Abstract
In order to map the film structures of production that contributed to create, boost and maintain the production activity in northern Portugal and that through its activity were part of the history of cinema in Portugal in the Northern Region, we will make an approach to the beginning of cinema in Portugal, focusing on the Northern region of Portugal, trying to understand the reasons that led to a series of innovative and advanced projects for its time, eventually failed to consolidate, despite all the entrepreneurship that was at its base.
With this research we make an approach to one of the big questions that always arise when addressing the theme of a national cinematography and its history, about what really characterizes the cinema of a country or territory and what its production structures are.
Keywords: Aurélio da Paz dos Reis, Invicta film, Film production, Silent movies.
O cinema português e a produção de cinema no Norte de Portugal
Este artigo insere-se num dos capítulos da Tese de Doutoramento “A produção cinematográfica de longas-metragens e séries de ficção na região norte de Portugal – Subvenções para um estudo sobre práticas, estratégias e sustentabilidade” que está a ser desenvolvida pelo autor, no contexto do Programa de Doctorado en Información e Comunicación Contemporânea da Universidade de Santiago de Compostela, sob a orientação da professora Catedrática Maragarita Ledo Andión.
No sentido de mapear as estruturas cinematográficas de produção que contribuíram para criar, dinamizar e manter a atividade de produção no Norte de Portugal e que através da sua atividade fizeram parte da história do cinema em Portugal na Região Norte, iremos fazer uma abordagem ao início do cinema em Portugal, com enfoque na região em estudo, tentando compreender quais os motivos que levaram a que uma série de projetos inovadores e avançados para a sua época, acabaram por não se conseguir consolidar e falharam, apesar de todo o empreendedorismo que estava na sua base.
Algumas das grandes questões que sempre se colocam quando se aborda o tema de uma cinematografia nacional e da sua história, tem a ver com o que de facto caracteriza o cinema de um país ou de um território e quais as suas estruturas de produção.
Existe um cinema português com uma especificidade e caraterísticas que o destaquem de outras cinematografias? Que estratégias e modelos de produção foram implementados e quais os seus resultados? A Região Norte tem uma história de produção cinematográfica relevante no contexto da produção portuguesa?
Perante as questões enunciadas, faz-se uma abordagem ao início do cinema e aos modelos de produção na época do cinema mudo no Norte de Portugal.
1. O início da produção de cinema no Norte de Portugal
O surgimento do cinema enquanto resultado de um conjunto de invenções técnicas, consuma-se na invenção do cinematógrafo pelos irmãos Lumière em 1895 e nas produções cinematográficas de cariz documental que posteriormente desenvolveram diretamente ou através dos seus operadores e imitadores.
Deu-se início a uma atividade artística e industrial, que tem tido continuidade até aos dias de hoje com um impacto em termos culturais, no entretenimento e económico muito relevante para a afirmação das comunidades, dos seus usos e costumes.
No Porto, no começo do cinema enquanto arte e indústria, vamos ter dois momentos históricos fundadores da produção cinematográfica em Portugal, M. Felix Ribeiro chama-lhes “o 1º e o 2º Ciclos do Porto” (M. F. Ribeiro 1983, 7,67), enquanto Sérgio C. Andrade se refere a um primeiro momento como “o nascimento da própria arte das imagens em movimento(…)” (Andrade 2002, 55) e num segundo momento à criação das empresas Invicta Film e Caldevilla Film.
O Início do cinema em Portugal é coincidente com um período político do final da monarquia. O seu desenvolvimento e consolidação ao nível da produção de filmes, vai posteriormente ter continuidade no período da implantação da República em Portugal, que ocorreu a 5 de outubro de 1910, abrangendo ainda o período da 1ª guerra mundial. Este período, sendo muito instável politicamente, coincidiu, no entanto, com uma época de grandes inovações tecnológicas, que deram lugar a novas formas de expressão e linguagens.
1.1. O início do cinema no Porto com Aurélio da Paz do Reis
A invenção do cinematógrafo, aparelho registado por Auguste e Louis Lumière, sob patente em 13 de fevereiro de 1895 (Ford 1966, 9), e posteriormente a primeira exibição pública comercial do cinematógrafo dos irmão Lumière em 28 de dezembro de 1895, na cave do “Grand Café” do Boulevard des Capucines, número 14, em Paris, onde apresentam a 35 espetadores um programa com filmes de Louis Lumière , constituído por dez pequenas bandas de dezasseis metros: “La Sortie des Usines Lumière à Lyon”; “Querelle de Bébés”; Le Bassin des Tuileries”; “L’Árrivé du Train”; “Le Regiment”; “Le Marechal-Ferrant”; “La Partie d’Écarté”; “Mauvaises Herbes”; “Le Mur” e “La Mer” (Ford 1966, 15), deram origem à atividade cinematográfica, que se continuou a desenvolver até aos dias de hoje.
Em Portugal a introdução destas novas invenções e as consequentes projeções de cinema, chegaram em 1896, primeiro em Lisboa e depois no Porto, menos de um ano após a invenção em 1895, do cinematógrafo pelos irmãos Lumière.
No Porto, relatos referem um português Francisco Pinto Moreira, como um dos precursores das primeiras sessões de cinema, atribuindo-se inclusive a autoria de uma invenção técnica o “Animatógrapho português” para a qual não há confirmação da sua veracidade. No entanto as exibições públicas existiram e estão documentadas pela imprensa da época. (Santos 1990)
Em 18 de junho de 1896, Edwyn Rousby, faz a primeira sessão de cinema em Portugal, no Real Coliseu em Lisboa, e um mês depois em 18 de julho de 1896, o “Animatógrapho Rousby” é apresentado no Teatro Príncipe-Real (mais tarde chamado Sá da Bandeira) no Porto (O Cinema em Portugal 2021, 4).
A rápida aceitação e disseminação desta nova forma de arte no Porto, tem em Aurélio da Paz dos Reis (1862-1931)1, um enorme entusiasta, após ter assistido com 33 anos à sessão do animatógrafo de Rousby no Porto, dedicou-se durante um período da sua vida à realização de filmes, vindo a ser um dos pioneiros da história do cinema português, sendo considerado o “primeiro realizador português”. (M. Tereza Siza 1998)
Os seus filmes, se por um lado imitam algumas das obras mais conhecidas dos irmãos Lumière e dos seus operadores, sendo, no entanto, adaptados ao contexto português, são igualmente um testemunho histórico dos usos e costumes da sociedade à época.
