Abstract
The Sheik (George Melford: 1921) presents the story of Diana Mayo (Agnes Ayres), a rich young English woman who refuses the idea of getting married because she plans to preserve her independence. She plans a trip to the Biskra desert, a fictional country located in the north of the African continent and being guided only by the natives of that place. At the casino, Diana is informed that only Arabs could participate in that night’s event, she feels offended and plans to enter the event anyway. It happens between Diana and Sheik Ahmed Ben Hassan (Rudolph Valentino) the first contact between them, but she did not imagine that he would be boycotting her trip to the desert to make her a prisoner. Diana presents a standard that is not considered feminine for Ahmed, since she wears clothes that are said to be masculine and believes in social equality between men and women. A sandstorm ensues on Diana’s excursion into the desert and eventually, she ends up being rescued and later taken prisoner by Ahmed, who swears that she will eventually fallhead over heels in love with him. The film works concisely with issues such as feminism, orientalism and raciality presented in an explicit way. The eroticism of the figure of the Sheik and issues of racial and erotic representation, combined with issues such as rape and consent navigate a worldwhere the negotiations of these values become complex and sometimes ambiguous.
Keywords: Film analyses, The Sheik, Orientalism, Raciality, Gender Studies.
Introdução
Através deste artigo pensaremos em analisar criticamente o filme realizado durante o período do cinema mudo, The Sheik (1921), dirigido por George Melford baseado no romance bestseller The Sheik (1919), da escritora inglesa Edith Maude Hull (E.M. Hull) com base nas questões que são apresentadas como o orientalismo e racialidade focando na figura ambígua do Sheik como símbolo de uma representação racial complexa e por vezes ambígua,como o filme bem demonstra através em seu conteúdo. Questões pertinentes e que podem ainda reverberarem ao depararmos com a exibição dessa produção é a respeito das performatividades de gênero principalmente presentes na relação não consensual estabelecida pelas personagens principais Diana Mayo (Agnes Ayres) e o personagem título Ahmed Ben Hassan (Rodolfo Valentino) que representariam polos opostos racialmente e de gênero.
O orientalismo presente na composição de The Sheik (1921)
Pensar o orientalismo é entender a reprodução de um modelo eurocêntrico de civilização e de produção de conhecimento que ela coloca em detrimento todas as outras nações que não sejam europeias. Com isso Edward Said (2007) fala sobre a ideia de geografia imaginativa presente tanto na política, artes, ideologia e produção cultural. “Além disso, o exame imaginativo das coisas orientais estava baseado mais ou menos exclusivamente, em uma consciência europeia soberana, de cuja inconteste soberana surgiu um mundo oriental”. (SAID 1978, 19). É necessário pontuarmos que as questões que o orientalismo apresenta não são estáticas, podendo sofrerem alterações dos diferentes enunciados presentes e de como essas propostas estão sendo veiculadas. No caso de The Sheik, uma das questões que são apresentadas para nós parte do relacionamento entre ocidente e oriente. A figura da personagem Diana Mayo representaria o que seria considerado pela visão eurocêntrica como a certa e única a ser alcançada pelos corpos que estão a margem dessa cultura. A representação de uma mulher emancipada e que competia em igual grau com os homens europeus presentes na trama. “A construção do sujeito colonial do discurso, e o exercício do poder colonial através do discurso, exige uma articulação das formas de diferença – raciais e sexuais [...]” (BHABHA 1998, 108) E enquanto a construção da personagem Ahmed parte de uma ambiguidade de uma figura presente em dois mundos: o europeu e o africano. O rapto de Diana por Ahmed e a consumação não consensual do atosexo, significava submete-la ao julgo masculino e opressivo de uma sociedade dita como bárbara. Com isso os símbolos presentes como o bom/mau, masculino/feminino, civilizado/bárbaro, avançado/primitivo tornam-se um dos componentes principais de um cinema do início do século XX, que buscava por meio de um conjunto de signos promover estereótipos que ficaram sendo perpetuados em outras obras do mesmo período, podemos citar algumas como: The Sheik’s Wife (1922), Burning Sands (1922), Tents of Allah (1923), The Arab (1924), The Son of the Sheik (1926), She is a Sheik (1927), The Sheik Steps Out (1937), entre outras produções produzidas pelos grandes estúdios estadunidenses da época.
