Capítulo / Chapter V | Convidados / Guests

Interactive narratives: Webdocumentary a audiovisual genre

Narrativas interativas: Webdocumentário um género audiovisual

Lardyanne Pimentel Guimarães

Universidade Lusófona, Portugal

António Costa Valente

CIAC, Universidade do Algarve, Portugal

Abstract

The purpose of this article is to analyze the interactive documentary as an audiovisual genre that appears in a networked, hybrid and fluid digital culture. Networked digital technology is part of the cultural practices of 21st century society, the functioning of States, politics and the way we relate to the world. “The internet is the fabric of our lives. Human capacity may be able to supply both an electrical grid and the ability to distribute the power of the entire domain of activity” (Castells, 2003). Audiovisual production is not on the sidelines of this digital network technology, on the contrary, through it, it absorbs interactive aesthetic elements and other narrative formats emerge. Interactive documentaries, I-docs, webdoc, intercative factuals, expanded documentary, transmedia documentary of the names used to refer to this new audiovisual genre that mixes characteristics of the internet and the documentary genre. From the bibliographic research on the current nature of this interactive genre and webdocumentaries, we delimited its main characteristics and its development.

Keywords: Weddocumentary, Network, interactivity, Digital technology.

Introdução

O objetivo deste artigo é analisar o documentário interativo como gênero audiovisual que surge numa cultura digital em rede, híbrida e fluída. A tecnologia digital em rede integra as práticas culturais da sociedade do século XXI, do funcionamento dos Estados, da política e da forma como nos relacionamos com o mundo. “A internet é o tecido de nossas vidas. Ela poderia ser comparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, na sua capacidade de distribuir a força da informação por todo domínio da atividade humana ”(Castells,2003). A realização audiovisual não está à margem desta tecnologia digital em rede, pelo contrário, por meio dela absorve elementos estéticos interativos e faz surgir outros formatos narrativos. Documentários interativos, I-docs, webdoc, intercative factuals, documentário expandido, documentário transmédia são algumas das denominações utilizadas para se referir a este novo género audiovisual que mescla características da internet e do género documentário. A partir da investigação bibliográfica sobre a natureza deste género interativo e de projetos webdocumentais, delimitamos as suas principais características e seu atual desenvolvimento.

Desenvolvimento

Segundo Manovich (2002) o espaço característico da narrativa moderna, tanto na literatura quanto no cinema foi substituído por uma narrativa contínua não interrompida de jogos e realidade virtual, em primeira pessoa. Os media “antigos” dependiam da montagem, os “novos media” substituem-na por uma estética da continuidade. Um corte é substituído por uma transformação digital ou por uma composição digital. “A estética da continuidade não pode ser totalmente deduzida da composição tecnológica, embora em muitos casos não seria possível sem ela” (Manovich, 2002, p. 136). Manovich (2002) considera que na cultura da computação, a montagem não é mais a estética dominante, como era ao longo do século XX, da vanguarda da década de 1920 até 1980. Segundo o autor, a composição digital pode ser entendida como uma contrapartida da estética da montagem. A montagem tem como objetivo criar visual, estilístico, dissonância semântica e emocional entre os diferentes elementos. A composição visa mesclar um todo contínuo, uma gestalt única. Manovich (2002) utiliza a expressão “autoria por seleção” e evoca o trabalho artístico do DJ, como exemplo, para afirmar a estética antimontagem de continuidade que considera atravessar a cultura, numa operação típica dos novos media que não se limita à criação de computadores, imagens e espaços em movimento.

The new logic of a digital moving image containde in the operation of compositing runs against Einstens aesthetics with its focus on time, Digiatl compositing makes the dimensions of space (3D fake space being created by acomposite and 2½ D space of all the layers being composited) and frame (separate images moving in 2D within the frame) as important as time. In addition, the possibility of imbedding hyperlinks within a moving sequence introduced in QuickTime 3 and other digital formats adds yet another spatial dimension. typical use of hyperlinking in digital movies it to link elements of a movie with information displayed outside of it. (Manovich, 2002, p. 147)

Para o autor a tecnologia da computação espacializa a imagem em movimento com novas dimensões que devem ser adicionadas à lista de dimensões visuais e sonoras. O tempo seria apenas mais uma dimensão, entre várias outras. Para Murray (2003), o cultivo técnico e econômico desse fértil e novo meio de comunicação, gerou variedades de entretenimentos narrativos, com novos formatos para contar histórias, desde os videogames do tipo “fogo neles” (shot-emup), e das masmorras virtualis dos role-playing games (RPG), até os hipertextos literários pós-modernos. As narrativas, que têm por base a tecnologia mediada pelo computador e a rede, são baseadas em hiperligações. “Histórias escritas em hipertexto podem ser divididas em “páginas” que se desenrolam ou em “fichas” do tamanho da tela , mas elas são melhor descritas como segmentadas em blocos de informação genéricos chamados “lexias” (ou unidades de leitura)” (Murray, 2003, p.64). Para Murray (2003) as histórias escritas em hipertexto geralmente têm mais de um ponto de entrada, muitas ramificações internas e nenhum final bem definido. As narrativas hipertextuais são intricadas teias de fios emaranhados.

No campo interativo, as narrativas mesclam linguagens e se interligam a outras narrativas. O digital e a internet possibilitam conceber e realizar novos formatos narrativos. Surge a narrativa interativa que incorpora recursos interativos da rede para se estruturar. Martins & Penafria (2006) definem a narrativa interativa como segmentada, não linear, a implicar diversos momentos de narração, a permitir alterações na sequência temporal dos fatos, com a navegação pelos diversos elementos por parte do leitor e uma certa reordenação da história. Há também ramificações ou bifurcações que implicam uma suspensão narrativa, no qual o leitor ou espetador, poderá fazer escolhas. Para Gaudenzi & Paz (2018) as narrativas digitais interativas são uma transição para uma nova forma de narrativa, que questiona o nosso mundo compartilhado com o uso de tipos de plataformas digitais em constante evolução (celular, tablet, computador, realidade virtual, realidade aumentada, hologramas, etc.) e aumentam a nossa definição de narrativas para muito além da estrutura aristotélica de início/ meio/ fim.