Paz dos Reis, sendo um apaixonado pela fotografia, com especial enfoque nas “vistas estereoscópicas”, representou Portugal em várias exposições, era um fotógrafo multipremiado internacionalmente, medalha de prata (uma fotografia estereoscópica de uma feira de gado) na Exposição Universal de Paris em 1900, a medalha de prata na Exposição Universal de Saint Louis, EUA, a medalha de ouro na Exposição Internacional do Panamá em 1915 e a medalha de ouro e grande diploma de honra na Exposição da Independência do Rio de Janeiro em 1923.
O seu legado fotográfico é reconhecido pela sua inovação e qualidade, sendo considerado um dos melhores fotógrafos da época, equiparado a Emílio Biel, Cunha Moraes, Benoliel ou Francisco Camacho.
O seu fascínio pelo cinema fez com que se deslocasse ao estrangeiro, “financiado pelo seu cunhado, proprietário da famosa Camisaria Confiança, na Rua de Santa Catarina, no Porto, Paz dos Reis rumou a Paris, onde compraria, em 1896, um aparelho cinematográfico a um dos inúmeros fabricantes concorrentes dos irmãos Lumière”. (Baptista 2008, 20).
Após ter realizado um conjunto de filmes, com “motivos portugueses”, organiza a 12 de novembro de 1986, no “Theatro Príncipe Real” uma sessão de “Photographia Animada” de apresentação do “Kinetographo Portuguez” para o público do Porto. O programa era composto por “12 Grandiosos Quadros, sendo 7 Portuguezes e 5 Estrangeiros”, sendo os quadros portugueses da sua autoria: “Jogo de Pau (Santo Thyrso)”; “Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança” 2 “Chegada de um comboio americano a Cadouços”; “O Zé Pereira na Romaria de Santo Tirso ” (durante a exibição um grupo de Zés Pereira batia atrás da tela os tambores e os bombos – tentativa de cinema sonoro); “A Feira de S. Bento”; “A rua do Ouro”; “Marinha do Tejo – Saída de 2 Vapores”. (Almeida 1982, 19).
Posteriormente à exibição dos filmes em 12 de novembro no Porto, organiza uma nova sessão em Braga e depois novamente no Porto.
A boa aceitação por parte da imprensa e do público dos filmes de Aurélio da Paz dos Reis, em conjunto com as temáticas portuguesas dos seus filmes, fez com que decidisse apostar no mercado brasileiro para exibir os seus filmes, mais uma vez com o apoio financeiro de António da Silva Cunha, da Fábrica Confiança, tendo viajado em 8 de dezembro de 1896 para o Rio de Janeiro, levando consigo não só os filmes realizados por si que abordavam temáticas ligadas a Portugal, mas igualmente os filmes estrangeiros que comprou para poder oferecer um programa mais diversificado, tendo em conta a reduzida duração de cada um dos filmes.
Estreia as suas projeções “no Rio de Janeiro, 15 de Janeiro de 1897, no Teatro Lucinda” (Almeida 1982, 20), mas contrariamente às suas expetativas e do seu financiador que o apoiou nesta aventura, “As projecções de Paz dos Reis não tiveram êxito; a Imprensa, bem pelo contrário, disse que a cintilação e a falta de nitidez faziam impressão.” (Almeida 1982, 20), talvez devido a este facto e do o cinema já não ser no Brasil uma novidade, o projeto de Paz dos Reis revelou-se um enorme fracasso, sendo considerado como o principal motivo do seu desinteresse pelo cinema quando do seu regresso a Portugal.
Após o regresso do Brasil, volta a fotografar tendo-se mantido como fotógrafo até morrer, acompanhando enquanto ativista e fotógrafo, alguns dos eventos mais marcantes da sua época, como a revolta republicana de 5 de outubro de 1910, que implantou a Républica em Portugal.
O seu espólio (com mais de dez mil peças), doado pelo seu sobrinho Hugo da Paz dos Reis ao Centro Português de Fotografia no Porto (CPF)/Cidade do Porto, está atualmente em depósito no CPF (Centro Português de Fotografia (cpf.pt)).
Aurélio da Paz dos Reis, ficou para a história do cinema português, como um pioneiro, enquanto realizador, diretor de fotografia e produtor, e pelas temáticas portuguesas que abordou nos seus filmes.
Marca um primeiro momento do surgimento do cinema no norte de Portugal, muito próximo do início do cinema a nível internacional, representando o espírito empreendedor associado a uma vontade de inovar, que caracterizaram a sua atividade artística e profissional, embora com uma duração muito curta no que concerne ao cinema. As suas produções abordando temáticas portuguesas tinham, no entanto, o objetivo de serem mostradas no estrangeiro, para que fosse possível rentabilizar o investimento realizado na aquisição dos equipamentos, película, cópias de exibição. Ou seja, desde sempre a base económica, esteve presente no processo de produção cinematográfica.
Este episódio, mostra que sempre houve uma estreita ligação de Portugal com que estava a acontecer na Europa ao nível do cinema e em particular com a Região Norte.
A sua relevância é inquestionável para a história do cinema português, embora enquanto cineasta o que chegou até nós, seja muito limitado devido ao reduzido número de filmes que foram preservados. No entanto a sua extensa obra fotográfica, que permanece preservada e disponível para se conhecer, atesta da qualidade do seu trabalho, permite-nos reconhecer importância da sua obra e a originalidade do seu olhar enquanto fotógrafo e realizador no contexto de uma época de descoberta de novos caminhos para linguagem cinematográfica.
Colocam-se muitas questões sobre as condições de produção dos primeiros cineastas, a linguagem utilizada, considera-se que havia muita imitação e pouca inovação, mas é necessário não esquecer que estávamos num período de descoberta de uma nova arte, em que o cinema ainda procurava a sua linguagem, com enormes constrangimentos técnicos, ao nível dos equipamentos de captação e exibição, da qualidade e sensibilidade das películas utilizadas e dos processos de revelação, assim como da sua duração, acrescendo a tudo isto os constrangimentos orçamentais. É por isso natural, que sem uma formação adequada, formados apenas através da experiência prática os operadores e realizadores no processo da descoberta de novos caminhos fossem inicialmente muito semelhantes.
