Capítulo / Chapter III | Cinema – Comunicação / Communication

Experimental children’s animation in the fight against fake news about the coronavirus: the ludic as a strategy of truth

A animação experimental infantil no combate às fake news sobre o coronavírus: o lúdico como estratégia da verdade

Arthur Felipe de Oliveira Fiel

Universidade Federal Fluminense, Brasil

Patrícia Cardoso D’ABREU

Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil

Abstract

Continuing our research on experimental children’s animation focused on social issues related to the new coronavirus pandemic, this work investigates the relationship between the ludic and information in audiovisual. Starting from what Francis WOLFF (2005) calls “opaque images” and Paul WELLS’s (2013) notion of development animation, we seek in Johan HUIZINGA’s (2000) inquiry about the word “game” the articulations between tension and joy to reflect about four informative pills of 1’00” each designed to deny fake news about the pandemic. Created, produced and broadcast by the Animation Experimentation Group of the Janela Audiovisual Extension Project of the Federal University of Espírito Santo, the four pills expose the protagonist of the animated short film Jungaré, an immunizing adventure, still in production by the project - with a script developed from the declaration, in 2020, of the President of the Republic of Brazil about the risk that vaccines against covid-19 could turn people into alligators. In a transdisciplinary way, the four videos involve students, teachers and professionals in the areas of Design, Audiovisual, Advertising, Journalism and Medicine and mix animation, expert testimony and content produced for the internet, with the aim of combating what Michiko Kakutani (2018) points to the death of truth and the decline of reason. Thus, our main objective is to investigate and reflect on how the ludic can be a fundamental strategy in the fight against fake news, whose dissemination strategy is based on imagination.

Keywords: Experimental Animation, Fake News, Pandemic, Ludic, Children content.

Introdução

Considerando a circulação das fake news no cotidiano, a tensão e a ludicidade presentes nas pílulas do Jungaré – protagonista de um curta-metragem animado em desenvolvimento pelo Laboratório de Vídeo (LabVídeo) da Universidade Federal do Espírito Santo – são elementos estratégicos para a tomada de consciência dos indivíduos em relação à responsabilidade que têm em perceber a desinformation para interditarem a misinformation. Além disso, como a poética (ou a composição) está para além da seriedade, a reconfiguração de determinados conteúdos de utilidade pública pode ser ritual, divertida, artística, persuasiva, mágica e, porque não, competitiva quando o objetivo é a disputa pelos sentidos. Assim, a continuidade de nossas atividades de animação experimental infantil voltadas para a pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) concebe a opacidade das imagens como potente para o embate contra as fake news, uma vez que sua estratégia de disseminação é a evocação da imaginação.

Na avaliação da jornalista Michiko KAKUTANI (2018), vivemos a perigosa situação de perda da realidade compartilhada e da habilidade de nos comunicarmos. “O descaso pelos fatos, a substituição da razão pela emoção e a corrosão da linguagem estão diminuindo o valor da verdade” (p.10). Sua investigação e sua análise crítica sobre as mentiras disseminadas pelo presidente norte-americano Dolnald Trump são um alerta contra os ataques à verdade.

Pelo mundo todo, ondas de populismo e fundamentalismo estão fazendo com que as pessoas recorram mais ao medo e à raiva do que ao debate sensato, corroendo as instituições democráticas e trocando os especialistas pela sabedoria das multidões. (IDEM, p.12)

Isso porque, apesar das potencialidades que a tecnologia abre para o acesso a uma imensa gama de conteúdos, a confiabilidade das informações está em crise. Considerada por alguns autores como a matéria prima do jornalismo, a informação articula sentidos como os de objetividade, transparência, verdade e dado.

