Capítulo / Chapter I | Cinema – Arte / Art

Choreography and Cinema #1: after the choreographic work of Cathy Weis

Coreografia e Cinema #1: a partir do trabalho coreográfico de Cathy Weis

Sílvia Pinto Coelho

ICNOVA, FCSH-UNL, Portugal

Abstract

This article is a first approach to the work that I will develop around the unfolding of cinema elements on the stage of contemporary dance.

Over the years I have observed different practices of artists in the field of contemporary dance that interact with the experience of cinema, namely choreographers like Lisa Nelson, Mark Tompkins, and Olga Mesa. After having attended several choreographic workshops with each of these artists I was able to bring the experience of the encounter into my work and always with the feeling that I was at the beginning of a line of work with no end in sight.

In 2022 I had the privilege of doing a research residency in New York, where I met 74-year-old choreographer Cathy Weis. With Weis, I was able to observe how the use of the video camera in choreographic situations not only unfolds possibilities and points of view but also distributes elements of film and video on the stage of dance and performance, working on relationships of attention and direction of the gaze in space (and from the audience’s point of view).

Keywords: Expanded practices, Choreography, Dance, Cinema, Attention.

Introdução

The most important part of your equipment is yourself: your mobile body, your imaginative mind, and your freedom to use both. Make sure that you do use them.

(Deren apud Nikolai 2016)

Este artigo é uma primeira abordagem ao trabalho que irei desenvolver em torno do desdobramento de elementos do cinema no palco da dança contemporânea.

Ao longo dos anos tenho observado distintas práticas de artistas no campo da dança contemporânea que interagem com a experiência do cinema, nomeadamente as práticas de coreógrafos como Lisa Nelson, Mark Tompkins, ou Olga Mesa. Depois de ter frequentado várias oficinas coreográficas com cada coreógrafo pude articular a experiência destes encontros com a minha investigação de doutoramento e com alguns artigos (Coelho 2012-2020), sempre com a sensação de que estava no início de uma linha de trabalho sem fim à vista.

Em 2022 tive o privilégio de fazer uma residência de investigação em Nova Iorque, a que agora chamo “trabalho de campo” pois foi no terreno dos lofts do SoHo, num dos edifícios Fluxus originais, que conheci a coreógrafa Cathy Weis de 74 anos e que pude desenvolver uma relação de colega-coreógrafa, amiga e “informante” que me forneceu fontes primárias para os meus “diários de campo”. Uso deliberadamente o vocabulário da pesquisa de terreno da Antropologia para situar o meu ponto de vista no contexto da observação-participante “em casa”, uma vez que o meu percurso profissional faz com que a relação que se estabelece naquela comunidade tenda para o reconhecimento da pessoa que conhece por dentro a genealogia da dança pós-moderna estado-unidense através das abordagens técnicas, éticas e estéticas, apesar da diferença geracional. (cf. Burgess 1997)

O pretexto para a minha estadia em Nova Iorque era consultar e visionar filmes e vídeos na biblioteca pública (NYPL), mas uma vez que me encontrava a morar no terreno histórico da dança pós-moderna estado-unidense, passei a encarar a investigação como “trabalho de campo” em lugar de considerar apenas o “trabalho de arquivo”.

Contactei Lisa Nelson para saber se estaria em Nova Iorque na mesma altura que eu e se saberia de espaços onde poderia ficar a residir a “preço de artista”. Surpreendentemente, ela respondeu logo dizendo que no espaço da sua amiga Cathy havia, excepcionamente, um quarto para alugar. Foi assim que fiquei a morar durante três meses no Weis Acres de Cathy Weis na Broadway. Contíguo ao quarto e cozinha que habitei havia, do outro lado do loft, o seu espaço de escritório e um estúdio incrível que até 2005 pertenceu à coreógrafa Simone Forti.

