Abstract
The screenplay for the movie Second Mother (2015) was written and rewritten for almost 20 years: “I started writing in 1996 when I had a baby in my arms, and now he is a man with a beard”, says the filmmaker Anna Muylaert in an interview to Encontros de Cinema. The process of writing the screenplay for Second Mother involved a lot of rewriting and route changes over almost 20 years, but, despite what it may seem, the filmmaker says that it is not a closed project, but a process in permanent transformation and rewritten over the years in different moments. Muylaert details this process in several interviews, among them to Encontros de Cinema (2015), to Metrópolis (2015a), and Primeiro Tratamento (2020) when she points out the four great moments of the screenplay and the transformations it had to one version to another (1994-95-96; 2004; 2009 and 2013). Based especially on these reports and the screenplay version of December 30, 2013, we undertook a study on the creation archives of the Second Mother screenplay, moved by the search path and the questions posed by Anna Muylaert, with the theoretical and methodological support of the critical theory of creative processes by Cecilia Salles (Networks of creation, 2019; Unfinished gesture, 2019) and, in addition, studies by screenwriter Jack Epps (Screenwriting is Rewriting, 2016), about the relevance of rewriting processes, and by Paul Joseph Gulino (Screenwrintig: sequence approach, 2004), about the sequence approach technique used to structure screenplays, fundamental, according to Muylaert, for the improvisation on the set, and incorporation of the environment, as she was looking.
Keywords: Cinema, Creative Process, Screenwriting, Contemporary Brazilian Cinema.
1. Introdução
Constitui material de reflexão para este artigo o percurso de criação do roteiro do filme Que horas ela volta? (2015), da cineasta e roteirista brasileira Anna Muylaert, ao longo de quase vinte anos. O foco para este estudo recai especialmente sobre a relação entre o roteiro minucionamente pensado, em que é utilizada a técnica de estruturação da narrativa em sequências (sequence approach ou Frank Daniel´s sequence approach) (Gulino 2004), e a abertura (mais que isso: o estímulo) à improvisação.
O ensaio na locação era gravado e potencialmente inserido ao filme, e proposições como “esqueça o roteiro, o que faria agora?” eram colocadas aos atores como parte do processo de criação escolhido pela roteirista e diretora Anna Muylaert.
Também as simplificações oferecidas pelo advento do digital, como a não limitação ao número de rolos de filmagem, junto às escolhas técnicas tomadas com a equipe - como a preferência pelo uso de luz, som e locações naturais - contribuíram diretamente para a liberdade de improvisação com as câmeras ligadas e para pensar o roteiro, também, no set junto com os atores e a equipe técnica.
O que temos na observação deste processo de criação peculiar de roteiro, mas em que muito das ocorrências gerais aos processos de criação também são percebidas, é o trabalho com a criação de uma estrutura flexível de organização de sequências por função, pensadas com o recurso da escaleta e da técnica do sequence aproach (Gulino 2004) da qual falaremos em detalhes, e que proporciona, segundo a cineasta, em suas práticas, uma maior liberdade de improvisação.
Para apresentar estes resultados, optamos pela seguinte disposição de assuntos: em um primeiro momento, apresentamos uma breve história das mudanças do roteiro; em seguida, tratamos do trabalho da roteirista com a técnica da abordagem de sequências (sequence approach); e, ao fim, exploramos a relação entre a criação de um roteiro cuidadosamente construído em sua estrutura e ritmo à liberdade de improvisação oferecida no contexto do set, como estratégia de cocriação e incorporação do entorno pela roteirista e diretora do filme.
2. A caçada - Ou a história das diferentes versões do roteiro de Que horas ela volta? ao longo de quase vinte anos
Não conheço seu nome ou paradeiro
Adivinho seu rastro e cheiro
Vou armado de dentes e coragem
[...] Hoje é o dia da graça
Hoje é o dia da caça e do caçador
C. Buarque
Durante o curso de roteiro que ministrou para a plataforma Navega (2019), a cineasta e roteirista Anna Muylaert relacionou o trabalho da criação ao de uma caçada: estar disponível para o encontro do que se procura sem nem mesmo saber ao certo o que irá encontrar.
A busca, nessa analogia de Muylaert, é o que nos parece ser o mais fundamental a perceber em relação à natureza dos processos de criação em geral - e ao de Muylaert em específico: o estar em busca, ainda que não se saiba ao certo de que, mas que se fareja, pesquisa, explora, vasculha, testa, especula… entre os arbustos do infinito das ideias possíveis.
A caçada que envolveu o processo de criação do roteiro de Que horas ela volta? (2015) foi intensa. Entre diferentes tratamentos e versões, o roteiro foi escrito e reescrito durante quase 20 anos: “Eu comecei a escrever em 1996, quando eu tinha um bebezinho no colo e, agora, ele é um homem de barba” (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
O filme seria o primeiro longa-metragem da cineasta, mas, ao terminar a primeira versão do roteiro, ainda com o nome de A porta da cozinha, em 1995, Muylaert conta que achou complexo demais para ser o seu primeiro filme, especialmente pelos traços de realismo mágico que o filme trazia e pela quantidade de locações: “Quando ele ficou pronto, eu achei que eu não estava pronta para filmar aquilo, então eu fui fazer o Durval [Discos], que ainda tinha um resquício desse realismo mágico” (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
Com a primeira versão escrita pouco depois do nascimento do primeiro filho, o tema da maternidade trouxe junto a questão da babá para Muylaert, que teve bastante dificuldade em deixar o filho aos cuidados de outra pessoa e se viu no dilema de ter que fazer isso para voltar ao trabalho. A partir desse dilema, ela conta que passou a olhar mais fundo para a questão da babá: “A figura da babá entrou como um paradoxo: como você tem um filho e entrega para uma outra pessoa? E entrega por um preço tão baixo? Ou seja, está se desvalorizando essa questão e assim está também se desvalorizando a mulher” (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
Antes de começar a escrever este que seria seu primeiro longa, como um modo de encontrar o estilo de escrita, Muylaert conta que exercitou o ofício com contos. Pequenas histórias em torno do tema da mulher e que também só vieram a público há pouco tempo, após a repercussão do filme. O livro chama-se Quando o sangue sobe à cabeça e foi publicado em 2020. Ele traz contos do período de experimentação que antecedeu a escrita de Que horas ela volta? e que Muylaert identificou como parte do seu processo de procura (caçada) para o filme.
Foi uma forma que eu encontrei de me conhecer, de ter alguma experiência. Eu falava ‘poxa, que tipo de cinema eu quero fazer?’. Eu não sei que tipo de criadora eu sou, quando fazer um trabalho para mim mesma. [...] Esse treinamento desses contos - acho que eu fiz uns 20 contos - foi o meu processo de procura. E aí eu encontrei todos esses elementos e cheguei ao projeto que acabou se tornando o Que horas ela volta? (Muylaert in Primeiro Tratamento 2020).
Sobre os processos de procura, de escrita e reescrita, Jack Epps em Screenwriting is rewriting lembra que “It is not about just changing words; rewriting is about stripping away all the dead and irrelevant parts, and finding the heart and core of your characters and story. Everything has to contribute to the whole” (Epps 2016, IX).