“Os filmes Aurélio da Paz dos Reis inserem-se nas características do chamado cinema dos primeiros tempos, que foi estudado por autores como Tom Gunning (1990). Os filmes de Aurélio da Paz dos Reis fazem parte de um cinema que, no essencial, tem como objectivo maior a mostração em vez da narração, ou seja, é um cinema que não depende de um narrador, mas de um “encenador” que compõe o quadro – com o rigor que advém da experiência com a fotografia-, que define o ponto de vista e o enquadramento de uma acção a decorrer no tempo presente e sem grandes encenações. É, também, um cinema onde se apela à participação do espectador já que as pessoas registadas em imagem não se coíbem de olhar para a câmara. É, enfim, uma abordagem directa e simples ao objecto a filmar.” (Penafria 2013, 30)
Os primeiros filmes eram essencialmente de carater documental, quer pela determinante técnica já referida, como pela opção por temáticas mais do agrado do público, que permitiam uma maior identificação das audiências com os eventos filmados, só posteriormente surgem filmes que resultam de uma aposta na produção de cinema de ficção, adaptando obras literárias ao cinema. É neste contexto que o cinema evolui para processos de produção mais industriais, que tentavam conjugar os filmes de arte com um cinema mais voltado para o grande público.
1.2. A Invicta Film e o modelo de produção do cinema mudo a Norte
A produção cinematográfica portuguesa do início do cinema em Portugal, começou como já foi anteriormente referido, por ser estruturada à volta do documentário, abordando os denominados “motivos portugueses”, havendo já neste período a concorrências com muitos filmes estrangeiros que faziam parte dos programas exibidos ao público.
Com o evoluir no tempo, as produtoras que foram sendo fundadas, começaram a equacionar uma aposta na produção de ficção, no sentido de criarem modelos de produção empresarial e industrial que promovessem uma continuidade da sua atividade e pudessem abranger os mercados nacional e o internacional, concorrendo com os filmes estrangeiros exibidos em Portugal.
Por ser o enfoque desta investigação será na ficção que nos iremos centrar, fazendo, no entanto, o enquadramento histórico de todo o processo.
Na continuidade do processo de afirmação da produção de cinema em Portugal a norte, no sentido de identificar uma estrutura profissional e artística, que desenvolva uma atividade sistemática e consistente, teremos que ir até ao ano de 1910, onde nasce no Porto, um projeto de que se propôs construir um sistema de produção industrial, uma empresa fundada em 1910 pelo empresário portuense, Alfredo Nunes de Mattos (à época gerente de uma casa de espetáculos o Jardim Passos Manuel), registada em 2012 com o nome de “Nunes de Mattos & Cª – Invicta Film” (1910-1917) (Augusto 2021, 21).
Num período em que o cinema estava a dar os seus primeiros passos, ainda na época do mudo, as empresas como a Nunes e Mattos & Cª, sobreviviam essencialmente da filmagem de acontecimentos que iam decorrendo no país de agrado do público a que se chamavam atualidades, em que o tema era “genuinamente e exclusivamente português”, eram normalmente exibidas no circuito nacional, ou em alguns casos conseguindo mesmo ser distribuídas a nível internacional, como já foi referido anteriormente. Esta estratégia, permitia-lhe ir mantendo ligações internacionais às grandes distribuidoras Pathé e Gaumont, no sentido de assegurar uma maior rentabilidade dos seus filmes, de se conseguir afirmar no mercado nacional enquanto projeto empresarial, e ser encarada como grande empresa, devido a conseguirem distribuir alguns dos seus filmes no mercado internacional. Produzia igualmente filmes de propaganda das empresas, que lhe permitiam obter receitas de fontes de financiamento diversificadas.
No seu cartaz publicitário (Fig. 6), a Nunes e Mattos & Cª que comercialmente já utilizava o nome de Invicta Film, anuncia para além da “fabricação de películas”, a capacidade para executar todo o tipo de trabalhos relativos ao que denominava de “arte cinematográfica”. Apresentava-se ainda como uma empresa apetrechada com os mais modernos meios técnicos existentes e com capacidade para fazer filmes em qualquer parte do país, possuindo para o efeito de pessoal técnico competente.
A sua atividade de produção de filmes, embora sediada e com cobertura, principalmente do Norte de Portugal, abrangeu, no entanto todo o país, tendo feito filmes que registavam as atividades nas diferentes regiões.
As atividades laboratoriais e mais especificamente a colocação de intertítulos nos filmes nacionais e estrangeiros, desde cedo que se revelou uma importante fonte de financiamento da empresa, tendo igualmente vindo a ser muito relevante no novo projeto a Invicta Film, nesse sentido é compreensível que Alfredo Nunes de Mattos tenha tido a responsabilidade pelo laboratório da Invicta, assegurando o controle dessa importante fonte de receita.
“As responsabilidades de Nunes de Mattos demonstram, aliás, uma atividade paralela do laboratório da Invicta na fabricação de intertítulos portugueses para os filmes estrangeiros estreados em Portugal. Essa atividade foi particularmente lucrativa para a Invicta e antecedeu (durante toda a década de 1910) a produção de filmes de ficção e não- ficção” (Baptista 2013, 84)
Em 10 de fevereiro de 1913, acontece em Leça da Palmeira, um naufrágio de um barco junto à costa, que prontamente foi filmado pelas equipas da Invicta dando lugar a um documentário/reportagem intitulado “O Naufrágio do Veronese”, que se viria a tornar o grande êxito comercial da empresa a nível nacional e internacional, dando grande visibilidade à produtora.
Este episódio terá contribuído para que considerassem que o cinema poderia ser uma enorme fonte de lucro, e que poderia ser rentabilizado, não só o mercado nacional, mas igualmente penetrar num mercado internacional cada vez mais dinâmico, motivando os empresários envolvidos, no sentido de quererem tornar o sistema de produção de filmes mais profissional.