E essas produções seguem um modelo formulaico e geralmente estão inseridos dentro do modelo de narrativa: um europeu (a) entra em contato com um (a) árabe, se torna cativo (a) do (a) árabe, a revelação de um grande segredo que geralmente envolve a genealogia do (a) árabe e que na verdade, essa personagem não seria tão árabe assim, tendo algum vínculo/ancestralidade europeia que poderia justificar o relacionamento previamente estabelecido/concebido entre a Europa e a Arabia, marcando uma espécie de interracialidade permitida ou seja dentro dos padrões daquele período, não promovendo uma transgressão ao status quo/norma.
[...] O estereótipo é um modo de representação complexo, ambivalente e contraditório, ansioso na mesma proporção em que é afirmativo, exigindo não apenas a que ampliemos nossos objetivos críticos e políticos mas que mudemos o próprio objeto de análise. A diferença de outras culturas se distingue pelo excesso de significação ou da trajetória do desejo. Estas são estratégias teóricas que são necessárias para combater o etnocentrismo, mas não podem, por si mesmas, sem serem reconstruídas, representar aquela alteridade (BHABA 1998, 110).
A construção semiótica do filme desde o início apresenta esses estereótipos bem marcados do orientalismo como: palmeiras, camelos, oásis, homens andando em cavalos negros, dunas de areia e muçulmanos rezando. “[...] o discurso colonial produz o colonizado como uma realidade social que é ao mesmo tempo um outro e ainda assim apreensível e visível [...]” (BHABA 1998, 111). Através desses símbolos somos apresentados a uma realidade imaginada que incluí cenas nas quais são representadas árabes vivendo vidas simples e realizando situações do cotidiano: dar aulas nos oásis, alimentação de animais, entre outras particularidades. Essa representação é interessante quando paramos para refletir sobre como esse discurso veiculado na telas, abre caminho para a primeira justaposição do Oriente com o Ocidente. Sobre essa questão Said nos traz: “O oriente era quase uma invenção europeia, e fora desde a Antiguidade um lugar de romance, seres exóticos, de memórias e paisagens obsessivas, de experiências notáveis” (SAID 2007, 01). A ideia de Diana de viajar pelo deserto em uma caravana apenas com homens árabes é apenas um dos mecanismos apresentados para condicionar o corpo e desejo da personagem unicamente aos desejos masculinos, sendo contrária inclusive a ideia promovida pelo Ocidente de civilização e razão.
Dadas as ambivalências dos dois protagonistas, seu encontro no deserto transforma a jornada orientalista de descoberta em uma jornada de romance. Os filmes seqüência de rapto e cativeiro, sedução e tentativa de estupro representam o Fantasias orientalistas de medo e desejo, de superioridade racial e poder através da binariedade do branco virtuoso donzelas e árabes lascivos e cruéis.
A contínua aversão que o Sheik promove com Diana e seus avanços de caráter sexual, são algumas das características típicas de uma produção de viés orientalista. A começar pelo esteriótipo do árabe cruel e antagonista, que ocorre principalmente na cena onde é mostrada a tentativa de estupro de Diana, na qual ela é reduzida apenas a uma cena de choro ao se ver totalmente impotente e sem saída daquele cativeiro onde se encontra. E é nesse momento, que as lágrimas de Diana fazem o Sheik mudar totalmente sua relação com Diana, como se aquela demonstração de sentimentos o fizesse repensar seu lugar de poder.
Não há nada de misterioso ou de natural na autoridade. Ela é formada, irradiada, disseminada; é instrumental, é persuasiva; tem posição, estabelece padrões de gosto e de valor; é virtualmente indistinguível de certas ideias que dignifica como verdadeiras, e das tradições, percepções e juízos que forma, transmite e reproduz. Acima de tudo, a autoridade pode e realmente deve ser analisada. Todos esses atributos da autoridade são válidos para o orientalismo (SAID 1978, 31).