O processo de escrita do roteiro de Que horas ela volta? envolveu muita reescrita e mudança de rota ao longo de anos. Mas, apesar do que pode parecer, não se trata de um projeto de gaveta, mas de um processo em permanente transformação e reescrito ao longo dos anos em diferentes momentos.
Muylaert detalha este longo processo de reescrita em várias entrevistas. Neste estudo, nos concentramos principalmente nos relatos arquivados pelo Encontros de Cinema (2015), Metrópolis (2015a) e Primeiro Tratamento (2020), nossas principais fontes sobre estas diferentes versões, em que a cineasta detalha os quatro grandes momentos do roteiro e as transformações que ele passou de uma versão a outra, além da última versão escrita do roteiro (de 30 de dezembro de 2013), cedida pela autora ainda no princípio deste estudo, quando foi um dos objetos de estudo de uma tese de doutoramento (Dourado 2021), e, posteriormente, publicada pela Klaxon e BrLab em 2019/2020.
Os primeiros escritos para o filme Que horas ela volta? começaram entre 1994-1995, conforme conta Muylaert ao Primeiro Tratamento: “Eu escrevi em 95 mais ou menos, 94-95, a primeira versão. Aí acabei fazendo o Durval Discos, que foi filmado em 2001, porque tudo demora, você tem que levar em conta que demora anos para captar. Aí 2001, captou, filmei o Durval. Lancei em 2002” (Muylaert in Primeiro Tratamento 2020).
A primeira versão de Que horas ela volta? chamava-se A porta da cozinha, que é o título do Ato 2 na versão escrita do roteiro cedida pela autora. Esta primeira versão, conforme conta Muylaert, tinha traços de realismo mágico, muito devido às leituras e influências literárias da época. Além disso, trazia o fato do enredo se passar entre dois núcleos, a casa em que a personagem trabalhava durante a semana e a comunidade onde atendia como líder espiritual no final de semana:
A primeira versão se chamava A porta da cozinha. Ele tinha umas tintas de realismo mágico. Era uma empregada que trabalhava de segunda a sexta em uma casa e, no fim de semana, ela ia para a comunidade dela, onde ela era uma líder espiritual, e, na casa, ela era uma empregada subserviente. Eu acho que já havia ali desde o começo uma vontade de dar visibilidade a essa personagem. (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
Em 2004, dois anos depois de lançado o Durval Discos, Muylaert voltou ao roteiro, que reescreveu em simultâneo com o segundo longa (É proibido fumar, 2009). Na época, os produtores gostaram mais do roteiro de É proibido fumar e, ao inscrever os dois roteiros em editais, o É proibido fumar saiu na frente e teve financiamento primeiro: “Eu voltei para o projeto [do Que horas ela volta?] e fiz simultâneo o É proibido fumar. Isso em 2004. Porque também, depois que lança [o Durval Discos], você tem festivais, eu tive outro filho” (Muylaert in Primeiro Tratamento 2020).
Aí em 2004 eu voltei para o Que horas ela volta?, que era A porta da cozinha, aí ele passou a chamar Entre ela e eu, que era também a história de babá com criança. (Muylaert in Primeiro Tratamento 2020).
Era uma versão mais simples, já sem os traços do realismo mágico, e que agora se passava em um resort na Bahia:
Depois eu fui começando a querer simplificar, e teve a nova versão que chamava Entre ela e eu, que era também a babá de um menino pequeno, que ia com a família para um resort em Itaparica e percebia, lá, que ela estava muito próximo da filha que ela tinha abandonado. Então, também era essa contradição da filha abandonada. (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
A terceira versão só veio em 2009, depois de É proibido fumar (2009), agora com o nome de Que horas ela volta? e já com as personagens Val e Jéssica. Na primeira versão, Val se chamava Lurdes e Jéssica teve também vários outros nomes, que Muylaert sentia vontade de mudar a cada versão, como um modo de olhar diferente para elas, conforme contou em entrevista ao Primeiro Tratamento (2020). Esta nova versão, já com o nome que está no filme hoje, teve duas grande encarnações como conta Muylaert:
Esse próprio roteiro [já com o nome Que horas ela volta?] teve duas grandes encarnações. A primeira onde a Jéssica vinha da Bahia, na primeira versão, e querendo ser cabeleireira, mas não conseguia - era mais um clichê do esperado da filha de empregada - e terminava como babá. O fim do filme era o começo. Era meio continuando a maldição. Mas, com as mudanças no país e laboratórios e influências, eu comecei a querer achar um caminho melhor. Um caminho de esperança para a Jéssica. E aí eu me debati acho que uns 5 anos com anotações e coisas, até que, 6 meses antes das filmagens, eu disse “eu tenho que encontrar”. Mas eu não queria que ela ficasse famosa. Não queria que ela fosse cantora de samba e nem que ela casasse com um cara rico, que são normalmente as saídas das “empreguetes”. Demorou. (Muylaert in Primeiro Tratamento 2020).
A quarta versão foi escrita entre julho e agosto de 2013, seis meses antes das filmagens, que ocorreram entre janeiro e fevereiro de 2014. O filme teve o lançamento mundial em 31 de janeiro de 2015 no Festival de Sundance. A última versão do roteiro escrito só veio depois de um árduo processo de não aceitar as hipóteses dramatúrgicas que surgiam para o desfecho de Jéssica e já bem perto das filmagens, como conta Muylaert:
A forma final que ele tem [o roteiro], que é a forma que o filme tem, eu escrevi o último tratamento, cerca de 6 meses antes da filmagem. Foi um processo agudo de desespero, porque eu já tinha o dinheiro para filmar, a filmagem marcada, a Regina Casé, a história… mas a história, 6 meses antes, não era a história que está lá. A Jéssica vinha, vitimizada. [...] E eu dizia “mas isso eu não vou aceitar, eu quero uma outra porta”. Mas eu não tinha porta. E eu andava aqui - aqui na época era o escritório - desesperada, desesperada literalmente. Até que uma noite - eu nunca me esqueço - veio como pronto “ela vem prestar FAU”. Aí eu me arrepiei e falei “opa, agora eu ache”. Eu fui dormir e, no dia seguinte, eu acordei: “Eu achei o filme!”. E aí, em 15 dias, o roteiro estava pronto da forma que ele é. Eu achei o que eu precisava dizer. Ela já vem com outro olhar. É uma personagem que vem com outro olhar, ela quebra tudo, toda a ideia anterior de que a filha da empregada tenha que vir vitimizada. Ela não vem vitimizada. E eu tinha certeza absoluta de que aquilo era importante. (Muylaert in Navega 2019).
Foi possível perceber no trabalho de reescrita do roteiro de Que horas ela volta?, conforme os relatos de processo da cineasta, um árduo adensamento da história ao longo dos anos, com bastante conflito, insatisfação e vontade de encontrar respostas dramatúrgicas menos convencionais e que não pareciam acessíveis no cenário social das primeiras versões do roteiro, ainda na década de 90, mas que, com as mudanças no país, o roteiro mudou junto também.
