One film, three visions

António Costa

Lusófona University

School of Communication, Architecture, Arts and Information Technologies

Abstract

The experiment of «One film, three visions» is a research essay which explores in an empirical methodology the role of the cinematographer in narrative cinema. The exercise is based on the poem Déjeuner du Matin by Jacques Prévert. The film is shot in three times, with the same director, same script, same actors, same set, same crew and with the same editor. The only difference between the three films is the cinematographer. Each film is shot by a different cinematographer. Each film is three minutes long.
This study observes in practice the subject of authorship and the contribution of the cinematographer to narrative cinema. Not only centered about authorship but also adds the question of audience perception. The use of different sets of lighting, the different setups of camera angles and much more leads audiences to have a different perception from each of the films. The interpretation given by each cinematographer in terms of lighting, composition and camera movement has certainly a direct impact on audience perception in terms of mood and sensations.

Keywords: Authorship, Cinematography, Perception, Theory, Production, Film

O ponto de partida: Qual a influência da direção de fotografia na perceção e na narrativa cinematográfica?

De início o cinema era apenas um registo documental fotográfico. A Câmara colocada num tripé em posição fixa limitava-se a registar um ponto de vista filmando a uma média de dezasseis fotogramas/fotografias por segundo. Depois de revelado essas imagens eram projetadas na mesma cadeia dando-nos assim a sensação de imagem em movimento. Por detrás da génese do cinema, nestes tempos iniciais, estavam fotógrafos que hoje conhecemos como operadores de câmara que manipulavam a manivela ao mesmo tempo que enquadravam. Portanto é na câmara e na imagem fotográfica que está a alma do cinema. Com o tempo o cinema progrediu, a câmara sai da sua posição estática e documental, evoluindo com a aplicação de novas técnicas, nomeadamente a diferenciação na escala de planos, câmara em movimento, técnicas de montagem e cerca de 30 anos depois da invenção do cinema surgiu o cinema sonoro.

Com o evoluir da indústria e a maior complexidade das produções foi necessário dividir tarefas e é quando surge a figura do realizador, que em princípio era o produtor/realizador que organizava a ordem das filmagens, que supervisionava o acompanhamento adequado do guião, orientava os atores na cena, deixando assim desta forma as tarefas de câmara para o operador. Daí o operador ocupar exclusivamente de questões essencialmente de ordem técnica. Como o registo de imagem, manutenção da câmara e também revelação do negativo, que viria a partir de uma determinada altura a ser exclusivamente tarefa de laboratórios especializados, em particular quando o volume de negativo aumentou consideravelmente na primeira década dos seculo XX.

As equipas tornaram-se cada vez maiores. Do operador isolado com tripé e uma câmara houve necessidade de aumentar a equipa com assistente de câmara para se ocupar essencialmente do equipamento e da correção de foco. Outros ajudantes foram também introduzidos para se ocuparem dos projetores de iluminação fazendo crescer a equipa de imagem tendo o diretor de fotografia no topo da hierarquia. A utilização de luz artificial foi uma necessidade técnica dado à baixa sensibilidade da película, mas também se percebeu muito rapidamente que a utilização da luz artificial viria enriquecer a imagem no domínio estético e viria a dar um contributo muito importante. É atribuído a Billy Bitzer o diretor de fotografia americano que assinou com D.W. Griffith filmes icónicos como «The Birth of a Nation» o uso do contraluz. Com esta posicionamento da luz a incidir pelas costas permitiu destacar os personagens do fundo e criar assim profundidade e tridimensionalidade à imagem. Iniciaria aqui a utilização da luz com intenção gráfica e pictórica.

Permitiu também entender que com criteriosa opções de posicionamento e direção de luz, que seria possível criar ambientes que ajudariam a desenvolver a representação dos personagens ao enredo. Justamente também se pode referir a importância dos cenários, olhando ao exemplo da combinação de iluminação com o desenho dos decores de cena nos filmes durante o período do expressionismo alemão.

A operação de câmara também se torna criativa sendo utilizada de forma intencional a fim de criar um sentido que se note em particular no filme «The Last Laugh» 1924 de F.W. Murnau em que o diretor de fotografia Karl Freund cria ambientes adequados ao sentimento do protagonista do filme incluindo o uso da câmara à mão para simular a bebedeira do personagem.