As empresas nacionais enfrentavam o desafio de produzir ficção, e de manter as suas estruturas de produção com uma atividade contínua de modo a poder assegurar os processos industriais.
Tal como aconteceu com os primeiros filmes, surgiu na necessidade de se definir que produções e temas a filmar de modo a ir ao encontro dos gostos do público de cinema num contexto de um mercado de exibição nacional e internacional.
Havia no entanto, a ideia e um apelo da sociedade da época, para que a aposta a fazer, deveria consistir na produção de filmes “tipicamente portugueses”, e, que seria através deste modelo que o cinema nacional se podia afirmar a nível interno e ser igualmente reconhecido e acolhido em outros países, conseguindo fazer frente às produções estrangeiras que já na altura, dominavam a nível da exibição o mercado nacional.
A ideia de um cinema “tipicamente português” acabou por prevalecer, e as produções incorporaram estes princípios, optando por produzir filmes que eram adaptações para cinema, de clássicos da literatura portuguesa. Deste modo, acreditava-se que seria possível afirmar uma identidade própria e que os mercados da língua portuguesa e europeus se abririam para esta nova cinematografia.
Apresentar o cinema português com uma identidade própria que se possa afirmar a nível nacional e internacional, é uma igualmente questão contemporânea, não no sentido de produzir atualmente filmes “tipicamente portugueses”, mas de se equacionar, ultrapassadas as necessidades de técnicos portugueses qualificados (como no período do cinema mudo), quais as histórias e a linguagem que o cinema português deve promover? Que modelos de financiamento e de produção devem ser implementados?
Em contraciclo à abertura de novas salas de cinema (especialmente em Lisboa), o período de 1912 a 1917 foi um dos períodos em que a produção de filmes foi mais reduzida especialmente na área da ficção.
As ditaduras militares de Pimenta de Castro, em 1915, e de Sidónio Pais, em 1917-1918- que, com um golpe de Estado, se apoderou da presidência da República e afastou os dirigentes dos partidos políticos -, terão provocado a estagnação da produção cinematográfica nacional num período crítico do desenvolvimento dessa linguagem em todo o mundo. (…) Com a ficção praticamente estagnada, não fora a actividade da Invicta Film, e o cinema feito em Portugal nesse período resumir-se-ia a actualidades políticas e desportivas, sobre exercícios militares, romarias e festas religiosas e fait-divers de natureza histórico-cultural. (Piçarra 2013, 52)
Em 22 de novembro de 1917, o empresário Alfredo Nunes de Mattos, já com a experiência na produção de cinema através da sua empresa anterior, funda a Invicta Film Lda, criando uma sociedade por quotas de responsabilidade ilimitada, que tem por sócios um conjunto de banqueiros e industriais do Norte. Na nova estrutura empresarial, Nunes de Mattos fica como Gerente Técnico e sugere em face dos novos desafios a que se propunham, a criação de uma nova função, obtendo o acordo dos acionistas para contratar Henrique Alegria (1880-1938) como Diretor Artístico, que de acordo com M. Felix Ribeiro, seria equivalente às funções atuais de um Diretor de Produção (M. F. Ribeiro 1983, 74).
Em 1918, a Invicta Film Ldª, adquire à Santa Casa da Misericórdia portuense a Quinta da Prelada no Porto (terreno com 5 hectares, onde já existia um palácio do sec. XVIII da autoria de Nicolau Nasoni), que virá a ser a sua sede e onde serão construidos os seus estúdios, que foram inaugurados em 1919, apenas ficando concluídos em 1920, acolhendo a produção do filme “Os Fidalgos da Casa Mourisca” (1920) de Georges Pallu.
A produtora, vai ter uma enorme relevância a nível nacional e com especial incidência na produção de cinema no norte de Portugal entre os anos de 1917 e 1924, vindo mesmo a ser considerada a produtora de cinema mais importante do período do cinema mudo em Portugal.
O seu património arquitetónico histórico, tão relevante para a história do cinema em Portugal, não foi preservado, apenas restando desse período, os registos fotográficos, documentos, publicações e textos que permitiram fazer chegar até à atualidade a história da Invicta Film Lda. O edificado foi demolido em 1990 para fins públicos, para permitir a construção da autoestrada de acesso ao Porto.
A criação da Invicta-Film Ldª, representou uma nova aposta empresarial, assim como, a tentativa de implementar a norte processos de produção industrial, como referiu M. Felix Ribeiro no texto de apresentação do catálogo da “Exposição Invicta Film 1917-1924”, que a Cinemateca Nacional organizou em 1973, em reconhecimento da importância que teve na época, “(…) foi uma empresa produtora fundada em 1917, ocupando na história do cinema português um lugar ímpar pela importância da sua organização, pela vastidão das suas instalações, como pelos elementos técnicos e artísticos que com ela colaboraram; e, também, e em não menor nível, pelo mérito de muitos dos filmes que produziu” (M. F. Ribeiro 1973, 1).
O projeto da Invicta Film “propunha-se levar ao grande ecrã histórias portuguesas, tudo filmado com actores e cenários nacionais.” (Augusto 2021, 22), adaptando para a tela clássicos da literatura portuguesa, tendo por base a ideia de que se poderia produzir em contínuo um cinema de ficção de qualidade para o grande público em Portugal, mas tendo igualmente o objetivo de vender os filmes para o estrangeiro, dando sustentabilidade financeira à sua produção.
Para além das questões temáticas o projeto apostou igualmente na dimensão técnica, no sentido em ambicionou ter uma qualidade técnica que fosse inquestionável, introduzindo em Portugal um modelo de produção integral (que para a época era inovador), incluía estúdios modernos, laboratórios, uma organização por departamentos que se articulavam entre si para a produção de filmes. Neste modelo de produção estava igualmente previsto a contratação de atores de teatro reconhecidos do grande público, para garantirem a sua adesão aos filmes em que fossem protagonistas e deste modo contribuírem para o sucesso comercial dos filmes.
