Capítulo / Chapter II | Cinema – Cinema

Coffee with cinnamon and the edification of affection in Black Female Cinema

Café com canela e a edificação do afeto no Cinema Negro Feminino

Edileuza Penha de Souza

Universidade de Brasília, Brasil

Abstract

This article discusses aspects of identity, memory and love in the film Café com Canela, directed by Glenda Nicácio and Ary Rosa (Brasil, 2017). The feature film tells the story of Margarida (Valdineia Soriano) a retired teacher who lives isolated from the world after losing her only child. One day, Violeta (Aline Brunne), knocks on her door and from that moment on, takes on the mission of returning a little contentment to the life of her former teacher, Margarida. The text analyzes the film, sound and visual narratives of care and affection and how these feelings structure the concept of Black Cinema in the Feminine. It was concluded that the stories about affection, friendship and care of and with black people allow reflections on black lives from the verbs: Believe, Live and Share. The text also highlights black ancestry and identity as affective processes, capable of constituting new images of the black Brazilian population.

Keywords: Affection, Black Cinema in the Feminine, Black Cinema, Identity, Narratives.

Café com afeto: viver e conceber afetos

“Começar por sempre pensar no amor como uma ação, em vez de um sentimento, é uma forma de fazer com que qualquer um que use a palavra dessa maneira automaticamente assuma responsabilidade e compromisso. “ (Hooks, 2000)

Pensar o cinema a partir de como um filme chega até cada um de nós é pensar também, de certa forma, nos estudos que possibilitam compreender o processo identitário com que as pessoas assistem a um filme. Para Mahomed Bamba (2013) os fatores sociais, culturais, políticos e econômicos da comunidade onde uma pessoa está envolvida influenciam diretamente o processo de assistir e receber um filme. Neste sentido, ao vermos um filme, somos levados(as) a refletir a história a que acabamos de assistir e de como ela se aproxima ou não de nossas vidas.

“Café com Canela”, ficção, (103 minutos), foi roteirizado por Ary Rosa, também codiretor, com Glenda Nicácio. Com classificação indicativa para 14 anos, o longa-metragem foi lançado na 50ª edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, em 2017. Uma das principais produções cinematográficas realizadas por mulheres negras brasileiras na contemporaneidade, o filme conta a história de Margarida (Valdineia Soriano), uma professora aposentada que vive em São Felix, onde, após ter perdido seu único filho, Paulinho, e se separado do marido, Paulo, afastou-se dos amigos e se isola do mundo. Até que um dia, Violeta (Aline Brunne), vendedora de coxinhas, residente em Cachoeira, mãe de duas crianças, bate na sua porta e a partir desse momento, entre visitas, faxinas, cafés com canela e rosas, impõe-se a missão de devolver um pouco de contentamento à vida de sua ex-professora Margarida.

Minha escolha por “Café com canela” também está conectada com dar visibilidade estética, política e geográfica a um cinema que se constitui fora da estereotipia, um cinema que possibilita descortinar novas visões de mundo. Noutras palavras, minha opção pelo Cinema Negro Feminino passa por edificar um debate sobre cinema como espaço de identidades, territorialidade e afetos; busca propiciar uma filmografia negra brasileira que tem privilegiado de forma positiva a formação da identidade, do pertencimento, e conduzir essa discussão como categoria acadêmica que se contraponha à naturalização do racismo e do sexismo no cinema e reflita sobre histórias de amor, paixões, desejos, ancestralidade e memória.

Acreditar, viver e repartir, esses verbos sintetizam a esperança como processos afetivos, capazes de constituir novas imagens da população negra. Neste sentido, quando homens e mulheres negras fazem cinema, estão rompendo com o racismo estrutural e criando outras possibilidades, novos olhares e perspectivas. São cineastas negros (as) que têm pautado o amor e a afetividade negra como condição básica para criar e recriar a diversidade e a pluralidade nas pesquisas, no cinema e na vida.

As flores

Para Charles Affron (1982), o principal componente do cinema é o sentimento que ajuda a contar histórias e, principalmente, envolve quem está assistindo. Assistir a “Café com canela” tantas vezes me possibilitou compreender diferentes sentimentos e valores.

No Recôncavo da Bahia, Margarida vive em São Félix, isolada na dor pela perda do filho. Do outro lado da ponte, na cidade de Cachoeira, mora Violeta, uma jovem casada com Marcos (Guilherme Silva). O casal e seus dois filhos, Cosme e Damiana1, moram na casa da avó de Violeta, dona Roquelina (Dalva Damiana de Freitas).

O filme principia nos apresentando a cidade, as filmagens do aniversário de Paulinho, a festa e os convidados, e do churrasco na laje. Uma grande questão é quanto tempo transcorreu entre os dois eventos festivos.

