alpino (G. Pastrone, 1916), que estreou em 6 de maio de 1918, e Maciste atleta/ As últimas aventuras de Maciste (V. Denizot, G. Pastrone, 1918), que estreou em Portugal a 23 de junho de 1919, consolidaram este personagem no imaginário dos espetadores nacionais (Pina, 1990).
O sucesso da série deu origem a produções como Galaor/Galaor, rival de Maciste (M. Restivo, 1918), produzido pela Ambrosio Film. O fenómeno Maciste, prolongou-se pela década de 1920. Em março 1925, Bartolomeu Pagano encheu o Teatro Popular quando passou por Tavira, acompanhado da família (O Sequa, 8 março, 1925, nº 19).
Género emblemático do cinema silencioso italiano, o “filme de divas”, registou uma presença significativa em Portugal. Francesca Bertini (1892-1985), foi a maior dessas vedetas, tendo sido a atriz mais bem paga do cinema italiano em finais da Primeira Guerra Mundial (Dall’Asta 2018). Entre os muitos filmes que protagonizou, encontra-se La Cricca dorata (1913), realizado por Emilio Ghione (1879-1930) e Baldassarre Negroni (1877-1948), e Per Il Blasone (B. Negroni, 1914), ambos os títulos representados por um exemplar na coleção de cartazes de Joaquim António Viegas.
Entre os outros sucessos que celebrizaram a “diva Bertini”, destacamos o “ciclo dos pecados mortais”: La gola / A gula (C. De Riso, 1918), que em Portugal estreou no dia 24 maio 1918; L’orgoglio / Soberba (E. Bencivenga, 1918), que estreou em 28 novembro 1921; La lussuria / A Luxuria (E. Bencivenga, 1919), cuja estreia nacional ocorreu em 10 março 1920, e La piovra / Perdão Sublime (E. Bencivenga, 1919), que estreou no dia 31 março de 1921 (Pina 1990).
Um dos marcos incontornáveis da carreira de Bertini foi La Storia di un Pierrot / O Pierrot (B. Negroni, 1913). Trata-se de uma comédia, produzida pela Celio Film, na qual a atriz interpreta a personagem principal do Pierrot. Segundo Pina (1990, 23), o filme só estreou em Portugal em 20 fevereiro de 1923, data demasiado tardia que, em nossa opinião, poderá corresponder ao relançamento deste título emblemático da carreira de Bertini.
No catálogo da coleção de cartazes do Museu de Faro, um dos exemplares foi erradamente identificado como pertencendo ao filme de Bertini. Contudo, o cartaz em questão (nº inventário 3007), foi produzido pela Film Artistica Gloria de Torino, identificada pela marca no canto inferior esquerdo deste cartaz que foi impresso na Officine Grafiche della S.T.E.N (Ginga, Mestre, Lopes, 2021, 118-119).
O referido cartaz também não corresponde ao filme Pierrot (1917), realizado e interpretado por Diana Karenne, para a David-Karenne Film, e cuja estreia portuguesa terá, segundo Luís de Pina, ocorrido em 26 setembro 1918 (Pina 1990, 12). Não tendo ainda sido possível identificar este filme na lista das produções conhecidas da Film Artistica Gloria, facto dificultado pela ausência de um título no próprio cartaz, podemos estar perante um filme perdido e presentemente desconhecido.
Casada com o realizador Baldassore Negrone, Hesperia (1885-1959), foi uma das várias divas italianas que marcaram presença nos ecrãs portugueses. Um dos seus primeiros filmes, Un Intrigo a corte (G. Antamoro, 1913), está representado por um cartaz na coleção de Joaquim António Viegas. Filmes posteriores como La donna di cuori / A Dama de Copas (B. Negrone, 1917), que estreou em Portugal no dia 4 julho 1918, e La principessa di Bagdad / A Princesa de Bagdad (B. Negrone, 1918), que estreou no dia 14 de maio de 1920, indiciam a sua popularidade.
