Capítulo / Chapter II | Cinema – Cinema

“The Lady from Shanghai”: Investigations about Film Noir

“A Dama de Shanghai”: Investigações sobre o Cinema Noir

Ariani dos Santos Fontes

Universidade Federal de Sergipe, Brasil

Abstract

This article aims to analyze “The lady from Shanghai” (Orson Welles, 1947) from different aspects: first, as a film that incorporates most of the elements considered essential for the diegesis and visual iconography of film noir; then, as a narrative that is related to the American historical and sociocultural context of the first half of the 20th century; and, finally, as a production that crossed boundaries of time and space when being honored by Brazilian postmodern cinema of the late 1980s. For this, we used authors such as Borde & Chaumeton (1958), Sklar (1978), Mascarello (2006) and Ortegosa (2010), with emphasis on Vanoye & Goliot-Lété (2009) and Aumont & Marie (2009) with regard to methodological strategies for film analysis.

Keywords: Film analysis, Film Noir, The Lady from Shanghai, Orson Welles.

Introdução

Entre os séculos XVIII e XIX, aliado ao advento da industrialização e da urbanização, tinha-se o processo de desenvolvimento econômico das metrópoles. Como resultado, essa ampliação dos centros industrializados impulsionou o êxodo rural, provocando o aumento demográfico das cidades. À vista disso, ampliaram-se as taxas de criminalidade, a degradação das relações sociais e a solidão dos indivíduos, originando uma “cidade industrial, com seu cortejo de míseros, de desenraizados, prontos a tornarem-se capangas” (BOILEAU-NARCEJAC, 1991, p. 14). É diante desta conjuntura que o gênero policial emerge em colunas de folhetins, abordando temas, como o mistério, o suspense e o terror, assemelhando-se, até certo ponto, à Literatura Gótica - popular por seu teor obscuro e sobrenatural.

No que tange à estrutura, nesse primeiro momento, o enigma é primordial para o desenvolvimento da trama policial, pois é somente após a reunião de múltiplas pistas que a identidade do criminoso pode ser revelada. Isto está relacionado ao Positivismo, corrente filosófica que estava em voga e tinha como um de seus pressupostos “a crença de que o espírito humano está submetido a leis como qualquer outro fenômeno” (REIMÃO, 1983, p.15). Havia, além disso, o florescimento da imprensa sensacionalista com a publicação em massa de jornais populares que descreviam detalhadamente as cenas dos crimes, o que, além de aguçar a curiosidade e o assombro dos leitores, demonstrava a violência crescente. Assim, “o criminoso quebra a monotonia e a segurança cotidiana da vida burguesa” (MANDEL, 1988, p. 33), fomentando a concepção de uma instituição social que fosse capaz de assegurar a investigação e a punição desses crimes: a polícia.

Em 1841, o escritor Edgar Allan Poe, editor da Graham’s Magazine, localizada na Filadélfia, nos Estados Unidos, publicou neste periódico o seu conto “Os Assassinatos da Rua Morgue”, sendo este considerado um marco para o surgimento da narrativa policial. Acredita-se que Poe tenha sido o primeiro expoente do gênero, visto que criou a figura mítica do detetive inteligente e observador, C. Auguste Dupin, arquétipo que se perpetuou como essencial para a diegese policial moderna. Embora seja um personagem marcante, capaz de desvendar crimes que parecem insolucionáveis, por meio exclusivamente do raciocínio lógico, apareceu apenas em três contos de seu criador. Dessa forma, a popularidade dessa figura deu-se por intermédio de outro detetive notório por seus métodos investigativos, Sherlock Holmes, cuja personalidade pode ser equiparada à de Dupin, seu antecessor. A sua primeira aparição aconteceu em 1887, na novela “Um Estudo em Vermelho”, de Arthur Conan Doyle, escritor e médico britânico. Além destes, outro personagem da escola de enigma também merece ser mencionado: Hercule Poirot, conhecido pela sua personalidade extravagante, assim como os seus antecessores atém-se à observação e à dedução para solucionar os seus casos. Foi idealizado pela romancista britânica Agatha Christie, aparecendo pela primeira vez no romance “O Misterioso Caso de Styles”, em 1921.

A partir do início do século XX, a configuração da vida urbana ganha novos contornos, em razão de novas mudanças sociais e políticas, afetando os anseios e as angústias da população. A figura do detetive preocupado com o restabelecimento da ordem através de métodos científicos começa a se desgastar. Antes, na escola de enigma, valorizava-se, acima de tudo, “a onipotência do pensamento e a lógica imbatível dos personagens encarregados de proteger a vida burguesa” (PIGLIA, 1994, p.78). Em outras palavras, o viés maniqueísta definia o criminoso como a personificação do “mal” - o inimigo social -, enquanto o detetive - o herói - representava o “bem’’, aquele que munido de uma autoridade científica, através do método, restauraria a segurança do cotidiano. Distanciando-se dessa perspectiva positivista, a conjectura da sociedade estadunidense, entre os anos de 1920 e 1930, favoreceu o surgimento da escola hard-boiled, com o roman noir (romance negro, em português).