Figura 1 - Frame do filme

Figura 2 - Frame do filme

A minifilmadora num bairro de cidade do interior demonstra algum poder aquisitivo, além do capital cultural do casal. Não sabemos a profissão de Paulo (Aldri Anunciação), marido de Margarida, embora isso pouco importe para um personagem secundário. Mas, aos poucos, à medida que o filme se desenvolve, vamos conhecendo a protagonista, que é professora aposentada e gosta de cinema. O diálogo entre os dois aponta de maneira simples e delicada o amor e admiração de um casal apaixonado. “Eu olho para ele e vejo você” exclama Paulo, ao que Margarida retribui enaltecendo as qualidades do pai e do companheiro.

Na tomada seguinte, Margarida está no cinema. Na publicação “O grande livro dos sonhos”, Félix Zabylla (s/d) registra que ver um cinema, pode ser interpretado como uma preparação para viver momentos intensos ao lado da pessoa amada. No entanto, sonhar que foi ao cinema sozinho significa solidão. Se é simbólica a cena do cinema, podemos recorrer a Jacques Aumont e Michael Marie (2007), quando utilizam a acepção do cinema como processos de linguagem.

As festas, o aniversário de Paulinho e o churrasco na laje, espaçadas de dez a quinze anos, demarcam solenidades, a primeira comemora o aniversário de cinco anos de Paulinho, a segunda, não menos importante, se faz pela reunião de pessoas amigas. Esses dois momentos festivos nos apresentam a retórica do filme, a história e os personagens. A história do filme acontece em 2013, a data está marcada num calendário no quarto de dona Roquelina. E não importa quantos anos se passaram antes, pois para a protagonista o mundo esteve parado até aquele momento. A cena se volta para o cinema, e em seguida planos fechados no rosto de pessoas comuns da cidade, os sons dos atabaques acompanham as fotografias revelando uma ampla diversidade que marca o cinema como espelho.

Conhecida como malmequer, crisântemo, bem-me-quer, bonina, margarita, margarita-maior, malmequer-maior, malmequer-bravo e olho-de-boi, o nome científico dessa flor é Chrysanthemum leucanthemum. No uso diário, margaridas significam inocência, juventude, virgindade, sensibilidade, pureza, paz, bondade e afeto. Margarida é o nome da principal manifestação de mulheres no Brasil, a Marcha das Margaridas2

Arriscaria dizer que o nome da personagem faz alusão à fragilidade, medo e desespero. As flores margaridas se fecham durante a noite e se abrem novamente quando o sol nasce. Para a personagem Margarida, parece não existir dia ou noite, o dia é alimentado de café, cigarros e cochilos de noites mal dormidas. Com a morte do filho, Margarida se fecha para o mundo, dias e noites trancafiada em casa, parece não existir remédio para curar sua dor, já que outra referência vaga é que margarida também é uma das flores da Orixá Oxum e que na medicina acredita-se que suas delicadas pétalas esmagadas limpam ferimentos, baixam a febre e são alívio para doenças dos olhos.

E se as margaridas estão presentes na vida, elas também assistem à morte. A interrupção da vida de Paulinho também bloqueou a vida e a alegria de Margarida. O corpo de Paulinho seguramente foi velado com pequenas margaridas e não é por acaso que sua mãe simbolicamente morre com seu filho. A dor de Margarida representa a amargura histórica da população negra, ao que a psicóloga Cida Bento (2002) nomeia de processos de branquitude e racismo.

Esse medo assola o Brasil no período próximo à Abolição da Escravatura. Uma enorme massa de negros libertos invade as ruas do país, e tanto eles como a elite sabiam que a condição miserável dessa massa de negros era fruto da apropriação indébita (para sermos elegantes), da violência física e simbólica durante quase quatro séculos, por parte dessa elite. É possível imaginar o pânico e o terror da elite que investe, então, nas políticas de imigração europeia, na exclusão total dessa massa do processo de industrialização que nascia e no confinamento psiquiátrico e carcerário dos negros (Bento, 2002, p. 35-36).

O despertar de Violeta e Margarida desnuda dois cotidianos distintos. Se para Violeta acordar é sinônimo de trabalho, de cuidado dos filhos e da avó presa ao leito, para Margarida acordar é a agonia de mais um dia sem seu filho. Quem chora são as mães, as mulheres que lamentam a ausência, se esvaem no desgosto da inversão do ciclo natural de seus filhos as enterrarem, eternizam o luto que apaga todo sorriso, o tormento de sonhos interrompidos, elas que desejavam apenas embalar seus filhos, como na canção Angélica de Chico Buarque de Hollanda.