Conforme entrevista ao Metrópolis (2015), ao falar sobre a sua sensação diante da escolha encontrada para o final do filme e que determinou toda a estruturação do roteiro, Muylaert comenta:
O filme, sim, reflete isso. Mas não era minha intenção original. Minha intenção original era dar dignidade à personagem. [...] Acho que esse esforço que eu fiz como autora foi o esforço que o governo fez como governo. (Muylaert in Metrópolis 2015a).
Outra coisa importante de destacar nesta história do processo que é traçada pelos relatos de Anna Muylaert é perceber o extenso correr de experiências que levaram à decisão final sobre qual seria a saída para a personagem Jéssica. Muylaert conta sobre este encontro com a resposta que tanto buscava como se fosse um momento de achado. Mas o que percebemos, sobretudo, pelos relatos de Muylaert, é um longo trabalho de experimentação de hipóteses, insatisfação, busca e abertura para a entrada de ideias novas, especialmente pela leitura de amigos e pela participação em laboratórios. Ela mesmo se indaga sobre como chegou a essa resolução, e identifica este processo como o de uma “caçada” - expressão que escolhemos para dar nome a este tópico: “Por que veio essa ideia? Parece que foi um presente, apesar de eu estar aqui lutando por ela. Ela veio de algum lugar que eu não sei qual é. Mas eu estava disponível. Eu estava o dia inteiro no escritório. [...] É uma caçada” (Muylaert in Navega 2019).
Nesse caminho, algumas interações foram determinantes para Muylaert, como o consultor Jeremy Pikser no Laboratório Novas Histórias do Sesc, em que o roteiro participou em 2011. Segundo a cineasta, o consultor fez o seguinte questionamento: “Dá para ver que você é uma menina querendo falar das desigualdades sociais no seu país, mas, se a sua mãe fosse empregada doméstica, você não ia achar um final melhor?” (Muylaert in Encontros de Cinema 2015). Sobre este questionamento, Muylaert comenta: “Aquilo ficou em mim, e eu não tinha resposta” (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
Foi diante da indagação do consultor sobre o final da história, que já a incomodava, que Muylaert se pôs mais intensamente a buscar diferentes saídas para Jéssica e a pensar sobre o que pode a narrativa, além de apenas repetir o que observamos no mundo, que pode também recriar, buscar outras soluções para o que nos inquieta, elaborar outros finais e outras narrativas para histórias conhecidas.
Também iremos perceber a importância dessas interações e a intensificação delas no trabalho em grupo e na relação com outros criadores no tópico 4 deste artigo (4. Sobre se sentir livre para criar novas pontes de circulação no set com os atores e a equipe técnica), que irá retomar a questão da interação no contexto do modo de trabalho escolhido por Muylaert para o filme e como se dá a transformação do roteiro em meio a esse processo.
A seguir, trataremos de uma outra característica importante das práticas de roteiro de Muylaert e que está presente em Que horas ela volta?: o trabalho com a abordagem de sequências e a busca por uma estruturação do roteiro que a permita se sentir mais livre para experimentar no set e no trabalho de cocriação com os atores.
3. A abordagem de sequências (sequence approach) no contexto da construção de espaços de improvisação
Anna Muylaert escreve roteiros cuidadosamente pensados em sua estrutura e função de cena, muitos deles escritos durante anos e explica (Navega 2019; Encontros de Cinema 2015) que, para isso, costuma utilizar a técnica rítmica da abordagem de sequências (sequence approach). Esta técnica, que orienta o modo de trabalho em todos os roteiros de Muylaert desde que teve contato com a abordagem, é exatamente o que, conforme conta, a deixa mais livre para experimentar no set e acolher melhor o acaso e a improvisação, que não apenas são bem-vindos como são procurados e estimulados, também, na equipe e no elenco, como um modo de manter viva a matéria humana registrada nas câmeras.
Exatamente por isso Anna Muylaert comenta (Navega 2019; Pré-estreia 2019) sobre a importância de conhecer bem as estruturas dramáticas do roteiro, de investir no olhar de roteirista que todos da equipe do filme que vão trabalhar em diálogo com o roteiro precisam, de certa forma, ter. Entre eles, especialmente o diretor, que, segundo ela, com um roteiro bem estruturado e consciente dessas estruturas irá encontrar mais maleabilidade na direção e uma liberdade maior de jogar com os recursos que o set oferece, na interlocução com os outros sujeitos:
Investir na carreira de roteirista é um grande investimento para o diretor. Porque se você entende de estrutura dramática, você entende a função de cada cena, depois você tem, na hora de dirigir, uma maleabilidade, uma liberdade maior para brincar em cima daquilo, uma vez que as estacas estejam firmes no chão. (Muylaert in Pré-estreia 2019).
A busca por um roteiro bem pensado para acolher melhor o acaso e a improvisação durante o processo de filmagem não é uma característica exclusiva do processo de Anna Muylaert e está presente também nos processos de vários outros diretores e roteiristas, como Eliane Caffé, Marcelo Gomes, Karim Ainouz e outros.
Neste estudo específico sobre o processo de Anna Muylaert com o roteiro de Que horas ela volta?, acessamos a relação roteiro/improvisação por meio especialmente da escolha de Muylaert pela técnica da abordagem de sequências (sequence approach) sobre a qual comentaremos um pouco a seguir.
A abordagem de sequências espalhou-se mesmo antes de ter um livro específico a tratar do assunto, por ter sido o sistema que guiou Frank Daniel na criação do currículo do programa de roteiro da Universidade do Sul da Califórnia - USC.
Frank Daniel foi também diretor artístico do Instituto Sundance e co-presidente da divisão cinematográfica da Escola de Artes da Universidade de Columbia, além de professor do American Film Institute - AFI. Sua abordagem chegou a ser conhecida como Frank Daniel Methodology ou Frank Daniel Approach antes da publicação do livro de um de seus alunos, Paul Joseph Gulino. Hoje a abordagem é mais conhecida mundialmente pelo título dado ao livro por Gulino, Sequence Approach.
Em Screenwrintig: sequence approach (2004), Paul Joseph Gulino conta que, nos primórdios do cinema, questões técnicas obrigavam os roteiristas a dividirem suas histórias em sequências, cada uma com a duração de um rolo. Cada rolo tinha em média 10 a 15 minutos, com 16 ou 18 quadros por segundo, esta era também por isso a duração da maioria dos filmes naquela época.
Com o surgimento dos filmes multi-reel, ou seja, que eram feitos com mais de um rolo, o que chamamos hoje de longa-metragem, a divisão dos rolos em sequências passou a ser assinalada nos roteiros por letras A, B, C etc.
Manuais da época, como o Techniques of photoplay (1913), por exemplo, sugerem aos roteiristas pensar a divisão do roteiro por rolos de filme. Esta é até hoje uma das métricas aproximadas com que trabalham os roteiristas para o cálculo das sequências em um filme. Agora já não mais devido à extensão do rolo de filme, mas porque o trabalho do roteirista diante de um calhamaço de 90 a 120 páginas de papel em braco é melhor enfrentado com a ajuda de um pensamento de trabalho por partes, sendo a abordagem de sequências uma dessas ferramentas. A divisão do roteiro em partes articuláveis torna, inclusive, a estrutura do roteiro muito mais móvel e dinâmica durante o processo de criação com a possibilidade de cortes, trocas, acréscimos e inversões de maneira mais localizada e consciente das relações entre as partes.