Para dar resposta à implementação do projeto, era necessário apostar na qualidade, assim como na continuidade da produção de cinema de ficção. Com os objetivos enunciados ao nível da qualidade das infraestruturas técnicas (estúdios e laboratórios), da necessidade de meios técnicos e de pessoal com formação adequada, fizeram com Nunes de Mattos, se tivesse de deslocar a França acompanhado de Henrique Alegria, para aí adquirir equipamentos e contratar os recursos humanos, o que fossem necessários.
Numa entrevista publicada em 14 de janeiro de 1918, no jornal “O Século” antes de se deslocar para França, Nunes de Mattos questionado sobre os pressupostos para as contratações a efetuar a nível da realização e dos técnicos especializados, afirma que pretende no futuro vir a ter técnicos portugueses que sustentem o projeto, embora reconheça que em Portugal, ainda não existiam em qualidade e com o número suficiente que necessitavam, afirma: “Pelo menos o principal artista, aquele de que principalmente depende a boa execução de um filme – o regisseur” (M. F. Ribeiro 1983, 74).
Em virtude do bom relacionamento comercial anterior com as empresas de Léon Gaumont e dos irmãos Charles e Emile Pathé, a quem forneciam filmes para incorporarem os seus jornais de atualidades, conseguem contratar em França, um conjunto de técnicos experientes que estavam na empresa Pathé, para assegurarem as produções de cinema e o trabalho nos laboratórios, dando garantias de poderem dar resposta com qualidade às exigências técnicas e artísticas que estavam na base do projeto Invicta Film.
Desse grupo de técnicos faziam desde logo parte o realizador Georges Pallu, André Lecointe, arquitecto-decorador, o operador Albert Durot, o chefe de laboratório Georges Coutable e a sua mulher Valentine Coutable, encarregada da montagem dos filmes (os dois mais tarde substituídos por J. Trobertt e Mme Troubertt, vindos também da casa Pathé), o conjunto de elementos cuja competência técnica se manifestaria da melhor forma no decorrer do seu labor nas instalações do Carvalhido. (M. F. Ribeiro 1983, 76)
Na viagem a França, foi igualmente negociada uma grande mais-valia, que consistia no apoio técnico ao projeto de construção dos estúdios e laboratórios da Invicta Film Lda, que pretendiam que fosse o que de mais atual e tecnicamente avançado existisse na época, para que pudessem alcançar uma qualidade que lhes permitisse a afirmação a nível nacional, mas igualmente desse acesso aos mercados internacionais.
Quando questionado sobre as instalações da nova empresa, na entrevista anteriormente referida, Nunes de Mattos, afirma:
Será no Porto, feita segundo o modelo mais moderno das instalações desse género, com o seu teatro, as suas galerias e laboratórios, cujos chefes também serão franceses, etc. Uma vez industriados os nossos operários especializados nos segredos da cinematografia, está bem de ver que a emancipação do estrangeiro será absoluta, completa.” (M. F. Ribeiro 1983, 74)
Antes da decisão final, a localização das instalações que ficaram sediadas no Porto, foi no entanto alvo de questionamento, por ser uma cidade que não tinha uma indústria de cinema desenvolvida, foram referidos alguns argumentos no sentido de que a opção pudesse passar pela construção dos estúdios e dos laboratórios em Lisboa “(…) em consequência de haver aqui mais facilidade e recursos quanto a contactos de artistas, a maior senão a totalidade deles vivendo e trabalhando na capital, (…)” (M. F. Ribeiro 1983, 74). No entanto, os sócios da Invicta Film Lda, com forte ligação ao Porto e ao Norte, apesar do questionamento, mantiveram a decisão de que a sede e as instalações ao nível de estúdios e laboratórios fossem construídas no Porto.
Esta questão, é de uma grande atualidade, porque passados todos estes anos, o país ainda está muito desigual ao nível distribuição das estruturas de produção no seu território. Atualmente as questões acima referidas, permanecem como um argumento para que muitas produtoras estejam sediadas em Lisboa, contribuindo para uma excessiva concentração da produção de cinema e audiovisual em Portugal na região da Grande Lisboa.
Georges Pallu (1869-1948), foi um realizador muito importante na concretização do modelo artístico/industrial que a Invicta Film Lda preconizou, foi envolvido no processo de produção dos filmes, indo muito além do simples papel de realizador, contribuindo significativamente para o sucesso inicial da empresa através de um conjunto de funções que aceitou assumir.
De acordo com Felix Ribeiro (M. F. Ribeiro 1983, 77,78) a Invicta Film Lda formaliza em 1918, um contrato com o realizador George Pallu, através do qual este tem de assumir um conjunto alargado de funções, nas quais se responsabiliza pela escolha dos argumentos em articulação com o Diretor Artístico, e assumir a supervisão da construção de cenários e da direção de arte. No contrato também se define que o realizador tem o poder de decisão na escolha dos atores, ficando igualmente obrigado responsável pela apresentação de um orçamento para cada filme. No entanto todas estas competências delegadas, estão sobre a supervisão do Diretor Artístico, que tem sempre a última decisão na aprovação de todas as propostas e despesas.
O modelo empresarial que a Invicta Film Lda delineou, determinava ainda contratualmente que o realizador George Pallu ao produzir os seus filmes, teria de utilizar os recursos técnicos internos, ou seja, o processo de revelação e de tiragem de cópias positivas de todos os filmes teriam que utilizar os laboratórios da empresa e a montagem ser também feita internamente. Todos estes procedimentos contratuais, tinham como pressuposto a implementação de um modelo inovador de produção de filmes, reunindo numa só entidade os recursos humanos e técnicos que poderiam assegurar o seu sucesso económico.
Um outro objetivo do início da atividade da empresa que deveria ter sido implementado durante o período da guerra, consistiu no estabelecimento de um acordo com a sociedade Pathé Frères, que passava a ser um parceiro comercial preferencial,
em contrapartida, comprometia-se a Pathé a permitir que fossem utilizados pela firma portuguesa os seus “brevets”, planos e conselhos que viessem a ser necessários para o bom funcionamento da sociedade, bem como o seu concurso para a escolha dos realizadores e do pessoal necessário e capaz que a Invicta Film pudesse vir a necessitar; rever e dar a sua opinião sobre as obras originais a transpor para o cinema; mandar fazer as adaptações necessárias desses originais; efetuar a montagem de negativos que lhe fossem confiados, e colocar os positivos entre a sua clientela (cláusulas à primeira vista importantíssimas para uma empresa nascente mas que, por circunstâncias várias , não tiveram concretização prática).” (M. F. Ribeiro 1983, 78)
Este modelo de cooperação internacional para a produção e distribuição cinematográfica com empresas portuguesas do Norte de Portugal teria sido um exemplo a adotar em caso de sucesso, no entanto em consequência de não se ter concretizado na prática, não permitiu verificar qual o alcance e impacto económico que poderia ter tido no desenvolvimento da empresa e no assegurar da sua atividade continuada de produção de filmes.