Enquanto essa reviravolta narrativa extraordinária pode ser visto como uma prefiguração de, de uma transformação subsequente de o Sheik em um europeu civilizado e portanto, uma confirmação da tradição ocidental influência civilizadora incorporada na vulnerabilidade feminina, é igualmente discutível que o orientalista o discurso é aqui levado a uma crise. A questão não é menos do que a ideia da miscigenação, que o medo e o desejo da estranha e proibida união racial de branco e do Outro, geralmente um corpo racializado e considerado como bárbaro, que ambos manifestam a influência e impacto de uma dominação branca do Outro de caráter europeu, enquanto também situa de maneira negativa a distinção racial, premissa inicial do filme, onde ambas as personagens encenam e disfarçam essa ambuiguidade do medo e do desejo através das ordens do Sheik ordenar que Diana se vista e comporte-se com trajes típicos árabes, uma violação simbólica da sua identidade europeia, isso seria coloca-la em crise quanto a sua identidade e como ela agiria em torno disso. Isto é seguido por desdobramento da própria quebra da resistência de Diana que ao ouvir o Sheik cantando a mesma música que ela havia cantado anteriormente, acaba compreendo que mesmo naquela situação tão inusitada o Sheik era o homem ideal para ela, porque mesmo repleto e se construindo como um bárbaro, essa personagem ainda detinha o mínimo da racionalidade e da razão, capaz de apreciar uma obra de arte europeia, ou seja, nem tão selvagem assim. “O esteriótipo é, nesse sentido, um objeto impossível. Por essa mesma razão, os esforços dos saberes tradicionais do colonialismo – pseudo científico, tipológico, legal-administrativo, eugênico – estão imbicados no ponto de sua produção de sentido [...] (BHABA 1998, 125). O filme entra em um ponto crucial quando um novo personagem surge: Raoul de St. Hubert, escritor de romances, médico e amigo do Sheik. Seu papel é o deus ex-machina na trama que irá verificar e ajudar a Diana a entender seus sentimentos conflitantes por Ahmed. Primeiro, ele é a voz da consciência e valores mais altos. Ao saber da visita surpresa ao Sheik, Diana sente-se vergonhada de ser vista com roupas típicas árabes na qual, ela sente que são inferiores as suas, de caráter europeu. Principalmente quando ela se dá conta de que quem a veria daquela forma seria um europeu que nem ela própria. Podemos considerar que esse sentimento de vergonha na qual ela experimenta é simbólico para marcar que a dominação e a despersonalização da qual ela sofreu desde o rapto no deserto. Raoul personifica os ideais europeus de cultura e sofisticação e com seu trabalho de escritor de romances, acaba promovendo uma aproximação entre a realidade de Diana com as obras ficcionais do autor. Os dois aspectos - simpatia e consciência - se reúnem em um íntimo conversa entre eles quando Diana pergunta: “Existirá um homem como você descreveu - tão terno e fiel quanto o seu herói?” A pergunta de Diana é obviamente provocada por sua raiva e mágoa pela crueldade do Sheik em decorrência ao tratamento dado a ela e sua resposta a descoberta do amor que sente por ele, embora queira negar. A falta dessas qualidades que fazem do Sheik sob a repreensão de Raoul não poder aproximar- se do ideal romântico de seuspersonagens. Isso é importante observar que, até o momento, ele é retratado como um árabe, embora de maneira ambígua. Somente através de Raoul que a sua identidade é revelada como sendo um europeu. Sheik Ahmed não é um árabe, mas um nobre inglês cujo pai é um senhor inglês e sua mãe uma senhora espanhola. Ele havia sido adotado pelo governante Sheik, depois que seus pais morreram no deserto. A reprovação de Raoul ao modo como Ahmed trata Diana, desperta a consciênciado Sheik e ele lamenta o tratamento que deu a Diana. “[...] A fantasia colonial não tenta encobrir aquele momento de separação. Torna-a mais visível [...]” (BHABA 1998, 127).
Ainda, ironicamente, as palavras de Raoul servem também para sublinhar a ambivalência do discurso colonial; não é um árabe que sequestrou Diana, mas sim, um homem branco e europeu.” Essas atitudes orientalistas contemporâneas povoam a imprensa e a mente popular. Os árabes por exemplo, são vistos como libertinos e montados em camelos, terroristas, narigudos e venais cuja riqueza não merecida, é uma afronta a verdadeira civilização” (SAID 1978, 121).
Para completar a transformação do Sheik em europeu, o filme apresenta outro personagem: o bandido Omair, cujo papel é representar o estereótipo de vilão Árabe. O harém torna-se o local onde estereótipos retornam sem qualquer ressalva, ou seja, luxúria e crueldade masculina, e feminina como o ciúmes e a intriga. Essas fantasias são introduzidas na cabeça de Diana quando ela é novamente forçada a se vestir como uma mulher árabe e vai ser estuprada por Omair a quem ela opõe grande resistência antes de ser resgatada pelo Sheik. Inicialmente a representação do Sheik Ahmed é conhecida e apresentada ao espectador como de um árabe, porém ao ser revelado por Raoul a real identidade da personagem como um europeu, é transformado em um herói na qual sua figura fica totalmente colocada como nobre ao salvar a mulher que o ama. Já que ele a estaria protegendo da tentativa de violência sexual promovida por árabes reais.