A evolução do romance policial reflete a própria história do crime. Com a Lei Seca nos Estados Unidos, o crime atingiu sua maioridade, se expandindo das margens da sociedade burguesa até o âmago de todas as atividades. (MANDEL, 1988, p. 59).

De acordo com Raymond Chandler, em seu ensaio “A Simples Arte de Matar”, teria sido o seu colega Dashiell Hammett, escritor e jornalista americano, que deu início à ficção noir ao criar o sarcástico e intuitivo detetive Sam Spade, protagonista de “O Falcão Maltês”. Esse subgênero ganhou destaque em revistas de mistério, sendo a mais notável a Black Mask - fundada em 1920, com o slogan “Western, Detective & Adventure Stories”. Em seguida, entre as décadas de 1940 e 1950, Hollywood encarrega-se da adaptação dessas narrativas, constituindo um conjunto de filmes com temática criminal que, se distanciando das obras cinematográficas habituais daquele momento, buscavam retratar a brutalidade do acaso urbano através de fotografia em preto e branco, ângulos de câmera distorcidos, jogos de espelhos, enquadramento enviesado e personagens de caráter questionável. Os teóricos franceses, posteriormente, definiram o termo film noir (filme negro, em português) para designar essas produções, tomando emprestado o título da Série Noire, Ed. Gallimard - coleção de traduções francesas das novelas policiais americanas. Enquanto a França esteve sob domínio da Alemanha Nazista, houve o bloqueio da entrada de filmes produzidos pelos países inimigos do regime, porém com o encerramento do conflito, tudo que havia sido produzido pelos EUA naquele ínterim inundou o mercado francês (MATTOS, 2001). Embora a crítica francesa tenha sido impossibilitada de acompanhar as produções iniciais na íntegra, isso não impediu que fossem os primeiros a identificarem e a examinarem o movimento.

Para Heredero & Santamarina (1996) e Ursini & Silver (2012), a respeito do tempo de vigência, o período clássico do film noir abrange de 1941 a 1958. Além do mais, defende-se que as filmagens que retomaram a sua estética, a partir da década de 1960, devem ser classificadas como neonoir, a exemplo, “Céu e Inferno” (Akira Kurosawa, 1963), “Black Snow” (Kuroi Yuki, 1965), “Taxi Driver” (Martin Scorsese, 1976), “Corpos Ardentes” (Lawrence Kasdan, 1981), “Blade Runner: O Caçador de Andróides” (Ridley Scott, 1982), “Los Angeles: Cidade Proibida” (Curtis Hanson, 1997) e “Sin City: A Cidade do Pecado” (Frank Miller e Robert Rodriguez, 2005).

Este artigo pretende, em suma, explorar a maneira como “A Dama de Shanghai” (1947), de Orson Welles, expressa os atributos do film noir e demonstra reproduzir traços socioculturais da sociedade em que se deu sua produção. Para tanto, investigamos o contexto dos Estados Unidos da primeira metade do século XX, com o intuito de traçar um paralelo entre o cenário vigente e a temática criminal-obscura que permeava o mercado cinematográfico daquele momento. Como objetos deste trabalho, além da obra já citada, cabe refletirmos, de modo muito breve, sobre a sua releitura neonoir “A Dama do Cine Shanghai” (1987) realizada, exatamente quarenta anos depois, pelo cineasta brasileiro Guilherme de Almeida Prado, propondo a sua ressignificação sob uma perspectiva pós-moderna e brasileira – realizada entre o Cinema Marginal e o Cinema de Retomada. Neste sentido, o estudo se sustenta sob a concepção do filme como um objeto histórico de seu tempo, no qual podemos encontrar traços do corpo social que o produziu, isto é, “analisar o filme, a partir da diegese, do cenário, do texto, das relações do filme com o que não é o filme: o autor, a produção, o público, a crítica, o regime. Pode-se assim esperar compreender não somente a obra como também a realidade que representa” (FERRO, 1976, p, 203).

1. Elementos do film noir

Segundo Fernando Mascarello, “é preciso reconhecer que o noir como gênero nunca existiu: sua criação foi retrospectiva” (2006, p.179). Desse modo, através de um reconhecimento “tardio” feito pelos franceses, o termo film noir, cunhado pelo crítico e escritor Nino Frank, serviu para descrever “a psicologia e a aparência não apenas de um gênero, mas de um tom surpreendentemente difundido nos filmes de Hollywood” (SKLAR, 1978, p. 296) produzidos nas décadas de 1940 e 1950. Grande parte dos diretores responsáveis pela adaptação de novelas e romances da literatura noir eram imigrantes europeus - oriundos de países que se encontravam sob o jugo nazista durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Na América eles encontraram meios necessários para realizar produções com técnicas europeias, como o ponto de vista subjetivo e psicológico e a iluminação chiaroscuro.