Com a evolução técnica da captura de imagem, levou a direção de fotografia a evoluir para outros domínios que até uma determinada altura não seriam possíveis. Nos primórdios a técnica de registo era ainda muito insípida dado à fraca sensibilidade da película em registar a imagem o que obrigava aos operadores a ter como fator principal do seu trabalho o cuidado de expor o negativo corretamente. Mas com as melhorias técnicas com emulsões de negativo mais sensíveis, melhores óticas, permitiu ao operador de câmara libertar-se e poder através da utilização da luz enriquecer a narrativa do filme, dando-lhe volumetria, emoção e essencialmente qualidade estética.

Mesmo em situações de pobreza técnica a preocupação estética esteve sempre presente. No filme italiano feito durante o período dos cenários épicos e gigantescos o realizador Giovanni Pastrone, «Cabiria» (1914) que foi fotografado em parte por Segundo de Chomón tem cenas em tons de azul e amarelo para transmitir ao espetador um determinado ambiente na intenção de representar frieza ou harmonia. Havia o intuito de criar no espetador sensações através da cor e do ambiente do filme. Mas não só. No domínio do movimento de câmara no mesmo filme é introduzido o travelling lateral e frontal. Movimento que eria sido sem sucesso patenteado pelo realizador. Consta que nos meios profissionais quando necessitavam de se referir a este movimento lhe chamavam «Plano Cabiria». A criação de emoções através da imagem é desenvolvida claramente nas décadas seguintes acompanhadas obviamente da evolução técnica e de uma maior consciência artística na abordagem aos filmes. Como também de uma maior abertura por parte dos realizadores a estéticas mais arrojadas. James Wong influente diretor de fotografia nos anos 30 e 40 referia-se ao facto de nos primeiras anos o importante seria obter uma correta exposição nos atores, mas que no seu tempo a iluminação tinha uma função primordial na criação de uma emoção visual totalmente essencial para o filme e perceção do espetador.

O movimento de câmara é uma das componentes essenciais à narrativa cinematográfica. Quer o realizador, quer o diretor de fotografia utilizam-na para dramatizar ou sublinhar. Por exemplo um dos movimentos mais comuns que se utilizam no cinema narrativo é o denominado «push in» que se pode considerar ser «plano Cabiria» mencionado acima neste texto. Trata-se da aproximação da câmara a um personagem. Em muitos casos uma aproximação de câmara até se obter um grande plano ou de afastamento. Este movimento tem particular significado numa determinada narrativa. Por exemplo no filme de Steven Spielberg, «Saving Private Ryan» no início do filme o personagem principal visita o cemitério de combatentes americanos e ajoelha-se de frente de uma das campas. A câmara aproxima-se lentamente em travelling até fechar num grande plano nos olhos do personagem levando o espetador à sua memória. No plano seguinte entra-se no flasback da invasão aliada na Normandia no dia 6 de junho de 1944.

Noël Carrol refere-se a imagens verbais (verbal images) como fazer todo o sentido para a construção da obra narrativa e daí ele afirmar «o pensamento gerado por imagens verbais é uma forma específica cognitiva para criar metáforas» através das diversas técnicas de filmagem é possível criar metáforas que se encaixam num determinado enredo que permite que incute ao espetador um reflexão interna que ajuda a dar significado ao enredo que se está a assistir. «Notamos que as imagens verbais podem ser propostas por todos os canais de articulação disponíveis para o meio, incluindo encenação, iluminação, cenografia, posicionamento de câmara, angulação de movimento e edição, efeitos especiais e organização narrativa geral» (Carrol, 1996). Partindo deste princípio em que movimentos de câmara dão significado e que motivam o ato de interpretação percetiva então provavelmente poderíamos denominar certos movimentos de câmara, tal como o «push-in» de Movimentos Verbais, «verbal movement». Portanto a comunicação cinemática de extrema importância no cinema narrativo.

A iluminação é o controlo deliberado da luz e das sombras. É na composição das duas naturezas que o diretor de fotografia irá exprimir aplicando-a para a criação de um determinado ambiente adequada à trama do filme. Vittorio Storaro («Ultimo Imperador» 1987; «Apocalipse Now» 1979), define a fotografia cinematográfica como ‘escrever com luz’. Acrescenta que o diretor de fotografia não é um mero executante técnico porque a opção do enquadramento e da posicionamento das luzes para a criação de um determinada fotografia é um ato individual, de natureza pessoal e daí um ato artístico, uma expressão única. Não se trata apenas de executar uma determinada orientação do realizador, mas de uma interpretação oriunda dessa orientação que será aplicada por meios técnicos que o diretor de fotografia sabe manipular.