Nas ciências da comunicação, o conceito de informação tradicionalmente vem atrelado à teoria matemática da informação ou da comunicação, que, apesar de ser um campo da engenharia de comunicações acabou servindo de modelo para se pensar a própria comunicação como um fenômeno que poderia ser calculado. (MARCONDES FILHO: 2009, p. 249)

Se esta perspectiva vê quantitativamente a informação, ela também instiga a reflexão sobre como as linguagens podem instrumentalizar os códigos para trabalhar as dinâmicas da redundância e do ruído nos mais variados tipos de mensagens. Essa transposição para as ciências humanas é de extrema relevância social, uma vez que o indivíduo e seus processos de subjetivação e identidade são formados pela família, pela escola, pela comunidade e também pela mídia. Assim, narrativas que são postas a circular midiaticamente são, simultaneamente, informativas e formativas. Nesse sentido, novas técnicas de mensuração do consumo de conteúdos têm articulado o caráter quantitativo da informação à sua qualificação, o que permite o direcionamento de mensagens construídas a partir de uma espécie de retórica do gosto. As consequências disso, porém, podem ser dramáticas para a comunicação como compartilhamento social, o que se verifica pela onda de negacionismo e pela proliferação das chamadas fake news nos últimos anos. No que se refere ao caráter formativo da mídia, este problema, em especial no escopo do consumo de conteúdos por crianças e adolescentes, gera preocupação, uma vez que a informação vem perdendo suas dimensões históricas e contextuais.

O termo “declínio da verdade” (...) entrou para o léxico da era da pós-verdade, que inclui também expressões agora corriqueiras como “fake news” e “fatos alternativos”. E não só as notícias são falsas: também existe a ciência falsa (produzida por negacionistas das mudanças climáticas e anti-vaxxers, os ativistas do movimento antivacina), a história falsa (promovida por revisionistas do Holocausto e supremacistas brancos), os perfis falsos de norte-americanos no Facebook (criados por trolls russos) e os seguidores e likes falsos nas redes sociais (gerados por bots). (KAKUTANI: 2018, p.11-2)

Estudo publicado pela London School of Economics and Political Science (LSE), em 2018, ressalta que as facilidades que informação confiável e o debate público transformador estão sob risco. De acordo com o relatório britânico, a crise da informação se manifesta de cinco formas: confusão, cinismo, fragmentação, irresponsabilidade e apatia. A quantidade de informação acessível gera incerteza sobre o que é verdadeiro e sobre quem é confiável, o que desorienta as pessoas (confusão). Assim, a descrença nas relações interpessoais e institucionalizadas abala a confiança pública e fomenta os antagonismos (cinismo). Isso faz com que a busca por proteção gere bolhas que compartimentarizam os públicos, aprisionando-os em torno de gostos, crenças e opiniões específicas (fragmentação). Essa segregação oblitera os fatos consensuais, o que não só amplia o alcance das informações falsas como também permite que não sejam estabelecidos códigos éticos nem padrões claros de responsabilidade e transparência para organizações poderosas como Google e Facebook (irresponsabilidade). Nesse contexto, os valores democráticos ficam desacreditados (apatia).

Podemos dizer que este contexto se dá porque as capacidades tecnológicas para captar, armazenar, processar e compartilhar a informação estão à mercê da gestão neoliberal. Para ZALLO, (2005), as tecnologias não são necessariamente sinônimo de ampliação da democracia participativa, uma vez que as possibilidades igualitárias e libertadoras de experimentarmos um espaço público mundial são neutralizadas pela estrutura econômica do nosso tempo. Se, de fato, as tecnologias e a informação ampliaram o espaço público, as estratégias sensíveis (SODRÉ: 2006) precisam se concentrar em um agir político. Nesse contexto, engendra-se o que aponta CHAUÍ (2006): “em lugar de opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos” (p.10).

Isso equivale a dizer que, ampliado tecnologicamente, o espaço público coloca uma imensidade de opiniões e “verdades” para circular, mas elas não tendem a ser analíticas nem a se referir a um conjunto de fontes e dados rastreáveis. Veiculados em mensagens estetizadas, muitos conteúdos não mobilizam os receptores por sua verdade ou falsidade, mas sim em função de uma performance numérica – ao mobilizarem sensações, produzem “likes” e compartilhamentos num processo de retroalimentação.