Muitos dos principais realizadores do film noir do período clássico – Fritz Lang, Otto Preminger, Robert Siodmak, Billy Wilder, Edgar G. Ulmer, Max Olphüs, Jacques Tourneur e Jean Renoir – haviam emigrado da Europa. Tinham trabalhado na Alemanha e França onde o Expressionismo e o Realismo Poético eram os movimentos artísticos dominantes há mais de uma década (SILVER e URSINI, 2012, p.11).

Embora não haja um consenso sobre qual, de fato, teria sido o título inaugural, podemos citar “O Homem dos Olhos Esbugalhados” (Boris Ingster, 1940) e “Relíquia Macabra” (John Huston, 1941), adaptação do já citado “O Falcão Maltês”, de Dashiell Hammett, como representações de sua gênese. Por outro lado, a fonte estilística possui raízes e influências mais definidas, tais como os filmes de gângsteres e de terror dos anos 1930, o Expressionismo Alemão, o Neorrealismo Italiano e o Realismo Poético Francês.

Assim, conforme Silver & Ursini:

Ao nível filosófico, os anos 1930 e princípios de 1940 viram tanto o existencialismo como a psicologia freudiana invadir a literatura americana e os principais jornais e revistas. Os romances existencialistas como La Nausée (A Náusea, 1938) de Jean-Paul Sartre já se encontravam nas prateleiras das bibliotecas da intelligentsia. Os jornais de psicologia lidavam cada vez mais com as teorias freudianas [...]. Ambas as teorias ajudaram a promover uma visão geral em que a ênfase do absurdo da existência juntamente com a importância do passado individual são determinantes para as ações de cada um (SILVER E URSINI, 2012, pág. 15, grifo dos autores).

O crime é o tema principal, ou seja, é a força que conduz à desordem, fruto de um individualismo psíquico e da dificuldade em participar do corpo social. Isto é, mediante as angústias do pós-guerra, forma-se um ambiente claustrofóbico e fatalista, cuja transgressão do indivíduo só não chega a assumir a totalidade de sua personalidade devido à natureza ambígua que permeia toda a narrativa. A conjectura apresentava um cenário político fragilizado, remanescente da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e diretamente ligado à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), além de uma bagunça financeira gerada pela quebra da bolsa de Nova York, em 1929, o que ocasionou a Grande Depressão, período marcado pelos altos índices de desemprego, pela diminuição da produção industrial e pela escassez de alimentos. O sentimento de descrença e insatisfação, como consequência, se amplificou na população e respingou nas produções artísticas, reforçando o que estabelece Todorov (2006) sobre os gêneros do discurso, os quais, segundo o autor, absorvem aspectos que compõem o corpo social que os elaboraram. O cinema, ao absorver os impactos desse momento de desestruturação política, impulsionou a realização em massa de filmes que refletiam o desgosto popular pelo contexto vigente. Ainda, conforme Sklar (1978), Hollywood passa a ocupar um lugar de domínio, tornando-se o cerne da consciência cultural da América, inclusive incentivando a criação de gostos e preceitos. O cinema era, até a metade da década de 1940, o meio cultural mais prestigiado do país, sendo admirado principalmente pela classe média, além de contar com o apoio de uma elite intelectual que acreditava no poder dos cineastas como criadores de mitos e sonhos nacionalistas (SKLAR, 1978). A Era de Ouro de Hollywood dialoga diretamente com a fragilidade emocional e financeira da nação, momento exato em que o cinema passa a ser visto como um espaço de entretenimento dentro da sociedade, isto é, uma via de escape para os problemas que estavam sendo enfrentados.

Muitos filmes de Hollywood durante a guerra, sobretudo os que apresentam cenários norte-americanos contemporâneos, transmitem – para este espectador ao menos – uma aura irresistível de claustrofobia. Parecem estudos contidos, fechados, umbrosos, de uma paisagem inferior da mente e emoção inteiramente novos no extrovertido cinema norte-americano. Não há dúvida que o seu humor escuro e contraído deriva, em parte, das derivações materiais da cinematografia em tempo de guerra. [...] a obscuridade e o aperto não eram tão só uma acomodação a economias forçadas; os fazedores desses filmes queriam-nos assim mesmo (SKLAR, 1978, pág. 296).

Percebemos, a partir da descrição de Sklar (1978), que a atmosfera claustrofóbica não limitava-se unicamente ao universo cinematográfico, pois as particularidades adotadas pelo cinema noir em seus enredos pegava carona na onda de novelas policiais que estavam se difundindo pelo território americano em revistas de mistério, apelidadas de pulp fiction por conta do material utilizado em sua fabricação, a polpa de celulose. O fundo trágico e pessimista tão urgentes, tanto no âmbito literário quanto no fílmico, promoveu uma ruptura com as tradições conservadoras, posto que, por meio de suas tramas violentas, retratava detetives corruptos e assassinas sedutoras, indivíduos egoístas capazes de cometer qualquer transgressão em favor de seus próprios anseios. Em síntese, segundo Todorov, “é em torno dessas constantes que se constitui o romance negro: a violência, o crime geralmente sórdido, a amoralidade das personagens” (2004, p.100). A maldade humana, entretanto, não aparece como algo totalitário, pois distanciando-se da concepção maniqueísta de que o bem e o mal são opostos irreconciliáveis, as suas personagens típicas: o anti-herói e a femme fatale carregam o aspecto duplo em suas personalidades.