Murray (2003) , no seu livro O futuro da Narrativa no Ciberespaço, defende o potencial do computador como um meio expressivo semelhante à câmera cinematográfica. Para fazer esta argumentação identifica quatro propriedades essenciais do ambiente digital, as quais separadas e coletivamente, fazem dele um poderoso veículo para produção narrativa/literária. As quatro propriedade essenciais do ambiente digital para a criação literária, de acordo com Murray(2003) são: procedimentais, ou seja, com distinta capacidade de executar uma série de regras. O computador pode ser um atraente veículo para contar histórias, desde que possamos definir regras que sejam reconhecíveis como uma interpretação do mundo; participativos: Organização participativa, exibem comportamentos gerados a partir de regras, mas também por indução. Propriedade de representação primária: reconstituição codificada de respostas comportamentais, ambientes tanto procedimentais como participativos, traduzidos na interatividade; espaciais, capacidade de representar espaços navegáveis. Apenas os ambientes digitais apresentam um espaço pelo qual podemos mover. Navegação do interator pelo espaço virtual modelada; Enciclopédicos: É a característica mais promissora para a criação de narrativas. Toda representação está migrando para o formato eletrónico. Podemos conceber uma única e compreensível biblioteca global de pinturas, filmes, livros, jornais, programas de televisão etc. A capacidade enciclopédica possibilita um meio instigante para a arte narrativa. Oferece aos escritores a oportunidade de contar histórias a partir de múltiplas perspectivas privilegiadas e brindar o público com narrativas entrecruzadas. Permite o hipertexto e a simulação. Murray (2003), afirma que os atuais usos da narrativa exploram ao extremo as possibilidades digressivas do hipertexto e dos recursos da simulação similares ao dos jogos, num meio incunabular. Conforme a narrativa digital amadurece, a vastidão de associações ganha maior coerência e os jogos de combate dão espaço à representação de processos complexos, onde os espetadores participantes assumem papéis mais claros, e apreendem a se orientar nos complexos labirintos, a descortinar modelos interpretativos em universos simulados. Gaudenzi & Paz (2019), afirmam que não é surpresa que um meio associativo como a internet gere novas opções narrativas - a obra aberta e o cinema avant-garde do século 20 -que procuravam se libertar do autor único e da narrativa aristotélica- finalmente encontram um meio que os liberta: a Word Wide Web. Assim, as formas de criar, interpretar e de aceder histórias absorve novos contornos, surge um amplo espectro de obras que definem como “narrativas interativas” ou “narrativas imersivas”, por incorporarem a interatividade ou a imersão do espectador como princípio fundamental da estrutura narrativa.” Murray (2003) defini a “imersão” como um termo metafórico derivado da experiência física de estar submerso na água, envolvido na sensação de estar dentro de uma realidade completamente estranha, tão diferente quanto a água e o ar, que se apodera de toda a nossa atenção e de todo o nosso sistema sensorial.

Gaudenzi & Paz (2019), consideram que as narrativas imersivas são um fenómeno recente, no entanto, a disseminação das narrativas imersivas digitais aconteceu alguns anos antes das narrativas interativas. Terá acontecido a partir da comercialização de dispositivos, como os óculos adaptados para a visualização de vídeo em 360º graus ou de realidade virtual. Atualmente, estes dispositivos tornaram-se mais acessíveis e com melhor qualidade a nível da experiência do usuário. “Embora as obras de narrativas interativas e imersivas configurem dois campos distintos, quando observamos os seus bastidores, notamos uma série de interseções, estão situadas entre a produção audiovisual, o design e a programação” (Gaudenzi & Paz, 2019, p.15). Segundo os autores no campo das narrativas interativas digitais, não há um formato hegemónico, mas é possível identificar alguns formatos consolidados: interseção entre audiovisual, o design e programação numa colaboração interdisciplinar; obras híbridas com fertilidade criativa; transformação do espetador em interator com uma interface de manipulação direta com o banco de dados, várias linguagens disponibilizadas na interface com textos, vídeos , animações, gráficos e outros elementos visuais e sonoros; versão particular da narrativa com escolhas de navegação; e interatividade na interface da obra com design gráfico interativo.

Gaudenzi & Paz (2019), consideram ser importante três esclarecimentos sobre as narrativas interativas: primeiro, uma websérie de documentários disponibilizada por episódios no Youtube ou Vimeo não fazem parte deste universo, pois a interatividade não faz parte da interface da obra; segundo, os games também não fazem parte, pois estão inseridos num universo próprio e maior, com suas especificidades, práticas e propósitos; terceiro, apenas uma pequena minoria das obras é ficcional, por isso a maioria é classificado como documentário interativo, webdocumentário, I-doc, interactive factuals, documentário expandido, documentário transmídia (sejam baseados em websites, aplicativos ou mesmo instalações), gerando categorias, todas ainda em processo de reconhecimento. “O caráter incerto e mutante não fica restrito aos aspectos técnicos e mercadológicos das obras. As novas tecnologias aguçam a busca por possibilidades narrativas diferenciadas.” (Bauer, 2011, p.1).

Webdocumentário

Utilizaremos neste trabalho a terminologia wedocumentário por considerarmos que a junção destes dois termos representa bem a sua natureza, como género audiovisual que mescla características da internet e do género documentário. De acordo com Gaudenzi & Paz (2019) os webdocumentários encontram-se em processo de reconhecimento, em constante descobrimento criativo e experimentação.

O webdocumentário ou documentário interativo ou simplesmente webdoc, é uma nova forma de contar histórias pela internet que tem como ponto de partida a mistura de diferentes meios: textos, fotos, gráficos, áudios, vídeos e animações. O webdoc se aproveita da linguagem documental criada para o cinema e para a televisão e adaptada para internet. Acrescenta as capacidades de interação e participação típicas da internet e rompe com a linearidade da narrativa, já que o internauta pode escolher o que ver e em que ordem ver” (Bauer, 2018, p. 2)

Webdocumentário, por Sandra Gaudenzi.