Em um ethos no qual os algoritmos são politicamente utilizados sem escrúpulos, o significado cultural das informações demanda a diferenciação entre misinformation e disinformation. Ambas se referem à intencionalidade de conteúdos falsos postos a circular, mas enquanto a primeira dissemina esses conteúdos por acaso, distração ou engano, a segunda dissemina deliberadamente fatos manipulados com o objetivo de enganar. Apesar de diferentes, os termos se articulam quando, por exemplo, alguém dissemina uma mensagem que considera relevante por se coadunar a suas crenças e a seus valores, mas faz isso sem saber ou perceber que esta mensagem é falsa e que chegou até ela através de uma emissão mal intencionada. Isso nos ajuda na compreensão da disseminação de fake news. E é possível porque permite a percepção sobre nossos gestos midiáticos. Se, por um lado, a intenção de enganar de quem coloca desinformation para circular não preza pela reflexão ética, por outro, a consciência sobre o equívoco que cometemos ao compartilhar algo que nos afeta é fundamental no combate à misinformation.

A disinformation transformada em misinformation pode afetar os mais diferentes tipos de situações, como foi possível observar durante a pandemia do novo coronavírus no Brasil. Em um contexto que mesclava negacionismo, pânico social e incertezas, os brasileiros foram estimulados ao consumo regular de medicamentos que, além de terem sido declarados ineficazes pela Organização Mundial de Saúde (OMS), provocaram males como lesões hepáticas irreversíveis. Posta a circular em cards, a desinformation remixava dados, evocava fontes institucionais e reproduzia estéticas para fundamentar conteúdos falsos relativos à Covid-19, gerando caos na vida e saúde pública da população.

Sobre a atividade lúdica e a ludicidade

A utilização e apropriação do termo ludicidade se faz presente com bastante frequência em estudos oriundos de diversos campos do saber, mas principalmente no campo da educação, da filosofia, da psicologia e, atualmente, também no campo da comunicação e dos estudos de mídia. A definição conceitual do termo mostra-se, dessa forma, como um problema interdisciplinar com diversas nuances e perspectivas que se lançam em busca de consenso conceitual ainda indefinido. Isso porque as primeiras pesquisas que inauguram os estudos do lúdico o fazem a partir da análise do jogo enquanto fenômeno cultural preexistente, até mesmo, à atividade lúdica, proposta de Huizinga (2008). Muito próxima da compreensão de atividades lúdicas de Huizinga, também está a perspectiva de Brougère (2003), que vai além ao apontar que a compreensão acerca da “própria ideia que se tem de jogo varia de acordo com autores e épocas, a maneira como é utilizado e as razões deste utilização” (p.9). Desse modo, a utilização do termo ludicidade, oriunda destes estudos e mais recorrentes em estudos posteriores a eles, também sofre nuances e ampliações a partir da perspectiva formativa dos contextos e autores que o utiliza. No entanto, é certo de que a ideia de ludicidade está intimamente relacionada à concepção dos jogos como atividades lúdicas que, por vezes, “suspendem” o caráter real e ordinário da vida cotidiana.

Huizinga (2008) define o jogo como:

[...] uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras livremente convertidas, mas absolutamente obrigatórias, dotado de um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e de alegria e de uma consciência de ser diferente da vida quotidiana (HUIZINGA, 2008, p. 33)

Essa definição de jogo e, consequentemente, da atividade lúdica os coloca, constantemente, em oposição ao labor – uma atividade considerada séria e polar à perspectiva brincante abarcada pelo termo em análise. Contudo, tanto Brougère (2003) como Huizinga (2008) entendem que o lúdico está relacionado diretamente ao contexto no qual ele é vivido e é intrínseco aos laços e grupos sociais dos quais dele faz parte. Luckesi (2002), por outro lado, nos apresenta a ideia de lúdico como um estado interno ao sujeito e de ludicidade enquanto estado de consciência, de ânimo, que emerge das atividades que se praticam com envolvimento prazeroso, não-mecânico. Ele aponta que:

[...] quando estamos definindo ludicidade como um estado de consciência, onde se dá uma experiência em estado de plenitude, não estamos falando, em si, das atividades objetivas que podem ser descritas sociológica e culturalmente como atividade lúdica, como jogos ou coisa semelhante. Estamos, sim, falando do estado interno do sujeito que vivencia a experiência lúdica. Mesmo quando o sujeito está vivenciando essa experiência com outros, a ludicidade é interna [...] (LUCKESI, 2002, p. 6).