Respeitando as rotinas de trabalho que cada uma se exigia a si própria pude entrevistá-la com alguma calma, em casa. A artista deu-me acesso a uma pequena parte do seu arquivo de vídeo pessoal e gravou comigo várias horas de entrevista que começo agora a trabalhar e a partilhar.

Coreografia e Vídeo

A conjugação da Coreografia com o Vídeo gera matérias muito concretas que nos permitem observar e reflectir a partir dos modos de operar nos processos de produção de peças, dando a ver possibilidades geradas pela materialidade de várias tecnologias e técnicas, como o uso de câmaras, de televisores (monitores) e de ecrãs de projecção de vídeo (com ou sem cabos de alimentação, tripés, etc.), em espaços de apresentação com bailarinos, actores e performers ao vivo.

Em 1990, a bailarina Cathy Weis foi diagnosticada com Esclerose Múltipla, a doença que tinha acompanhado a sua mãe até à morte. O reconhecimento da doença fê-la passar por um período que descreve como muito negro e que durou cerca de três anos.

É passado esses três anos de clausura que começa a reaproximar-se do mundo do espectáculo filmando o trabalho do Circo Amok de Jennifer Miller e cia. com quem desenvolve uma forte relação de trabalho e de amizade. Miller acaba por incentivá-la a regressar ao palco com o circo Amok que se apresenta ao ar livre em locais com públicos radicalmente diferentes uns dos outros, como o Harlem, o Bronx, ou a East Village. Weis actua e filma o circo Amok a partir de dentro e a partir de fora dos espectáculos.

Entretanto continua a ser convidada para filmar coreografias e registar espectáculos de dança nos mais variados contextos com uma câmara de vídeo VHS. Mas a necessidade de registo geral das peças contraria já na altura, a sua enorme vontade de descobrir novos modos de filmar e de coreografar o olhar. Não era bem isso que os artistas procuravam quando lhe pediam um registo. É assim que gradualmente se apercebe da necessidade que tem de se focar no seu próprio trabalho.

Retrospectivamente, Weis inclui na sua narrativa autobiográfica o modo como, por causa das limitações físicas que a esclerose múltipla gerou, substituiu toda a mestria da dança pelo uso do vídeo em palco, passando desse modo a coreografar para o olhar e a fazer experiências de dança-vídeo.

O seu trabalho com uma câmara de vídeo Portapakcomeçou logo por volta de 1982 em colaboração com a colega e amiga, de longa data, Lisa Nelson1.

CW: Lisa was in Vermont, and she came down to see me in California and she introduced me to video. I went to Kentucky, and I did a big tape on my grandmother and her sister who was ninety-five. The three of us stayed at her apartment for a week or two. I had so much fun with them. And then, Lisa came back to California, and we edited it on VHS decks. I mean it was pretty tedious but we actually did it on two VHS decks and we edited them and made a tape. It was pretty good.

When I started, I started with a portapak. But I think the first camera I bought was a VHS when they were just coming out. It was between the VHS and Beta. It was a big war. Anyway, I got VHS and then I shot all the time. I was with a camera, and I would shoot everything. Because it was very cheap to shoot, and then after a while, I realized, I made a rule for myself that I was not going to shoot anything I didn’t look at. I couldn’t just put it on the shelve. I would sit and look at what I shot. So that made me a little more discerning. And editing while I shot more. (Coelho 2022).

Cathy refere que a busca por media que pudessem substituir o trabalho de bailarina foi intuitiva, mas parecia prever o diagnóstico que só teve anos mais tarde. Entretanto, tocou como violoncelista num quarteto, dedicou-se à manufactura de objectos de vidro colorido e até ganhou um prémio com uma peça escultórica de vidro colorido num concurso de vitrais. Depois, começou a filmar muitos dos seus amigos bailarinos e coreógrafos que queriam ter um registo vídeo das suas peças. Foi desse modo que deu por si a envolver-se de novo com a dança.