Os problemas que as empresas enfrentam de modo a garantir a sua sustentabilidade, resulta muito, por um lado da necessidade de terem um plano de negócios que clarifique quais os seus objetivos e caminhos a tomar, definindo quais as suas parcerias estratégicas nacionais e internacionais e o modelo a implementar para conseguir atingir esses objetivos.
Alfredo Nunes de Mattos e os seus sócios, sendo pessoas ligadas ao mundo empresarial e financeiro tinham uma clara noção de que só através de um processo de internacionalização, a Invicta Film Lda poderia ter sucesso numa conjuntura internacional que não era muito favorável. No entanto o facto de a parceria comercial com a Pathé não ter tido consequências práticas positivas, afetou muito o futuro da empresa.
Georges Pallu, manteve-se durante o período de atividade da Invicta Film (1918 a 1924), como o principal realizador da empresa com 9 filmes: “Frei Bonifácio” (1918); “A Rosa do Adro” (1919); “Os Fidalgos da Casa Mourisca” (1920); “Barba Negra” (1920); “Amor de Perdição” (1921); “Lucros Ilícitos” (1923); “O Destino” (1921); “O Primo Basílio” (1922); “Cláudia” (1923) (M. F. Ribeiro 1973). Dois outros realizadores também fizeram parte deste projeto, Rino Lupo (1 filme) e António Pinheiro (2 filmes), ambos com uma participação bastante desigual.
A experiência do realizador italiano Rino Lupo, com a Invicta Film, não foi bem-sucedida, tendo realizado apenas o filme “Mulheres da Beira” de 1921, que teve a sua estreia a 4 de junho de 1923 no cinema Olympia no Porto. Terá sido, de acordo com Felix Ribeiro, a sua maneira de trabalhar o motivo que fez com que não houvesse continuidade na sua colaboração com a Invicta Film “Em comentário, será de afirmar que Rino Lupo era um improvisador, alheado de todo o plano previamente estabelecido, incapaz portanto de seguir e cumprir o habitual rigor duma planificação, como ao tempo, e posteriormente, era regra do cinema, com as previsíveis consequências do ponto de vista duma administração consciente e responsável.” (M. F. Ribeiro 1983, 102), estando a empresa a implementar um modelo de projeto industrial, as suas características de realizador a nível criativo, não se coadunavam com uma estrutura organizacional hierárquica rígida, levando à sua desvinculação contratual.
O realizador António Pinheiro, era anteriormente um colaborador de Georges Pallu, apoiando-o na direção de atores e participando igualmente como intérprete uma vez que tinha uma experiência profissional ligada ao teatro, foi um colaborador da empresa durante a sua existência, embora com uma atividade reduzida como realizador na Invicta Film: “Tinoco em Bolandas” (1922) e “Tragédia de Amor” (1924).
Em 1922, Henrique Alegria o então Diretor Artístico que assumia o processo de produção dos filmes, sai da Invicta Film a seu pedido, porque pretendia criar em Lisboa uma produtora própria, esta mudança é já um sinal das dificuldades que a empresa começava a enfrentar e da sua incapacidade de se afirmar num território fora de Lisboa.
Quando em 1923 a Invicta Film, começa a enfrentar sérias dificuldades financeiras, porque não conseguia ser sustentável no mercado interno e como já foi referido anteriormente o acordo comercial com a Pathé, nunca teve real implementação, pelo que também não conseguia distribuir os seus filmes no mercado internacional, assim para além de decidirem fazer um aumento de capital, alteram a sua estratégia de produção deixando de apostar nos filmes “tipicamente portugueses”.
Os sócios da Invicta Film Lda, para tentarem inverter o declínio financeiro com que a empresa se deparava, consideraram que era necessário garantir uma estratégia que pudesse voltar a dar rentabilidade que “seria optar pela utilização de argumentos com uma urdidura capaz de franca aceitação internacional, a par da presença, nos respetivos elencos, de um ou mais artistas estrangeiros de renome, circunstância que permitiria a penetração, noutros países dessas produções.” (M. F. Ribeiro 1983, 122)
Já sem Henrique Alegria na empresa Georges Pallu, desloca-se a França para tentar dar seguimento à nova estratégia e angariar uma atriz de renome internacional, acabou por contratar Francine Mussey, que iniciava na altura a sua carreira, mas que considerava que tinha valor e reconhecimento para ajudar a promover no estrangeiro os filmes a produzir na Invicta Film,
Estes factos apontam para um dos problemas estruturais identificados na produção de cinema em Portugal, que se liga reduzida dimensão do mercado interno e da dificuldade de os filmes portugueses encontrarem distribuição a nível internacional.
Este problema não foi específico da Invicta Film, mas do conjunto de empresas que estavam ativas.
Tiago Batista, referindo-se ao conjunto das empresas que operavam no mercado português, questiona a aposta das empresas do período do mudo de terem optado por ir contratar fora de Portugal os recursos humanos necessários e de terem decidido apostar na construção de dispendiosas infraestruturas técnicas, afirmando que esse modelo sem sustentação ao nível da distribuição e exibição, não teria possibilidade de subsistir,
Todas elas apostaram na contratação de técnicos estrangeiros e na construção de um conjunto de infraestruturas tecnicamente atualizadas que lhes proporcionassem uma capacidade de produção industrial de filmes promovidos como “artísticos”. As formas de organização e de financiamento dessas produtoras, nunca articuladas com as empresas de exibição e de distribuição pré-existentes, acabariam, no entanto, por estar na origem da sua falência até meados da década de vinte.” (Baptista 2013, 80).
