Capítulo / Chapter III | Cinema – Comunicação / Communication

Audiovisual festivals as training spaces within the Public Universities of Brazil - a case study of the ComuniCurtas Film Festival

Festivais audiovisuais como espaços de formação dentro das Universidade Públicas do Brasil - um estudo de caso do Festival ComuniCurtas

Maria Teresa Mattos de Moraes

Universidade Federal Fluminense, Brasil

Mariana Cordeiro de Souza

Universidade Federal Fluminense, Brasil

Bruna Sampaio Negrão Guimarães

Universidade Federal Fluminense, Brasil

Abstract

This article aims to discuss the importance of the ComuniCurtas Film Festival, between 2006 and 2011, while investigating the social and academic impacts on the audiovisual production of Paraíba, located in the northeast of Brazil. Also, it seeks to understand the role of Brazilian public universities in the training of students and their role in the surrounding community.
The ComuniCurtas Film Festival, the object of our analysis, was born in 2006, at the State University of Paraíba, located in the city of Campina Grande, in the northeast region of Brazil, farther from the hegemonic and traditional cultural centers of the country. The festival is the result of a movement of students who saw in the event a cultural potential to stimulate audiovisual production in the region.
For this investigation, interviews were conducted with André da Costa Pinto, creator of the event, Marlene Alves Sousa, dean of the University that funded the festival, and some participating students. We also analyzed the festival’s catalogs, schedule and official documents, such as regulations and entry forms.
According to Marijke de Valck (2016), festivals are the “sites and occasions where discursive patterns emerge that teach us about film culture, aesthetics, politics, activism, cosmopolitanism, and its counter-movements” (De Valck, apud CESAR; COSTA, 2021, 152). ComuniCurtas shows this transformation that Public Universities in Brazil have, through the involvement of the territory and the community, in addition to providing training experiences that has the potential to bring protagonism and regional self-esteem, thus perpetuating local memory.

Keywords: Film festival, University, Cinema education, University policies, Territory.

O Surgimento do ComuniCurtas

O ComuniCurtas, objeto desta análise, é um festival audiovisual criado por estudantes do curso de Comunicação Social da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) - Campina Grande1, Brasil - que, movidos pelo aprendizado prático no campo do audiovisual, decidiram criar um meio em que pudessem produzir e exibir seus curtas e longas metragens, incentivando a produção cinematográfica universitária local e colocando a cidade de Campina Grande no mapa do Brasil como uma cidade produtora, investidora e consumidora do audiovisual.

Estudar festivais audiovisuais é sempre uma atividade desafiadora. Estamos falando de um segmento heterogêneo, complexo, e que deve ser estudado em suas especificidades. Assim, centramos o nosso olhar no Comunicurtas focando nas primeiras edições do festival, com o intuito de contribuir para a sua memória. Pesquisar um objeto efêmero implica em alguns desafios, em especial no que tange às fontes de informação, quase sempre dispersas e fragmentadas. Neste sentido, privilegiamos as entrevistas como principal fonte para este estudo.

A origem do ComuniCurtas se dá em 2006 quando seu idealizador e, na época, graduando de Comunicação Social pela UEPB, André da Costa Pinto, é contemplado pelo projeto Revelando os Brasis2, também em 2006. O perfil empreendedor de André, em conjunto com a experiência que adquiriu em sua formação no projeto, sua vivência cinematográfica na realização do curta A Encomenda do Bicho Medonho e sua posterior exibição em festivais, possibilitou que ele realizasse projetos formativos com a finalidade de capacitar pessoas e abrir as portas do audiovisual de Campina Grande.

O ComuniCurta tinha como característica ser um festival idealizado, criado, produzido e executado por estudantes que eram os verdadeiros responsáveis pelo festival. Contavam com o apoio da universidade e a orientação de professores em parte da curadoria, mas os estudantes tinham a plena autonomia do ComuniCurtas. Desde o surgimento do Comunicurtas já observa-se o caráter formativo e multiplicador, como relembra André:

Eu faço um curta não pela universidade, mas sim pelo projeto Revelando os Brasis e o levo para dentro da universidade, onde os professores diziam para mim que não era possível fazer. E todo esse material de cursos e oficinas do Revelando os Brasis, eu multipliquei dentro da universidade. O que eu tinha aprendido, eu comecei a compartilhar com os meus colegas. E a gente foi vendo que não bastava só produzir filme, a gente tinha que ter janelas de exibição.(informação verbal)3

O primeiro obstáculo para que a ideia do festival fosse posta em prática foi a captação de recursos financeiros. A falta de conhecimento de editais e bolsas que viabilizem verba para projetos estudantis como o do ComuniCurtas fez com que os estudantes buscassem uma forma alternativa para o investimento necessário: a comunidade local.