Com isso, passamos a entender que uma atividade pode ser lúdica para um indivíduo e a mesma não ser para um outro, pois dependeria do seu estado interno diante da execução ou envolvimento com a atividade. A pesquisadora Conceição Lopes (2004) situa e relaciona os estudos do lúdico e da ludicidade dentro do campo da comunicação e propõe a compreensão da ludicidade como condição humana que pode ou não estar subjugada à uma manifestação externa ao ser lúdico, como por exemplo o recreio escolar, mas a apresenta como uma condição relacional e interacional nas mais diversas situações. Para ela:

[...] a essência da ludicidade reside sobretudo nos processos relacionais e interacionais que os Humanos protagonizam entre si, em diferentes situações e em diversos patamares de ocorrência dos seus processos de manifestação, nomeadamente, intra-pessoal, inter-pessoal, intra-grupo, inter-grupo, intra-institucional, inter- institucional e em sociedade e ainda, com ou sem brinquedos e jogos/artefactos lúdicos digitais e analógicos construídos deliberadamente para induzir à manifestação lúdica humana (LOPES, 2004, p. 6).

O trabalho de Lopes (2004) se apropria da proposta de Watzlawick (2013) e da escola de Palo Alto, na Califórnia, que nos propõe o modelo orquestral da comunicação, e, assim como eles, nos apresenta alguns axiomas como inerentes ao modelo orquestral da ludicidade. Dos nove axiomas por ela apresentados, três aqui serão colocados em destaque, são eles: a) axioma n.3.: sobre a impossibilidade da não-ludicidade, que realça o papel sempre intencional da manifestação da ludicidade; b) axioma n.6.: da ludicidade como baseada nos níveis de conteúdo (no que se diz/apresenta) e relação (como se diz); e, c) axioma n.7.: na ludicidade como apresentável de modo analógico e digital, sendo a primeira relacionada às manifestações não-verbais, expressas por sentimentos e emoções, e a segunda como linguagem verbal (convencional) – isto não implicando, necessariamente, os meios de circulação e sim seu código de produção. Retomaremos estes axiomas na descrição do processo de criação das pílulas informativas produzidas pelo grupo de extensão Janela Animada, do Laboratório de Vídeo da Universidade Federal do Espírito Santo.

Por fim, a pesquisadora Monica Massa (2015), ao realizar uma pesquisa sobre a etimologia do termo Ludicidade, aponta que:

A ludicidade faz parte de um processo maior, dinâmico, inter-relacional e interativo, que atribui significados lúdicos ao comportamento dos indivíduos. É consequência da vivência das situações lúdicas e das experiências que o indivíduo congrega a partir dessas vivências, das conexões e das interações que este faz em função das experiências vividas. A ludicidade é, portanto, bem mais do que as suas manifestações. (p.125)

Essa perspectiva sobre o lúdico, enquanto atividade, e sobre a ludicidade como condição humana nos é primordial para a descrição da ação desenvolvida pelo grupo de extensão a ser aqui descrita. Neste grupo, formado por estudantes, professores e profissionais das áreas de Design, Audiovisual, Publicidade e Propaganda, Jornalismo e Medicina, encontramos na animação experimental e na produção de pílulas informativas com depoimento especializado, um modo de utilizarmos da ludicidade para combater a desinformação e a crise da verdade ampliada durante a pandemia pela propagação em massa das fake news em ambientes digitais.

Ação Coravídeo – Ano 1: processo de criação e trabalho colaborativo na experimentação laboratorial

Após o bem-sucedido trabalho do ano anterior, também apresentado nesta conferência (FIEL; D’ABREU, 2021), o grupo Janela Animada, vinculado ao Laboratório de Vídeo (LabVídeo) da Universidade Federal do Espírito Santo, cresceu e ampliou também sua área de atuação, agora não mais restrita à produção exclusiva de peças animadas com teor majoritariamente ficcional, mas também informativas – levando em conta a entrada de um número considerável de estudantes oriundos do curso de Jornalismo, cientes das potencialidades da hibridização de linguagens para a disseminação de informações de qualidade com rigor informativo e científico.