Sandra Gaudenzi é uma das principais autoras de referência na investigação do género documentário interativo. Ela propõe uma definição e uma taxonomia do género. Gaudenzi (2013), afirma que embora os documentários interativos existam desde da década de 1980, a sua produção aumentou, drasticamente, com a explosão da Web, em conjunto com a Web 2.0 e sua natureza participativa. “O documentário digital interativo é um conceito que ainda não está claramente definido. O que está implícito na sua terminologia é uma interface interativa” (Gaudenzi, p. 26, 2013). Gaudenzi (2013) não considera o ato de interpretação como uma forma de interatividade na análise do webdocumentário. Ela afirma que no webdocumentário, o corte do documentário linear é substituído pelo hiperlink que cria um formulário que leva a outros vários formulários e a outros caminhos possíveis. Um cenário que permite a criação de significados e estabelecer uma cadeia fixa de eventos. Uma abertura para possibilidades no qual a intencionalidade do autor é substituída pelo diálogo com o usuário e pelas possibilidades que o sistema documental interativo oferece. O documentário interativo, assim, é um objeto relacional.

O documentário interativo não pode ser analisado de forma única composta por frames; na mídia interativa existem novas variáveis: código, interfaces, algoritmos e um usuário ativo. Essas variáveis estão conectadas de tal forma que influência um ao outro. Se uma linha de código mudar, a interface pode mudar para que as escolhas do usuário sejam afetadas e suas ações no documentário interativo também. O documentário interativo é, portanto, uma forma fluída, não fixa. É resultado de interconexões que são dinâmicas, em tempo real e adaptativo. Um documentário interativo como uma artefato independente e autônomo não existe. Está sempre relacionado com componentes heterogêneos.” (Gaudenzi, p. 6. 2013)

Gaudenzi (2013), afirma que a falta de terminologia precisa na investigação do novo género audiovisual, reflete a sua natureza complexa e inovadora que envolve novas ferramentas estéticas. A interação, na sua perspectiva de análise, é um conjunto de transformações que ocorrem nos componentes do artefato, como resultado da interação homem-máquina. A interação pode afetar componentes heterogêneos, nomeadamente, expansão do banco de dados por meio de conteúdo gerado pelo usuário, justaposição aleatória de imagens por meio de links algorítmicos que criam novas telas ou camadas de conteúdo. A interatividade é vista como nativa, como constitutiva do artefato digital. O usuário não está “observando” o artefato digital, não o “controla”, mas é transformado por ele. Esta visão de interatividade é inspirada na segunda ordem, loop de feedback positivo e acoplamento estrutural. (Gaudenzi, p. 7, 2013). Gaudenzi (2013) faz referência a teoria cibernética de segunda ordem que apresenta o paradigma científico da mudança no qual o mundo é compreendido como uma série de sistemas interconectados em relação constante entre si, organismos cognitivos vivos que na observação influência o sistema e ao mesmo tempo são influenciados pelo sistema. Uma circularidade que se sustenta num feedback mútuo. Lógica que se estende para artefatos interativos como os documentários interativos. A interação com eles é uma forma de relacionar e construir o nosso mundo, podem então ser compreendidos como entidades vivas. Assim, as noções e as fronteiras entre autor/ sujeito/ espectador são cada vez mais abertas.

Passar da mídia analógica para a digital, o debate sobre o papel do autor / observador/ cineasta vai um passo além. A interação proporcionada pela mídia digital turvou a distinção entre autor e usuário/ visualizador/ leitor/ jogador. É um exemplo das mudanças que a tecnologia/ técnica pode trazer para a nossa noção de criatividade e narrativa de que o documentário interativo é interessante. Podemos ver como o documentário interativo muda o status da narrativa: não é mais o autor que possui a narrativa do evento, do encontro, da sua expressão e a consequente experiência por parte do usuário. No documentário interativo, a apropriação da produção da narração é comunal: pertence a todos, autor, usuário, ambiente, infinito possível transformações, todas as causas que provo_ em uma palavra: pertence a complexa série de relações que forma o documentário interativo.” (Gaudenzi., p. 15, 2013)

No entanto, a autora considera que apesar de o usuário adquirir mais agenciamento do que no documentário linear, há pouco controle do resultado das suas ações, pois estas estão condicionadas pelas opções fornecidas pelo autor, pelas contribuições de outros usuários e às vezes por eventos externos ao próprio artefato. “Em cada etapa, ele avalia o resultado das suas ações no artefato. Mas, uma vez que o artefacto mudou, ele agora tem que restabelecer sua posição nele e por meio dele.” (Gaudenzi, p. 15, 2013). A partir do rastreio de várias formas emergentes de documentários interativos, Gaudenzi (2013) apresenta quatro modalidades de documentários interativos e sua classificação faz referência aos modos de representação do documentário, proposto por Bill Nichols. “Da mesma forma que Nicholas propôs os modos de representação, proponho o uso de modos de interação para ilustrar as maneiras que os autores interativos posicionaram os seus usuários e usaram tecnologias” (Gaudezin, p. 38, 2013). A classificação dos modos de interação de Gaudenzin aplica quatro tipos diferentes de feedback do usuário numa narrativa não linear:

A função exploratória (o usuário decide qual caminho seguir dentro do pré-definido, das opções). A função de role-playing (o usuário assume responsabilidade estratégica por um personagem em um mundo descrito pelo texto). A função configurativa (o usuário pode criar ou projetar parte da narrativa), A função poética (as ações do usuário, diálogo ou design são esteticamente motivadas” (Gaudenzi, apud Aerseth, 1994, p. 60)

Os modos de interação do usuário definem as modalidades do webdocumentário: o modo hipertexto, o modo conversação, o modo participativo e o modo experiencial. Apresentamos as principais características das modalidades apresentadas por Gaudezin (2013).