Para Sandra Reimão, “as fachadas, as multidões humanas, os labirintos de ruas serão, quase sempre, personagens mudos constantes nas narrativas policiais” (1983, p.10). Neste sentido, o anti-herói, quase sempre é um cidadão urbano e assalariado, detetive ou não, que demonstra, num primeiro momento, possuir uma personalidade cínica e insensível. Contudo, expõe uma fragilidade palpável ao se apaixonar pela femme fatale, mulher de perfil misterioso, que torna-se o objeto de seu desejo e adoração, além de futuramente se assumir como sua antagonista. Na maioria das vezes, após o encontro inicial que acontece por acaso, desenvolvem uma relação íntima, a qual origina uma teia de intrigas e falsidades, gerando uma cascata de infortúnios que atinge os dois. Embora não haja lugar para a inocência, o anti-herói aparenta possuir um traço romântico em sua natureza, ao demonstrar insatisfação com a desigualdade social, objetiva combater a corrupção que o circunscreve (MANDEL, 1988).

De acordo com Borde & Chaumeton (2002), esse tipo de narrativa gira em torno de sete elementos fundamentais: 1) o crime; 2) a violência frequente; 3) a femme fatale como causadora da desgraça masculina; 4) a frágil parceria forjada pelos protagonistas; 5) a narração a partir do ponto de vista do criminoso, que descreve suas aventuras e seus fracassos; 6) a corrupção policial e das autoridades tradicionais; e 7) a motivação fútil para a prática do crime. Dessa maneira, percebemos a caracterização da personagem feminina - a anti-heroína - como um agente precursor do caos, uma vez que o seu envolvimento com o anti-herói intensifica nele um comportamento errante, que contravém as regras morais impostas pela sociedade. Além disso, acredita-se que ele apresenta um altruísmo maior que o dela, ao encaminhar-se para o reconhecimento de seus erros ao longo de sua jornada. Assim, ainda que, primeiramente, ela seja retratada como mais independente e inteligente que o seu companheiro, quase sempre encerra a sua participação como uma criatura egocêntrica que não possui a capacidade de demonstrar arrependimento pelos seus atos.

Sua presença insere uma curiosa ambivalência ao gênero: a dimensão misógina que localiza a origem do mal na natureza feminina e o desafio implícito, pelas relações que essas mulheres mantêm com os homens, que constitui o seu protagonismo frente à posição dominante tradicional das figuras masculinas, cuja firmeza e segurança agora se desestabilizam ou se diluem diante delas (HEREDERO; SANTAMARINA, 1996, p. 215, tradução nossa).

A anti-heroína manipula quem está ao seu redor e não mede esforços para garantir que aquilo que almeja seja alcançado, muitas vezes apresentando-se, a princípio, como uma mulher gentil e agradável, para mais à frente demonstrar que tudo não passava de fingimento. Tem como principal alvo o protagonista masculino, porém isso não a impede de se envolver com outras pessoas, contanto que sirvam de instrumento para a concretização de seus planos. Podemos citar como exemplo a própria Elsa Bannister, personagem do filme analisado na próxima seção deste artigo. Tal representação dialoga com a conjectura em que a personagem está inserida, na qual as mulheres adquiriram uma autonomia maior ao assumirem funções empregatícias que antes eram desempenhadas exclusivamente por homens, os quais haviam sido forçados a se retirarem da sociedade funcional por conta da guerra, abrindo espaço para a ocupação feminina desses postos de trabalho. Como observa Mascarello:

Os proponentes do noir afirmam ter sido ele veículo para a representação de um dos elementos centrais da “cultura da desconfiança” do pós-guerra: a intensa rivalidade entre o masculino e o feminino. Esta resultava, por um lado, da modificação dos papéis sexuais em decorrência da mobilização militar e, por outro lado, da disputa pelo mercado de trabalho entre os contingentes retornados do front e a mão-de-obra feminina treinada para substituí-los durante o conflito (2006, p. 182).

Assim, o contexto sociocultural influenciou no modo como o perfil desse arquétipo foi estabelecido, ao serem enfatizados os seus traços negativos em detrimento de sua coragem ou de suas motivações, as quais, em grande parte, sempre estavam em desacordo com o que até então era visto como um comportamento feminino ideal.