Neste novo ano integram a equipe a Prof. Drª. Patrícia Cardoso D’Abreu (UFES), como coordenadora geral, o Prof. Me. Arthur Fiel (UFF), como membro externo e coordenador colaborador voluntário da equipe de animação, o Prof. Dr. Ernani Ferraz (UFJF), como membro externo e colaborador convidado, a designer de personagens Aline Nabisi, também como membro externo, o técnico de audiovisual Ramon Zagoto (UFES), o técnico de som e colaborador externo Enyo Soares (UFES), do setor de educação à distância (Sead-UFES) e 25 estudantes dos cursos de Cinema, Jornalismo e Publicidade. Para o desenvolvimento das pílulas informativas a serem aqui descritas, tivemos a participação da médica infectologista Rúbia Miossi, do Hospital Universitário (HUCAM-UFES).

As atividades do grupo de extensão hoje se dividem em: produção de animação e produção de pílulas informativas. Após a bem-sucedida ação passada, que teve como resultado a trilogia de animação protagonizada pelas personagens Duda, Anahí e MC Cuida, exibidas em festivais de cinema infantil do país, o grupo passou por um novo processo seletivo e organizacional, com a entrada de novos ingressantes, e reorganizou suas atividades focais, definindo para a produção do ano de 2021 quatro pílulas informativas (finalizadas e aqui sendo discutidas) e um curta-metragem de animação (ainda em processo de finalização).

Após a estruturação do novo corpo atuante no grupo de extensão e a definição das atividades a serem executadas, enquanto os alunos responsáveis pelas pílulas informativas estruturavam uma proposta a ser discutida pelo grupo, os demais integrantes, alguns oriundos da ação anterior, já produziam o roteiro do curta animado batizado de Jungaré – uma aventura imunizante, que tematiza a vacinação contra a Covid-19, que até o momento vitimizou mais de 660 mil vidas em território brasileiro.

Com a finalização do roteiro do curta, assinado pelas alunas Ariel Velten e Rayná Henrique, a designer de personagem, Aline Nabisi, deu vida ao quarteto protagonista do curta: Jungaré, um jacaré, inspirado em Carl Jung e em suas pesquisas sobre o inconsciente coletivo, que na narrativa enfrenta uma crise existencial após ouvir do Presidente Jair Bolsonaro que a vacina poderia transformar as pessoas em jacarés; Cloroquema – uma ema amarela que se viu diante da oferta de cloroquina e que ficou ansiosa, confusa e agitada com todo o excesso de informação que chegava até ela, personagem inspirada nas imagens e vídeos nas quais o Presidente da República do Brasil aparece ofertando cloroquina para uma ema que estava no jardim do Palácio do Planalto; Ivermecristina – uma verme azul e digital influencer que expunha a seus espectadores às mais descabidas e não comprovadas receitas para se livrar do vírus, inspirado em pessoas reais e, algumas delas, ocupantes de cargos públicos; e, por fim, a Dra. Vac, uma vaca vermelha cujo nome é inspirado na própria vacina, médica cuba que atua no combate à pandemia e à desinformação em torno das formas de combater e prevenir o novo coronavírus. Esta personagem teve a decisão por sua nacionalidade vinculada ao programa Mais Médicos, criado em 2013, durante a gestão da Presidenta Dilma Rousseff (PT) que buscou ampliar o número de médicos distribuídos nas cidades brasileiras e contou com a colaboração de diversos países, sendo Cuba um dos mais importantes parceiros. O país retirou-se do projeto em 2018, após intervenções do atual Presidente brasileiro na estruturação do programa, retirando mais de 8 mil médicos dos postos por eles ocupados.

Em paralelo a essa produção, a equipe encarregada das pílulas apresentaram os temas sobre os quais desejariam tratar e deram início às pesquisas necessárias à realização. Os temas das pílulas informativas, que tinham o objetivo explícito de combater às fake news e campanhas de desinformação elencados foram: Vacinação e alteração do DNA; Máscaras e acidez sanguínea; Tratamento precoce; Convívio com crianças e redução do risco de contágio. Todos estes temas diretamente associados às fake news em circulação massiva nas redes sociais e mídias digitais do país.