CW: I got back into the dance world that way. Through video, through documenting other people’s work. And I used to teach myself how to shoot and so I went out on the park, and I got a friend of mine, Harry Shepard, or different dancers to go out with me, in Washington Square Park. And I would follow them around they would walk around I would try to keep them in the same relationship to the frame. You know, zooming in, and out, as they went way back. And I would give myself little assignments to master how to shoot moving people.

SPC: Like, as if you had your own choreography of shooting?

CW: I would, but I would start it out to teach me technique. I was hand holding everything. I didn’t use a tripod so how do you keep it very steady and how do you have facility to do the zooming in and out, while you’re doing this? So, these were different exercises, like practicing the scales. Things like that. And I also tried to teach myself how to keep both eyes open when I shot. So that I could look with one eye or the other, so I could look into the viewfinder with this eye and see what was going on outside the view finder with the other eye. It was a small viewfinder. You know, I could see the dancer walking over there, and I could be there when he got there or back. Or I could… that’s what the choreography would be in the camera. But not my choreography, the choreography for making that work in the frame.

SPC: So, you had also to adapt your body…

CW: Absolutely, I was always moving and because it was in my body. It really was in my body. So, you can see, I couldn’t even believe I was so steady. You can’t tell the difference, really, between a tripod and my shoulder. I was really… Nobody knew, that’s what got me after a while. I thought I was doing brilliant things, I thought it was brilliant! Nobody would know because I was making someone else’s work. So, I gave up after a while, you know? I was always adjusting for something else to make someone else’s work and never doing my own. (idem)

Desdobramento do corpo do cinema em palco

Com Cathy pude observar o modo como o uso da câmara de vídeo em situações coreográficas não só desdobra possibilidades e pontos de vista como distribui elementos do cinema e vídeo no palco da dança e performance, trabalhando relações de atenção e de direcção do olhar no espaço (e do ponto de vista do público).

O ponto de vista, o enquadramento, a imersão, o recuo, mas também a fragmentação dos elementos do cinema criando desfasamentos no som e na imagem – ou usando, por exemplo, o RGB da projecção –, são matéria para reflexão sobre a relação do espaço e do tempo cinematográfico no palco da coreografia.

Em 1984, “Mobile Oeil” – de e com Paula Clements, Lisa Nelson, Wendy Perron, Christina Svane, e Cathy Weis –, foi a sua primeira experiência de interacção com câmaras de vídeo e monitores em palco e com público. Foi também uma das suas primeiras colaborações artísticas que envolvia coreografia e vídeo.

Não tive oportunidade de ver o registo integral da peça, mas nos excertos disponibilizados online
(Cf https://cathyweis.org/works/mobile-oeil/) podemos ter uma ideia do modo como cada artista opera uma câmara de vídeo que está ligada por um cabo a monitores de televisão em movimento. Os monitores são reorganizados à medida que as performers se deslocam pelo espaço com as câmaras na mão. Não só os monitores e as câmaras se deslocam, como a imagem dentro de cada monitor mostra tudo o que as câmaras captam além de alguns registos pré-gravados. A complexidade do cruzamento dos cabos sem acidentes é tal que gera alguma perplexidade ao mesmo tempo que revela o modo rigoroso como toda a peça terá sido ensaiada. Há movimento simultâneo nas bailarinas, nas imagens que captam com a câmara, nas imagens dentro dos monitores (que correspondem ou não à captação) e na deslocação dos próprios monitores criando uma dança espacial vertiginosa. Para o público, a escolha da condução da atenção e do olhar passa a ser um exercício quase cómico por causa do excesso de referências que remete mais para um ambiente, para uma paisagem tecnológica dançada, do que para a leitura de uma narrativa linear

Since neural activity reflects attention, we can quantify intensity based on how attention works. Attention is automatic when driven by salient events, such as the sudden appearance or disappearance of a stimulus. Such events counteract biophysical expectations, causing a great increase in neural activity. Conversely, attention is under individual control when expectations are fulfilled, requiring little neural activity. It is important to note that expectations depend greatly on the panorama - previous and simultaneous events, and the duration of experience. Also, the threshold between deliberate and automatic attention can be fuzzy. That is because attention causes us to optimize perceptual resolution, so as to better process information related to the attention target [Knudsen 2007]. Deliberate attention can make the intensity of any detail changes grow exponentially. As those inform expectations, we also become more susceptible to automatic attention.
(Sá 2019: 144)