É no contexto destas dificuldades em fazer a ligação entre os setores da produção, distribuição e exibição que a Invicta Film Lda, a partir de 1923, vai agravar os seus problemas financeiros, os seus sócios tiveram de optar por fazer injeções de capital e mais tarde alienar património, nomeadamente a venda de parte da Quinta do Carvalhido para pagarem as dívidas acumuladas.
Neste contexto é interessante constatar que a empresa, embora tendo por base todo um modelo de produção bem estruturado, nunca conseguiu ter a rentabilidade necessária através da produção de cinema de ficção, sustentar a sua atividade, como refere Tiago Baptista, “Do mesmo modo, como demonstra o exemplo da Invicta, não foi sequer a produção ficcional - apontada como principal razão da fundação da empresa - que se revelou a sua atividade mais lucrativa, mas sim a execução de intertítulos em português para os filmes estrangeiros distribuídos no país (obrigatórios por lei desde 1925.” (Baptista 2013, 89).
Apesar de todas as dificuldades e do declínio evidente, ainda produz filmes em 1924, ficando a partir dessa data reduzida a sua atividade, apenas à área lucrativa da empresa, que era fazer as legendas para os filmes estrangeiros distribuídos em Portugal.
Tendo assumido a sua incapacidade para gerir um sistema de produção de ficção sustentável financeiramente, acresceu a concorrência nacional e internacional na área das legendas por empresas de Lisboa e estrangeiras, o que cortou quaisquer possibilidades de sobrevivência à Invicta Film, uma vez que já não conseguia encontrar fontes de financiamento para a sua atividade.
Após o encerramento da atividade em 1928, tendo até então a empresa sobrevivido com alugueres dos seus estúdios, junho de 1931 acaba definitivamente o processo de extinção da Invicta Film Lda, num leilão dos seus equipamentos que ainda tinham restado de todo o processo de falência.
A conjugação dos vários fatores de produção, as alterações do mercado, levaram a que o projeto inovador preconizado pela Invicta Film, finalizasse, e que o Norte de Portugal perdesse uma empresa de referência, considerada durante um período da sua atividade, como o modelo a seguir.
1.3. – Caldevilla Film
A Caldevilla Film – Empresa Técnica Publicitária Filme Gráfica Caldevilla, sediada no Porto, foi criada em 1916 por Raul de Caldevilla que começou a sua atividade na área da publicidade, antes de se dedicar ao cinema. Enquanto publicitário e amigo do empresário Alfredo Nunes de Mattos, chega a colaborar com a Invicta Film na promoção dos seus filmes.
Tal como as produtoras existentes também consideravam que em Portugal não havia realizadores qualificados para dar resposta às exigências da empresa, pelo que viajam até França em janeiro de 1922, para também aí contratarem os técnicos necessários, da viagem resulta a contratação por cinco anos do realizador Maurice Mauriad, que viria a assegurar os filmes da empresa. (M. F. Ribeiro 1983, 140).
Raul de Caldevilla ao contrário da Invicta Film, de acordo com Felix Ribeiro, toma a decisão de localizar os seus estúdios em Lisboa, comprando para um efeito um terreno, a Quinta das Conchas, onde mais tarde se virão a instalar outras produtoras, por considerar que é aí que que será mais fácil contratar atrizes, atores e figurantes, pelo facto de a maior parte dos teatros em funcionamento estarem na capital com contratos que dificilmente lhes permitiram deslocar-se até ao Porto, o que poderia por em causa o objetivo de uma produção contínua (M. F. Ribeiro 1983, 142). No entanto o objetivo de vir a ter estúdios próprios em Lisboa nunca se virá a concretizar.
Tendo começado pela produção de filmes de atualidades, tinha como grande objetivo a produção de filmes de ficção.
Para conseguir os objetivos a que se propôs, a Caldevilla Film, contratou à Invicta Film, com o seu acordo, o operador de câmara Thomas Mary Rosell, um técnico experiente que iria apoiar o realizador contratado em França.
A Caldevilla Film só produz dois filmes, o primeiro “Os Faroleiros” teve êxito nacional e internacional (Portugal, Brasil, França, Luxemburgo, Bélgica, Itália e Egipto) e as “Pupilas do Senhor Reitor”, uma aposta na adaptação de clássico da literatura portuguesa, também teve sucesso, mas será a última produção, em virtude de Raul de Caldevilla se ter desentendido com os seus sócios, demitindo-se em março de 1923, do seu cargo de administrador-gerente.
A empresa em virtude dos desentendimentos entre os acionistas, verá a sua atividade posta em causa, levando à sua dissolução em 1925.
Esta produtora embora tendo a sua sede no Porto, não fazia da cidade e da região norte o foco da sua atividade, e se tivesse tido continuidade proponha-se construir os seus estúdios em Lisboa, deslocando para aí definitivamente as suas produções de ficção.
1.4. – Ibéria Film
Em 1923, surge no Porto uma nova produtora que tinha no realizador Rino Lupo a Direção Artística, em Carlos Cudell Goetz a Direção Comercial (pessoa da confiança do setor bancário), suportada financeiramente pelo banco do Porto Pinto da Fonseca & Irmão.
A Ibéria Film, não tinha no seu projeto inicial a intenção de ser uma grande produtora, nos termos em que as outras empresas se posicionaram de ter estúdios e meios técnicos próprios. Opta por não ter estúdios próprios, alugando em algumas produções os estúdios da Invicta Film.
É interessante, constatar que neste período a Norte para além da atividade de produção de filmes, se desenvolvem outras iniciativas, neste caso ligada à formação, a “Escola de Arte Cinematográfica” ou mesmo a criação de uma revista de cinema, abrindo espaço ao campo da crítica e do debate sobre o desenvolvimento do cinema.
Segundo Sérgio C. Andrade, a mudança para o Porto da escola de atores, serve os interesses de Rino Lupo, com o objetivo de formar novos atores, que irá utilizar, como intérpretes do seu filme “Os Lobos”. (Andrade 2002, 65). Uma interessante ligação entre a formação e a “Indústria do Cinema”.