O investimento direto não aconteceu para a primeira edição do festival, mas os estudantes conseguiram arrecadar doações de duas fontes: um bar que se situava nos arredores da universidade e uma funerária. Com a venda de garrafas de cachaça e dois caixões, os estudantes alcançaram o suficiente para fazer o ComuniCurtas sair do campo imaginário. O envolvimento com a comunidade de Campina Grande já se expressava no título do festival, como explica André:

O nome Comunicurtas na verdade é que a gente vinha do curso de Comunicação. Estávamos conhecendo o mundo do curta-metragem pelo curta A Encomenda do Bicho Medonho, e isso era tudo muito novo para a gente, inclusive o curta, esse processo de curta. E a gente queria fazer uma ligação entre comunicação e comunidade. A gente queria fazer um festival para comunidade e integrar com os curtas de cinema. Por isso que veio o Comunicurtas. (informação verbal)4

A primeira edição do festival foi realizada em 2006, no Centro de Artes e Cultura da UEPB, e contou com uma programação que reuniu 20 curtas, dez produzidos por estudantes e cineastas paraibanos, sendo cinco de João Pessoa, capital do estado, e cinco de Campina Grande, e dez curtas produzidos em outros estados do Brasil. O festival teve um público total de 360 pessoas. Também já na primeira edição do festival foram ministradas três oficinas, voltadas ao ensino do audiovisual, que contemplaram 50 beneficiários cada. A grande mobilização local para a produção do festival chamou a atenção de Marlene Alves, então reitora da Universidade, que reconheceu o potencial cultural do projeto e passou a direcionar verba da universidade para as próximas edições do festival, mostrando que a estreita relação entre universidade e festival pode gerar frutos bem profícuos.

Assim, podemos entender o ComuniCurtas como um evento que contribuiu para o desenvolvimento audiovisual de Campina Grande e mobilizou todo o entorno da cidade.

O financiamento do Comunicurtas através da Universidade

Ensino e audiovisual

No ano de 2007, em que o festival passou a ser financiado pela universidade, em comparação ao ano de 2003, quando a UEPB ainda não havia alcançado sua Autonomia Financeira5, houve um aumento expressivo de 100,29% na despesa executada com os recursos do tesouro nacional pela universidade. Esse crescimento demonstra o aumento da capacidade de investimento da UEPB, possibilitando a expansão de seu cenário cultural.

Assim, o ComuniCurtas nasce na gestão da então reitora Marlene Alves, em um momento próspero da universidade, que facilitou o financiamento do Festival. Talvez a característica mais marcante da gestão da ex-reitora Marlene seja a valorização da cultura e das artes, considerando-as como o quarto pilar de uma Universidade. Os outros três, previstos na Constituição Federal Brasileira, são: o ensino, a extensão e a pesquisa. Compreender o potencial da cultura como fundamental para a formação dos estudantes foi o que possibilitou a UEPB introduzir Núcleos de Arte e Cultura em outros campi da universidade, oferecendo cursos abertos para toda a população local. Em entrevista concedida para esta pesquisa, a ex-reitora Marlene Alves explica o processo que levou a decisão desta expansão:

As artes têm um papel fundamental na formação do matemático, do historiador, do comunicador social, do fisioterapeuta, de qualquer estudante. Você pega uma juventude com um potencial incrível, criativo. Nós não abrimos mão de nenhum rigor científico, mas a gente entendia que tinha que ter um impulso para que essa juventude pudesse também exercer algo que tem a ver com esse empate cultural, com artes e com a criatividade. E associada a isso, tivemos algo que foi muito bom nesse período, que foi a Lei da Autonomia Financeira, que regulamenta o financiamento da universidade. Você pode ter o melhor projeto do mundo, mas se você não tem os recursos para executá-lo, fica mais difícil. (informação verbal)6