Na era dos filmes mudos em preto e branco, as cores e as roupas eram grosseiramente simbólicas. Os vilões dos faroestes americanos usavam roupas escuras e um chapéu escuro, enquanto o herói do faroeste era simbolizado por seu chapéu branco. O mesmo simbolismo pode ser visto em O Sheik. Quando Diana é sequestrada, ela usa roupas de montaria de cores claras e topete - o traje da autoridade imperial europeia que também é usado por Raoul de Saint Hubert. Forçada pelo Sheik a vestir um vestido de noite escuro, o símbolo de sua identidade branca europeia e cristã repousa na grande cruz que é vista com destaque em seu pescoço. No entanto, a roupa é mais ambígua para os homens árabes, principalmente o Sheik. Nas cenas de abertura, ele e os outros homens árabes estão vestidos com túnicas brancas. No momento em que ele tem Diana em seu poder, no entanto, suas vestes brancas deram lugar a roupas listradas ou estampadas mais escuras, multicamadas e ricamente texturizadas de branco, preto e outros tons. Na cena final do leito de doente, quando o Sheik, por meio de Diana, recupera sua brancura e literalmente vê a luz, ele está simplesmente vestido com uma camisa clara indefinida e calças. Sem seu turbante característico, ele é indistinguível de um homem europeu.
As cenas de conflito entre Ayres e Valentino em O Sheik enfatizam o contraste entre a escuridão dele e a luz dela. As mãos de Valentino foram escurecidas artificialmente para que se destacassem contra sua pele e suas roupas sempre que ele a segurasse. Embora seu rosto seja mais escuro que o dela - como era a tradição para todos os homens brancos justapostos a mulheres brancas no cinema da época - seu rosto parece branco quando ele não está próximo de Ayres. A pele escurecida de Valentino pode ter sido destacada como um trunfo, já que ele estava interpretando um chefe árabe carismático e de sangue quente. No entanto, dados os medos raciais generalizados de miscigenação e o sentimento nativista sobre a pureza branca, e dado o fato de que a Ku Klux Klan estava em ascensão na década de 1920, os produtores optaram pela segurança: apenas nos pôsteres e cartões de lobby, especialmente aqueles em cor, a pele de Rudy parece bronzeada ou mesmo preta. Na tela, seu rosto aparece branco, mas suas mãos aparecem mais escuras. Essa esquizofrenia de iluminação e coloração reflete a ambivalência dos americanos em relação aos outros raciais e étnicos, e em relação à cidadania e até à própria branquitude.
No final do filme, Sheik Ahmed luta contra o bandido Omair e é ferido pelo escravo de Omair que o atinge na cabeça com um golpe. Depois disso, Omair é derrotado e o Sheik Ahmed, gravemente ferido, é levado para sua tribo. O final do filme replete as problemáticas já apontadas até esse momento, até agora, embora a identidade europeia de Sheik é de conhecimento público, porém para Diana, ele não passa de um árabe, por isso o amor que ela sente é errado e inválido, Raoul age como um personagem fundamental em esclarecer de uma vez por todas os equívocos que separam as personagens principais. Como o Ahmed a princípio está mentindo e Diana ao sentar-se perto dele, pegando suas mãos. Ela percebe que essas mãos são muito grandes para um árabe. Ela diz: “A mão dele é tão grande para um árabe”, ao qual e Raoul responde: “Ele não é árabe, seu pai era um inglês, sua mãe uma espanhola.”