Há vários modos de pensar a articulação entre as partes de um roteiro, por atos, por sequências, por cenas, por beats etc. Uma das primeiras a ser adotada foi a divisão em atos, conforme proposta por Aristóteles, e que foi incorporada ao pensamento narrativo cinematográfico especialmente pela contribuição dos dramaturgos que vieram fazer parte das equipes de roteiro notadamente a partir da década de 1910 com o aumento da minutagem dos filmes, conforme destaca Steven Price em A history of the screenplay (2013), ao falar sobre um dos primeiros formatos do roteiro escrito, os scenarios (no Brasil, também “scenário” nessa época).
A divisão em três atos permanece em parte pela funcionalidade de ajudar os roteiristas a pensarem as relações entre as grandes partes do filme e foi resgatada e trabalhada à exaustão pelos manuais, por exemplo, de Syd Field dos anos 1970, com o aprofundamento da ideia de pontos de virada da narrativa, que Aristóteles chama de peripécia - “a mudança dos acontecimentos para o seu reverso” (Aristóteles 2008, C. XI). Syd Field trouxe como contribuição, além da relação entre os atos e os pontos de virada, no diálogo com Aristóteles, também a inclusão do middle point, que corresponde a um ponto de virada a mais no meio do segundo ato. O segundo ato, por ser mais extenso, costuma ser o que os escritores encontram mais dificuldade em desenvolver.
A orientação por turning points, ou pontos de virada, ajuda à construção do pensamentos narrativo, tanto que passou a ser incorporada também nas partes menores, como no caso da abordagem de sequências, que trabalha cada sequência como um pequeno filme, também desenvolvido em três atos, segundo explica Paul Gulino:
To a significant extent, each sequence has its own protagonist, tension, rising action, and resolution—just like a film as a whole. The difference between a sequence and a stand-alone fifteen-minute film is that the conflicts and issues raised in a sequence are only partially resolved within the sequence, and when they are resolved, the resolution often opens up new issues, which in turn become the subject of subsequent sequences. (Gulino 2004, e-book s/p).
O pensamento da construção em atos, que traz a noção de virada desde Aristóteles e que foi enfatizada no paradigma de Syd Field na década de 70, é também o ponto de partida para outros desdobramentos, como a folha de batida (beat sheet) de Blake Snyder em Save the cat!, por exemplo.
Syd Field (2001) identifica a estrutura de três atos marcada por pontos de virada na passagem de um ato a outro e por um ponto de virada médio no meio do segundo ato como um paradigma. Ele faz uma analogia com existirem muitas cadeiras diferentes no mundo, mas a maioria delas com quatro pernas, e identifica o fato de ter quatro pernas como o paradigma da cadeira, assim como o do roteiro de ter três atos ligados entre si por pontos de virada, tal como a estrutura das tragédias percebidas na prática do teatro clássico grego e apontadas na Poética de Aristóteles.
Muylaert apresenta da seguinte maneira a estruturação que faz dos seus roteiros em sequências:
Quando eu vou sentar, eu trabalho com escaleta primeiro, post-its. E eu trabalho dentro de um conceito chamado de sequence approach, que é um conceito que divide o Ato 1 em duas sequências de sete cenas, o Ato 2 em cinco sequências de cinco cenas e o Ato 3 em duas sequências de cinco cenas. Então, a primeira coisa que eu faço é colar isso na parede e tentar achar as cenas tônicas, para, depois que eu tenha essa estrutura, esse eixo, aí eu penso muito de novo, para ter as ideias, até que eu sento. Normalmente, quando eu sento, a coisa já vem bem adiantada, bem pronta. (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
Nessa estruturação, Muylaert comenta que o difícil, como em toda escrita, é pensar; e cita para explicitar isso uma fala atribuída a Woody Allen que costuma usar: “Escrever é fácil, difícil é pensar”. A cineasta conta que, por isso, tem gestações bem longas diante dos post-its na parede (ver figura 2), antes de sentar para escrever.
Algo que Muylaert destaca na abordagem de sequências é a relação entre cenas átonas e tônicas, com uma cena tônica ao final de cada sequência, que muda o curso da narrativa, como os turning points de Syd Field, e que surgem aqui ao final de cada uma das nove sequências. Outra observação é que Muylaert trabalha com nove sequências e não oito, como Gulino.
A cineasta também costuma atribuir títulos às sequências, que permanecem na versão escrita do roteiro e que enfatizam a proposta de pensar cada sequência como pequenos filmes. Trazemos logo abaixo a estruturação e os títulos das sequências escolhidos por Muylaert para o roteiro de Que horas ela volta?:
ATO 0: Prólogo
Sequência 0: A dona da casa
ATO 1: Quase da família
Sequência 1: A dona da casa
Sequência 2: Quase da família
ATO 2: A porta da cozinha
Sequência 1: O quarto de hóspedes
Sequência 2: A mesa da cozinha
Sequência 3: A mesa da sala
Sequência 4: A piscina
Sequência 5: O quartinho dos fundo
ATO 3: A família
Sequência 1: O vestibular
Sequência 2: Da família
Anna Muylaert, que por diversas vezes trabalhou em projetos de séries e de longas-metragens exatamente com a função de estruturar a narrativa, encontrou nesta ferramenta um sinalizador para os seus trabalhos. Ela conta em entrevista ao Encontros de Cinema (2013) que aprendeu a ferramenta em um laboratório de roteiro. Ao Primeiro Tratamento (2020), ela conta que o apreço pela estrutura não veio do ensino formal, mas da lida diária especialmente com as séries O Mundo da Lua e Castelo Ra-tim-bum, onde era necessário escrever uma grande quantidade de roteiros e que precisavam ter relações entre si, o que a obrigava a olhar para os diferentes elementos da série de uma maneira mais interconectada entre si:
Eu considero o Mundo da Lua e o Castelo Ra-tim-bu minha faculdade. [...] Ali na Cultura foi onde eu entrei realmente na questão do roteiro. Porque, na minha época, quando eu fiz ECA, de 80 a 84, a gente ainda vinha em uma influência muito grande do Cinema Novo e daquela máxima “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Então essa ideia de estrutura dramática, a gente não tinha. Eu nunca ouvi falar a palavra “dramaturgia” dentro da ECA, na minha época. A gente avaliava roteiro por roteiro, a intenção do autor. [...] Meus roteiros eram uma coisa muito intuitiva. (Muylaert in Primeiro Tratamento 2020).
A abordagem de sequências também contribuiu para o trabalho de direção dos projetos pessoais de Muylaert, para a liberdade de improvisação no set e de cocriação com os atores, como veremos no tópico a seguir.
Esta ferramenta de trabalho está na primeira organização em atos, sequências e cenas erguida na escaleta do projeto, conforme é possível perceber nos exemplos apresentados por Muylaert em seu curso de roteiro na plataforma Navega (figuras 1 e 2) e segue se transformando à medida que o roteiro é escrito, filmado e editado. Aquilo que é pensado nesse primeiro momento em post-its na parede é exercitado ao longo de todo o processo do filme e nas relações que as partes do filme vão exercer entre si.