No artigo “The Variables of Spatial Presence”, Adriana Sá propõe um conjunto de parâmetros que permitem destrinçar níveis de intensidade e de atenção na partilha de propostas multimédia com públicos. Apesar da complexidade desta proposta, o facto de se basear em investigação recente sobre atenção dá-nos algum suporte científico e vocabulário para a descrição de trabalhos coreográficos, ao mesmo tempo que nos ajuda a perceber, na observação de peças, quais são os elementos que fazem com que a peça se instale de um modo mais ambiental, mais confuso, ou mais focado e narrativo, por exemplo. A descrição sobre o que se passa em cena é sobretudo afectiva e intuitiva, i.e. baseada no que eu “vejo”, “oiço” e “sinto”, e no sentido que se tira dessa percepção imediata que não deixa de ser culturalmente adquirida.

Na peça “An Abondanza in the Air”, de Lisa Nelson e Cathy Weis (1990), as autoras escolheram trabalhar a condução do olhar do público de um modo mais sereno do que em “Mobile Oeil” (1984) e talvez por isso a peça possa ser caracterizada como tendo maior intensidade nos termos que Sá (2019) sugere.

Quando An Abondanza in the Air começa, o espaço é pontuado pelo som de passos, alguém caminha no escuro com sapatos de tacão num ritmo muito marcado. O que vemos surgir depois são os pés que poderão dar a ver esses passos, mas num ecrã de televisão. O monitor, em lugar de se manter no espaço, desloca-se inicialmente da esquerda para a direita como se fosse de facto alguém a caminhar. No escuro, apenas vemos passos num ecrã que se desloca à velocidade e ao som desses passos. Mais tarde, o som dos passos tem como resposta o de um pica-pau a bater com o bico num tronco, sincopadamente. Vemos um pica-pau num ecrã de televisão, não no plano do chão, mas à altura de uma árvore onde poderia estar o pássaro a martelar com o bico. Além do som da sala, o som gravado traz-nos diálogos de filmes e música. As duas bailarinas que interagem em cena deslocam-se dançando, manipulam objectos e usam os dois monitores de vídeo como se fossem marionetistas da então “nova tecnologia”.

Ao longo de trinta anos, Lisa Nelson e Cathy Weis desenvolveram uma forma de marionetismo vídeo-dança que informa o corpo e a atenção dando-lhes uma enorme clareza. Foi esta clareza e o trabalho que Nelson propõe em Tuning Scores que me aproximou da relação mais directa com questões que considero serem comuns à coreografia e ao cinema, como: “ver e ser visto”, “dentro e fora de cena/campo”, a condução da atenção e do olhar, a posição e o posicionamento (ou ponto de vista). “Their collaborative work, An Abondanza in the Air, synchronizes the movement of these two live performers, with two small black and white battery-operated television sets”. (Nelson/Weis 1991)

No encontro com o trabalho de Cathy Weis passei a considerar também o peso dos materiais na sua manipulação, ou antes, a relação coreográfica que esta espécie de marionetismo dos aparelhos de vídeo desenvolve com as bailarinas; e o som que, no trabalho de Weis, se desenvolveu muito com a colaboração de Steve Hamilton na sonorização das peças e nos foleys gravados ou tocados ao vivo por ele e por Weis. Por exemplo, no primeiro de três Electric Haikus - Calm as Custard (Weis 2005), vemos com clareza o modo como a sonorização especial de Hamilton transforma a actuação do bailarino Scott Heron numa espécie de animação humana e ao vivo. Quando Heron desabotoa o casaco e abre as abas “liberta” o som de uma revoada de pombas desvelando a arte “mágica” que está muitas vezes obviada pelas narrativas de um filme. Quem vê esta cena ao vivo, sabe que não está a ver um filme. O dispositivo é claro, mas a ilusão perceptiva também se mantém.

