Capítulo / Chapter II | Cinema – Cinema

Visual Effects and Software: The New Generation Cinema

Efeitos Visuais e Softwares: O Cinema da Nova Geração

Francisco Malta

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Fernanda Ribeiro

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Renan Oliveira

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Stella Nemer

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Wilson Oliveira

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Abstract

This research aims to seek an understanding of the applications of visual effects within cinematographic narratives – mass-communication and entertainment-oriented films. In what way does the script need to be available for these interventions? The corpus used for the investigation process was the movie Spider-Man: No Way Home (2021).

Keywords: Cinema, Effects, Script, Narrative

Introdução

Com frequência os filmes de super-heróis levam um grande público ao cinema. O olhar para uma produção que visa o puro entretenimento muitas vezes recebe da crítica especializada uma desconfiança, como se fosse algo menor, o entretenimento pelo entretenimento. Por vezes, algumas obras conseguem fugir as essas manifestações e assim tornam-se um sucesso de crítica e público. O último grande lançamento do ano de 2021 veio desta fonte, com o filme Homem aranha, sem volta para casa (2021), de Jon Watts.

Este artigo objetiva-se a dividir com a comunidade acadêmica como os efeitos visuais são partes integrantes dentro de uma história. Além da construção da personagem e dos arcos narrativos, soma-se ao espetáculo os efeitos que já são esperados pelo público. Essa base de criação é fundamental para o desenvolvimento da história desde a concepção do roteiro. Logo em sua escrita a parte conceitual precisa estar estabelecida para o processo da criação artística.

Um dos fatores preponderantes desta linha narrativa vem do protagonista Homem-Aranha/Peter Parker, que possui caráter de uma pessoa comum e vive os dilemas e anseios de um jovem como outro qualquer com suas crises de identidade. Coaduna-se nesta assertiva o fato da sua ânsia em tentar resolver tudo ao mesmo tempo, algo típico da geração millennials.

O Homem Aranha é um personagem oriundo dos quadrinhos que ganhou uma sobrevida ao se transferir para o cinema e angariar ao redor mundo milhares de fãs. É importante pensar neste aspecto sobre as narrativas que estabelecem um contato com a cultura popular, visto que as histórias em quadrinhos podem ofertar este primeiro contato.

Outro ponto que se leva em consideração nesta avaliação é que cada cultura recebe de um jeito os entrelaçamentos com mundos imaginários, mas todas se comunicam pelos arquétipos, que são inerentes pelos símbolos e mitologias. Faz-se necessário um olhar mais apurado para buscar essa resposta.

Metodologia

Os resultados preliminares desta pesquisa apontaram para novas estruturas narrativas. A metodologia incluiu a leitura de artigos e livros sobre a indústria cinematográfica, entrevistas com profissionais da área, e análises de filmes e documentários que abordam o objeto pesquisado, assim como assistir ao filme objeto deste recorte.

Estrutura dramática

Sabemos que as primeiras páginas escritas definem as primeiras imagens de um filme. Nesse pequeno espaço de tempo, unidade e ação, as cenas apresentadas têm a função de conquistar a atenção do telespectador e transportá-lo para dentro do universo da história.

Homem-Aranha: Sem Volta para Casa, tem script assinado por Chris McKenna e Erik Sommers, e conta com 182 páginas ao todo. A direção é de Jon Watts. Na história Peter Parker (Tom Holland) precisará lidar com as consequências da sua identidade como o herói mais simpático do mundo após ter sido revelada pela reportagem do Clarim Diário, com uma gravação feita por Mysterio (Jake Gyllenhaal) no filme anterior.

Quando tem uma ideia para o desenvolvimento de uma história, seja para o cinema, para a televisão, para o teatro ou a literatura, o escritor rascunha personagens e temas para a construção de seu roteiro. Para o desenvolvimento do argumento inicial, o contexto da história ou do personagem demandará uma pesquisa. Naturalmente que não são todos os profissionais que trabalham dentro desse procedimento, assim como nem todos os roteiros necessitam de uma pesquisa prévia, pois a pesquisa atende a uma necessidade de suporte para a história.