Segundo a teoria feminista do cinema, no film noir clássico, a femme fatale é punida no nível da linha narrativa explícita; é destruída por ser afirmativa e sabotar o domínio patriarcal masculino, por representar uma ameaça para este
(ZIZEK, 2009, p.239, grifos do autor).

Os aspectos iconográficos se constituem em “espelhos, janelas (o quadro dentro do quadro), escadas, relógios etc. – além, é claro, da ambientação na cidade à noite (noite americana, em geral), em ruas escuras e desertas” (MASCARELLO, 2006, pág.182). No que diz respeito à representação visual, traz fotografia em preto e branco, ângulos distorcidos, jogos de espelhos e sombras, iluminação conhecida como “low-key”, chiaroscuro - técnica do claro e escuro, influência da pintura barroca. Como observa Márcia Ortegosa:

O cinema noir é marcado por uma estética de artifícios, a começar pela sua fotografia em preto e branco que foge ao naturalismo do mundo real que é policromático; aos cenários barrocos (essencialmente em Welles) ou teatrais; à iluminação dura, contrastada, sem meios tons; aos planos que oscilam entre close-up a profundidade de campo sem mediações, enfim, tudo nos remete à noção de estar num universo não-natural, de imagens dissimuladas, de cenários construídos (2010, p.39).

2. Análise de “A Dama de Shanghai” (1947, Orson Welles)

Este artigo, à luz dos pressupostos de Jacques Aumont & Michel Marie (2004), e Francis Vanoye & Anne Goliot-Lètè (2009), fundamenta-se em estratégias metodológicas da análise fílmica. Para esses autores, faz-se necessário o método de seleção das cenas e depois transcrição, descrevendo as ações e as características das personagens e dos objetos, buscando alcançar o detalhamento mais adequado para a discussão estabelecida.

Orson Welles nasceu em 1915, no estado de Wisconsin, e, segundo biógrafos como André Bazin e Barbara Lemming, logo nos primeiros anos de vida já demonstrava ser talentoso no campo das artes. Proveniente de uma classe social abastada, desistiu de cursar o ensino superior para dedicar-se ao teatro, uma de suas maiores paixões, inclusive depois de aventurar-se pelo teatro irlandês decide voltar ao seu país natal, mas se frustra ao não conseguir ingressar no Broadway Theater. Ao longo da década de 1930, ganha notoriedade ao dirigir e atuar em peças ligadas ao Federal Theatre Project, sendo a sua adaptação de Macbeth, de William Shakespeare, uma das mais notáveis produções da época – anos depois, em 1948, também a realiza para o cinema. Na década seguinte, conquista a sua primeira oportunidade no campo cinematográfico, “a R.K.O concede-lhe independência total, ele forma a equipe como bem entende, elabora materiais de tomada novos, obtém a colaboração do famoso Gregg Toland, chefe-operador particularmente dotado e inventivo” (PARAIRE, 1994, pág. 167). Assim, nasce “Cidadão Kane” (1941), quase embargado pelo magnata Randolph Hearst, em quem Welles livremente se inspirou para a construção de seu protagonista, Charles Foster Kane. Apesar de o filme ter sido recebido com bons olhos pela crítica especializada, sendo fortemente elogiado por seu aspecto inovador, os seus próximos títulos não alcançam a mesma recepção.

Seis anos após o seu primeiro filme, em 1947, estreia o noir “A Dama de Shanghai”, com Rita Hayworth no papel de Elsa Bannister, a jovem esposa do advogado criminalista Arthur Bannister, ricaço com idade avançada e dificuldades de locomoção. Welles, além de dirigir o filme, interpreta o irlandês Michael O’Hara, jovem marinheiro que, após salvar Elsa de um assalto, é convidado pelo marido desta para acompanhá-los em uma viagem de iate pela costa mexicana.

Logo, no início, já somos informados que Michael matou um homem em sua época de combatente na guerra da Espanha. O assunto torna-se recorrente, ao longo da reprodução, um modo de cultivar dúvidas em relação ao caráter da personagem, expondo o que ela poderia ser capaz de fazer. Isto dialoga com a afirmação de que “o film noir é um filme de morte, em todos os sentidos da palavra” (BORDE; CHAUMETON, 2002, p. 05, tradução nossa). Durante os primeiros planos, somos apresentados à cidade, enquanto escutamos a voz de Michael narrando os acontecimentos que se sucederam a partir de um encontro fortuito no parque – o que já denota traços peculiares do noir, a narração em off e a casualidade. O tom sarcástico e cínico oriundo da escola hard-boiled também está presente, uma vez que o anti-herói nos diz que se estivesse em plenas faculdades mentais as coisas não teriam progredido da maneira em que se deram os fatos. Nesse momento, Elsa surge pela primeira vez, uma mulher loira, muito bonita do ponto de vista do padrão estético da época, passeando dentro de uma carruagem. Nas cenas seguintes, Elsa é fotografada sob uma luz brilhante em contraste com a escuridão da noite, enquanto Michael a observa através das sombras. Tal disposição de luzes reflete o efeito que a beleza da personagem feminina exerce sobre o marinheiro. Nota-se o espectro dessa mulher refletido na janela de vidro da carruagem, recurso frequentemente utilizado cujo intuito é revelar a duplicidade de Elsa. Uma melodia arrastada e baixa ajuda a sugerir uma atmosfera quase romântica, enquanto Michael profere as palavras “Boa noite”. Quando a carruagem finalmente para, até então estava em uma velocidade lenta, ele oferece um cigarro, alegando que aquele era o seu último, outra marca comum: o fumo está sempre presente no film noir. Contudo, Elsa não aceita, afirmando não fumar. Nesse momento, ambos trocam olhares intensos por alguns segundos até que ela finalmente aceita o cigarro e o guarda em sua bolsa. Podemos afirmar que a intensa troca de olhares é um indicativo do romance que está por vir. A cena termina e o plano seguinte enquadra uma bolsa preta aberta e caída no chão (fig. 1), trata-se da bolsa que anteriormente a mulher carregava em seu colo. Isso pode ser inferido devido ao cigarro que jaz próximo ao zíper, o qual está enrolado em um lenço do mesmo modo que ela tinha guardado.