Nesse contexto de investimento de novos ambientes culturais, o ComuniCurtas é levado ao Conselho Universitário e passa ser institucionalizado como um evento da UEPB, dentro da Pró-reitoria de Cultura, garantindo sua continuidade e assegurando um maior respaldo financeiro. André da Costa Pinto analisa o robusto apoio da Universidade ao ComuniCurtas:

Qual o evento que tinha dentro da universidade que dava no mínimo 30 passagens aéreas de todo o Brasil? Que dava hospedagem para mais de 70 pessoas com alimentação e transporte? Que pagava tudo, material gráfico, som, teletransmissão, camisas, bolsas para todo mundo? Que pagava alimentação para toda a equipe de alunato? Dava premiação em dinheiro, mandava fazer os troféus… A gente foi entendendo da própria reitora qual era o nosso papel dentro da universidade. Que não era só assistir aula, era produzir e trazer conhecimento. Esse era o nosso papel, transformar socialmente a comunidade. (informação verbal) 7

Os números do ComuniCurtas

A partir de agora faremos análises de dados do Festival ComuniCurtas entre os anos 2006 e 2011, com base nos dados fornecidos pelo idealizador do festival, André da Costa Pinto. Tais dados demonstram de forma efetiva o crescimento do ComuniCurtas, em números de público geral (Ver Figura 1) e na procura de produções audiovisuais a serem exibidas no festival. Assim, apresentaremos e analisaremos os dados dos gráficos que demonstram esses crescimentos.

Tetê Mattos.
Figura 1 - Sessão do V ComuniCurtas, em 2010.

Segundo os dados de levantamento do público entre as edições de 2006 e 2011, observamos um imenso crescimento na participação dos espectadores a partir da segunda edição do festival. Em 2006 o público total foi de 360 pessoas; em 2007, quando festival passa a receber recursos da Universidade, o crescimento do número de espectadores é de quase 8 vezes maior, registrando a presença de 2.800 pessoas; a curva ascendente pode ser observada nos anos seguintes: em 2008, 6.000 pessoas; em 2009, 6.000 pessoas; em 2010, 12.000 pessoas e, por fim, em 2011, 16.000 pessoas. (Ver Gráfico 1) Assim, podemos concluir que, entre a primeira e a sexta edição do festival, houve um crescimento significativo de aproximadamente 4.344% do público total. Acreditamos que este aumento considerável vai se dar pelos investimentos feitos pela Universidade, e pela repercussão do festival.

Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro.
Gráfico 1 - Número do público total do festival ComuniCurtas entre 2006 e 2011.

Percebemos que o festival não cresceu apenas em número de espectadores, também houve um aumento nas inscrições para exibições de produções. As inscrições para as mostras competitivas eram divididas em seis: Mostra Brasil, Mostra Tropeiros, Mostra Estalos, Mostra de Telejornalismo, Mostra de Publicidade e a Mostra Outros Olhares, porém nesse artigo iremos estudar as duas principais do festival. A primeira, a Mostra Brasil, tem como finalidade a valorização da produção nacional de audiovisual, aceitando submissões de qualquer estado do país. As produções selecionadas eram exibidas no festival e concorriam às premiações.

A segunda, a Mostra Tropeiros, tem como objetivo principal valorizar a produção local da Paraíba. O nome da mostra é uma homenagem aos tropeiros, a fim de preservar a memória desses personagens históricos, fundamentais para Campina Grande. Os tropeiros foram responsáveis pelo transporte de mercadorias quando o acesso às cidades ainda era muito difícil, contribuindo para o desenvolvimento da região. Assim o festival traz elementos identitários do território, promovendo uma aproximação com a comunidade local.

O processo de seleção das duas mostras do ComuniCurtas envolvia estudantes, especialistas do audiovisual e professores. As curadorias eram feitas separadamente a fim de possibilitar a participação dos estudantes na Mostra Brasil, possibilitando uma experiência de formação curatorial aos estudantes. Já na Mostra Tropeiros, a curadoria era feita por professores do curso de Comunicação da Universidade, que não estavam envolvidos em nenhuma produção cinematográfica, tais como o Professor Luiz Custódio, que possui uma grande expertise em CineClubes, Professor Rômulo Ferreira, grande referência para os estudantes no ensino de cinema e a Professora Cássia Lobão, doutora do curso de Comunicação e contemplada pelo curso de formação de atores, ministrada pelo festival, entre outros. Em entrevista feita ao André da Costa Pinto, ele explica o motivo da divisão curatorial:

Os estudantes participavam da curadoria da mostra Brasil, sim. Porque eram realizadores e estudantes. Eles não participavam da curadoria da Mostra Tropeiros porque quase 100% estavam envolvidos com algum filme, não tinha como ter eles ali dentro.(informação verbal) 8

Com estas informações, separamos os dados das duas Mostras com o objetivo de analisarmos, além do crescimento do público, o comportamento das inscrições de produções no ComuniCurtas, como demonstra o Gráfico 2.

Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro.
Gráfico 2 - Número de inscrições de curtas paraibanos no ComuniCurtas entre 2007 e 2011.

O primeiro ano do festival (2006) não obteve inscrições pois os curtas exibidos foram selecionados pela organização e convidados à exibição. Observamos no gráfico 2, que ao longo das edições do ComuniCurtas houve crescimento expressivo do número de inscrições de filmes paraibanos. Os dados disponibilizados por André da Costa Pinto mostram que em 2007 houveram 22 inscrições; em 2008, 34 inscrições; em 2009, 52 inscrições; em 2010, 62 inscrições e em 2011, 111 inscrições. Obtendo assim, um aumento de aproximadamente 404,5% entre 2007 e 2011.

Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro.
Gráfico 3 - Número de inscrições de curtas de Campina Grande no ComuniCurtas, dentre as inscrições da Paraíba, entre 2007 e 2011.

Observamos, a partir das inscrições de curtas paraibanos, o aumento de inscrições de curtas de Campina Grande ao longo das edições do ComuniCurtas. Os dados mostram que em 2007 houveram 10 inscrições; em 2008, 21 inscrições; em 2009, 31 inscrições; em 2010, 36 inscrições e em 2011, 59 inscrições. Obtendo assim, um aumento de aproximadamente 490%, entre 2007 e 2011, nas inscrições de filmes de Campina Grande dentre as inscrições de filmes paraibanos.

Nos chamou atenção que o número de inscrições de produções de Campina Grande, local do festival e da universidade (UEPB), obteve o maior percentual dentre as inscrições da Paraíba. Em 2007 aproximadamente 45,45% das inscrições de curtas paraibanos eram de Campina Grande, enquanto em 2011 passaram a representar aproximadamente 53,15%. Esses percentuais sugerem que os incentivos da UEPB na região refletem como o financiamento direto da universidade impacta a produção universitária no município.

Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro.
Gráfico 4 - Número de inscrições de curtas nacionais no ComuniCurtas entre 2007 e 2011.

O primeiro ano do festival (2006) não obteve inscrições pois os curtas exibidos foram selecionados pela organização e convidados à exibição. Considerando os números da Mostra Brasil, obtidas através do idealizador do festival, André da Costa Pinto, mostram que em 2007 houveram 121 inscrições; em 2008, 151 inscrições; em 2009, 212 inscrições; em 2010, 296 inscrições e em 2011, 604 inscrições. Obtendo assim, um aumento de aproximadamente 399,17%, entre 2007 e 2011, nas inscrições de filmes nacionais. Esse aumento da procura de produtores de todo o território nacional demonstra o reconhecimento do ComuniCurtas dentro dos festivais audiovisuais universitários brasileiros.

Como vimos nos três gráficos acima, as duas mostras desempenham um papel crucial para a trajetória do ComuniCurtas. A Mostra Brasil proporcionou um intercâmbio de produções audiovisuais quando, ao mesmo tempo que levou à Campina Grande produções cinematográficas de fora da Paraíba, atraiu produtores e público de outras regiões do país, que passaram a ter contato com a produção local.