Contar uma História... Qual o melhor jeito? Existe fórmula? Todo indivíduo ouve ou já ouviu uma História, conta ou já contou uma narrativa, e na maioria das vezes, mudou o foco, acrescentou outros elementos e buscou alguma dramaticidade. Uma vez que essa ideia do “faz de conta” entra em gestação vem a pergunta: como contar? Vale à pena contar? Quais os limites e as potencialidades da trama? Com quem se comunica? Robert Mckee, exímio roteirista americano, analisa essa busca universal. Para Mckee, (2006, p.25) “nosso apetite por histórias é um reflexo da necessidade aprofundada do ser humano em compreender os padrões do viver, não meramente como um exercício intelectual, mas como uma experiência pessoal e emocional.” Em meio a tantas perguntas, é possível certificar que a narrativa traz elementos fundamentais, sem os quais não se pode renunciar à sua construção.

O lead do jornalismo facilita essa compreensão, ao questionar: O que aconteceu? Quem está envolvido nos fatos? Onde? Como? Por quê? Quando ocorreu? Isso não é uma fórmula, mas um processo de organicidade para trazer coesão na proposta de narrar uma história. Uma vez ciente dos princípios básicos desses elementos, a discussão para apresentar uma trama ao audiovisual busca outras implicações.

O conceito de mise em scéne, trabalhado por Tarkovski, auxilia-nos na questão da elaboração das cenas, por exemplo. Para Tarkovski (1990, p. 23), “seu objetivo não deve reduzir-se a uma elaboração do significado de um diálogo ou de uma sequência de cenas”. De acordo com o autor, o roteirista também não deve escrever uma cena apenas para atender a uma sequência: é preciso perceber a necessidade da cena ou do diálogo, afinal, a escrita cinematográfica preza pelas imagens e pelo arco narrativo. Tarkovski (1990, p.25) acrescenta que “o que torna a cena tão irrestível quanto a própria vida é a recusa em sobrecarregar a cena com ideias óbvias”. Pode-se obter tal percepção por meio da escaleta – uma das ferramentas que auxilia o roteirista na escrita cinematográfica. Através dela, o profissional pode visualizar as cenas antes do processo de escrita do roteiro propriamente dito. Por escaleta, na visão de Campos (2007, p.305), entende-se “a descrição resumida das cenas de um roteiro, na sua sequência” . O lugar onde você coloca as cenas já sugere as ações e o arco narrativo dos personagens, ao mesmo tempo em que torna possível definir claramente os pontos de virada na trama. Ou seja, antes do processo de desenvolvimento do roteiro em si já podemos visualizar os pontos de viradas e arcos narrativos, tanto em relação ao desenrolar do personagem como em relação à história.

Um defensor da estrutura clássica dos roteiros é o americano Syd Field. Trata-se de uma técnica utilizada para o cinema comercial. Acrescenta-se, aqui, uma observação, pois os americanos em sua busca incessante por resultados estão sempre à procura de um novo manual de roteiro e técnicas. O propósito da visão apresentada por Field é bastante funcional e empreende um diálogo com Aristóteles e sua estrutura clássica do texto que hoje entendemos como literário. O que se pode perceber é que o estudioso procurou apresentar a divisão aristotélica voltada ao cinema. No entendimento de Syd Field, o Ato I :

[é] uma unidade de ação dramática que tem entre vinte e trinta páginas e mantida coesa dentro do contexto dramático conhecido como apresentação. O Ato I apresenta a história, estabelecendo sobre quem e sobre o que ela é, e define o relacionamento entre os personagens e suas necessidades. (FIELD, 1994, p. 18)

Aplicando-se o esquema de Field, o Ato I diz respeito à escrita das dez primeiras páginas. O autor chama atenção para o envolvimento do espectador com a história: é de suma importância que o protagonista seja bem apresentado, assim como o conflito que desencadeará a ação a partir do incidente incitante. Field acrescenta que :

um bom roteiro começa imediatamente, na primeira página, primeira palavra. Você tem de conquistar a atenção do leitor, apresentando informações cruciais que levem à compreensão imediata, pelo leitor e pelo público, da situação de abertura do filme. (FIELD, 1994, p. 35)