Figura 1 – Modelo de estrutura de escaleta identificado por sequence approach utilizado por Anna Muylaert para a distribuição das cenas e das sequências ao longo dos atos de um projeto de longa-metragem com duração de aproximadamente 90 minutos.
Figura 2 – Exemplo de utilização da ferramenta no processo de roteiro de Que horas ela volta (2015). Fonte: Navega 2019.
Além da abordagem de sequências, Muylaert usa também o que chama de “gráfico de emoções”, conforme é possível ver no exemplo logo abaixo (figuras 3 e 4). Como destaca em seu curso na plataforma Navega, o gráfico de emoções é importante para organizar o filme também ritmicamente, como uma música, em busca do equilíbrio entre as tensões, que ora são levadas para cima e ora são levadas para baixo.
O gráfico de emoções, como explica Ian David no Journal of Screenwriting (David 2014), é um modo de complementar a estruturação por atos, sequências e cenas, que são muito importantes enquanto construção dos nexos que unem as partes de um roteiro, mas que não trazem informações de fácil acesso sobre quais emoções estão sendo trabalhadas em cada cena e em cada sequência, e que ajudam na condução do ritmo do filme:
Screenplays must act as a bridge from the author to the audience, describing the narrative’s capacity to evoke emotion through action and image. In discussing a screenplay, the narrative is usually assessed in terms of its characters, plot, subplots, theme, dialogue, tone, style, etc. Yet, emotion, the quality that determines the screenplay’s (and ultimately the film’s) overall effect, is often poorly understood.” (David 2014, 47).
Figuras 3 – A cineasta Anna Muylaert descreve o uso do gráfico das emoções que costuma utilizar em seus filmes e como considera importante o permanente cruzamento da linha do meio entre as emoções para manter a dinâmica dos filmes.
Figura 4 – Exemplo de utilização da ferramenta do gráfico das emoções em seu primeiro filme, Durval Discos (2002). Fonte: Navega 2019.
Muylaert conta também sobre uma virada em seu cinema com o advento do digital e a possibilidade de gravar os ensaios e experimentar com as câmeras ligadas. Essa liberdade de improvisação veio com a segurança oferecida pela estrutura do roteiro, conforme veremos com mais detalhes nos relatos de Muylaert a seguir. É sobre isso que trata o próximo tópico, com foco na importância do roteiro para a criação com os atores e a equipe técnica.
4. Sobre se sentir livre para criar novas pontes de circulação no set com os atores e a equipe técnica
Mesmo sendo adepta de roteiros milimetricamente pensados em sua estrutura e função de cena, calculados e minutados sob a contagem de sequências que acabamos de comentar, Muylaert explica que, no entanto, no momento da filmagem, como forma de reavivar o processo, ela pede para que o ator esqueça o roteiro:
Eu tenho muito clara a função de cada cena. Eu sou muito rigorosa e científica, faço gráficos e tal. Esta cena serve para isso. Então, quando eu vou filmar, eu chamo o ator e falo ‘meu amigo, esquece o que está escrito’, vamos repensar. Eu falei que era para ir para a direita, mas o que você acha? Ah, não estou achando bom, vamos para a esquerda. E eu incentivo fortemente que tudo seja mudado na hora de filmar. Porque eu acho que assim o ator se vê vivo, e você consegue um tipo de resultado muito mais vibrante. Agora, se você olhar o roteiro e o filme, apesar de eu ter dado tanta liberdade, eles são muito parecidos, porque a função da cena não muda. (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
No contexto do cinema brasileiro contemporâneo, isso se dá em busca, entre outras coisas, de algo a que a pesquisadora Walmeri Ribeiro (2014) chamou de “estética da espontaneidade” ao estudar o ator no contexto do cinema brasileiro contemporâneo. A procura por um cinema com menos marcas de sua feitura, em que o ator e o personagem, a rua e o set, o cotidiano e o ficcionalizado possam cada vez mais serem vistos como um só.
Muylaert traz para a discussão a relação do roteiro na interlocução com os atores que ela chama de “atores autores”, aqueles que, segundo ela, são capazes de propor coisas novas durante a filmagem: “Eu escolho atores que eu chamo de ‘atores autores’, ou seja, atores capazes de criar junto comigo. Há atores intérpretes, que são aqueles que vão saber fazer muito bem aquilo que está escrito, mas eu quero os ´loucões’, os que vão me dar outras coisas” (Muylaert in Encontros de Cinema 2015).
Entre as várias possibilidades de abertura para a improvisação, a criação do roteiro junto com os atores é uma das principais colocadas pelos roteiristas com acesso aos ensaios e gravações, ou mesmo antes disso, em leituras de roteiro à mesa, com atores-amigos convidados, como um modo de ajudar o roteirista em processo de escrita a ver e ouvir o filme por meio da leitura compartilhada. É uma prática recorrente entre muitos roteiristas, entre eles Anna Muylaert, que conta (Navega 2019) preparar o que chama de “jantares de leitura de roteiros” com amigos atores, como as “leituras de mesa” do teatro, antes do início dos ensaios e, muitas vezes, ainda durante os processos de escrita.
São uns dos modos do roteirista se experimentar como público, assistir ao filme acontecer pela criação dos atores, na interlocução com a equipe, como um modo de viver, na experiência com a equipe, a patilha que se deseja com o público.
As discussões, as trocas, as escutas são modos de se colocar como espectador ao longo do processo, assim como a interação com os atores. É em busca dessa interlocução, dessa possibilidade de se colocar como espectadora do próprio roteiro enquanto ele ainda é feito, que Muylaert escolhe convidar os atores para a autoria do filme. Ela conta que é um modo que ela encontrou de reavivar o roteiro, acrescentar camadas e também assistir enquanto o filme ainda é feito:
Eu tenho esse sistema de trabalho de convidar o ator à autoria, de construir o personagem junto comigo. Eu sou roteirista, eu sei muito bem a função de cada cena, de onde ela vai e para onde ela tem que ir, e isso eu faço com que eles saibam. Agora, a partir daí, eu quero que eles me digam. Eu quero assistir. (Muylaert in Metrópolis 2015b).
Esta interlocução com os atores vem desde os processos de ensaio. Muylaert conta que não gosta de ensaiar cena tal qual está no roteiro, mas propor condições para que essas cenas aconteçam, aflorem na interação com os atores. “Aí eu meio largo o roteiro, seguindo o objetivo da cena, que isso é difícil de mudar. [...] Nos meus ensaios, eu gosto de fazer o ator se aproximar do personagem, e menos ensaiar cena” (Muylaert in Encontros de Cinema 2013).
A cineasta afirma que, por isso, pede aos atores que não decorem o roteiro, como uma estratégia para ser surpreendida pela história viva no set. Tal como as narrativas lançam mão de vários recursos na tentativa de surpreender os espectadores, a roteirista, e também diretora, cria recursos para se ver no set novamente surpreendida pela história: “Eu não gosto e não aceito que eles decorem aquilo que eu escrevi. Eu sempre gosto de ser surpreendida novamente no set” (Muylaert in Making of do filme Que horas ela volta 2016).