Modo conversação

No modo de conversação o usuário pode ter uma função de role-playing ou função configurativa. Não é o ponto de vista do autor que é apresentado, mas a interpretação e uso do espaço/ realidade criado pelo interator. Os autores, usam o computador como um simulador da realidade, escolhem o que pode ser “feito com a realidade” (virar, parar, tocar a parede etc..). Não há intervenção dos autores durante a narrativa que é vivida e criada em tempo real tanto pela máquina como pelo usuário. A intervenção deve parecer ilimitada, o usuário não deve sentir-se preso num sistema pré-definido e criado, como no Google Street View. O usuário deve se sentir livre para improvisar movimentos a qualquer momento. O software deve responder sem problemas a tais decisões. O modo conversação é inspirado por um tipo de interatividade que deseja reproduzir a interação entre dois seres humanos ou um humano num espaço físico. Há uma interação com um mundo, como uma conversa, aberta a possibilidades infinitas (impressão de um banco de dados infinito) e tanto o usuário quanto o ambiente reagem em tempo real (previsão limitada). A transformação que a interação pode provocar no artefato ainda está a ser debatida. O modo de conversação é um artefato digital que simula a realidade e que pode ter uma lógica de jogo. A maioria dos exemplos pertencem a categoria de “jogos”. Nos docu-games a “artificialidade” é dada segundo as regras e as configurações realizadas pelo designer de jogos, mas os fatos retratados são rigorosamente documentados e factuais. São considerados documentários interativos de conversação, somente aqueles que tentam simular a realidade através de um mundo 3D projetado, ainda controlado pelos seus autores (regras definidas no início). Alguns projetos apresentam uma imersão efetiva, ou seja, a experiência no espaço é realizada através da experiência em primeira pessoa, ao invés da transmissão da experiência de outra pessoa. Nele há uma experiência física onde o corpo interage como uma realidade virtual, o que pode ser visto como um híbrido entre uma conversa e uma lógica experiencial de interatividade, como o webdocumentário Fome em LA, America´s Army, um jogo concebido, produzido e distribuído como documentário. Ele pode funcionar como uma plataforma de recrutamento para que o usuário tenha a experiência de vivenciar e compreender a realidade da vida militar no campo de batalha com o webdocumentário Gone Gitmo (2007). O modelo conversação utiliza fatos documentados para simular um evento real e colocar o interator numa situação ou reencenação. A interatividade usada para questionar o sistema de crenças de alguém, ao invés de comunicar fatos. Enquanto controla a velocidade e as curvas, o usuário explora um espaço digital onde aqui as ações apenas desencadeiam o próximo espaço digital na tela. O usuário não desencadeia a narrativa, mas o encontro de todos os atuantes (usuário, autor, tecnologia, código, plataforma, interface, etc) do artefato em determinado momento. O autor tem o papel de “criador do mundo”, com regras próprias e “coisas que podem ser feitas”, pode ser explorado e posto em prática, o autor é um narrador. Quando o mundo também pode ser gerado pelos usuários (função configurativa), o autor torna-se um facilitador e um iniciador. Nesse modo, o usuário ou jogador está num ambiente de simulação digital, reencena a realidade ou cria cenários que parecem ilimitados para o usuário.

Modo modo hipertexto

No modo hipertexto a natureza ponto a ponto da computação é transparente: cada clique do usuário direciona ao local predeterminado. Cada hipertexto usa um hiperlink para saltar para uma nova tela. A lógica de interação tem a sua origem histórica na visão de o computador como uma máquina que responde a uma pergunta precisa, como a máquina de Turing. Prevalece a lógica algorítmica de interação computacional no qual não há espaço para o inesperado, o efeito de interação humano-computador. O usuário é apenas um gatilho, a máquina pode ser vista como o principal atuante na transformação do artefato. O ambiente não é imprevisível, é explorável. Ao clicar em uma palavra, ao mover o rato, o usuário percorre entre as várias opções predefinidas. A lógica da escolha é consciente, o software vincula ativos criados pelo autor que disponibiliza um banco de dados e o usuário escolhe as rotas. A realidade não é mais uma cocriação entre autor e usuários, mas um conjunto de possibilidades onde o usuário é um convidado, em vez de participante. Nos Webdocumentários de hipertexto é essencial uma narrativa interessante ou um tópico bem definido para o usuário explorar. A liberdade de ação é menos significativa. Há um baixo nível de agência que ainda contribui para uma experiência satisfatória. O que pode permitir que o usuário se concentre no conteúdo sem se distrair excessivamente com a navegação. O modo de hipertexto tem sido muito popular e uma infinidade de projetos de hipertexto foram produzidos. Há uma estrutura ramificada, uma sensação de liberdade para o usuário, no entanto, pode-se apenas progredir ao longo da trajetória da narrativa. Todos os projetos têm em comum a tentativa de retratar uma realidade factual por meio de um arquivo pesquisável ou banco de dados. O banco de dados está fechado- não é extensível pelo autor ou pelo usuário. A exploração do banco de dados é o hipertexto- uma palavra, um desenho, uma imagem em movimento- que redireciona o usuário para a continuação da realidade a ser explorada. Há um baixo nível de interatividade. O papel do autor é imaginar narrativas ramificadas e regras de circulação dentro de um banco de dados de texto definido (lexias, vídeos, fotos, etc). O autor não é um facilitador, mas um narrador que estabelece níveis de escolhas dentro de uma estrutura narrativa fechada. O modo hipertexto não dá nenhuma garantia de chegar ao destino ou de ter uma viagem interessante. A viagem é a parte mais importante da experiência. Assim o usuário pode apenas explorar e escolher dentro de um número fechado de opções pré-determinadas. Como o nosso mundo, é pré-determinado, embora cheio de opções, o nosso poder está em escolher o nosso caminho e não criar ou mudar esse mundo. Alguns exemplos de modo são: Diamond Road Online(2008), TheBig Issue: a Web Documentários da sobre a epidemia de obesidade (2009), Brèves de Trottoirs (2010) e Moss Landign que é provavelmente a primeira peça de produção digital a ser oficialmente chamada de documentário interativo.