Por isso a manipulação da luz reveste-se de uma importância, vital na criação do ambiente e com isso passar ao espetador uma determinada sensação. Uma iluminação sem ter em conta as especificidades da obra, ignorando determinadas convenções ou deficientemente colocada retira de imediato ao objeto fílmico a qualidade estética que caracteriza a obra de arte cinematográfica. Um filme de sala diverge de uma novela pela estética fotográfica. Uma longa metragem em cinema define-se essencialmente pela aplicação de movimentos de câmara e essencialmente pela forma como a iluminação é aplicada.

O DF pode em circunstâncias normais utilizar luz natural ou luz artificial e em muitos casos conjugar ambas para a obtenção do efeito pretendido. Pode fazê-lo através de altas luzes (high-key) ou optar por fazê-lo em baixas luzes (low-key). Enquanto a primeira se caracteriza essencialmente pela presença de cor e ausência de sombras a segunda caracteriza-se em sentido contrário pela ausência de cores vivas e pela presença de sombras carregadas e fortes. Uma fotografia assente em altas luzes pode demonstrar felicidade, alegria, esperança, enquanto uma fotografia feita com baixas luzes pode demonstrar tristeza, infelicidade, drama ou morte.

Estes efeitos assentam essencialmente na manipulação dos aparelhos de iluminação aproveitando as suas características de forma a orientar e a dirigir a luz com o significado e simbolismo que se pretende. Aplicar uma luz dura pode provocar grande contraste entre o claro e o escuro e daí causar a impressão de algo pesado, agressivo ao contrário uma luz difusa e suave baixos contrastes, pode induzir beleza, tranquilidade ou mesmo nostalgia. Esta forma de manipular a luz influencia a forma de sentir. Fazendo uma analogia com a música. É como a melodia que potencia emoções ao espetador. Há música que com a organização das suas notas musicais formam melodias e se não há organização lógica das notas musicais não se constrói melodia um pouco como Cecil B. DeMille disse «Lighting is to film what music to opera».

Há sem dúvida convenções estabelecidas como regras difíceis de quebrar. Como por exemplo a direção de luz num filme de género dramático deve ser em princípio abordado com mais contraste de iluminação, acentuando mais zonas escuras ao invés na comédia ou no filme romântico onde se deve privilegiar zonas claras desta forma ‘high-key’. São, contudo, a base para a obtenção de um efeito emocional necessário para a narrativa cinematográfica. Como por exemplo uma fonte de luz vinda do topo sobre o personagem como no caso do filme de Francis Ford Coppola «O Padrinho» de 1972 fotografado por Gordon Willis dá a impressão de espiritualizar o personagem como torná-lo distante. Com esta direção da luz principal sobre o personagem que deixa os olhos do ator (Marlon Brando) na penumbra como que nos retirando o contacto direto com o seu olhar causando distância entre ele e o espetador como também carregando a personagem de misticismo. Esta é uma opção claramente estética da direção de fotografia. A convenção, ou melhor, o esperado seria ter a face do personagem claramente iluminada de forma a ser inteiramente visível pelo espetador. Vittorio Storaro foi ainda mais longe no filme «Apocalipse Now» 1979 para o mesmo realizador ao iluminar o personagem de Marlon Brando em quase total penumbra de forma a evitar intimidade do espetador com o general desertor que teria de ser eliminado pelo protagonista do filme o que não lhe evitou algumas críticas negativas pela opção tomada.

A composição de imagem e movimento são fatores a sublinhar no papel que é desempenhado pelo do diretor de fotografia. A construção da obra inicia-se pela composição. No arranjo que se deve dar na colocação de personagens num determinado espaço. Os movimento de câmara que se deve adotar que auxilie e reforço a narrativa do filme. Por exemplo no filme «Citizen Kane» 1941 de Orson Welles o diretor de fotografia Gregg Toland aplicou certas técnicas inovadoras para a época, como os planos contrapicados e em particular planos com grande profundidade de campo que permite ter em foco desde o primeiro plano até ao fundo cobrindo uma larga distância com nitidez em vez de fundos desfocados.