Foram muitas as “divas”, ou simplesmente atrizes populares, que marcaram presença nos ecrãs portugueses. Lyda Borelli (1884-1959), protagonizou La storia dei tredici / A História dos 13 (C. Gallone, 1917), que estreou em abril de 1918. Gigetta Morano (1887-1986), foi a protagonista de Amore Pacifico /Amor Pacifico (E. Rodolfi, 1915), que sabemos ter sido exibido em Portugal graças ao cartaz que existe na coleção do Museu de Faro. Diana Karenne (1888-1940), foi a estrela do célebre Maria Madalena (C. Gallone, G. Mateldi, 1919), que estreou em 19 março 1923, enquanto Pina Menichelli (1890-1984), protagonizou os já referidos Il Fuoco / O Fogo (G. Pastrone, 1916) e Tigre Reale / O Tigre Real (G. Pastrone, 1916).
Outra “diva”, Mistinguett (1875-1956), protagonizou La Doppia Feritta (A. Genina, 1915), uma produção da Milano Films, realizada por Augusto Genina (1892-1957), e cuja exibição nas salas portuguesas é comprovada pelo cartaz recolhido por Joaquim António Viegas. Presença regular nos cinemas nacionais foi também Italia Almirante-Manzini (1890-1941), graças a filmes como Il bacio della zingara (R/d, 1913), uma produção da Itala Film, que sabemos ter sido exibida em Portugal, graças a dois cartazes recolhidos por Joaquim António Viegas, ou Il poeta, la donna / O poeta e a mulher (R/d, 1916) que estreou em Portugal em fevereiro de 1918 e ainda La figlia della tempesta / A filha da tempestade (H. Simone, 1917), que estreou em Portugal no dia 14 maio de 1918 3.
A coleção de cartazes do Museu de Faro permite-nos aferir a diversidade da produção italiana deste período. Destacamos L’Assalto Fatale (G. Lo Savio; H. Falena, 1913) e Armi e Amori (G. Lo Savio; H. Falena, 1913), duas produções da Film d’Arte Italiana, corealizadas por Gerolamo Lo Savio e Hugo Falena, este último considerado a grande força criativa desta casa que se especializou em filmes baseados em textos literários e peças teatrais (Bertellini in Abel 2010, 229).
Nei meandri del delito (M. Caserini, 1912), é uma obra perdida, mas resta-nos um belo cartaz assinado por Anselmo Ballester. Tudo indica que se tratava de uma história de crime e mistério. Igualmente interessante é o cartaz de Scienza Fatale (A. D. Abbati, 1913), assinado por Leopoldo Metlicovitz. Talvez não perdido, mas certamente “invisível”, este drama de suspense, produzido pela Pasquali Films, foi protagonizado por Lydia de Roberti e Giovanni Enrico Vidali (1869-1937), rostos conhecidos do grande público.
Foto do Museu de Faro.
Emilio Ghione (1879-1930), foi um dos muitos atores do cinema silencioso italiano que se tornaram realizadores. Após uma profícua colaboração com Baldassare Negrone, Ghione realizou e protagonizou Il circolo nero / O círculo negro (1913), um drama criminal produzido pela Celio Film. O cartaz do Museu de Faro apresenta o título em quatro línguas (Italiano, Francês, Alemão e Inglês), indicando que foi produzido para promover o filme em vários países. Juntamente com Bartolomeu Pagano, Ghione foi o único ator italiano a alcançar um nível de popularidade comparável ao das “divas”. Títulos como Za-la-Mort / Sua Exª a Morte (E. Ghione, 1915), I topi grigi / As ratas pardas (E. Ghione, 1918) e Il triangolo gialo / o triagulo amarelo (E. Ghione, 1918) conquistaram o público português.
Os cómicos gauleses e, posteriormente, os norte-americanos, parecem ter ofuscado a comédia italiana deste período. Contudo, encontramos na coleção de Joaquim António Viegas dois cartazes do filme Il Poeta (E. Rodolfi, 1914). Esta produção da Ambrosio Film é uma das comédias realizadas e protagonizadas pelo casal artístico Eleuterio Rodolfi e Gigetta Morano. Julgamos tratar-se de um filme perdido, mas o cartaz presente na coleção do Museu de Faro, testemunha a sua exibição nas salas portuguesas.