Ainda sobre o desenvolvimento das dez primeiras páginas, o autor enfatiza que elas devem funcionar como uma unidade de ação dramática completa. Além disso, o roteiro deve começar por uma ação simples, direta e objetiva. Na realização de Homem Aranha: sem volta para casa, a opção foi apresentar o personagem por meio da ação. O espectador já sabe que se trata de um super heroi. O público não somente vai vê-lo, como também se envolver em sua aventura. O direcionamento para o Ato II é onde ocorre a zona de confrontação. Field assim explica:

O ato II é uma unidade de ação dramática com cerca de cinquenta ou sessenta páginas e é mantido coeso no contexto dramático conhecido como confrontação. Aqui, o personagem principal enfrenta obstáculo após obstáculo no caminho de alcançar sua necessidade dramática. Necessidade dramática é o que o personagem quer ganhar, conseguir ou alcançar durante o transcurso do roteiro. Se você conhece a necessidade dramática do personagem, pode criar obstáculos a essa necessidade e a história será sobre o personagem ultrapassando (ou não ultrapassando) esses obstáculos para alcançar sua necessidade dramática. (FIELD, 1994, p. 18)

Esse entendimento abarca a lição legada por Aristóteles de que todo drama é conflito, e sem conflito não há história. Uma vez escrito o roteiro, é realizada uma análise para verificar a capacidade da trama de ser desenvolvida sem o recurso da narração. Pamuk (2010, p. 117) elenca autores de ficção que trabalharam com o recurso: “Faulkner aprendeu com Conrad a jogar com a voz narrativa e contar uma história deslocando-se no tempo, para a frente e para trás. As ondas, de Virginia Wolf, usam a mesma técnica impressionista de justaposição”. Essa ferramenta também é conhecida como backstory, e definida por McKee (2016, p. 44) como “um excerto de eventos passados, geralmente secretos, que o escritor expõe em momentos-chave para propulsionar sua história em direção ao clímax”. A base da backstory alimenta a voz narrativa em todo direcionamento.

Passemos para a aplicabilidade da estrutura da história. Já no argumento é preciso definir a quantidade de atos de sua narrativa. O modelo clássico e mais usual é o de três atos, que atende, principalmente, ao cinema comercial. Neste ponto, algumas considerações do pesquisador americano Syd Field (1982) são interessantes. Na visão de Field, fica estabelecido que, no primeiro ato, deve ocorrer a exposição do problema; no segundo, a confrontação do problema, e, no terceiro e último, sua resolução. A mesma técnica é defendida por Doc Comparato (2016).

Ainda nesta linha de investigação, Field (1982) estabelece que, para que um filme comercial de 120 minutos seja realizado, é necessário que a divisão ocorra da seguinte forma: o primeiro ato deve ter, no máximo, trinta minutos de duração; o segundo, sessenta minutos, e o terceiro ato, no máximo, trinta minutos. Contudo, Field chama atenção para alguns elementos do primeiro ato: a apresentação do protagonista e de seu conflito principal nos dez primeiros minutos do filme.

O roteiro: desvendando o texto

Escrever um roteiro é um trabalho de recortar palavras. Oito em cada dez roteiristas se defendem com essa frase. Afinal, são horas na frente da tela, tempo de pesquisa e ajustes, na busca de uma história bem contada e uma trama inteligente, para construção da carpintaria narrativa. Então, qual o mistério? Por que escrever um roteiro é sempre um desafio? O roteiro, antes de tudo, exige técnica e quase sempre é escrito para o audiovisual. Robert Mckee (2006, p.19) assinala: “da inspiração ao último tratamento, a escrita de um roteiro pode levar tanto tempo quanto um romance.”. Antes de tudo, precisamos entender: o que é um roteiro? Syd Field (1982, p.11), respeitado roteirista americano, apresenta sua definição:

O que é um roteiro? Um guia, um projeto para um filme? Uma planta baixa ou diagrama? Uma série de imagens, cenas e sequências enfeixadas com diálogo e descrições, como uma penca de peras? O cenário de um sonho? Uma coleção de ideias? O que é um roteiro? Bem, não é um romance e certamente não é uma peça de teatro. Se você olha um romance e tenta definir sua natureza essencial, nota que a ação dramática, o enredo, geralmente acontece na mente do personagem principal. Privamos, entre outras coisas, de pensamentos, sentimentos, palavras, ações, memórias, sonhos, esperanças, ambições e opiniões do personagem. Se outros personagens entram na história, o enredo incorpora também seu ponto de vista, mas a ação sempre retorna ao personagem principal. Num romance, a ação acontece na mente do personagem, dentro do universo mental da ação dramática. Numa peça de teatro, a ação, ou enredo, ocorre no palco, sob o arco do proscênio, e a plateia torna-se a quarta parede, espreitando as vidas dos personagens. Eles falam sobre suas esperanças e sonhos, passado e planos futuros, discutem suas necessidades e desejos, medos e conflitos. Neste caso, a ação da peça ocorre na linguagem da ação dramática; que é falada, em palavras.

O roteiro originou-se das peças de teatro, diretamente dos clássicos gregos. Depois, desenvolveu-se em séculos de teatro no ocidente. Roteiro é um caminho não determinado, que pode sofrer diferentes mudanças. Ou seja, é também uma rota, indicando que a personagem sai de um lugar e passa por outras trilhas até alcançar seu objetivo.

Todo roteiro deve ter um começo, meio e fim. Na teoria de Aristóteles (1984), isto significa que toda expressão dramática tem um período para se manifestar. Grande parte dos roteiristas segue a estrutura dramática tradicional, como herança do teatro grego, colocada por Aristóteles. O roteiro não vai narrar uma trama, e sim mostrar o desenvolvimento da história, como a trama chega ao espectador. Luiz Carlos Maciel (2003, p.15), em seu livro O poder do clímax, fala da função do roteirista: “o roteirista tem que indicar o que vai acontecer naquela cena, seu conteúdo, o que vai ser visto, mais do que como vai ser visto”. Não existe uma receita para contar uma história, cada trama é uma trama, cada narrativa exige um modelo a ser contado. Jeannie Novak (2010, p.138) destaca que “ os games contam histórias de maneira semelhante aos filmes, dedicando muito mais atenção aos aspectos visuais e superficiais do que ao contexto ou ao personagem.”. Escrever, seja para cinema, game ou TV, exige arte, técnica e conhecimento.

No Brasil ainda não existe nenhuma escola que se destina à formação de roteiristas, embora o mercado seja cada vez mais amplo. Noventa por cento dos profissionais são autodidatas; essa falha na formação profissional é uma lacuna que sempre prejudica o resultado. O roteiro está todo para o audiovisual, o cinema, o rádio, a televisão, o teatro, a publicidade. Para Syd Field (1982, p.17), “Um roteiro é uma história contada em imagens, com diálogos e descrições, localizada dentro do contexto da estrutura dramática. Estrutura é o fundamento de todo roteiro – é a espinha, o esqueleto que ‘mantém’ tudo coeso.”. Antes de começar a roteirizar, é preciso que se tenha propriamente escrito um argumento ou sinopse. No cinema chamamos de argumento e na TV nomeia-se sinopse: o que, em síntese, é a mesma coisa e ambos exercem a mesma função; o que difere um pouco é que, no cinema, sinopse deve ter no máximo duas páginas do argumento, ao passo que argumento para televisão traz uma narrativa com todos os detalhes dessa trama, podendo se estender a inúmeras páginas, segundo as pontuações de Field (1982). Para desenvolver essa narrativa, pode-se orientar pela chamada storyline, definida por Flávio Campos (2007, p.105) “é o sumo do resumo da trama principal”. Ou seja, um resumo em poucas linhas da trama principal, indicando o que se quer mostrar e tendo um mapa para seguir o argumento ou sinopse. É preciso atentar que, nessas poucas linhas, o tempo verbal precisa estar no presente e deve-se evitar o uso de adjetivos.

A criação do personagem

Pode-se adaptar a velha máxima ao desenvolvimento do personagem: “conhece o personagem como a ti mesmo”. O processo de criação é uma descoberta que surge na medida em que vamos definindo quem é o indivíduo e qual a sua rede de relacionamentos – tanto do campo familiar quanto do social. Dentro dessas esferas que se complementam deve existir algum conflito, visto que o personagem precisa superar ou querer algo. Assim como todo ser humano possui um conflito, todo personagem precisa de um – seja este sutil ou mais complexo. Algo em sua trajetória precisa correr algum risco, e assim a narrativa se constrói.