Figura 1 – Michael O’Hara encontra a bolsa de Elsa Bannister abandonada no chão do parque.

Em seguida, fora de campo, ouvimos gritos femininos com pedidos de “Socorro”, a música instrumental cresce e evidencia o suspense da cena, o protagonista corre em direção aos gritos e trava uma luta com alguns homens que estavam atacando a mulher. Michael, na narrativa em off, diz que “no parque, naqueles dias, assaltos e outros crimes eram comuns” (WELLES, 1947). Diante desta afirmação, podemos traçar um paralelo com o que observa Ernest Mandel (1988) sobre o cenário de criminalidade que a sociedade estadunidense enfrentava naquela época. Cabe destacar que, a narração subjetiva é típica deste tipo de produção, as frases do anti-herói salientam traços de pessimismo e derrotismo por meio de seu humor ácido.

Michael: Aqueles rapazes não eram profissionais. E talvez por isso, entrei meio que como herói na história. O que certamente não sou.
(WELLES, 1947, tradução nossa).

Trata-se de um filme em que se sobressaem as cenas exteriores, o que não desqualifica o universo noir, no que diz respeito à perspectiva claustrofóbica, pois, ainda que a maioria dos espaços retratados apareçam em planos gerais, tais como o mar, a enseada, a faixa de areia e o vilarejo, os constantes planos em big close-up permitem que o efeito claustrofóbico se faça presente. A presença do anti-herói, nesses lugares paradisíacos, parece forçada, na medida em que ele está ali não por desejo próprio, mas como empregado.

A fotografia em preto e branco se apoia na iluminação low-key, favorecendo uma atmosfera sombria e grotesca, ao ser combinada com ângulos enviesados e uma sequência de planos fechados, dando a sensação de estarmos diante de um ambiente perigoso. Esses enquadramentos desconfortáveis são utilizados para demonstrar a sensação de desconfiança que O’Hara passa a sentir por aqueles indivíduos que o cercam, fazendo-os parecerem caricatos, causando-nos um mal-estar. Usa-se a melodia instrumental, em muitos momentos, para desorientar o telespectador e evidenciar a confusão psíquica em que o protagonista se encontra.

Arthur: Mike é um herói. Um sujeito durão.
Jake: Senhor, isso não existe.
Arthur: Caras durões não existem?
Jake: O que é um cara durão?
Arthur: Não sei.
Jake: Alguém que tem uma vantagem. Por que ele canta melhor do que eu? (Jake aponta para a jukebox que está tocando uma música). Algo aqui dentro (aponta para a própria garganta). A potência? (faz um gesto de negação com a cabeça). O microfone é a sua vantagem.
Arthur: Vantagem?
Jake: Um revólver, uma faca, uma navalha. Algo que o outro não tem. Um braço mais longo, um soco-inglês escondido, um distintivo, uma pedra na mão ou dinheiro no bolso. Isso é uma vantagem, meu caro
(WELLES, 1947, tradução nossa).

Durante o diálogo do trecho acima, que ocorre após o incidente do parque, Arthur Bannister está bebendo com O’Hara e outros marujos em um bar nas docas, tentando convencê-lo a trabalhar para ele como marinheiro. Quando o Sr. Bannister começa a falar sobre o salvamento de Elsa, Jake, um dos homens que está sentado à mesa, rebate a declaração sobre O’Hara ser “um sujeito durão”. É interessante como Jake evidencia a situação financeira como uma vantagem, podemos inferir, a partir desta afirmação, que ele está se referindo ao próprio Arthur, uma vez que este possui muito dinheiro e apresenta uma personalidade soberba. O tema “dinheiro” surge, ao longo do filme, em muitos outros diálogos, sendo a força motriz que está por trás das atitudes de algumas personagens. A relação entre dinheiro e poder se torna ainda mais sintomática durante a viagem que nesse momento ainda está por vir.