Outros títulos cuja exibição em Portugal foi possível comprovar através desta coleção, incluem La Porta Aperta (1913), um melodrama realizado por Giovanni Enrico Vidali (1869-1937), para a Pasquali Film de Turim, Il Mistero di via Nizza (H. Etiévant, 1913), um drama criminal e realista produzido pela Milano Films, que teve como protagonista Pina Fabbri e La Confessione di Mezzanote (1915) uma produção da Milano Films, realizada por Augusto Genina (1892-1957).
A exibição do cinema italiano no Algarve
A ascensão internacional do cinema italiano nos anos que antecederam a Primeira Guerra Mundial, pode ser facilmente constatada pela forte presença desta produção cinematográfica em muitas cidades e regiões do país. Muito para além das principais salas de Lisboa e Porto, onde o colecionador Joaquim António Viegas recolheu a sua coleção de cartazes, os filmes italianos foram exibidos em regiões periféricas como o Algarve, ainda que, muitas vezes, com janelas de estreia um pouco dilatadas, relativamente à capital.
Não foi o caso de Quo Vadis? (E. Guazzoni), que o Theatro Circo de Faro exibiu em duas sessões esgotadas no dia 26 de novembro de 1913, nesta sala por onde passaram, também, títulos pouco conhecidos como I due macchinisti / Os dois maquinistas (E. Santos, 1913) (O Algarve, nº288 e 296, 1913). Em outubro de 1916, os grandes sucessos na capital algarvia foram Cajus Julius Caesar / Júlio Cesar (E. Guazzoni, 1914), elogiada na imprensa pela qualidade da reconstituição histórica, e La marcia nuziale / A Marcha Nupcial (C. Gallone, 1915), ambas exibidas no Theatro Circo, enquanto no Cine-Teatro Farense estreava Il barcaiolo del Danubio / O barqueiro do Danúbio (R. Roberti, 1914) (O Algarve, 1916, nº 446, 448 e 449).
Cabiria (G. Pastrone, 1914), foi um verdadeiro fenómeno, tendo a estreia algarvia decorrido em março de 1916, no Salão Apolo de Olhão. Este épico histórico, que a imprensa olhanense considerava ter sido o “melhor filme que neste salão se apresentou”, deu lugar, poucos dias depois, ao imensamente popular Maciste (Borgnetto; Denizot, 1915) (O Provinciano, 1916, nº 349). Em Faro, ambos os filmes, produzidos pela casa Itala Film, foram exibidos em novembro no Cine - Teatro Farense, merecendo largos elogios na imprensa, onde se destacava o argumento da autoria do poeta italiano Gabriel D’Annunzio e a música da autoria do compositor Ildebrando de Parma, fatores que muito contribuíram para o prestígio cultural desta obra emblemática do cinema italiano (O Algarve, 1916, nº 452 e 453).
No sábado, 25 outubro 1917, o recém-inaugurado Teatro Popular de Tavira iniciou as sessões do animatógrafo com a exibição de L’ Emigrante / O Emigrante (F. Mari, 1915), um drama protagonizado por Ermete Zaconni que a imprensa identificava como sendo um filme da série de Ouro (Província do Algarve, 1917, nº 456), uma categorização aplicada aos filmes italianos de prestígio e qualidade, lançada em 1909, pela produtora Ambrosio, e cujo filmes registaram, nesse mesmo mês de outubro de 1917, grande sucesso no Cineteatro Farense, merecendo elogios pelos “entrechos dramáticos interessantes” (O Algarve, 1917, nº 500). O sucesso alcançado pelo filme de Febo Mari, pode ser também comprovado pelos dois cartazes de L’ Emigrante / O Emigrante (F. Mari, 1915), que encontramos na coleção de Joaquim António Viegas.
Foto do Museu de Faro.