Num filme bem mais recente pode-se observar como o arranjo não convencional dos elementos deram composições fora do vulgar, mas com grande harmonia que teve como diretor de fotografia Lukasz Zal no filme polaco «Ida» 2013 realizado por Pawel Pawlikowski. O filme a preto e branco, em formato 4:3 desenrola-se com planos fixos, mas ricos em composição na posicionamento dos atores e a iluminação que acompanha. Viriam a fazer dupla e repetir em parte o mesmo género na obra intitulado «Cold War» 2018.

É óbvio que a função do diretor de fotografia não é de nenhuma forma independente do realizador e das opções estéticas que são determinadas pela produção. Inclusivamente as condições financeiras e os objetivos do produtor são na esmagadora maioria das vezes condicionantes para arriscar opções mais arrojadas que quebre regras e convenções estabelecidas, como ter condições para as executar. No entanto para o desenvolvimento da obra a complementaridade entre diretor de fotografia e realizador é sem dúvida uma necessidade absoluta que não se pode de certa forma separar. A colaboração estreita e que por vezes pede lealdade mútua é comprovada pelo exemplo de Vilmos Zsigmond quando filmou «McCabe and Mrs. Miller» 1971 de Robert Altman. Vilmos, o diretor de fotografia ensaiou uma técnica que seria expor (flash) o negativo em laboratório antes de o fazer na rodagem. Esta técnica permitia controlar o contraste e obter mais detalhe nas zonas escuras uma vez feitas alterações na correção de cor, mantendo intactas as zonas mais escuras da imagem. O fotógrafo norte-americano Ansel Adams definiu esta técnica como pré-exposição. Vilmos pretendia que a imagem no filme desse uma aparência histórica, velha o denominado «period look» que não era ainda em 1971 uma opção estética. A imagem com baixo contraste, com tons caramelizados, dava a sensação de ser mais uma má imagem do que propriamente uma imagem tecnicamente adequada. Daí haver um problema com o produtor que pretendia despedir o diretor de fotografia porque que a imagem estava mal conseguida e mal exposta. Porém para bem de Vilmos Zsigmond o realizador Robert Altman defendeu o estilo até ao fim tornando-se depois uma referência para muitos outros filmes que adotaram o «period look».

A relação de trabalho entre realizador e diretor de fotografia tem de ser a mais próxima possível e a construção de uma obra pressupõe ser levada a cabo pelos dois. Por exemplo John Alcott e Stanley Kubrick no filme «Barry Lyndon» 1975 o resultado visual é fruto de um realizador com sólidas noções de fotografia e de um apurado sentido estético que permitiu criar uma obra revolucionária e marcante na história do cinema, mas em particular na direção de fotografia. A não utilização de iluminação artificial para os interiores noite, iluminando os cenários apenas com velas emulando as condições que havia no seculo XVII foi uma técnica arrojada tendo em conta a baixa sensibilidade da película. Os efeitos resultantes foram satisfatórios para o realizador, mas só mesmo com a conivência e opção estética muito marcada de Stanley Kubrick permitiu concluir o filme. Pode em parte o diretor de fotografia não ser o mentor de uma determinada estética desejada, mas ser o perito que executa os desígnios do realizador, mas não é por isso que não se deixam de se completar.

A imagem terá uma forte componente emocional que afeta o espetador no essencial do filme. Um filme de terror deve ser fotografado com luzes baixas e «low-key». Esta é uma convenção, mas em princípio qualquer filme narrativo deve possuir «the cinematic look» o aspeto cinematográfico que lhe dá carácter estético e o estilo visual essencial para a narrativa do filme.

Neste conjunto de imagens, de sombras, de tons, de ambientes, conjugado com movimentos certamente influencia a perceção cognitiva do espetador tal como Christian Metz refere «O cinema exerce uma poderosa influência afetiva» (Metz, 1980). É neste particular aspeto que os cineastas constroem a obra e a imagem que resulta da relação entre realizador e diretor de fotografia para influenciar, manipular o espetador.

A investigação

A curta-metragem «Um Filme, Três Visões» é um filme de investigação que propõe responder à questão - Qual a influência da direção de fotografia na perceção e na narrativa cinematográfica?

Pretende-se com este exercício isolar a função do diretor de fotografia das outras vertentes de construção do filme.

Na questão que diz respeito à autoria há dificuldade em separar o trabalho entre o realizador e o diretor de fotografia. Onde começa a verdadeira responsabilidade e decisão de um e de outro? Até que ponto a decisão estética do realizador não se sobrepõe ao do diretor de fotografia? E vice-versa? Os trabalhos de ambos convergem em muitos pontos sendo que a decisão final será sempre do realizador, visto que é o responsável máximo da criação do filme.