Nesse processo, ela conta que elaborar o sistema de ensaios é o mais difícil, pois é preciso criar situações, como um modo de criar mundos para o personagem habitar, vir à tona, e não simplesmente repetir o que está no roteiro. É um trabalho delicado que alguns cineastas optam por usar preparadora de elenco para ajudar nesse despertar do personagem, mas não é o caso de Muylaert, que gosta ela mesma de fazer este trabalho, em substituição ao ensaio de cena em si e como modo de adensamento do roteiro, apostando no potencial criador dos atores com quem escolheu dividir a construção dos personagens.
Para mim, o momento mais difícil de uma pré-produção é bolar o projeto de ensaio, que em geral é pouco tempo, então você tem que ser conciso para conseguir chegar no resultado. Eu não costumo trabalhar muito cena, marcação. Eu costumo mais dar para os atores condição para eles acessarem o personagem deles. Acessarem dentro deles. (Muylaert in Making of do filme Que horas ela volta 2016).
Por exemplo, para construir a complicada relação entre mãe e filha de Val e Jéssica, que passaram mais de dez anos sem se ver, Muylaert fez questão de que as atrizes não se vissem e, no primeiro ensaio, havia um pano preto entre as duas, conforme detalha a cineasta no Making of do filme:
Um dos ensaios mais complexos foi o da Val e da Jéssica, da mãe e da filha. Então a gente foi para uma sala de ensaio. Eu coloquei o pano preto na meio, ficou a Regina de um lado e a Camila do outro. Elas não se conheciam. E eu fiz um roteiro de telefonemas de 10 anos entre mãe e filha. No início havia da Camila [Jéssica], da parte da filha uma vontade que a mãe voltasse e que, depois, conforme a mãe não voltava, esse sentimento foi mudando, e a Jéssica já não queria mais que a mãe viesse. A mãe foi ficando agoniada. E isso foi criando uma tensão emocional entre as duas, entre as atrizes e as personagens também. Até que no final a gente tirou o pano preto e aí elas se abraçaram como se fosse a cena do aeroporto. (Muylaert in Making of do filme Que horas ela volta 2016).
Figuras 5 e 6 – Prints do Making of do filme Que horas ela volta?. Registro do ensaio das conversas de mãe e filha ao telefone. No ensaio, divididas por um pano preto. Muylaert escreveu para o ensaio um mini roteiro de telefonemas entre mãe e filha que se desenrolam ao longo de treze anos. Fonte: Making of do filme Que horas ela volta, 2016.
A atriz Camila Márdila, que faz a Jéssica, comenta sobre as reverberações que as estratégias de Muylaert, com o convite à cocriação e com a abertura para a improvisação assentados na compreensão das funções de cena do roteiro, tiveram em seu trabalho:
A Ana tem uma confiança no elenco. Você percebe que ela tem uma paixão pelo trabalho do ator, ela vê muito a parceria que tem nisso. Então acho que ela consegue fazer com que cada um traga para a personagem que ela escreveu as suas particularidades. [...] Ela estimula a gente a entender muito a função de cada cena, a função de cada personagem, o que precisa acontecer ali e nisso a gente cria o percurso para que se chegue na dramaturgia de cada cena. (Márdila in Making of do filme Que horas ela volta 2016).
Consequências dessa reverberação podem ser percebidas também na dimensão que algumas cenas tomaram no filme. Por exemplo, a cena da piscina que comentaremos a seguir.
A cena da piscina é construída desde o início do filme, ainda no prólogo, que acontece em torno da piscina. Val responde ao pedido do menino Fabinho, criança no prólogo, que pede para ela entrar com ele na piscina. Ela responde que não tem maiô, mas que vai ficar olhando. Enquanto observa Fabinho na piscina, Val tenta falar com a filha em Pernambuco pelo telefone.
É possível ler o trecho do roteiro com a sequência de abertura do filme logo abaixo. A contagem da abordagem de sequências utilizada por Anna Muylaert que comentamos anteriormente só irá iniciar após este prólogo, que funciona também como uma chave para questões que vão ser tratadas ao longo do filme, além de reverberar as primeiras versões do roteiro, em que Fabinho e Jéssica não tinham ainda esses nomes e eram crianças que foram crescendo ao longo dos anos e das versões do roteiro. Além disso, também ajuda a imaginação do espectador a percorrer sensivelmente os anos que separaram mãe e filha e a perceber a projeção de afeto mútuo entre Val e Fabinho, que se estabeleceu pelas ausências.
PRÓLOGO 1
EXT. PISCINA CASA MORUMBI - DIA 1
Plano geral de uma PISCINA AZUL CLARA E LIMPÍSSIMA. Na beira da piscina uma mulher de trinta e tantos anos, UNIFORMIZADA COMO BABÁ. Esta é Val, que termina de vestir o calção de banho no menino Fabinho, 5 anos, branco. Ao lado, a filhote de labrador, Laika.
Ele senta-se na beira da piscina. Bota os pés na água.
FABINHO
Tá frio.
VAL
Que frio que nada, Fabinho!
Tá é muito quente. Toma coragem!
FABINHO
Você fica me olhando?
VAL
Fico.
FABINHO
Vem nadar comigo?
VAL
(rindo)
...Não tenho maiô.
Ele levanta-se. Ela checa as boias de braço e senta-se numa mureta. Ele vai pra piscina.
VAL (CONT’D)
Tô olhando.
Ele pula na piscina. Ela olha. Ele mergulha. Ela suspira. Pega o telefone e disca. Tempo.
VAL (CONT’D)
É a Valdecy, de São Paulo. Sandra? Tudo bem? ...
Fabinho nada e observa Val da piscina.
VAL (CONT’D)
Ela taí? Posso falar? ... Ah, por favor. Convence ela... Jéssica?
Oi! É a mãe. Tudo bem aí? ... Ah, é?
Liguei só pra dar um beijo. Tá bom.
Olha... Te amo, viu?
Fabinho ouve a frase, sai da piscina e aproxima-se, intrigado. Ela desliga o telefone.
FABINHO
Quem você tava falando que ama?
VAL
Minha filha, Fabinho.
FABINHO
E cadê ela?
VAL
Tá longe.
Ele se enrola na toalha e deita na chaise longue, melancólico como só uma criança sabe ser. Tempo.
FABINHO
E minha mãe? Cadê?
VAL
Foi trabalhar.
FABINHO
Que horas ela volta?
VAL
Não sei.
Silêncio.
Ela senta-se com meia bunda na chaise longue ao lado dele. Entra música nordestina. Ele levanta-se e se aninha no colo dela. Os dois olham as folhas das árvores que balançam com o vento fraco. Tempo.
(Trecho do roteiro de Que horas ela volta, de Anna Muylaert, versão de 30 dezembro de 2013).
Figura 7 – Print do filme Que horas ela volta?. Cena do prólogo de abertura do filme, em que Val observa Fabinho na piscina, ainda criança, enquanto tenta falar com a filha ao telefone. Fonte: Filme Que horas ela volta, 2015.