Já a Mostra Tropeiros, inteiramente dedicada às produções paraibanas, era composta por muitos filmes resultados dos cursos de extensão e oficinas oferecidos ao longo do ano pela UEPB, o que evidencia a importância da instituição estadual para o desenvolvimento do audiovisual naquele território e explica, como visto no gráfico 3, a concentração de inscrições em Campina Grande. Além de impulsionar a auto estima regional, como relembra André:

Todo mundo quer se ver na tela de cinema. As pessoas vinham ao ComuniCurtas por serem os artistas da noite. Você ia ver a sua localidade, a sua casa, o seu tio. Você ia ver pessoas como você na tela. Não era mais o herói de Hollywood que estava na tela, meu quintal tinha heróis e esses heróis podiam estar ali com toda a poesia necessária. Dar oportunidade para as pessoas se colocarem em uma tela qualificada para todo mundo ver e aplaudir. Não excluir, é dizer que todo mundo podia e pode fazer cinema! (informação verbal) 9

Dentro das Mostras Brasil e Tropeiros, o ComuniCurtas criou prêmios que contemplavam toda a esteira de produção cinematográfica, incluindo categorias mais tradicionais como direção de fotografia, figurino, maquiagem, trilha sonora e som. As outras mostras do festival: a Mostra Estalo, onde eram exibidos curtas de até um minuto de duração, a Mostra de Publicidade, a Mostra de Telejornalismo e a Mostra Outros Olhares onde eram exibidos apenas curtas convidados, também concorriam a essas premiações.

Para a pesquisadora Marijke De Valck:

Prêmio ou condecoração é a forma mais tangível de capital simbólico. Além disso, competições e suas premiações têm valor de notícias necessárias para atrair os críticos de cinema que vão escrever matérias, resenhas, críticas sobre a programação do festival de uma posição de autoridade e qualificada que podem amplificar a legitimação cultural que é oferecida pela seleção do festival (tradução nossa). (De Valck 2016, 106)

O festival entendia que o cinema é uma arte coletiva, na qual todas as áreas que a compõem devem ser valorizadas e respeitadas. Assim, ao reconhecer os profissionais envolvidos em diferentes aspectos da produção audiovisual através da concessão de prêmios, o ComuniCurtas reforçava seu compromisso com a valorização do fazer cinematográfico.

Em relação às ações de formação, o ComuniCurtas deu origem a dois formatos de oficinas. O primeiro deles ocorria durante o festival e era efetivamente parte dele, composto por oficinas ministradas por nomes importantes do cinema brasileiro, como o cineasta e roteirista Hilton Lacerda, que ofereceu oficina de escrita de roteiro, e a atriz Beth Mendes, que ministrou oficina de preparação de atores. O segundo formato configura-se como cursos de extensão da UEPB, composto por aulas que aconteciam ao longo do ano, e pode ser entendido como uma consequência do ComuniCurtas uma vez que buscava contribuir para a capacitação da população para a produção audiovisual, resultando em curtas que participavam da Mostra Tropeiros.

Dentre os cursos de extensão da UEPB que aconteciam ao longo do ano, destacamos dois para análise. O primeiro é o Curso de Formação de Atores para Vídeo DECOM/CCA/UEPB, que teve início em 2008 e, na época, era o único curso gratuito do Nordeste com foco na formação de atores para a linguagem audiovisual. O segundo era o Curso de Extensão em Produção Audiovisual e teve início em 2010, com duração de 3 meses por turma, com o objetivo de capacitar profissionais para a área de produção audiovisual.

O curso de formação de atores começou com 120 alunos inscritos (agosto de 2008), tendo em sua segunda turma 101 alunos inscritos (junho 2009), na terceira turma 89 inscritos (abril 2010) e em sua quarta turma, 64 alunos inscritos (março 2011). De acordo com André:

Dos alunos da 1ª turma, 32 já estão trabalhando profissionalmente com DRT (registro de trabalho) devidamente reconhecido pelo Ministério do Trabalho. Da 1ª, 2ª, 3ª e 4ª turma, 52 alunos já atuaram em curtas e longas metragens e 23 participaram de uma série de TV (informação verbal).10

Já o curso de produção audiovisual era composto por 70 alunos em sua primeira turma, no ano de 2010, e 60 na segunda, em 2011. O trabalho final do curso resultou em seis filmes por turma. Com os dados dos dois cursos de extensão apresentados, é possível notar os resultados positivos em atingir a contribuição na capacitação dos participantes, uma vez que eles saíram dos cursos com material e conhecimento para tentar seguir no mercado audiovisual.