Modo participativo

No modo participativo o banco de dados em evolução é expansível porque o conteúdo pode ser adicionado por usuários e autores. Há uma lógica de exploração do hipertexto. O banco de dados é expansível porque o conteúdo pode ser adicionado por usuários e autores. O autor decide as ferramentas e as regras, e estabelece a primeira camada da estrutura, mas há espaço para colaboração e expansão. A função do usuário é exploratória e configurativa. O usuário primeiro navega e a seguir pode escolher adicionar conteúdo. O autor torna-se um designer de banco de dados que define as regras e as modalidades de participação. Este modo foi uma primeira tentativa de abrir o banco de dados, aceitando influências externas para criar um mundo/ banco de dados mais dinâmico. Este modo estabelece um documentário em evolução, com o potencial transformador da interatividade, pois o artefacto muda à medida que novos elementos são acrescentados na sua estrutura, como no webdocumentário Global lives (2009). A interação participativa pressupõe que o interator pode adicionar, alterar ou circular conteúdo e, portanto, transformar o próprio artefato. A Web é utilizada não só para adicionar conteúdo, mas para que o usuário participe da edição e da produção do artefato. A relação é de um para um, da interação humano-computador, embora o resultado seja colaborativo, a experiência do usuário não é, sua ação não é sobre selecionar caminhos (como no modo de hipertexto) ou simular situações (como no modo de conversação), mas contribuir para uma constante evolução do banco de dados. A metáfora que melhor representaria o modo participativo é o de construir. O autor atua como um facilitador e, às vezes, um controlador de jogo. A troca e a conversa existem, mas nem sempre em tempo real. Os usuários podem navegar pela lógica exploratória do hipertexto, depois decidem se desejam participar com a anexação de conteúdo. Caso encerre o tráfego e não haja participação, tornam-se objetos congelados ou mortos.

Modo experiencial

O modo experiencial utiliza a tecnologia portátil conectada a rede sem fio, o que permite acesso e criação de conteúdo de qualquer lugar, com um sistema global de posicionamento (GPS). A mídia locativa surge como uma tecnologia que usa dispositivos no espaço físico e que permite que a interatividade aconteça num ambiente físico e aberto. A interatividade é vista como o ciclo de feedback bidirecional que permite que o sistema e o ambiente interajam um com o outro. Cria-se um espaço dinâmico, um espaço de transformação, resultante da mediação da computação interativa e a relação com um ambiente físico. O modo experiencial tem a peculiaridade de adicionar camadas de dados para o espaço físico, um espaço híbrido, dinâmico, um espaço de experiência afetiva. Quando um ambiente físico é mediado por um documentário locativo, novas restrições e novas possibilidades são adicionadas à relação participante-ambiente. Há um efeito transformador bidirecional da experiência documentário que podemos observar como caraterístico desta forma. O participante acede ao conteúdo vinculado a um espaço, à medida que caminha por ele. Documentários vivenciais não precisam de ser participativos. Se o participante aceder ao conteúdo vinculado a um espaço no qual caminha , mas não adiciona conteúdo a tal banco de dados, o projeto ainda deve ser considerado experiencial. O usuário explora um espaço (função exploratória), desempenha um personagem (função rolly-play), participa e adiciona conteúdo ao sistema (função configurativa) e pode ter uma jornada com motivação estética (função poética). O autor tem o papel de projetar experiência dinâmica, projetar o significado por meio da interação com um mundo em camadas. Há um espaço de experiência afetiva, no qual a realidade sentida é mais do que aquilo que é captado pelos nossos sentidos. É um estado de transição, o resultado de uma complexa relação dinâmica entre habilidades físicas, culturais, diferentes níveis de compreensão do espaço e do tempo resultante da relação em constante mudança entre o ambiente e o indivíduo. No ambiente-físico mediado por um documentário locativo é adicionado novas possibilidades e restrições à relação participante-ambiente. A interação tem um efeito transformador, pois permite uma experiência diferente entre o espaço físico e participante, mas não muda o artefato em si. A informação agregada é adicionada de forma efêmera, pois dura o tempo da experiência do usuário. Como exemplo deste modo temos o webdocumentário Rider Spoke (2007).

Webdocumentário, por Gifreu.

Gifreu (2013), na sua investigação intitulada “O documentário interativo como Novo Género Documental”, afirma que o documentário interativo tem características próprias e especificas.

Estamos en condiciones de definir los documentales interactivos como obras interactivas en línea o fuera de línea, realizadas con la intención de representar, documentar y construir la realidad con los mecanismos propios de los documentales convencionales - las modalidades de representación -, y otros nuevos que llamaremos modalidades de navegación y de interacción, en función del grado de participación e interacción que contemplen. Se trata de un género emergente, el cual se enmarca en un formato en parte virgen, pendiente de exploración y de delimitación, y fruto de una doble hibridación: entre audiovisual - género documental - e interacción - medio digital interactivo -, y entre información - contenidos - y entretenimiento - interfaz navegable -. Los documentales interactivos pretenden documentar, representar a la vez interactuar con la realidad, lo que conlleva la consideración y la utilización de un conjunto de técnicas o modos para hacerlo (modalidades de navegación e interacción), los cuales se convierten, en esta nueva forma de comunicación, en el elemento clave para alcanzar los objetivos del documental. ( Gifreu, p. 330, 2013).

A partir da proposta de Gaudenzi (2012) desenvolve a sua taxonomia de género, define critérios e condições para que as obras sejam consideradas como um webdocumentário. Gifreu (2013) apresenta uma proposta tripla para a classificação dos documentários interativos, ou seja, a partir de três pontos de vista: do conteúdo do documentário (temática), da parte interativa (a experiência do interator) e da plataforma que suporta e contém a interface. O autor compreender que esta triplice classificação, entendida como autor- texto- receptor, a utilizar nomenclatura de Nichols, permite delimitar de forma clara e concisa a natureza de cada documentário interativo. Apresentamos a classificação tríplice do género documentário interativo proposta por Gifreu (2013), nomeadamente, classificação temática, classificação função do suporte e da plataforma e classificação experiência do usuário (duas propostas).

Classificação temática

Na classificação temática Gifreu (2013) define quatro categorias temáticas abordadas no desenvolvimento dos webdocumentários, nomeadamente; ecológico e meio ambiente, no qual predomina o interesse pelas mudanças climáticas, o esgotamento dos recursos naturais do planeta e conscientização social; Guerra e conflitos, ligado à crítica e denúncia sobre a violência dos direitos humanos. A abordar diferentes conflitos em diferentes países; Cultura urbana: ações, problemáticas e diversas dinâmicas; Narrativas pessoais, autores que reivindicam a voz da própria narrativa no qual o autor oferece limites marcados entre autor-leitor.