Em outro momento, com Jéssica na casa, a filha pergunta se Val nunca tomou banho naquela piscina, ao que Val responde: “E eu vou nadar na piscina da casa dos outros?” (Que horas… 2015). E adverte “E, se um dia eles lhe chamarem pra cair nessa piscina, você vai dizer ‘não tenho maiô, não posso’, aprendeu?” (Que horas… 2015). Pouco tempo depois de Jéssica ter ouvido isso de Val, enquanto a mãe se afasta para ajudar Bárbara que acabara de chegar à casa, Fabinho com um amigo (Caveira), em tom de brincadeira, derrubam Jéssica na piscina, onde brincam apesar dos gritos de ambas as mães (Val e Bárbara) para que parem a brincadeira e Jéssica saia da piscina.
Em um momento seguinte a essa cena, enquanto Val passeia com o cachorro a caminho de uma das casas do mesmo condomínio, para se informar com a empregada de lá sobre o aluguel de um quarto na comunidade em que mora, Val é perguntada por Jéssica onde estão estas regras de que ela fala e que as outras empregadas do condomínio também demonstram conhecer bem, ao que ela responde: “Isso aí ninguém precisa explicar não, a pessoa já nasce sabendo o que pode e o que não pode. Tu parece que é de outro planeta” (Que horas… 2015).
Depois de uma série de atitudes de Jéssica que incomodam Bárbara, ela pede a Val que Jéssica fique “Da porta da cozinha para lá” (Que horas… 2015). Neste mesmo dia, Jéssica deixa a casa, na noite da véspera da prova do vestibular, apesar dos pedidos da mãe para que fique, e com a frase “Se tu tem estômago para ficar aqui que fique, mas eu não aguento não. Você tinha que ter me defendido” (Que horas… 2015).
No dia seguinte, após saber que a filha havia passado na primeira fase do vestibular e de viver um clima de muita tensão na casa ao longo do dia com a não aprovação de Fabinho, Val vê a piscina em que nunca entrou sendo cheia depois de secar após Jéssica ter sido derrubada na piscina por Fabinho, e decide entrar na piscina, que está pela metade, e fazer de lá uma ligação para Jéssica, perguntando “Adivinha onde eu estou?” (Que horas… 2015) e batendo na água para que ela pudesse ouvir o barulho da água pelo telefone. Detalhes que não estavam no roteiro escrito. Nesta cena, o clima de repressão das regras invisíveis do abismo social se converteram no riso incontido de Val dentro da piscina.
A cena em que Val entra na piscina, embora trabalhada em gradação ao longo de todo o roteiro, era bem curta no roteiro, conforme é possível ver logo abaixo.
103 EXT. PISCINA - NOITE 103
No escuro, Val observa a piscina enchendo de água, solitária e feliz. Laika ao lado dela. Vagarosamente, ela desce as escadinhas da piscina e anda lá embaixo, se divertindo com a água na canela. Pode cantar baixinho uma música, como “DEZESSETE E SETECENTOS”, de Luiz Gonzaga.
(Trecho do roteiro de Que horas ela volta, de Anna Muylaert, versão de 30 dezembro de 2013).
No entanto, Muylaert (in Arte do Artista 2017) conta que, no dia da gravação da cena, a atriz Regina Casé disse que não iria gravar, que não era preciso, argumentando “quem entra numa piscina pela metade e à noite”. Resistiu bastante. Era a última cena do dia e foi se despedir de cada um da equipe antes de gravar a cena, e repetindo firmemente que era uma cena sem sentido. A resistência da atriz lembrou a resistência da própria Val em entrar na piscina até então. Era também a resistência de Val quanto a quebrar as regras invisíveis, que não se limitavam só à piscina, mas à própria possibilidade de acesso dentro do contexto de uma sociedade de classes; entre eles, por exemplo, o acesso da filha da empregada a uma faculdade de elite como a FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, USP), mas que, apesar disso, ela havia passado.
Depois de muita resistência, a atriz entrou na piscina e fez a cena. A ligação para a filha, parabenizando pela aprovação no vestibular, feita de dentro da piscina, em tom de traquinagem, não estava no roteiro escrito. Nele, Val ligava para a filha do lado de fora da piscina e entrava como uma consequência. Na versão improvisada pela atriz, a ligação é feita de dentro da piscina, como um motivo para ligar e contar à filha onde estava, em lugar da defesa que não existiu antes, quando Jéssica foi derrubada na piscina por Fabinho e Caveira, e levou a culpa.
Muylaert descreve este momento como um momento de muito encanto e surpresa, e fica visível o prazer da diretora em assistir às transformações do roteiro na cocriação com os atores:
Quando ela entrou, que eu vi o primeiro passo… porque a Regina é antes de tudo uma bailarina. Isso é uma outra coisa do corpo do ator, a capacidade da reprodução de gestos observados. E ela veio com um passo que eu já falei “ih” e olhei para o Thales [Junqueira], o diretor de arte, isso aí vai… e ela fez aquilo, aquela beleza, foi aplaudida em cena aberta, e aí veio toda a emoção da verdade que tinha aquilo. (Muylaert in Arte do Artista 2017).
Figuras 8, 9 e 10 – Prints do filme Que horas ela volta?. Cena em que Val entra na piscina e liga para a filha para parabenizar pela aprovação na primeira fase do vestibular. Fonte: Filme Que horas ela volta, 2015.
A cineasta fala (in Novíssimo Cinema Brasileiro 2016) de uma virada no seu cinema com o advento do digital, por não limitar mais o tempo de filmagem ao número de rolos, podendo assim experimentar mais com as câmeras ligadas, inclusive improvisações de roteiro e ensaios que passaram a incorporar os filmes:
A passagem para o digital foi muito importante para mim. Eu mudei completamente meu modo de dirigir, porque eu já queria fazer assim no Durval, mas com 35mm era impossível. [...] Claro que era tudo mais ensaiado, mais marcado. Ensaiei muito cenas, mil vezes. E, agora, com o digital, eu não ensaio [cena]. Eu jogo o negócio no fogo quente e vai pulando, e vai filmando, e vai pulando. Inclusive eu fui desenvolvendo um sistema que alguns enlouquecem, que eu não dou “corta”. Faço take um e falo “segura, não corta, volta, de novo”. Eu acabo fazendo, enfim, sem cortar a câmera, às vezes 20 minutos ou 30 minutos. Então, isso faz um set muito atento, porque, se você não corta, ninguém relaxa. (Muylaert in Novíssimo Cinema Brasileiro 2016).
A atriz Regina Casé reforça a importância da abordagem de Muylaert para a atuação no filme e destaca o fato do princípio de liberdade e espontaneidade estar presente em todas as equipes do filme, não só no elenco, mas também na direção de arte, na fotografia, na captação de som e na montagem, que contribuíram para a riqueza de registro das cenas de ensaio e de ter cenas sem marcação e com maior grau de improvisação e de liberdade de takes para a montagem.
A Anna como diretora não só improvisa como pede para eu improvisar, me dá a linha e, às vezes, fala “esquece tudo que está escrito, fala o que você quiser”. Então eu tenho uma liberdade total e, mesmo a Bárbara Alvarez, como fotógrafa, acho que também pega muito o que está rolando, do jeito que a gente fez e não é marcadinho. Isso está sendo genial e ajuda muito, porque eu acho que eu rendo muito assim e posso também dar o meu melhor para elas. (Casé in Bastidores de Que horas ela volta 2019).