Para além dos cursos de extensão promovidos pela UEPB e as oficinas promovidas pelo festival, a partir de 2007 o ComuniCurtas passa a criar as “sessões especiais”. A expansão do festival, com as Sessões Especiais, começou no Instituto de Idosos São Vicente de Paulo em 2007. Já em 2011 incluía, para além do Instituto São Vicente de Paulo, quatro lugares diferentes: o lar de idosos Grupo Aurora da Vida do Zé Pinheiro, a Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV e AIDS denominada Grupo de Apoio a Vida RNP+, Sessões Infantis, que contou com a participação de 6.000 crianças de escolas públicas e particulares de Campina Grande, e a Sessão Feliz Idade, também para idosos. Observamos ainda que as sessões especiais nos lares de idosos e para as pessoas vivendo com HIV e AIDS contavam com arrecadações de suprimentos nas inscrições das oficinas, de acordo com os pedidos feitos pelas organizações.

Acreditamos que ao expandir suas atividades, os números de público total foram impactados positivamente, como reflete o aumento significativo demonstrado no Gráfico 1.

Todos os dados analisados demonstram que o ComuniCurtas contribuiu de diversas formas para motivar as pessoas de Campina Grande a produzir, escrever, dirigir, atuar, promover e consumir o audiovisual. Não foi um festival de cinema, e sim um festival audiovisual que engloba o cinema, o telejornalismo e a publicidade.

Considerações finais

Os números expressivos no aumento das inscrições de produções audiovisuais da Paraíba e do público do festival evidenciam o interesse da comunidade em produzir e consumir o audiovisual. Com o apoio da Universidade fica evidente o impacto no audiovisual da região. No momento que o ComuniCurtas proporciona esse espaço, os números crescem.

Percebemos, ao longo desta análise, que o festival sempre visou a valorização local, tendendo a oferecer maior visibilidade e incentivo à Mostra Tropeiros, sendo o prêmio de maior valor do festival, com o objetivo de motivar a produção daquele território. Além disso, ao levar as obras e realizadores de outros estados, através da Mostra Brasil, e outros profissionais, que ministravam as oficinas, para a cidade de Campina Grande, o festival possibilitou a interação dos estudantes de audiovisual com as produções de outras partes do país.

No campo da formação, o festival oferece aos estudantes uma rica experiência, oportunizando a prática de participação na equipe de um festival audiovisual. A iniciativa de André da Costa Pinto e o engajamento dos estudantes, aliado ao apoio da Reitora Marlene Alves, foi o que manteve toda a esteira de produção e execução do festival, atingindo a motivação inicial do ComuniCurtas: criar um campo prático para o audiovisual de Campina Grande.

Ressaltamos ainda que André da Costa Pinto é fruto de uma política pública, uma vez que é contemplado pelo programa Revelando os Brasis, possibilitou que ele tivesse contato com o fazer cinema. A sua capacidade empreendedora, faz com que ao retornar para a Paraíba, multiplique os conhecimentos que adquiriu, mobilizando uma universidade, sensibilizando uma reitora e agregando os estudantes. O ComuniCurtas mostra como uma ação do governo federal se desdobra em um território do interior. Ao estimular um jovem, uma universidade inteira foi impactada e uma comunidade inspirada.

Assim, o festival, junto às políticas públicas que estavam em ascensão no Brasil, promovidas pela governança da época, mostrou de forma efetiva os impactos que a cultura e a arte tem em uma região, abrindo as portas para a UEPB dialogar com a comunidade e expandir sua atuação com os Núcleos de Cultura presentes em diversos campi, indo muito além do ComuniCurtas.

O caráter multifacetado do festival possibilitou a integração de estudantes e produtores do audiovisual de outras universidades e estados, abraçou a população de Campina Grande e as transformou em cenários, atores e produtores. Essa integração evidenciou que existia um diálogo em curso entre a comunidade e as exibições que estavam em pauta. As semelhanças entre elas foram o que promoveu o protagonismo regional e o reconhecimento identitário, uma vez que as obras reproduziam imagens de Campina Grande. Seus trabalhos eram premiados, remunerados e reconhecidos.

Essa é a força e a importância de um festival promovido pela Universidade. O ComuniCurtas mostra de forma efetiva como possibilitar que a comunidade se beneficie dos fazeres das universidades públicas. Fomentando a cultura local e dando o incentivo e os meios para as expressões artísticas se difundirem. Dessa forma o Comunicurtas atuou como um catalisador para o desenvolvimento do audiovisual de Campina Grande, estimulando a produção de curtas, a formação de pessoas para atuação no campo do cinema nas áreas de direção cinematográfica, atuação e produção audiovisual. Além de difundir o consumo do audiovisual de forma democrática, em seus diversos formatos.