No Teatro Popular de Tavira foram exibidos sucessos como Drama da Ambição / Il dramma dell’ambizione (V. De Stefano, 1916) e Lea (D. Karenne; S. Aversano, 1916), protagonizado pela “notável artista Diana Karenne” (Provincia do Algarve, nº 470, 1917, p. 1).
Em 1919, na orgulhosa Vila da Restauração, os olhanenses assistiram, no ecrã do Cinema Teatro a títulos como I topi grigi / As ratas pardas (E. Ghione, 1918) e Il triangolo gialo / o triagulo amarelo (E. Ghione, 1918), realizados e protagonizados pelo popular Emilio Ghione, assim como Maciste atleta /As últimas aventuras de Maciste (Denizot; Pastrone, 1918) e Galaor, rival de Maciste / Galaor (M. Restivo, 1918), produzido pela Ambrosio Film (O Ecrã, 1919, nº 1 e nº 2).
Conclusão
Tomando como fontes principais a coleção de cartazes do Museu Municipal de Faro e a imprensa regional, a nossa pesquisa permite concluir que o cinema silencioso italiano ocupou um espaço de grande importância nas salas portuguesas, em particular a partir de 1912, quando o impacto do filme épico-bíblico e histórico se fez sentir no mercado internacional. Deste modo, a obra de realizadores como Mario Camerini e Giovanni Pastrone foi uma presença constante nos ecrãs portugueses, tal com as “divas” Francesa Bertini e Diana Karenne, o herói Maciste e o popular vilão Emilio Ghione.
Apesar de, invariavelmente, a imprensa destacar as obras consideradas de “qualidade”, nomeadamente os filmes históricos e bíblicos, assim como as adaptações de textos literários ou teatrais, foi também possível identificar títulos de géneros tão distintos como a comédia, o drama de crime e suspense e o filme de ação e aventuras, evidenciando a diversidade da produção cinematográfica transalpina, assim como a sua presença em regiões periféricas como o Algarve, o que nos permite igualmente concluir que o cinema silencioso italiano cativou o público português, conseguindo mesmo, durante a Primeira Guerra Mundial, suplantar o impacto da produção gaulesa em Portugal.
Este trabalho é apoiado por fundos nacionais através da FCT Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P., no âmbito do projeto UIDP/04019/2020.
Notas Finais
1 Gerusalemme liberata / Jerusalém Libertada (1918), estreou em 18 novembro de 1919 no Cinema Condes e Fabiola (1917) estreou no dia 11 de janeiro de 1920 no Coliseu de Lisboa. Caio Giulio Cesare / Júlio Cesar (1914) terá sido relançado em julho de 1925 (Pina, 1990).
2 Filme que contou com a participação de Carlo Campogalliani (1885-1974), que nas décadas de 1950 e 60, realizou vários peplums e filmes de ambientação histórica.
3 Informação recolhida na IMDB. https://www.imdb.com/name/nm0021935/?ref_=fn_nm_nm_1
Bibliografia
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Acciaiuoli, Margarida. 2012. Cinemas de Lisboa. Lisboa: Bizâncio.
Bagshaw, Mel. 2005. The Art of Italian Film Posters. London: Black Dog Publishing.
Batista, Tiago; Parreira, Teresa; Borges; Teresa. 2010. Cinema em Portugal – os primeiros anos (catálogo). Lisboa: Cinemateca Portuguesa/Museu de Ciência da Universidade de Lisboa.
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Pina, Luís De. 1990. Estreias em Portugal – 1918-1957. Lisboa: Cinemateca Portuguesa.
Periódicos Consultados na Hemeroteca Digital do Algarve
Alma Algarvia, Silves-Portimão, 1911-1917
O Algarve, Faro, 1908-1919
O Districto de Faro, Faro, 1902-1913
Ecos do Sul – seminário democrático independente, São Brás de Alportel, 1912-1913
O Ecrã, Olhão, 1919
Província do Algarve, Tavira, 1908-1919
O Provinciano, Olhão, 1909-1919
O Sequa, Tavira, 1924-1925
O Sul – Seminário Republicano, Faro, 1912-1918
Periódicos consultados na Hemeroteca Municipal de Lisboa
A Capital – Diário Republicano da noite, Lisboa, 1911-1920
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Filmografia
Amore Pacifico / Amor pacifico. Eleuterio Rodolfi, 1915.