Arthur: Dinheiro não traz saúde, nem felicidade? É isso? Sem dinheiro, eu estaria deitado em um hospital qualquer. Veja, esse iate, pertenceu a Jules Bacharat. O grande Bacharat que me barrou em seu clube, porque era um grego de Manchester. Eu o peguei por perjúrio! Morreu na miséria, e aqui estou. Cada um tem sua ideia de felicidade, mas o dinheiro é comum a todos (WELLES, 1947, tradução nossa).

Elsa Bannister, assim como toda femme fatale, simboliza as ansiedades masculinas impostas pelo pós-guerra e autoproclama-se como uma figura feminina independente e habilidosa. Acima de tudo, ela é bela e misteriosa, embora tente transmitir uma personalidade humilde, por meio de olhares e de uma postura cabisbaixa, há uma penumbra em suas ações, que escancara o seu caráter dissimulado (fig. 2). Neste sentido, “ao operar a transformação dela em sedutora malévola e passível de punição, o noir procura reforçar a masculinidade ameaçada e restabelecer simbolicamente o equilíbrio perdido” (MASCARELLO, 2006, pág. 182). Além disso, a sua duplicidade, como observa Elisabeth Bronfen:

[...] surge assim como seu valor mais seminal, na medida em que não está apenas disposta a enganar alguém, a fim de obter o dinheiro e a liberdade que procura, porém, também, porque nunca revelará suas verdadeiras intenções a ninguém, especialmente ao herói a quem tem enganado, ainda que isso ocasione não apenas a morte dele, mas também a sua. (2004, p. 106, tradução nossa).

Neste sentido, essa dama de natureza cruel e implacável utiliza sua sensualidade e seu forte poder de persuasão para enganar o anti-herói O’Hara, que, ao acreditar em suas mentiras, cede aos seus caprichos, para no final se arrepender.

Figura 2 – Elsa demonstra tristeza com o possível pedido de demissão de Michael.

A atmosfera fatalista, ao longo da narrativa, é evidenciada pelas ações e pelos diálogos entre as personagens, além de dialogar com o contexto sociocultural, retoma aspectos característicos da ficção noir, como o pessimismo e o trágico.

Uma cena muito importante para a trama acontece logo após uma sequência de planos abertos que exploram o visual da cidade de Acapulco, com turistas americanos passeando, em um clima festivo pelo vilarejo, enquanto ao fundo toca uma canção típica da região. O’Hara e George Grisby, advogado, amigo e sócio do Sr. Bannister, sobem uma espécie de ladeira próxima a uma encosta. Nesse momento, é possível notar a presença de muitos figurantes, a maioria com a aparência de residentes mexicanos, exercendo suas atividades diárias, como uma senhora que está lavando roupa e estendendo em varais que se espalham pelo caminho. Em contrapartida, um casal de turistas bem vestidos parecem não notar a sua presença, ainda que passem exatamente ao seu lado, o contraste entre as situações é gritante. Diante desse cenário, a partir dessa sequência de planos e do diálogo a seguir, Welles insere a problematização tanto da desigualdade social quanto do turismo da alta sociedade estadunidense, que teve a cidade de Acapulco como destino favorito entre os anos de 1940 e 1960.

George: Que beleza, não?
Michael: A praia ou os turistas?
George: Tudo.
Michael: O lugar é belo, mas não se pode esconder a fome e a culpa. É um mundo belo e culpado
(WELLES, 1947, tradução nossa).

Finalmente chegam à baía de San Francisco. A percepção sobre a viagem não poderia ser mais mordaz, segundo Michael: “Foi um cruzeiro interessante. Muito rico e estranho, mas eu não tinha estômago para isso” (WELLES, 1947). Entretanto, o seu pesadelo está apenas começando, apaixonado acaba se envolvendo em uma teia de mentiras, levando-o a ser preso, acusado de ter assassinado George. É através da narração que somos informados pelo próprio protagonista sobre os detalhes da armadilha em que caiu, em virtude de sua paixão por Elsa Bannister. O Sr. Bannister assume a sua defesa, porém as cenas após a prisão enfatizam o caráter corrupto do advogado, que não quer ganhar a causa, a intenção é ver seu cliente indo para a câmara de gás.

Na sequência em que O’Hara foge do tribunal e Elsa corre em seu encalço, são utilizados variados elementos que intensificam o suspense, como o cross-cutting e uma melodia instrumental crescente que combina com a tensão mental e o desespero do protagonista (fig. 3).

Figura 3 – O’Hara foge para um teatro chinês que fica localizado nas proximidades do tribunal. Elsa está vindo logo atrás.