Uma questão de sobrevivência

Após o diagnóstico de esclerose múltipla e de uma paralisação de cerca de três anos, no regresso ao contacto com o mundo já nada lha parecia assustador. Dentro do que sentia que podia fazer, o vídeo passou a ser um meio viável para Cathy Weis dançar.

CW: I was already able to actually talk to people and, you know, come back to the world by little bit. When I got to that point it is when I wrote to this place in Amsterdam - SNDO, I think it was, at that point. And asked Aat Hougee (1945-2021) who ran it, if he would hire me to do video, because it was going to be important for dancers to know about video. I wrote him this big thing, and then he said, “yes come”. So, I told him I wanted to do my own work. Which I never had done before, but he didn’t know that. I didn’t know it.

I didn’t know what it was, but all this stuff seemed small, after what I had just been through. It didn’t seem scary, just seemed fun, yeah. I think it was of life and death. So, it was not a big deal. He said “yes”, and I went there. And then it was a big deal, because I was supposed to be teaching this class. I had never taught before. This stuff. And there were like 13 ambitious dancers, young dancers, girls. And they’ve signed up for my course and they were… and I did this very… Oh let me show you one thing. I got this made for me [shows me the project of an apparatus].

Cathy mostra-me uma estrutura que concebeu de modo a poder movimentar vários monitores de vídeo em cena, tanto empilhados numa só estrutura como desmembrados em várias estruturas. Weis caracteriza este primeiro trabalho com alunos da escola de Amsterdão como um dos seus mais valiosos falhanços – Dub (cf Weis 1993).

CW: I asked Tony Carruthers if he could make me four carts that would fit together each holding a tv, and they could fit together to form a vertical image. I think he was teaching architecture, or something at Bennington, then. I was good friends with him.

So that: [shows drawings] here’s one cart, here’s the vertical image, they can always pull apart… There are wheels, there is one, two, three…

SPC: And the TV was here, here, and here?

CW: There were four carts and then you could pull them apart. So, each one… This is a counterweight. So, he made this very… elaborated thing. And we made it! I took it to them, and we got to make this. That was… Just to make this was like a major production. So, I finally got it made and that took three weeks. And then I had to make a show. In which all four things had their own story on them, and when they get together, they formed one story this way. I mean, it was crazy, crazy!

SPC: So, each television had a story of its own, but the four of them together formed a story?

CW: So, at one point this story… And then the dancer always had to do something with it.

SPC: Just one dancer?

CW: No, they were like a lot! The whole class was supposed to participate. Thank God, Ishmael, he was over there at the same time and for some reason he said he wanted to be in my project. I had never made anything before. I told him about this, he listened and then he said: “Let me ask you, how am I supposed to get from here to here?”. I went: “Oh, yeah, that’s the way I should be thinking about”. So, he taught me how to think about making something. But it was really… I mean, I worked like 24 hours a day, and the students were complaining: “We want to dance more. We are not dancing enough. Tell us what you want us to do. We’ll do anything”. Anyway, it was hard! It’s how I learned about how to be practical about what you can do. But it had a lot of good ideas in it which I took apart for the next ten years. I used those ideas.

SPC: So, you are saying you had ideas, and stories that were compiled there in this whole universe of Dub, and that was food for thought for many years?