Margarida representa diversos conceitos do suplício que define as características do extermínio da juventude negra, ou o que Serge Moscovici chamou de noção de representação, “quando precisamos sua natureza de processo psíquico capaz de tornar familiar, situar e tornar presente em nosso universo interior o que se encontra a uma certa distância de nós, o que está de certo modo ausente” (MOSCOVICI, 1978, p. 62-63).

Violetas são flores delicadas e singelas que florescem o ano inteiro. Apresentam intensas tonalidades de cores sendo a cor roxa a de maior variedade. A violeta (Saintpaulia ionantha) também é conhecida como a flor do mundo místico e significa espiritualidade, magia e mistério. Uma casa ornada com violetas estimula o lado espiritual, proporcionando a purificação da casa e daqueles que a habitam, por isso, essas flores não vicejam em ambientes muito fechados, escuros e pouco ventilados. Necessitam de sol e de luz, Violeta é também a flor da transformação.

O Território

Ao longo da história colonial, a Cidade de Cachoeira foi reconhecida como uma das freguesias mais importantes do Recôncavo da Bahia, devido, sobretudo, à grande concentração de engenhos de açúcar. Mas não é essa a Cachoeira de “Café com canela”; em várias tomadas conseguimos ver a cidade, detalhes das casas e dos quintais. A cidade também vai se despertando. O rio corre...

Numa entrevista à jornalista Luísa Pécora, no canal “Mulher e Cinema”, Glenda relata seu encontro com o Recôncavo e em especial com a cidade de Cachoeira:

Sim, Cachoeira é uma cidade negra, das que têm mais terreiros por metro quadrado. Há a cultura negra nas festas tradicionais, o sagrado e o profano, estas coisas que a Bahia traz, mas que no Recôncavo são muito potentes. E tudo é muito comum, espalhado: a cultura não é uma caixinha que você frequenta, não está dentro de um teatro. Cachoeira foi importante para me mostrar que o saber popular também é um saber. Sempre perguntam quais foram nossas referências querendo que a gente passe uma lista de filmes e cineastas. É claro que a gente tem referências, mas fizemos o Café tentando nos aproximar das imagens que a gente via no dia a dia. O cotidiano atravessava a nossa vontade de criação.

As portas e os vizinhos (Violeta, Cida e Aroldo) demarcam diferentes vidas, Violeta que cedo levanta para fritar as coxinhas que vende na cidade para ajudar no sustento da família; Cida, uma mulher viúva, cuja vida de casada fora marcada por violência, e Adolfo (Antônio Fábio), dono de uma agência de viagem, casado com o médico Ivan (Babu Santana) há vinte anos vive uma vida tranquila, romântica e feliz. Na porta de suas casas, a calçada, a rua estreita de paralelepípedos; Cida (Arlete Dias) molha a rua; Adolfo sai para passear com o cachorro Felipe (que também é personagem do filme) enquanto Violeta cuida da roseira plantada numa brecha de terra. A cena parece anunciar a música “Árvore3” de Edson Gomes que ouviremos minutos depois.

Violeta sai para trabalhar, enquanto Margarida sucumbe na casa habitada pelas reminiscências, pela ausência de Paulo e Paulinho. O pensamento no filho inconscientemente a remete ao desvelo do pai. Margarida concentra-se no café requentado e nos cigarros o vai e vem de suas memórias de dores e felicidade. Recordações que evocam o poema “Viagem ao Farol”, de Virginia Woolf (2013).

Figura 3 - Frame do filme

Da tomada interna da casa de Margarida, vamos pedalar com Violeta. De novo, planos fechados com pessoas (de quem só vemos detalhes do rosto) comendo coxinhas. Em meio ao assédio de seu Toninho, acompanhamos flashes da preparação e de como elas se tornam mercadoria. A câmera nos mostra um pouco mais do cotidiano da rua, inclusive com a passagem da banda de música pelo centro da cidade. Acompanhamos os passos na rua de Cachoeira.

De volta à casa de Margarida e a suas lembranças que retêm os doces momentos em que ninou seu filho, entoando a canção de Edson Gomes e que nos regala com a voz de Virginia Rodrigues ao cantar “Mimar Você4 ” de Caetano Veloso.

É nesse momento que revemos Paulo, agora em pessoa, fazendo compras para enviar a Margarida. Ele observa de longe a entrega dos mantimentos. O contraponto da comida apodrecida demonstra que mesmo ausente, ele está o tempo todo cuidando. A sobrevivência de Margarida decorre da dedicação de seu companheiro. É ele quem manda o cigarro e o alimento. Ela, por sua vez, se alimenta pouco e se degrada tanto quanto a comida. Margarida rompe com todo e qualquer tipo de prazer, nem aos chocolates que estimulam a sensação de gozo sua vida dá permissão. Os bombons, outrora quitutes apreciados, agora são despejados no lixo.