Michael é retirado de dentro do teatro pelos capangas de Elsa, que o deixam em um parque de diversões abandonado, local em que acontecerá o desfecho da trama. A sequência na Casa dos Espelhos continua, até os dias de hoje, sendo uma das mais emblemáticas do cinema hollywoodiano. O uso da superfície espetacular denota a importância do princípio da repetição dentro do universo do film noir, pois desorienta deliberadamente as personagens e o espectador. As imagens duplicadas replicam a falsidade daquelas pessoas, confundindo a todos, não sabemos o que é real (fig. 4). Os cenários grotescos do parque de diversões imprimem um viés surrealista e expressionista à obra e reforçam o assombro e a desconfiança daqueles que estão em cena. Nesse contexto, a femme fatale mostra sua verdadeira índole ao amante: egoísta e manipuladora, cuja única paixão é o dinheiro (fig. 5). Ela e o marido matam um ao outro, enquanto o anti-herói presencia tudo, inclusive o diálogo final do casal. O’Hara acaba sendo inocentado devido a uma carta que o Sr. Bannister deixa endereçada ao promotor do caso de George, já prevendo as intenções de sua esposa. Todavia, o anti-herói encerra a sua participação com um ar derrotista, ou seja, cumpre-se a premissa de que não existe final feliz, apenas o trágico.

Figura 4 – O anti-herói confronta Elsa na Casa dos Espelho.

Figura 5 – Momento da confissão de Elsa.

O filme não foi bem recebido na época de sua estreia, considerado um fracasso de bilheteria e crítica nos Estados Unidos. Quando houve, contudo, o resgate desse tipo de produção, na década de 1960, por parte da crítica francesa, ganhou a apreciação do público e recebeu o rótulo de clássico.

Quarenta anos após o seu lançamento, justamente no mesmo ano da morte da atriz Rita Hayworth, o diretor brasileiro Guilherme de Almeida Prado, nascido em 1954, realiza a releitura “A Dama do Cine Shanghai” (1987), tendo em seu elenco, atores famosos como Maitê Proença e Antônio Fagundes, nos papeis de Suzanna, a femme fatale, e Lucas, o anti-herói. Inserido em um período posterior ao Cinema Novo e ao Cinema Marginal, mas antecedendo o Cinema de Retomada, a diegese desenrola-se em torno de um corretor de imóveis e ex-pugilista que conhece uma jovem misteriosa em um cinema localizado no centro da cidade de São Paulo, ela estranhamente se parece com a atriz do filme que está em cartaz. Lucas envereda-se, a partir disso, por uma narrativa repleta de traições, em que a sua obsessão por Suzanna o levará por um caminho sem volta.

A paródia lúdica existe em A dama do Cine Shangai (Guilherme de Almeida Prado, 1988), que incorpora elementos do noir e realiza um jogo metalingüístico que desnuda os artifícios hollywoodianos. O protagonista, instigado pela mulher fatal, mata a pessoa errada, entra em colapso e, como num delírio, vê a parceira vestida de branco, com expressão inocente e, ao mesmo tempo, com um figurino escuro e ar sensual. É uma representação visual da dupla caracterização da personagem. Nesse momento, a imagem a que assistimos começa a se retorcer, como se a película do filme tivesse pegado fogo (PUCCI, 2006, pág. 373).

O pós-modernismo, portanto, interfere na reconstrução, o caráter nostálgico da década de 1980 resgata o film noir, porém “há paródia tanto do noir quanto do modernismo” (PUCCI, 2006, pág. 373). O preto e branco, agora, é abandonado em favor de cores vibrantes, tais como o neon. Os fatos continuam a ser narrados pelo próprio anti-herói, em voz-off. Se antes a mulher fatal, Elsa Bannister, era punida, na releitura, Suzanna subjuga, pois a punição não importa mais, os valores morais já são outros. O final trágico ainda é replicado, mas a dramaticidade cede espaço para o cômico. Desse modo, o diretor se propõe a homenagear a película sob os moldes de sua realização, diante de uma conjuntura pós-ditadura e anterior ao Cinema de Retomada.

Conclusão

“A Dama de Shanghai” é descrito como um dos melhores representantes do film noir, pois traz em sua diegese os elementos característicos desse tipo de ficção. Entre os temas desenvolvidos destacam-se o passado sombrio e a desigualdade social, apresentando discussões que revelam o apego ao dinheiro e a superficialidade das relações que se sustentam a partir da condição financeira dos envolvidos. Em diversos momentos, os aspectos da conjuntura são postos em evidência, principalmente durante a passagem pela cidade mexicana, com sequências que retratam a disparidade social entre os moradores da região e os turistas estrangeiros.

Este artigo, mediante o exposto, tem um caráter reflexivo e analítico, assumindo o interesse em continuar o debate sobre o film noir, que abrange aspectos complexos, principalmente se considerarmos a sua evolução dentro da ficção policial. Neste sentido, a discussão em questão objetivou favorecer novas interpretações a respeito dos objetos e temas analisados.

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Filmografia

A Dama de Shanghai. 1947. De Orson Welles. Estados Unidos da América. DVD.