CW: A decade. You know, I threw everything into it. And nobody could see it because it was so much stuff. I call a failure something that I envisioned and tried to make happen and it didn’t happen. So, the first one was this. Even though we toured with it, and it was pretty unusual and interesting but, for me, it was a failure. Because it was completely different from what I had tried to do. It was out of my control because I was depending on too many people. People to make the carts. The dancers to be there to do the things that I imagined. It was too big. It got way beyond my control. Way out of hand. Although, as I say, it was successful! Everybody loved it when we toured with it. And it was a trip to tour with it. But I consider it a failure in that way. Although it had some great stuff in it. And when at the ending, at one point, when they finally got altogether and formed this Hula dancer. Doing this Hula. So, you can take the body parts of one part… This is again the television tower it had just one image, it was parts of her body making her up so it could fly away. You know? Things could float and detach of her body, but they were all doing a hula dance. So, it was really beautiful! Weird! Weird thing but it was a great image, a gigantic thing! It was all pre-recorded. Timed, so that they would all fit together. There is time code now. We are talking about time code. But, at that point, how do you do that with all these VHS decks? I mean it was crazy! Crazy, very ambitious. It was overly ambitious not understanding what did actually happened successfully.

Nesta peça o desmembramento do corpo humano/corpo de vídeo é um tema que Weis repete de forma persistente e que, retrospectivamente, relaciona com a perda gradual de capacidades físicas causada pela esclerose múltipla. Uma das sensações era que o corpo se desmembrava e perdia controlo sobre ele.

Por exemplo, em Half & Half (1995) desenvolve com Jennifer Miller um “trio”, uma personagem é representada por cada uma delas, e a terceira é uma soma das duas. Tem a parte de baixo do corpo de Miller e o tronco e braços de Weis projectadas num ecrã. Neste trabalho Weis refere a alegria de ver de novo a força e a mobilidade das pernas de Miller na sua figura. Como se pudesse saltitar novamente sem constrangimentos físicos.

Nostalgia Tecno-estética

“Trabalhei com vídeo porque era tão novo e excitante. Agora já não é!” (Weis apud Coelho 2022).

Cathy refere com desânimo que não tem feito tanto trabalho com o vídeo ultimamente, e a razão que convoca não é tanto a perda de capacidades físicas nem da energia para lidar com a tecnologia, é muito mais as rápidas mudanças de paradigma. Os ecrãs não têm peso, não têm cabos, as câmaras não desfocam, os ficheiros são mais difíceis de encontrar do que as cassetes... Vemos no seu escritório acumularem-se os discos externos topo de gama que alguém lhe ensinou a usar, mas com um sistema de indexação que nem ela, nem eu, nem o seu companheiro consegue destrinçar. Não é uma questão de usar óculos, é uma questão de fazer sentido jogar. Já não é divertido!

“Nostalgia tecno-estética” é a expressão que encontrei para me referir à forma como as pessoas sentem falta do envolvimento das suas acções, movimentos, olhares e outros modos de “affordance” com a tecnologia, como uma possibilidade de trabalhar nas artes.

Tecno-estética é um termo cunhado por Gilbert Simondon numa carta escrita a Jacques Derrida, só publicada depois da sua morte (1982).

Num próximo artigo levantarei questões relacionadas com o sentimento de perda de velhas tecnologias que os coreógrafos e os artistas de vídeo já não utilizam. Este afecto pela tecnologia relaciona a fisicalidade, a materialidade e as funcionalidades com diferentes fases de individuação e de affordance. A relação que estabeleço entre o texto de Gilbert Simondon “Do Modo de Existência dos Objectos Técnicos” (1958) e o de James J. Gibson “The Theory of Affordances” (1979) ainda está numa fase inicial e por isso não a desenvolverei aqui. Mas penso usá-la para olhar para o modo como uma certa saudade das tecnologias obsoletas contribui para a sensação de perda do “comboio do progresso”.

Em jeito de conclusão. Cathy estava a lutar com a tecnologia para me mostrar o seu extenso arquivo de vídeo armazenado nas suas várias unidades de disco externo. Eu estava constantemente a tentar manter o meu lugar de testemunha de um legado com amizade, ao mesmo tempo que observava a facilidade com que uma observação participante pode resvalar para o desequilíbrio extractivista. Como abdicar de escrever apenas “sobre” e tentar escrever “com” alguém? Talvez ajustando as partilhas. Este artigo incompleto só alcançará uma certa justeza quando comentado por Cathy Weis, Lisa Nelson, ou outros “actores” que compareçam com o seu olhar crítico.