Ele continua: “Vinte e cinco anos atrás, o o velho Sheik Ben Hassan encontrou a mãe de Ahmed e pai abandonados por seus escolta - deixado para morrer no deserto. Durante seu período de amadurecimento, Ahmed é mandando a Europa e retorno ao deserto com a morte do pai adotivo para assumir a liderança da tribo. Através do hibridismo do Sheik, então, o filme consegue tanto representar o assimilação do “outro” ao mesmo tempo o tempo expõe as contradições discursivas e limites do Ocidente. Através de romance do amor do Sheik e Diana e aventura, o filme expõe o gênero e preconceitos raciais do Ocidente. A terra do “Outro” é agora representado como um espaço onde valores alternativos de liberdade e felicidade individual, e gênero identidades podem ser imaginadas pelo menos como possibilidades a serem desejadas. O Sheik foi produzido em um contexto de crescente preocupação americana branca com a imigração do sul e leste da Europa, que acabou resultando na Lei de Imigração de 1924 - a Lei Johnson- Reed - que incluía um sistema de “cota de origem nacional” para europeus, limitando o número de imigrantes a 2% do grupo populacional existente no censo de 1890. Como argumentou Matthew Frye Jacobson, o período de imigração europeia em massa de 1840 a 1924 “testemunhou uma fratura da branquitude em uma hierarquia de raças brancas plurais e cientificamente determinadas”, dominadas pelos anglo-saxões. A resposta dos imigrantes europeus recém-chegados - irlandeses, italianos, poloneses e eslavos - ou seus descendentes foi lutar pela inclusãoe consolidação de uma identidade “caucasiana” branca abrangente, construída às custas dos americanos negros que então migravam do do Sul agrário ao Norte e Oeste urbano e industrial. O teste crucial para pertencer era, claro, a naturalização e a cidadania, restrita desde 1790 a “pessoas brancas livres” e posteriormente alterada em 1870 para incluir “estrangeiros de natividade africana e pessoas de ascendência africana”. Em vez de desafiar a base racial da cidadania, o final do século XIX e início do século XX viu uma série de tentativas legais de fazer com que certos grupos marginais fossem declarados “brancos”.
Conclusão
O Sheik foi um dos mais importantes artefatos culturais populares produzidos no século XX, texto cuja influência ainda hoje se evidencia em inúmeras canções, romances, filmes, séries de televisão, histórias em quadrinhos, desenhos animados, e na própria transformação das conotações associadas com a própria palavra “Sheik”. Hoje, porém, o que resta do texto na memória popular é a imagem de uma mulher branca raptada por um árabe moreno de túnica esvoaçante, empoleirado em um corcel galopante trovejando sobre as dunas do deserto. Enquanto isso, o próprio Sheik árabe que virou inglês tornou-se inextricavelmente entrelaçado com, e talvez até mesmo perdido, a imagem do ídolo matinê italiano que virou árabe e virou americano Rudolph Valentino, cuja morte logo após a conclusão de O Filho de o sheik negou-lhe qualquer oportunidade de romper sua associação eterna com o sheik, desempenhando outros papéis subseqüentes. Ambas as imagens - o rapto a cavalo e Valentino como o Sheik - evocam simultaneamente diversão e fantasia, ridículo e romance; e talvez seja por isso que relativamente pouca atenção foi dada tanto ao romance quanto ao filme em comparação com outros romances e filmes populares ao longo do século XX.
The Sheik foi recebido em um contexto de reação contra as mulheres. Embora as mulheres com mais de trinta anos tenham recebido o voto em 1918, essa vitória limitada do sufrágio feminino foi compensada pela redução de mulheres da força de trabalho para dar lugar aos soldados que retornaram e pela hostilidade contra as jovens mulheres da classe trabalhadora por aceitarem empregos masculinos ou, em geral, cidades portuárias, para conviver com outros homens, especialmente homens “negros”. As mulheres certamente não foram passivas diante dessa reação. Muitas jovens comemoraram desafiadoramente os ganhos que restaram a elas após a guerra: acesso à esfera pública e às novas formas de consumismo e entretenimento público que varreram a Grã-Bretanha na década de 1920 - compras, dança e cinema, onde consumiam Hollywood pratos como o Sheik. Eram entretenimentos que celebravam e davam expressão ao desejo sexual feminino, incluindo o desejo – realizado na fantasia, senão na realidade – por homens “negros” perigosos, entre os quais se incluíam os árabes e os sul-asiáticos. No final, Hull cedeu ao desejo sexual das mulheres, mas controlou firmemente suas fantasias inter-raciais, desviando-as para a figura do heroico homem britânico em "Arab- face".