Após a finalização do roteiro e o início do processo de design de personagens, o grupo responsável pela animação encontrou alguma dificuldade em desenvolver as artes de cenário e storyboard para a realização – processo que levou alguns meses. No entanto, como rotineiramente o grupo se encontrava nas noites de segunda-feira, percebemos, coletivamente, a potencialidade que a personagem Jungaré tinha para se relacionar com o público-alvo também das pílulas informativas. Ora, sua postura confusa e reflexiva acerca dos absurdos que ouvia acerca da vacinação o definiam também como público-alvo das pílulas a serem desenvolvidas. E, por este motivo, ficou decidido que ele comporia a vinheta de abertura de cada pílula, criando também um padrão para os vídeos informativos da ação. Desse modo, mesmo antes de ser protagonista do curta-metragem, que segue em processo de finalização, esta personagem protagoniza as pílulas informativas que mesclam a animação experimental infantil ao depoimento médico especializado em infectologia que apresenta, de forma leve e descontraída, a informação precisa para combater a desinformação contínua.

Dessa maneira, o Jungaré abre as pílulas informativas com sua persona característica: duvidoso e desconfiado ele, em seu aparelho de celular, busca melhor se informar sobre as fake news que lhe foram direcionadas nas redes e mídias socias. Assim, o vemos pesquisar os temas supracitados da seguinte forma: “Vacinas contra a covid-19 podem alterar o DNA humano?”; “Usar máscaras deixa o sangue ácido?”; “Ivermectina combate a covid-19?”; “Conviver com crianças reduz os riscos de covid?”. Na sequência dessas perguntas, temos a exposição da médica infectologista acerca da questão levantada.

Após a finalização das pílulas, elas foram veiculadas na Televisão Educativa do Estado do Espírito Santo, publicadas na página do grupo no Instagram (@janela.ufes) e também circuladas pela Rede Nacional de Combate à Desinformação, numa campanha em prol da vacinação infantil contra a Covid-19. O curta-metragem Jungaré – uma aventura imunizante segue em processo de finalização e tem lançamento previsto para meados deste ano de 2022.

Discussão e considerações finais

Diante do exposto e da descrição das atividades, comecemos, então, a realizar os links necessários à explanação da produção das pílulas informativas às ideias e ideais que as baseiam. O ponto de partida encontrado pelo grupo foi o de combater o absurdo da desinformação com um material lúdico, em sua materialidade (da animação enquanto opacidade de imagem) e também em sua informatividade, já que partimos de conteúdos que nitidamente colocavam em risco a saúde publica para, a partir do depoimento especializado, apresentar a verdade – médica-técnica-científica.

No que diz respeito às categorias da desinformation e misinformation, ao ser alvo de campanhas intencionais de desinformação em massa, Jungaré, na vinheta de abertura das pílulas, tem o cuidado de pesquisar antes de tomar aquelas notícias e informações como verdades absolutas e passá-las adiante. Dessa forma, ele encontra no YoYoTube, plataforma ficcional inspirada no Youtube, a comunicação informativa da médica infectologista Rúbia Miossi, chancelada por sua formação médica e experiência clínica, rompendo o ciclo de compartilhamento de notícias falsas pela tomada de consciência de que estava prestes a cometer um equívoco ao dar continuidade à circulação daquelas informações.

O caráter lúdico das pílulas é tão polissêmico quanto o próprio conceito de ludicidade. Ele se mostra presente tanto na persona do Jungaré, que protagoniza as vinhetas de abertura de cada uma das pílulas, como também no texto que ele utiliza em sua pesquisa, baseado em informações circuladas em aplicativos de comunicação e mídias sociais, como se faz presente na própria articulação da médica que desmente às fake news, apresentando ao público informações verídicas.

Desta maneira, o grupo Janela Animada, enquanto grupo de extensão vinculado ao Laboratório de Vídeo do Departamento de Comunicação da Universidade Federal do Espírito Santo, ciente do seu compromisso com a comunicação científica, com a verdade científica e cumprindo seu papel de extrapolar os muros da universidade, enquanto projeto de extensão, se organiza e articula de modo coletivo no combate à desinformação da população brasileira. Assim, como salientamos na apresentação e comunicação do ano anterior, trazendo para o campo da estética audiovisual, nossa opção foi, portanto, a de produzir informações que possibilite resistências à crise da verdade em meio a um emaranhado de fake news que afeta, adoece e mata cotidianamente nossa população.

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