Porém o realizador depende da prestação de vários outros colaboradores nomeadamente do diretor de fotografia, do desenho de produção, do guião entre outros. No ponto vista legal os que são reconhecidos como autores pela lei do direitos de autor e direitos conexos são o guionista, músico e realizador. Em muito poucos países é dado reconhecimento ao diretor de fotografia ou a outros elementos que compõem a produção do filme.

Numa análise mais pragmática podemos considerar que os que são reconhecidos como autores têm obras que se podem separar dos restantes, como por exemplo o músico pode explorar a sua música independentemente do filme. O guionista igualmente pode explorar o guião do filme e explorar o respetiva criação comercialmente independentemente do filme e por fim o realizador considerado o criador principal.

Como fazer com a função do diretor de fotografia? A fotografia não se pode separar e explorar como objeto independente do filme. A fotografia é resultante de um todo que teve influência das decisões da realização, no design do cenário, das condições de produção, do guarda-roupa e por aí adiante. Por isso é muito complexo entender onde começa e acaba a função do diretor de fotografia.

Na tentativa de isolar o máximo possível a direção de fotografia na obra, procura-se nesta pesquisa isolar as funções que são obviamente da responsabilidade do diretor de fotografia. Em primeiro lugar obviamente, a responsabilidade pelo desenho de luz. Em seguida a responsabilidade dos enquadramentos, composição e movimento de câmara numa colaboração próxima com o realizador. Como também tem influência nas decisões a tomar no ponto de vista estético a adotar para a obra trabalhando com o responsável pelos cenário e com o guarda-roupa.

Tendo como base esta premissa o filme de pesquisa «One Film Three Visions» procura isolar a direção de fotografia com estas funções específicas. Daí os três filmes terem sido feitos assentes no mesmo guião, com a mesma realizadora, com o mesmo cenário, com a mesma equipa e com o mesmo montador. Nos três filmes a única alteração que ocorreu foi a mudança de diretor de fotografia que desconhecia o que tinha sido previamente feito pelo colega.

Portanto a única variante nos três filmes é mesmo o diretor de fotografia em que cada um desenvolveu com a realização a escolha do formato, colocação de câmara e as escolhas técnicas como as objetivas a utilizar, o tipo de câmara, tipo de dolly e por fim a escolha totalmente livre do diretor de fotografia de definir o local fora do estúdio para o plano final do filme.

A produção esteve a cargo de Katrin Richthofer da escola HFF – Munique e foi filmado nos estúdios da HFF (University of Television and Film - Munique Alemanha) e o filme não teve guião e foi assente no poema Déjeuner du Matin escrito pelo francês Jacques Prévert retirado do seu livro Paroles, de 1946.

A premissa inicial seria que o filme não teria diálogos para que não houvesse o risco de não haver alterações de representação na obra e temos apenas narração da intérprete feminina que declama o poema.

A realização esteva a cargo da alemã Ilse Hofmann que na sua interpretação do poema pretendeu não fixar o filme na data em que foi escrito, mas passar a estória para a época atual. Tendo à partida que a condição do papel da mulher na sociedade é hoje diferente daquela vivida no pós-guerra. Partindo deste pressuposto a realizadora entendeu por isso que é a personagem feminina que decide terminar a relação. Foram realizados diversos ensaios na véspera da primeira filmagem em que estabeleceu com os dois atores Carina Werthmüller e Jochen Paletschek toda a mise-en-scene que pretendia. O posicionamento e os movimentos de ambos no set e as ações de ambos são idênticas nos três filmes.

O desenho do cenário teve a responsabilidade de Cinzia Fossatti que corresponde a um ambiente muito feminino, num suposto pequeno apartamento estilo estúdio. Existe uma janela e há uma saída que é suposto dar acesso à cozinha. O cenário não sofre qualquer alteração nas três filmagens.

Na pós-produção a inclusão da música de Gustav Mahler a 5ª sinfonia como a narração por igual nos três filmes foi propositada de forma a anular algum efeito narrativo diferente em cada um dos filmes.

A correção de cor foi feita pelo colorista Thomas Herget com a supervisão dos diretores de fotografia de cada um dos filmes.

Esta foi, portanto, o método encontrado para isolar a direção de fotografia do trabalho de outros setores de forma a poder ter um termo comparativo da prestação de um dos Df’s. Desta forma as únicas componentes variáveis foram a iluminação, composição, movimento de câmara, operação de câmara, escala de planos e por fim o último cenário no exterior do estúdio que era da inteira responsabilidade do diretor de fotografia.