O processo é natural e, conforme o desenvolvimento do roteiro ocorre, novas ideias surgem, assim como o colorido de cada personagem. É fundamental ter o personagem com suas características físicas e psicológicas muito bem desenvolvidas: as primeiras servem para uma melhor definição do elenco quando o diretor fizer a escolha do ator ou da atriz que representará aquela imagem e posteriormente traduzi-la no vídeo; já os aspectos psicológicos servem para o trabalho do próprio ator, pois auxiliam-no na construção do personagem e em seu estudo para oferecer maior riqueza de detalhes na projeção.

Doc Comparato (2016, p. 93) comenta que “[o] personagem vem a ser algo como personalidade e se aplica às pessoas como um caráter definido que aparecem na narração”. Outro estudioso que traz informações coerentes sobre a construção do personagem é Robert McKee (2006, p. 106), ao afirmar que “a verdadeira personagem é revelada nas escolhas que um ser humano faz sob pressão – quanto maior a pressão, maior a revelação e mais verdadeira a escolha para a natureza essencial da personagem”. Ambos os autores trazem conceitos bem elaborados para o roteirista. A técnica é transmitida, mas o espaço da criatividade cabe a cada roteirista em seu processo de trabalho.

Para Syd Field (1982, p. 40), “ação é personagem: o que uma pessoa faz é o que ela é, não o que ela diz”. Para um roteirista é uma informação fundamental para os primeiros passos no trabalho tão cuidadoso que é a linha mestra da criação de um personagem.

Deve-se apresentar logo ao público o personagem por meio de suas ações, mostrando quem é ele por atos ou informações. Shakespeare o faz com Catarina na peça A megera domada. Há muitas informações sobre o perfil da moça que vêm das bocas de outros personagens, e quando ela entra em cena já entendemos que é pior do que estavam dizendo. O público cria uma expectativa que se concretiza. Outro exemplo rico neste aspecto trata-se da personagem Miranda Presley, em O diabo veste Prada (2006), com roteiro de Aline Brosh Mckenna e direção de David Frankel. Miranda supera as expectativas do telespectador, pois ela é muito pior do que os personagens diziam.

Uma das técnicas recorrentes utilizadas por Syd Field (1982) consiste na Teoria dos Três P’s durante a criação do personagem e de seus entornos. Do ponto de vista prático, é uma ferramenta que auxilia o desenho do personagem, mas não exatamente fornece seu aprofundamento. A premissa de Field é a que se segue: o roteirista explore três camadas: a pessoal, a privada e a profissional. Antes de começar a definir cada uma delas, é importante que já se tenha definido um nome, a idade e algumas de suas características físicas. Posteriormente, pergunta-se o que norteará o arco do personagem em questão: quais são as suas necessidades? O que ele deseja? Field aponta que é preciso uma definição clara dos objetivos do personagem ao longo de seu percurso.

Esse talante procura refletir o percurso de ascensão da teoria da jornada do herói de Vogler (2006). Field assim define a teoria dos três P’s:

Pessoal: seu personagem principal é solteiro, viúvo, casado, separado ou divorciado? Se casado, com quem? Quando? Como é o relacionamento do casal? Social ou isolado? Muitos amigos e atividade social ou poucos amigos? O casamento é sólido ou o personagem pensa em ter, ou tem, casos extraconjugais? Se solteiro, como é sua vida de solteiro? É divorciado? Há um monte de possibilidades dramáticas em uma pessoa divorciada. Quando tiver dúvidas sobre o personagem, recorra à sua própria vida. Pergunte-se – se eu estivesse naquela situação, o que faria no lugar do meu personagem? Defina os relacionamentos pessoais do personagem.

Privado: o que faz seu personagem quando está sozinho? Assiste à TV? Exercita-se

– corre ou pedala, por exemplo? Tem algum animal de estimação? De que tipo? Coleciona selos ou tem algum hobby interessante? Em suma, isso cobre a área da vida de seu personagem quando está sozinho.