Contribuições/Agradecimentos

Este artigo foi realizado no contexto de um CEEC individual da FCT CEEC2017-FCT

Notas finais

1Acompanho o trabalho de Lisa Nelson desde 2011 (cf Coelho 2012 2016, 2018, 2020).

Bibliografia

Burgess, Robert G. 1997. A Pesquisa de Terreno, Uma Introdução. Oeiras, Celta Editora.

Casini, Silvia. 2019. “Phantasmata of Dance. Time and Memory Within Choreographic Constrains”. Forum for Modern Languages Studies Vol. 55, Nº3. Oxford University Press.

Coelho, Sílvia P. 2022. Entrevista a Cathy Weis (texto inédito).

Coelho, Sílvia P. 2020. “Antídoto e Método: Práticas de Investigação Artística em Contexto Coreográfico”. In Sinais de Cena, n.º 4. Orfeu Negro, Lisbon.

Coelho, Sílvia P. 2018. “Práticas de Atenção, Ensaios de Desterritorialização e Performance Coreográfica”. in Cadernos de Arte e Antropologia, Dossiê A Operacionalidade do Jogo.

Coelho, Sílvia P. 2016. “Na Casa-Espelho: Propostas de Pensamento Coreográfico”. in Cadernos GIPE-CIT nº36, Processos Criativos: Educação Somática e Afetos.

Coelho, Sílvia P. 2016. Corpo, Imagem e Pensamento Coreográfico. Da Pesquisa Coreográfica Enquanto Discurso: Os Exemplos de Lisa Nelson, Mark Tompkins, Olga Mesa e João Fiadeiro. Tese de Doutoramento em Comunicação e Artes, Lisboa, FCSH, UNL, texto inédito. (https://run.unl.pt/handle/10362/21393).

Coelho, Sílvia P. 2015. “Dançar-Pensar Enquanto Investigação e Poética: Corpo #1” Sinais de Cena nº22, APCT e CET, UL. 2015.

Coelho, Sílvia P. 2012, “The Tuning Scores of Lisa Nelson”. In Go from Lisa Nelson and Scott Smith, Ciclo Improvisações/Colaborações. Auditório da Fundação de Serralves, Porto.

Gibson, James J. 1986 [1979]. “The Theory of Affordances” in The Ecological Approach to Visual Perception. Boston, Houghton Mifflin.

Nikolai, Jennifer. 2016. “The Camera-Dancer: A Dyadic Approach to Improvisation”. In The International Journal of Screendance 6.

Sá, Adriana. 2019. “The Variables of Spatial Presence”. In xCoAx 2019 Conference on Computation, Communication, Aesthetics & X. Milão, Itália.

Simondon, Gilbert. 2020 [1958]. Do Modo de Existência dos Objectos Técnicos. Rio de Janeiro, Contraponto.

Videografia

An Abondanza in the Air. 1991. de Cathy Weis e Lisa Nelson: Cathy Weis works - https://cathyweis.org/works/an-abondanza-in-the-air/ (acedido 30/6/2023)

Mobile Oeil. 1984. de e com Paula Clements (NY), Lisa Nelson (VT), Wendy Perron (NY), Christina Svane (CA), e Cathy Weis (NY): Cathy Weis works - https://cathyweis.org/works/category/selected-works/#year=1984 (acedido 30/6/2023)

Electric Haikus Calm as Custard. 2005. de Cathy Weis. Cathy Weis works https://cathyweis.org/works/electric-haiku-calm-as-custard/ (acedido 30/6/2023)

Dub. 1993. de Cathy Weis. Cathy Weis works https://cathyweis.org/works/dub/ (acedido 30/6/2023)

Half & Half. 1995. de Cathy Weis. Cathy Weis works https://cathyweis.org/works/half-and-half/ (acedido 30/6/2023)