A análise a cada filme

O primeiro filme foi fotografado por Axel Block. A escolha recaiu no formato clássico de 4:3 e uso da câmara à mão solta do tripé. A fotografia é dominada por cores suaves sem contraste, aparentemente natural. Procura ter uma certa neutralidade, mas representa nervosismo através do uso da câmara instável. A câmara não está fixa no tripé nem está colocada ao ombro. A câmara é usada de forma solta em cima de uma almofada. Axel quis evitar a câmara estática e fixa que o uso do tripé impõe. O espaço não é mostrado, câmara fixa-se sobre os personagens tornando o filme intimista. O cenário não é importante, são as faces as expressões que prevalecem. A proximidade aos autores apaga praticamente o cenário. A câmara é uma testemunha, nervosa e inquieta perante o desenrolar de uma relação sem futuro.

No segundo filme é fotografado por uma mulher. A escolha de haver pelo menos uma mulher entre os três diretores de fotografia era também uma condição do ensaio, para se poder ter também a sensibilidade de uma mulher à câmara. Nina Badoux, a mais jovem que os seus companheiros escolheu o formato 2:39. Ao contrário do filme anterior a fotografia tem mais contraste. Os negros são carregados. Neste filme o espaço está mais presente e evidente. Há mais movimentos de câmara e os atores combinam os movimentos com a câmara de forma encenada. Os planos são mais largos, mas os personagens só uma vez estão juntos o que significa a sua distância. A câmara movimenta-se em torno dos atores e estes posicionam-se de acordo com o enquadramento.

O terceiro e último filme é fotografado por Roberto Schaefer. Filme menos académico no ponto de vista da cobertura de planos. Há mais movimentos de câmara que é intencional já que pretende narrar a cena com a câmara com movimentos de aproximação e afastamento. Muito contraste. Formato de aspeto 1:85 clássico para cinema em sala.

Este ensaio ainda não terminou. Para determinar as variantes narrativas nos três filmes será necessário ainda efetuar um questionário e um debate para se formarem conclusões. Contudo sem ter ainda efetuado o questionário a focus groups e debate analítico dos filmes, espera-se, avaliando desde já pelo resultado estético dos três filmes, esta experiência demonstra que haverá lugar a ter diferentes interpretações e diferentes perceções por parte dos espetadores. Nas três ocasiões até ao momento em que os filmes foram visionados por profissionais do setor do cinema a reação da sala à questão, qual dos filmes lhe agradou mais, a escolha recaiu sempre no segundo filme de Nina Badoux. Em projeções futuras o alinhamento de projeção será alterado a fim de se poder também analisar se há diferenças na perceção tendo em conta a sequência de apresentação dos filmes.

Focus groups

Para a obtenção de resultados e responder à questão principal levantada - qual o grau de influência que a fotografia tem no cinema narrativo? – Irão ser constituídos três focus groups que visionarão o filme e responderão a um questionário elaborado com diversas perguntas ao nível emocional e recetivo à narrativa. Os três grupos serão constituídos por profissionais da área do cinema, um segundo grupo por alunos de cinema e um outro grupo por pessoas sem ligação profissional ao cinema ou às artes.

Terminado o questionário será feita uma análise a partir das respostas e será realizada a promoção de um debate critico sobre os filmes em cada uma das sessões com os respetivos grupos.

Bibliografia

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Filmes

Bertolucci, B. (Director). (1987). The Last Emperor [Motion Picture].

Copola, F. F. (Director). (1972). The Godfather [Motion Picture].

F.W.Murnau (Director). (1924). The Last Laugh [Motion Picture].

Griffith, D. (Director). (1915). The Birth of a Nation [Motion Picture].

Kubrick, S. (Director). (1975). Barry Lyndon [Motion Picture].

Pastrone, G. (Director). (1914). Cabiria [Motion Picture].

Pawlikowski, P. (Director). (2013). Ida [Motion Picture].

Pawlikowski, P. (Director). (2018). Cokld War [Motion Picture].

Spielberg, S. (Director). (1998). Saving Private Ryan [Motion Picture].

Storaro, V. (Writer), & Copola, F. F. (Director). (1979). Apocalipse Now [Motion Picture].

Welles, O. (Director). (1941). Citizen Kane [Motion Picture].