Notas finais

1Campina Grande, cidade localizada no agreste Paraibano, a 128 quilômetros da capital do estado, possui cerca de 413.000 habitantes segundo o IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- e está localizada no nordeste do Brasil, região historicamente desvalorizada culturalmente fora do principal eixo econômico do país.

2Revelando os Brasis é um projeto de formação e inclusão audiovisual para moradores de pequenas cidades do país, que faz parte de um programa de política pública da Secretaria do Audiovisual do Governo do Presidente Lula. Qualquer brasileiro maior de 18 anos, residente em municípios com até 20 mil habitantes, pode inscrever uma história original (real ou inventada) no Concurso Nacional de Histórias. Os autores das histórias selecionadas participam de oficinas preparatórias de Roteiro, Direção, Produção, Fotografia, Som, Edição, Direção de Arte, Direitos Autorais, Mobilização e Pesquisa com o objetivo de transformar suas histórias em curtas em suas cidades natais com o apoio da comunidade local.

3Pinto, André da Costa. Entrevista concedida a Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro, através da Plataforma Zoom, 01 de maio de 2023.

4Pinto, André da Costa. Entrevista concedida a Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro, através da Plataforma Zoom, 01 de maio de 2023.

5Em 6 de agosto de 2004 foi sancionada a Lei Estadual nº 7.643, um marco na história da Universidade Estadual da Paraíba. A concessão de Autonomia Financeira à Universidade possibilitou novos caminhos de gestão. Agora com mais recursos, a comunidade acadêmica da UEPB entrava em período de crescimento em diversas áreas.
A Lei de Autonomia Financeira, número 7.643/2004, prevê: “Art. 1° - A Universidade Estadual da Paraíba, nos termos dos artigos 208, inciso III, e 285, ambos da Constituição do Estado, gozará de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial.” (PARAÍBA, 2004, p. 1)

6Sousa, Marlene Alves. Entrevista concedida a Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro, através do whatsapp, no dia 05 de maio de 2023.

7Matéria retirada do site oficial da UEPB com título: “Núcleos de Arte e Cultura da UEPB já beneficiaram mais de duas mil pessoas desde que foram implantados”, acesso em: https://uepb.edu.br/nucleos-de-arte-e-cultura-da-uepb-ja -beneficiaram-mais-de-duas-mil-pessoas-desde-que-foram-implantados/ às 11:32, dia 12 de maio de 2023.

8Pinto, André da Costa. Entrevista concedida a Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro, através da Plataforma Zoom, 01 de maio de 2023.

9Pinto, André da Costa. Entrevista concedida a Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro, através da Plataforma Zoom, 01 de maio de 2023.

10Pinto, André da Costa. Entrevista concedida a Bruna Sampaio e Mariana Cordeiro, através da Plataforma Zoom, 01 de maio de 2023.

Bibliografia

Canuto, Kleyton Jorge. 2019. O audiovisual paraibano: Uma proposta de cartografia espacial, social e midiática. Tese de Doutoramento, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Cesar, Amaranta, and Costa, Leonardo. 2021. “Memória e ação com o CachoeiraDoc: um festival de cinema com e como política pública” in Revista Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual. n° 11: 150-173.

De Valck, Marijke. 2016. “Fostering art, adding value, cultivating taste: film festivals as sites of cultural legitimization”. In: De Valck, Marijke, Kredell, Brendan & Loist, Skadi. Film Festival – History, theory, method, practice. London and New York: Routledge.

Fechine, Mariana Quirino. 2016. As relações entre cultura e desenvolvimento a partir dos festivais de cinema da Paraíba. Dissertação de Amestramento.

Pinto, André da Costa. Entrevista pessoal conduzida por Bruna Sampaio Negrão Guimarães e Mariana Cordeiro de Souza. 01 de maio, 2023. Via Zoom.

Silva, Adriano Soares da. 2013. Autonomia Financeira na Universidade Estadual da Paraíba: Uma Análise da Execução Orçamentária no Período 2005-2012. Monografia de Graduação, Universidade Estadual da Paraíba.

Sousa, Marlene Alves. Entrevista pessoal conduzida por Bruna Sampaio Negrão Guimarães e Mariana Cordeiro de Souza. 05 de maio, 2023. Via Whatsapp.