Profissional: o que faz para viver? Onde trabalha? É o vice-presidente de um banco? Um operário de construção? Um bêbado? Um cientista? Um gigolô? O que ele faz? Se o personagem trabalha num escritório, o que ele faz lá? Qual o seu relacionamento com os colegas? Convivem bem? Ajudam um ao outro? Confiam um no outro? Relacionam-se fora do trabalho? Como ele se dá com o patrão? Em um bom relacionamento ou com algum ressentimento pelo fato de as coisas estarem do jeito que estão, ou pelo salário inadequado? Quando puder definir e explorar os relacionamentos, o personagem principal com as outras pessoas de sua vida, você estará criando uma personalidade e um ponto de vista. E este é o ponto de partida da caracterização. (FIELD, 1982, p. 30)

As sugestões de Field são, sem dúvida, importantes para o processo de criação de um personagem, e, de fato, a considero útil, principalmente para o roteirista iniciante. Contudo, acrescento um P, que julgo fundamental na descoberta do personagem: o passado. Todo indivíduo tem uma história pretérita, boa ou ruim, e, em sua grande maioria, traz um segredo ou uma situação mal resolvida. O recurso do passado em um personagem é um trunfo que o roteirista pode usar em um dado momento da narrativa. Em seus ensinamentos, Aristóteles postulava que :

o motivo pelo qual um homem faz algo pouco interessa, quando vemos o que foi feito. Uma personagem é as escolhas que ela faz para tornar as ações que toma. Uma vez que a ação é tomada, o motivo começa a dissolver-se na irrelevância. (ARISTÓTELES apud MCKEE, 2006, p. 352)

O público traz um entendimento do personagem em sua leitura pré-estabelecida, sendo totalmente capaz de julgar.

Conclusão

O avanço da tecnologia oferece ao roteirista outros desafios em quesitos como pensar a narrativa em pontos cruciais no processo da sua escrita. Como não pontuar a história em pontos chave para realidade virtual, efeitos ou imersão virtual? A narrativa dos games nos possibilita novos caminhos, outros pontos de virada. Tendo encontrado uma boa história, o roteirista deve incorporar os componentes dessa história a várias prerrogativas. Para onde estamos caminhando? Estamos caminhando para produções otimizadas e mais baratas, que atendam a todos os públicos, e o filme Homem Aranha: sem volta para casa é a prova disso; ele surpreende pela naturalidade, pois é impossível notar a integração do real com a CG, com seu realismo, que cada vez mais impressiona nos detalhes e efeitos. Ainda mais importante é como a segurança e o controle que a computação traz à produção de filmes hoje. Estamos, sim, caminhando para uma geração de CG que não tem mais a preocupação de somente trazer grandes efeitos especiais, que não serve mais para produzir dinossauros extintos, mas para produzir uma cidade tão realista que confunda o público com cenários que te levem de Nova York até Londres em um piscar de olhos e sem sair do mesmo estúdio de gravação. O entretenimento bem ao gosto popular.

Bibliografia

ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Nova Cultura, 1984.

COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. Rio de Janeiro: Rocco, 2016.

CAMPOS, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

FIELD, Syd. Manual do roteiro: os fundamentos do texto cinematográfico. Rio de Janeiro: Objetiva, 1982.

FIALHO, Arivelto Bustamante de. Realidade virtual e aumentada: tecnologias para aplicações profissionais. São Paulo: Érica, 2018.

MACIEL, Luiz Carlos. O poder do clímax: fundamentos do roteiro de cinema e TV. Rio de Janeiro: São Paulo: Record, 2003.

MASCELLI, Joseph V. Os cinco Cs da cinematografia: técnicas de filmagem. Tradução de Janaína Marcoantônio. São Paulo: Summus, 2010.

MCKEE, Robert. Story. Editora Arte & Letra, 2006.

NOVAK, Jeannie. Desenvolvimento de games. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

PAMUK, Orhan. O romancista ingênuo e sentimental. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.

RABIGER, Michael. Direção de Cinema: técnicas e estética. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

VAN SIJLL, Jennifer. Narrativa Cinematográfica: contando histórias com imagens e movimentos. São Paulo. Martins Fontes. 2017

TARKOVSKI, Andrei. Esculpir o tempo. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

VOGLER, Christopher. A jornada do escritor: estruturas míticas para escritores. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Filmografia

Homem Aranha: sem volta para casa. 2021. De Jon Watts. U.S.A. DVD.