Muylaert acrescenta sobre a importância, além da virada do digital, também da equipe para a possibilidade de trabalhar com a liberdade com que trabalhou e que é latente no resultado final do filme:
Eu acho que eu mudei totalmente minha forma de chegar no ator, e essa história, por ser muito antiga, tem 19 anos o processo desse roteiro, eu acho que ele foi achando uma forma. Eu passei por muitos caminhos com essa empregada, para lá, para cá. Eu passei por muitos laboratórios. Deu tempo de eu me influenciar pelas coisas. Deu tempo do país mudar. Deu tempo dos meus filhos crescerem. Na primeira versão, o Fabinho era pequeno. Então, foi tudo evoluindo. Eu sinto que esse filme tem uma maturidade no meu modo de chegar, tanto no roteiro quanto no ator, na direção e na fotografia. [...] E, nesse filme, eu tive uma série de pessoas que foram muito importantes para chegar nesse resultado que eu gosto, que é a fotógrafa, a Bárbara Alvarez, que é uma uruguaia que praticamente não usa luz artificial; [...] os diretores de arte [Marcos Pedroso e Thales Junqueira], idem. [...] E depois a Karen Harley na montagem, que é uma montadora que eu acho incrível e que também soube respeitar os tempos lentos que o filme tem, apesar de ser uma montagem dinâmica, em termos de estrutura narrativa. (Muylaert in Novíssimo Cinema Brasileiro 2016).
5. Conclusão
No processo de construção da narrativa de Que horas ela volta?, foi nítida a busca da cineasta por práticas de roteiro que pudessem estar em sintonia com o entorno e serem capazes de oferecer pontos de desdobramentos da criação também na equipe e nos espectadores. Entre elas, a própria escolha por uma técnica maleável de estruturação da narrativa, como vimos, capaz de manter viva a relação entre as partes e o todo do filme, e a escolha pela abertura para a improvisação e para a cocriação com os atores e com a equipe técnica.
Quanto às contribuições que este processo particular traz para a teoria da criação do roteiro, estão, entre outros, pensar a importância da ferramenta do roteiro e de técnicas como a abordagem de sequências (sequence aproach) (Gulino 2004) para a liberdade de criação no set e para a cocriação com elenco e equipe técnica. Quanto à contribuição para o estudo dos processos de criação em geral, percebemos como os arquivos da criação de roteiros podem ser mais que as versões escritas dos roteiros e incluem também os diferentes relatos dos roteiristas, elenco e equipe técnica, em complemento, em busca de perceber os meandros que envolvem a construção dos filmes e o pensamento do roteiro que os acompanha.
A prática do roteiro e o seu acompanhamento crítico de processo colocam-nos diante da apreciação do erro e do inacabamento em percursos que, muitas vezes, são escondidos dos olhos do espectador e de críticos e teóricos em geral, limitando a apreciação e o estudo apenas ao das formas “prontas”, que por vezes levam à elaboração de teorias equivocadas, como acontece algumas vezes ao estudo do roteiro, por exemplo ao pensá-lo como um limitador da improvisação e de que técnicas de roteiro como a abordagem de sequências (sequence approach) são na verdade técnicas castradoras da criatividade ou da liberdade de improvisação. Neste trabalho, percebemos o exato oposto: um processo de escrita e reescrita ao longo de anos, testado e experimentado em diferentes versões de roteiro, com o uso da técnica do sequence approach como base para a improvisação e o aproveitamento do entorno no set com os atores e a equipe técnica.
Bibliografia
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Dourado, Patrícia. 2021. Da criação como experimentação contínua: práticas de roteiro no cinema brasileiro contemporâneo. Tese de doutorado. Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Semiótica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP. Orientadora: Cecília Almeida Salles. São Paulo, Brasil.
David, Ian. 2014. “Screenwriting and emotional rhythm” in Journal of Screenwriting, Volume 5, Número 1, 1 March 2014: 47-57.
Epps, Jack. 2016. Screenwriting is rewriting: the art and craft of professional revision. Nova Iorque: Bloomsbury Academic.
Field, Syd. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.
Gulino, Paul Joseph. 2004. Screenwrintig: sequence approach. Nova Iorque: Bloomsbury Academic.
Salles, Cecília. 2013. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Intermeios.
Salles, Cecilia. 2006. Redes da criação: construção da obra de arte. São Paulo: Anablume.
Price, Steven. 2013. A history of the screenplay. Londres: Palgrave.
Documentos de processo
Arte do Artista. 2017. Entrevista à Anna Muylaert. TV Brasil. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=t-Ho-nq0dGA Acedido em 30 de maio de 2022.
Bastidores de “Que horas ela volta?”. 2019. Entrevista à Anna Muylaert, Regina Casé, Camila Márdila e outros. Cinejornal. Canal Brasil. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=D43Hx6zFUzY Acedido em 30 de maio de 2022.
Encontros de Cinema. 2015. Entrevista à Anna Muylaert. Itaú Cultural. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=AkLNaqT4nE8 Acedido em 30 de maio de 2022.
Making of do filme “Que horas ela volta?”. 2016. Entrevista à equipe do filme. Que maravilha. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=nTNp_voFGew Acedido em 30 de maio de 2022.
Metrópolis. 2015a. Entrevista à Anna Muylaert. TV Cultura. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=hFnsaEhBtHw Acedido em 30 de maio de 2022.
Metrópolis. 2015b. Entrevista à Anna Muylaert e Regina Casé. TV Cultura. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=7zjSZ-vGTkk Acedido em 30 de maio de 2022.
Navega. 2019. Curso de Roteiro com Anna Muylaert. Plataforma de Educação. https://www.navega.art.br/products/curso-roteiro-cinematografico-anna-muylaert Acedido em 30 de maio de 2022.
Novíssimo Cinema Brasileiro. 2016. Debate com Anna Muylaert. CINUSP Paulo Emílio. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=XYj_l1_oXIU Acedido em 30 de maio de 2022.
Que horas ela volta? 2015. De Anna Muylaert. Brasil: África Filmes; Gullane e Globo Filmes. DVD.
Pré-estreia de “Que horas ela volta”. 2019. Entrevista à Anna Muylaert, Regina Casé, Camila Márdila, Michel Joelsas e Cláudia Buschel. Cinejornal. Canal Brasil. Canal do YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=7nvBzeEjias Acedido em 30 de maio de 2022.
Primeiro Tratamento. 2020. Entrevista à Anna Muylaert. Podcast. https://www.primeirotratamento.com.br/2020/04/15/primeiro-tratamento-anna-muylaert-118/ Acedido em 30 de maio de 2022.
Roteiro do filme “Que horas ela volta?”. 2013. Roteirista: Anna Muylaert. Cedido pela autora. 5o tratamento. Versão de 30 de dezembro de 2013. (Há também uma versão impressa e em ebook publicadas em 2019 e 2020, respectivamente, pela Klaxon Cultura Audiovisual e BrLab).