O método de trabalho de constante improvisação enquanto realizador que levou ao seu afastamento da Invicta Film, foi replicado na realização do filme “Os Lobos”, o filme custou cinco vezes mais do que o previsto, em resultado da falta de controle sobre o processo de produção praticado.
Embora seja referido pela sua qualidade como um dos grandes filmes do cinema mudo português, não teve no país o sucesso previsto, tendo, no entanto, tido uma carreira internacional relevante.
1.5 – Repórter X Film Lda
A Reporter X Film, que iniciou a sua atividade em 1927, para além da sua atividade de produção de filmes, também tentou apostar na distribuição de filmes estrangeiros em Portugal, tendo por esse motivo, adquirido os direitos de exibição de alguns filmes internacionais, esta estratégia era nova, uma vez que nenhuma das produtoras anteriormente referidas tinha apostado nesta área de negócio. No entanto as suas intenções, apesar de já terem adquirido alguns títulos não teve seguimento.
Reinaldo Ferreira (1897-1935), conhecido como Repórter X, foi o realizador do filme “Taxi 9297” que utilizou os estúdios da Invicta Film (que, entretanto, já tinha cessado a sua atividade).
Reinaldo Ferreira, com o suporte de Maurice Laumann, ainda realiza outros filmes em 1927, mas a sua dependência da morfina impede-o de dar continuidade à sua carreira, nunca mais voltando a fazer cinema.
Com o filme “Taxi 9297”, a empresa teve muita dificuldade em encontrar uma distribuidora que apostasse no filme, e quando finalmente conseguiu os valores propostos ficavam muito aquém dos custos de produção. Esta situação e outras similares, contribuíram significativamente para o encerramento da empresa.
Foi mais um exemplo de um projeto que pretendia afirmar a produção de cinema a Norte, mas que rapidamente foi encerrado, por falta de sustentabilidade.
1.6. – Lupo Film
Rino Lupo, depois das experiências anteriores, volta ao Porto em 1928, onde cria a produtora Lupo Film que tem o suporte financeiro da firma Lello & Irmão.
Esta empresa também terá uma curta atividade cinematográfica, tendo produzido apenas o filme “José do Telhado” em 1929, que utiliza um romance de Eduardo de Noronha como base para o argumento. A produção utiliza para os interiores os estúdios da Invicta Film em fim de carreira, tendo como era apanágio do realizador muitas cenas rodadas em exterior.
2. O fim de uma era de produção na Região Norte
O período que vai do início do cinema ao final do cinema mudo, teve como referido, no Porto e Norte, um enorme fulgor e um forte impacto no desenvolvimento da atividade cinematográfica em Portugal, através da criação de estruturas empresariais e modelos de produção Industrial. Algumas das empresas, chegaram a ser consideradas como exemplos da introdução em Portugal das práticas internacionais mais modernas no que concerne à gestão dos recursos humanos e técnicos e implementação de infraestruturas técnicas de grande qualidade. No entanto apesar de todas as características que permitiam pensar num futuro radioso para a indústria cinematográfica no Porto e a Norte, as várias empresas foram, devido a um conjunto diversificado de fatores, encerrando a sua atividade tendo-se chegado ao final do período sem uma atividade de produção de filmes significativa a Norte, a grande dinâmica da produção cinematográfica passava a estar sediada em Lisboa.
Não foi a falta de financiamento, que pôs em causa, a atividade das empresas no Porto durante o período do cinema mudo em que tiveram sucesso comercial, conseguiram acesso a capital para desenvolverem a sua atividade, contando com o apoio dos bancos e empresários do Norte que apostavam na produção de filmes.
Como refere Felix Ribeiro (M. F. Ribeiro 1983, 170) um dos grandes problemas da exibição dos filmes produzidos no Norte, foi sua distribuição, facto que muito penalizou todas as empresas, mas sobretudo a Invicta Film que não conseguiu em muitas situações rentabilizar os seus filmes por falta de distribuição, o que terá contribuído para o seu insucesso comercial, uma vez que tinham o seu capital empatado nas produções, sem conseguir o respetivo retorno.
Já na época do cinema mudo as distribuidoras que estavam ativas e que dominavam o mercado, tinham mais interesse em distribuir filmes estrangeiros que lhes davam uma maior rentabilidade, em detrimento de uma aposta na distribuição de filmes nacionais.
A capacidade para fazer circular os filmes produzidos nos circuitos de exibição existentes a nível nacional e internacional, é ainda um dos grandes problemas atuais com que as produtoras se deparam e para os quais ainda não conseguiram encontrar uma solução.
Outro dos problemas identificados, consistiu na escolha dos conteúdos a produzir. Se por um lado, havia a questão de se conseguir chegar a um público alargado (nacional e internacional), para ter sucesso que pudesse financiar os filmes. Por outro tinha havido a opção pela adaptação de clássicos da literatura portuguesa e temas “tipicamente portugueses”. As duas situações muitas vezes não eram compatíveis, e considerando falta de profissionais experientes (argumentistas e realizadores) no cinema em Portugal, para contarem histórias com uma linguagem cinematográfica, muitas vezes não conseguiu ser resolvida com o recurso a contratações de estrangeiros.
Acresce ao descrito, as questões da distância do Porto em relação a Lisboa, onde estavam a residir a maior parte dos atores de teatro e técnicos de cinema que implicou para muitas das empresas, recorrer à contratação de técnicos estrangeiros. No caso dos atores, embora houvesse dificuldade em ter atores de qualidade a Norte, o recurso a atores estrangeiros teve mais a ver com a necessidade de ter rostos reconhecidos a nível internacional que pudessem promover os filmes para uma distribuição mais alargada.
Foi o conjunto de questões anteriormente identificadas que levaram, a que um conjunto de produtoras do início do cinema mudo, não conseguissem sustentabilidade, indo à falência ou encerrando a sua atividade, deixando a região Norte de Portugal muito enfraquecida dentro de um modelo de produção de cinema nacional, que tendeu para uma concentração na região da Grande Lisboa.
Notas Finais
1Pioneiro do cinema português, fotógrafo, floricultor profissional e político republicano.
2Tem creditados 36 filmes enquanto realizador, 13 como diretor de fotografia e 13 como produtor, no ano de 1896 (Fonte: IMDB).
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