Armi e Amori. G. Lo Savio; Hugo Falena. 1913.
Cabiria. Giovanni Pastrone, 1914.
Fabíola. Enrico Guazzoni. 1918.
Galaor / Galaor, rival de Maciste. Mario Restivo, 1918.
Gli Ultini Giorni di Pompei / Os Últimos Dias de Pompeia. Luigi Maggi, 1908.
Giulio Cesare / Júlio Cesar. Enrico Guazzoni, 1914.
Il bacio della zingara. R/d, 1913.
Il circolo nero / O círculo negro. Emilio Ghione, 1913.
Il dramma dell’ambizione / Drama da Ambição. V. DeStefano. 1916.
Il fuoco / O Fogo. Giovanni Pastrone. 1916.
Il poeta, la donna / O poeta e a mulher. R/d. 1916.
Il Poeta. Eleuterio Rodolfi, 1914.
Il barcaiolo del Danubio / O barqueiro do Danúbio. Roberto Roberti. 1914.
I topi grigi / As ratas pardas. Emilio Ghione. 1918.
Il triangolo gialo / O triagulo amarelo. Emilio Ghione. 1918.
Il Rubino del destino. Henri Étiévant. 1914.
Il ultimi giorni di pompeia / Os últimos dias de Pompeia. Mario Caserini; Eleuterio Rudolfi. 1913.
Il Mistero di via Nizza. Henri Etiévant, 1913.
I due macchinisti / Os dois maquinistas. Enrique Santos. 1913.
In Hoc Signo Vinces / In Questo Segno Vincerai. Nino Oxila. 1913.
La Gerusalemme liberata / Jerusalém Libertada. Enrico Guazzoni. 1918.
La Gorgona. Mario Caserini. 1915.
La vita et la morte / Amor Inimigo. Mario Caserini. 1917.
La sfinge / A Esfinge. Mario Caserini. 1918.
La donna di cuori / A Dama de Copas. Baldassare Negrone. 1917.
La principessa di Bagdad / A Princesa de Bagdad. Baldassare Negrone. 1918.
La storia dei tredici / A História dos 13. Carmine Gallone.1917.
Lea. D. Karenne; S. Aversano. 1916.
La Doppia Feritta. Augusto Genina.1915.
La gola / A gula. C. De Riso. 1918.
La Porta Aperta. G. E. Vidali. 1913.
La Confessione di Mezzanote. Augusto Genina.1915.
La figlia della tempesta / A filha da tempestade. Hugo Simone. 1917.
La marcia nuziale / Marcha Nupcial. Carmine Gallone, 1915.
L’Assalto Fatale. G. Lo Savio; H. Falena. 1913.
L’orgoglio / Soberba. Edoardo Bencivenga, 1918.
La lussuria / A Luxuria. Edoardo Bencivenga. 1919.
La piovra / Perdão Sublime. Edoardo Bencivenga. 1919.
La Storia di un Pierrot / O Pierrot. Baldassare Negroni.1913.
Maciste. Luigi Romano Borgnetto; Vincenzo Denizot, 1915.
Maciste alpino / Maciste soldado alpino. Giovanni Pastrone, 1916.
Maciste atleta / As últimas aventuras de Maciste (Vincenzo Denizot; Giovanni Pastrone, 1918.
Maria Madalena (Carmine Gallone, Giovanni Mateldi, 1919.
Pierrot. Dianne Karenne. 1917.
QVO Vadis?. Enrico Guazzoni. 1913.
Nei meandri del delito. Mario Caserini, 1912.
Siegfriedo. Mario Caserini. 1912.
Tigre Reale / OTigre Rea. Giovanni Pastrone. 1916.
Un Intrigo a corte. Giuliano Antamoro. 1913.
Vittime dell’amore / Vitimas do Amor. Mario. Caserini, 1918.
Za-la-Mort / Sua Exª a Morte. Emilio Ghione, 1915.