Classificação em função do suporte e da plataforma.

Na classificação em função do suporte e da plataforma temos; CD-DVD ROM: documentário interativo desenvolvidos a partir de suportes ópticos; Instalação: concebido para ser exibido por meio de uma instalação interativa; TV/ Cinema: um documentário interativo criado para complementar um documentário linear; Web: documentário criado para ser navegado através da web; Móvel (aplicações moveis): um documentário interativo criado para dispositivos móveis como android, iPhone, Ipad e outros sistemas operativos baseados em aplicações; Multiplataforma, um documentário interativo criado para diferentes suportes, numa combinação de categorias: tv, aplicação, cd-dvd rom, web ou instalação.

Classificação da experiência do usuário (duas propostas)

Gifreu (2013) apresenta duas propostas de classificação da experiência do usuário no documentário interativo. A primeira proposta estabelece a seguinte classificação: narrativa ramificada que requer a intervenção do usuário em forma de opções. Há bifurcações e a construção de espaços onde o internauta entra para descobrir o conteúdo, não há um início e um fim, o internauta define o percurso da experiência; colaboração, o documentário interativo cresce e muda através do envio de conteúdo por parte do usuário, portanto há uma retroalimentação, no qual os usuários enviam arquivos de vídeo, texto, fotografias e áudio; Jogo, muitas vezes integrada às outras formas de documentário interativo, no qual há uma série de desafios e perguntas a serem resolvidas, com um certo número de sequência; Geolocalização, nele o documentário interativo integra histórias e informação num mapa real. Os internautas navegam através de uma URL, através de aplicações de localização; Mosaico, no sentido de “ordenar e buscar”, estabelecido por um mosaico de clips que podem ser lidos e ordenados em função de uma série de etiquetas predeterminadas e temas, há uma visão geral de todas as opções deste o início; Linear de tempo de navegação (cronologia navegável), construído em linhas de tempo diferentes, apesar dos desvios e bifurcações, há um guião predeterminado que guia o internauta desde o princípio determinado a um ponto final definitivo, embora não pareça.

A segunda proposta de Gifreu (2013) de classificação da experiência do usuário no documentário interativo apresenta vários modos de interação, são elas: modalidade de navegação dividida no qual há a metáfora gráfica de sequência gráfica ordenada por eixos temáticos principais do documentário audiovisual. Submodalidades: tópicos, capítulos, sequências, histórias e tópicos; modo de navegação temporário estrutura-se a partir da metáfora gráfica do eixo cronológico. Submodalidades: séculos, décadas, anos, meses, dias, datas, eventos e períodos; modo de navegação espacial na metáfora gráfica da recriação digital de uma cena física descrita ou que esteja relacionado a um contexto e/ ou tema do documentário, com as submodalidades: mapa estatístico, mama gráfico, mapa geográfico e fotografias; modo de navegação testemunho com a metáfora gráfica do desenho de personagens, com as submodalidades: vídeo/ áudio dos personagens e vídeo/ áudio dos entrevistados participantes; modo de navegação ramificado numa metáfora do esquema multi-desenvolvido que inicia automaticamente a narração e, em certo ponto para, e o usuário deve obrigatoriamente escolher uma ramificação. Submodalidades: escolha a opção; modo de navegação de hipertexto: metáfora que segue o esquema clássico do esqueleto de hipertexto. Conteúdo interligado através de nós, links e âncoras. Submodalidades: esquema de hipertexto baseado em nós e links; modo de navegação preferencial: metáfora do conjunto de quadros vazios que são preenchidos e solicitados com o percurso de navegação escolhido pelo usuário. Submodalidades: arraste a mídia em áreas específicas, adicionar e excluir botões; modo de navegação audiovisual: metáfora na forma de barra de navegação em parte inferior do vídeo ou botões separados em algum lugar da interface no qual ativamos as diferentes partes. Submodalidades: vídeo e áudio, animação e áudio, animação com vídeo e áudio, fotografia e áudio; modo de navegação de som, com metáfora na forma de reprodutor de música ou webcast de áudio. Submodalidades: áudio e música; modo de navegação imersiva simulada com a metáfora baseada nos parâmetros de simulação e imersão dos videogames, a recriar uma situação real, com o máximo de realismo para uma imersão quase total. Submodalidades: simulação e jogo interativo; interação com aplicativos 2.0; metáfora da participação do interator no sistema de forma que contribua com seu ponto de vista e que utiliza outras plataformas para comunicar com o interativo. Submodalidades: ferramentas de conexão e incorporação 2.0; interação gerativa: o usuário-interagente atua como um remetente de conteúdo e o diretor com um filtro de qualidade. Submodalidades: adicionar conteúdo para o sistema, mecanismos de pesquisa do media em equipamentos de informática.

Gifreu (2013), afirma que os documentários interativos mais produzidos são os que utilizam a web como suporte com estrutura de mosaico, com linha de tempo navegável (explícita ou implícita), os que abordam a temática da ecologia, a guerra, a vida das grandes cidades e as histórias pessoais.

La estructura del interactivo puede partir de una o de diferentes perspectivas, y puede terminar en un punto determinado para el autor, pero también admite una estructura multidesarrollo, que contemple diferentes recorridos y desenlaces. La idea final consistiría en complementar, expandir y amplificar la experiencia documental ofreciendo nuevos sistemas de percepción en la experiencia inmersiva del interactor en el medio digital interactivo. (Gifreu, p.300, 2013).

Webdocumentário, por Kate Nash.