A mesma atitude amplamente compartilhada em relação à raça que, no entanto, mascarou variações significativas também pode ser vista na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos, que eram hostis às relações interraciais entre mulheres brancas e homens não-brancos. Apesar da falta de qualquer proibição legal contra relações interraciais na Grã-Bretanha e suas colônias, tais uniões entre mulheres brancas e homens não-brancos eram tratadas com profunda repulsa e condenação, porque os limites da raça imperial e seus súditos colonizados inferiores estavam sendo violados— algo a que a sociedade britânica se opôs fortemente, especialmente após o “motim” indiano de 1857. Os árabes eram geralmente colocados em pé de igualdade com os africanos nessa hierarquia imperial de raça. Nos Estados Unidos, no entanto, as leis antimiscigenação visavam diretamente os afro-americanos e eram sustentadas pelo mito do homem negro estuprando a mulher branca (ignorando a realidade real de homens brancos estuprando mulheres negras). Os árabes, embora não fossem exatamente “brancos”, eram diferenciados dos afro-americanos e, no início da década de 1910, consolidaram seus direitos de cidadania como americanos com base no fato de não serem “negros”. Aqui, a história da imigração atua na construção da identidade racial e branca. Para os britânicos, as questões raciais tinham sua maior importância no império; dentro da própria Grã-Bretanha, além dos bolsões de populações não-brancas nas cidades portuárias, os súditos eram brancos precisamente porque eram britânicos. Nos Estados Unidos, no entanto, a imigração europeia a partir da era pós-guerra levantou a questão de quem poderia ser considerado branco e, portanto, um cidadão em potencial. Os limites da “brancura” foram gradualmente estendidos para incluir os irlandeses, europeus orientais e do sul, judeus e, eventualmente, árabes – todos os quais se combinaram para formar uma raça “caucasiana” que novamente se diferenciou dos negros americanos.
Quando George Melford dirigiu O Sheik, pode-se observar o mesmo processo de incorporação do italiano/árabe Valentino à sociedade branca. Os árabes são “brancos” o suficiente para serem interpretados pelos italianos que, por sua vez, tornaram-se “brancos” o suficiente para representar os ingleses (embora com uma pitada de sangue hispano-mourisco). Os árabes “brancos” associam-se a brancos como os franceses. Ao contrário do bandido degenerado Omair, o sheik branco se distancia e se diferencia de indiscutivelmente “negros” como escravos núbios. A lógica étnica racial e brancadeste filme só faz sentido no contexto da história das políticas raciais, imigratórias e de cidadania americanas do início do século XX: uma história na qual os negros são constantemente representados em algum tipo de servidão, mas onde pessoas não- brancas/não-negras podem ser assimiladas ao corpo político como cidadãos se se distanciarem dos negros.
As circunstâncias de sua produção filmica em meio à Primeira Guerra Mundial e sua subsequente recepção decorrente de diferentes contextos imperiais, étnicos, raciais, e os contextos orientalistas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos receberam pouca menção. Isso não quer dizer que o filme e o romance não se sobreponham, ou sejam radicalmente diferentes em significado e recepção na Grã-Bretanha e na América, respectivamente. Este claramente não é o caso. O primeiro plano do desejo de Diana por aventura, paixão e o exótico Oriente é compartilhado tanto pelo romance quanto pelo filme; assim como sua confiança arrogante decorrente de sua posição como súdito imperial branco que tem o poder, em última análise, de resgatar o homem europeu “que se tornou nativo” e restaurá-lo ao seu eu branco. Enquanto o romance a esmaga e a reduz à passividade submissa ao Sheik, no entanto, o filme celebra seu espírito e a mostra triunfante sobre um Sheik um tanto debilitado no final. Ainda assim, o filme de Hollywood compartilha as suposições imperiais do romance e gentilmente confirma a insinuação do romance de que os franceses são colonizadores fracos que são melhor escolhidos como coadjuvantes da trama e dos protagonistas britânicos, embora o cenário seja a Argélia colonial francesa. Tanto o romance quanto o filme toleram o papel da violência no romance - embora o filme subseqüentemente cubra a cena de estupro do romance com uma ambigüidade tímida - e, é claro, ambos exaltam a figura do Sheik como um herói romântico oriental ameaçador, hipnotizante e sexualmente potente. E não podemos não trazer que vários desses esteriótipos ainda estão presentes na produção cinematrográfica ocidental, sendo The Sheik uma das principais obras pra entendermos todas as problemáticas referentes ao orientalismo e racialidade na qual esse artigo propõe.
Bibliografia
Butler, Judith.2003. Problemas de gênero: Feminismo e subversão da identidade, São Paulo: Civilização Brasileira.
Said, Edward.1978. Orientalismo: O Oriente como invenção do Ocidente. São Paulo: Companhia das Letras.
Bhaba, Homi K.1998. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora da UFMG.
Filmografia
The Sheik. 1921. De George Melford. Estados Unidos: Versátil Home Video, DVD.