Nash (2021) questiona o que pode significar abordar o documentário interativo como documentário, ou seja, a reivindicação de algum tipo de continuidade com a ideia de documentário, pois para alguns estudiosos, como Sandra Gaudenzi (2013) há no documentário interativo a reivindicação descontinuidade “um algo mais” que é distintivo do documentário linear como extensão do domínio digital, em virtude de sua materialidade, capacidade de resposta e extensão espacial. Nash (2021) considera que em alguns projetos webdocumentais é evidente um grau de continuidade formal, estética ou funcional, como por exemplo os formados em bancos de dados audiovisuais e trabalhos em vídeo 360 graus. No entanto, quando se trata de outros projetos, em graus variados, como por exemplo os webdocs que convidam o utilizador a participar de uma “conversa” com uma inteligência artificial, pode-se ampliar as noções sobre documentário. “Para abordar o documentário interativo como documentário também é necessário reconhecer seu hibridismo. O hibridismo nos estudos dos media descreve várias formas de fusão ao nível de textos e representações, cultura e operação de sistemas dos media (entre outras coisas)” (Nash, pag.19, 2021). No que se refere as dimensões da interatividade, Nash (2021) compreende estas como fluída, indeterminada e relacional. O documentário interativo representa uma chave, ainda que frágil, mas altamente experimental, num campo que explora a ideia de documentário à luz das tecnologias e culturas digitais. “A proliferação de neologismos- Idocs, docmedia, web-docs, docu-jogos, transmídia e edocs imersivas-Give, indica o momento deste campo nascente. No entanto, seria prematuro reivindicar uma revolução na prática documental.” (Nash, p. 14, 2021). Nash (2021) afirma que o documentário interativo continua a ser um nicho na produção dos media, sendo importante para compreensão das novas possibilidades formais que convidam novos modos de contar histórias ou como ferramentas, para resistir ao encerramento da narrativa que responde ao desejo pelo imediatismo e ao conhecimento direto que está a levar à exploração de tecnologias imersivas. Sendo necessário reconhecer o hibridismo do documentário interativo ligado aos media digitais num conceito de remediação, com práticas de empréstimos, remodelação dos velhos medias no meio digital e na ideia de convergência de tecnologias e funções. No seu livro Interactive Documentary, Nash (2021) explora o banco de dados como forma cultural que serve de ponto fulcral para o estudo do documentário interativo.

Bancos de dados não são inerentemente narrativos, nem não-narrativos: eles podem ser feitos para contar histórias, chamando mais ou menos atenção para as contingências e limites da narrativa como forma de engajar a realidade; podem ser organizados como arquivos que reprisam um desejo documental de capturar e categorizar evidências a serviço de uma visão singular; eles fornecem maneiras de revelar complexidades e questionar o conhecimento; e fomentam reflexões afetivas, estéticas e caminhos experienciais para o conhecimento. Essas são as muitas maneiras pelas quais o espaço de possibilidades do documentário de banco de dados pode ser estruturado de modo a facilitar as nossas performances (busca, arranjo, seleção e recombinação) e nossos engajamentos interpretativos. Assim como a ideia de banco de dados não é singular, também não é estática. (Nash, pág.37, 2021)

Delimita-se dois desejos-chave do banco de dados- o desejo de escapar da narrativa como modo dominante de organização do documentário e a partir disso, o desejo de fomentar a polivocalidade, ou seja, um espaço no qual múltiplas vozes possam falar. Ambos os desejos teriam raízes profundas na história e na prática documental, e ambos foram moldados por um senso das possibilidades do banco de dados como uma forma de mídia digital.

A capacidade de acumular grandes quantidades de informações, as possibilidades combinatórias de ações do usuário e processos computacionais, e as diversas maneiras pelas quais as informações podem ser estruturadas, caraterizam o banco de dados como forma cultural, o banco de dados sugere a possibilidade de podermos reorganizar a nossa experiência com o mundo, extraindo conexões múltiplas e contingentes e diferentes perspectivas, desafiando a própria ideia de singularidade, coerência e totalidade, e fomentando formas de desfamiliarização. (Nash, pág. 19, 2021).

Nash (2021), afirma que o banco de dados com suas complexidades, disjunções e contingências parece estar numa posição única de representar a experiência contemporânea. Ao revelar os elementos a partir dos quais as narrativas são construídas, desperta a consciência da contingência de toda a narrativa e da difusão das convenções narrativas, com potencial radical e a capacidade de chamar a atenção não apenas para o funcionamento ideológico da narrativa, mas por possuir a virtude de uma reflexividade inerente da sua operação ideológica. “Sugiro que o banco de dados como ideia desempenhou um papel importante como catalisador para a exploração da forma documental não narrativa.” (Nash, pág.20, 2021). O banco de dados como forma cultural computacional tem assim um impacto significativo nos documentaristas interativos, embora os documentários de banco de dados assumam diferentes formas. “O banco de dados, sua maleabilidade, sua não linearidade e seu potencial aleatório, tem sido explorado (em graus variados) como uma forma informacional que resiste ás formas de fechamento da narrativa.” (Nash, pag. 33, 2021). Adequada a engajamentos polivocais com a realidade, como uma lógica comunicativa, desafia o domínio da narrativa e reformula a epistemologia documental, em Nash (2021) os bancos de dados funcionam como catalisadores para a exploração da forma documental não narrativa. O autor apresenta uma série de modos comuns de organização do banco de dados de documentários interativos e sugere nove categorias de banco de dados como uma forma navegável e fechada, nomeadamente: banco de dados narrativos; banco de dados como narrativa mais arquivo; banco de dados narrativas de caminhos bifurcados; narrativas paralelas; narrativa modular; documentários de banco de dados não narrativos; bancos de dados categóricos; banco de dados do mosaico; banco de dados poético.

Bancos de dados narrativos

Há três lógicas amplas no banco de dados narrativos: uma lógica de acumulação que serve para o engajamento do usuário com o mundo da história; uma lógica de proliferação da narrativa que podem destacar contingências e possibilidades alternativas, mas também podem apresentar uma série de histórias que convidam a comparar ou se transformam em uma declaração coletiva; uma lógica de narrativas modulares que envolvem o usuário na tarefa de construir uma ordem narrativa por meio da interação e evidência o efeito da fragilidade da narrativa.

Banco de dados como narrativa mais arquivo

Documentários de banco de dados em que a narrativa permanece dominante e o banco de dados serve como forma de reforço da narrativa por meio de uma lógica de acumulação. A narrativa pode se desdobrar em atos organizados cronologicamente, a documentar uma jornada pela prática de criação de imagens. Estabelece uma estrutura multinível, na qual cada fragmento é autocontido, há um mapa de fluxo que permite ao usuário ver as conexões entre cada ato e as informações contextuais, geográficas e visuais. A capacidade de acumular elementos documentais permite ao usuário explorar mais profundamente o mundo da história. A medida que o filme passa, o usuário desbloqueia elementos. O banco de dados serve para estender o mundo da história, fornecendo aos usuários uma teia que carrega significado afetivo, retórico ou narrativo.

Banco de dados com narrativas de caminhos bifurcados

Caminhos que se bifurcam, as narrativas de caminhos bifurcados fornecem um ou mais pontos de decisão que expandem a narrativa para criar uma ou mais histórias paralelas.

Narrativas paralelas

Documentários interativos de banco de dados também podem ser estruturados como narrativas paralelas no qual duas ou mais histórias são apresentadas lado a lado. À conexão espaço-temporal ou causal e/ ou ao desenvolvimento do personagem, tende a reforçar as expectativas narrativas. Elas apontam para o desejo de polivocalidade e são, frequentemente, usadas para chamar atenção para as perspectivas contrastantes. Podem ser estruturadas de várias maneiras, e alguns casos, podem funcionar coletivamente para reforçar um argumento documental singular.

Banco de dados com Narrativa modular

Caracteriza-se pela introdução de uma disjunção entre a temporalidade dos acontecimentos narrativos e a ordem de apresentação. Série de narrativas desarticuladas, muitas vezes organizadas de maneira radicalmente acronológica. Ao quebrar a narrativa em pequenas unidades que podem ser reconfiguradas em ordens distintas, convidam a uma reflexão sobre as relações temporais entre elementos e possibilidades em uma série singular de eventos. As narrativas modulares têm sido frequentemente usadas em documentários interativos para registar as fragilidades da memória. Chama a atenção para as fragilidades e inadequações da narrativa como forma de envolver as realidades. Exemplo: documentário interativo autobiográfico.

Documentários de banco de dados não narrativos

Projetos documentais no qual o banco de dados resiste à fácil compreensão, priorizando a complexidade e a incerteza epistêmica.

Bancos de dados categóricos

Procuram organizar elementos numa série de “categorias”. Embora possam incluir “micronarrativas”, a sua organização geral é “tópica e não narrativa”. A base de dados presta-se à organização categórica. A estrutura categórica pode ser construída em torno de uma lista de elementos e temas. O projeto é participativo, a destacar e/ ou enquadrar as relações entre as contribuições dos participantes. A base de dados permanece aberta a contribuições futuras, convida a vários modos de engajamento. Há um efeito expositivo que é reforçado pela estrutura categórica da base de dados.

Banco de dados do mosaico

A partir da noção de Nichols (1978) do mosaico documental, no qual há a representação da realidade como uma teia de elementos, influências e padrões interconectados e a chamar a atenção para as complexidades das questões sociais. O documentário interativo com banco de dados em forma de mosaico é constituído por múltiplos elementos, vinculados a um quadro conceptual geral. Há uma interface que destaca a ambição de mosaico com várias miniaturas formando o projeto. Evita estruturas hierárquicas, caminhos preestabelecidos, em forma de rizoma com conexões omnidirecionais que são formadas e reformadas. Desejo de polivocalidade, expressa na prioridade dada à multiplicidade e à compreensão coletiva no convite à exploração.

Banco de dados poético

Exploração formal e estética que pode ser descrita como “poética” em seu efeito. A partir da noção do documentário poético desenvolvida com Nichols (2010: 162) esta forma está intimamente alinhada com a vanguarda modernista, com fragmentação, justaposição e exploração do ritmo visual, humor, tom e afeto em detrimento do realismo representacional. Uma abordagem que prioriza modos de compreensão como sensorial e experiencial, um envolvimento com a realidade. Para muitos documentaristas interativos o potencial aleatório da computação e negação da narrativa estão ligados a um impulso poético.

Conclusão

O webdocumentário nasce no meio de uma revolução tecnológica que não só transforma a produção e a concepção das artes e dos media, mas, sobretudo a forma de comunicar, de compreender e de observar o mundo. A utilização da internet, sobretudo dos dispositivos móveis ligado à Internet, têm provocado profundas transformações, a um ritmo acelerado, na produção audiovisual mundial. Surgem novos canais de comunicação e novos atores nesse novo cenário midiático no qual as fronteiras são menos perceptíveis produtores e receptores. O público, antes resignado ao papel de expectador, torna-se produtor de conteúdo. Ele comenta, filma, grava, faz transmissões em direto em escala internacional com um simples telemóvel e ligação a rede mundial de computadores. A concepção de recursos interativos e novas tecnologias de fácil manuseio permite uma maior interação e participação na concepção de conteúdos audiovisuais. O público deseja participar, intervir e ser reconhecido. O século XXI é marcado por uma cultura participativa e de compartilhamento no qual a hegemonia das grandes empresas de comunicação já não é a mesma e os usuários da web ocupam a concorrência da audiência. Todos os dias centenas e milhares de vídeos são produzidos e partilhados em rede, a sociedade torna-se mais imagética, com dispositivos eletrônicos onipresentes conectados a rede. Neste cenário, a produção documental não passa à margem, obviamente, sofre a influência destas transformações e se reinventa, experiencia diferentes maneiras de conceber , projetar e distribuir as obras documentais. A expressão deste novo género, manifesta também a capacidade inovadora da produção dos documentaristas de: fazer uso de novos recursos tecnológicos; incorporar outras dinâmicas de produção cultural; permitir a abertura das sua obras para incorporar outras possibilidades de interação; romper limites para uma experiência ampla e coletiva de realização de conteúdo. O webdocumentário pode ser concebido com poucos recursos, a partir das mais variadas plataformas digitais e com um nível de alcance mundial. Cada vez mais desenvolvido por grandes empresas de comunicação, institutos de investigação e documentaristas, mas ainda pouco conhecido e explorado pelo grande público, este novo género representa também uma possibilidade de maior equidade, do ponto de vista da realização e da distribuição audiovisual. Do ponto de vista artístico, tendo em conta os seus mais variados modos de interação, apresenta, sem dúvida, uma inovação na relação entre obra, realidade, representação, realizador e público/usuário.

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