E se o filme chama para si o cuidado5, o roteiro não deixa de fora a mística da medicina, exercida com autoridade e ternura por Ivan. No seu atendimento, observamos o quanto ele está preocupado com o bem-estar físico, psicológico e social de sua paciente. Nesse contexto, o filme nos possibilita discutir saúde mental, depressão, envelhecimento presente nas paredes descascadas da casa de Margarida, nos alimentos esquecidos na geladeira, e em dona Roquelina.

À tarde, Violeta retorna do trabalho e Adolfo entra em casa com Felipe. Conhecemos parte do interior de sua casa. Adolfo pega o violão e nos presenteia com a canção de Dorival Caymmi, João Valentão, que ganha outro arranjo para despedida do personagem.

À noite, ao se ver no espelho, Margarida se assusta com o envelhecer refletido no conto, O Espelho - Esboço de uma nova teoria da alma humana, de Machado de Assis (1994):

Vão ouvir coisa pior. Convém dizer-lhes que, desde que ficara só, não olhara uma só vez para o espelho. Não era abstenção deliberada, não tinha motivo; era um impulso inconsciente, um receio de achar-me um e dois, ao mesmo tempo, naquela casa solitária; e se tal explicação é verdadeira, nada prova melhor a contradição humana, porque no fim de oito dias deu-me na veneta de olhar para o espelho com o fim justamente de achar-me dois.

De volta ao café requentado e aos cigarros, Margarida pensa no fim do seu relacionamento com Paulo. A cena é marcada pelo vento que invade a janela. Margarida não consegue expressar sua dor que ainda é uma ferida aberta. Nem mesmo a professora Margarida consegue nomear ou descrever sua dor. Que como diria o cineasta Spike Lee “Só quem sabe sente”. As paredes se movem, como se pudessem comprimir a dor de Margarida e ao mesmo tempo, fazer um pedido de socorro.

Violeta cantarola enquanto prepara as coxinhas, seu canto continua no cuidado da avó. O quarto de dona Roquelina é ornamentado com fotos da Irmandade da Boa Morte, o que indica que ela faz parte da mais importante confraria religiosa feminina e afro-brasileira do país. A história da Irmandade da Boa Morte está diretamente ligada à história de africanização do catolicismo6, na resistência e luta das mulheres negras de Cachoeira. A irmandade foi constituída unicamente por mulheres negras com mais de cinquenta anos. A tradição existe há mais de 230 anos, e é atualmente considerada como um bem imaterial.

O alimento é outro símbolo importante no filme. Na cena em que Paulo está no bar com os amigos, o prato servido é escondidinho7. O diálogo é marcado pela ausência de Margarida e por um alívio cômico. As coxinhas preparadas por Violeta, o churrasco de Marcos, a sopa servida a dona Roquelina, são alguns dos momentos em que o alimento se faz presente. “E tipo assim, tinha comida e bebida e tudo mais, bem familiar”.

Violeta acorda com os gritos de Ivan que chega em casa após o plantão. A solidariedade dos vizinhos nos preparos fúnebres de Adolfo. Os quadros na parede do quarto parecem ser de uma iniciação, o que sugere que Marcos e Violeta preparam um Axexê, cerimônia realizada após o enterro de uma pessoa iniciada no candomblé. Aláfia Meji – “Tu estás de volta”! A morte separa, desliga, aparta. E lá se vai o amor de mais de vinte anos de Ivan.

Das águas mansas em duas fotografias da sala de Ivan e Adolfo, da luz do dia que invade o leito do casal, a sequência é a cachoeira. Nas religiões de matriz africana a água é sinônimo de purificação, é um dos componentes naturais mais receptivos, é sinônimo de energia de limpeza e equilíbrio. No sonho de Margarida ele se banha na cachoeira. Nada trará Paulinho de volta, mas a vida segue e se faz necessária. Depois das águas, reflexões e presságios. Elemento principal do Orixá Oxum – mãe das águas doces, da maternidade e da riqueza e dos amores – a cachoeira é também a representação da permanência, da fluidez e da força vital. No sonho, a cachoeira pode ser um presságio de coisas importante, que estão prestes a acontecer. A água batida nas pedras lava o rosto e todas as impurezas. A casa de Margarida se transmuta em pântano, a evocação do mangue como elemento de transformação. É Nanã Burukú a senhora da morte responsável pelos portais de entrada (reencarnação) e saída (desencarne) das almas. Chamada de mãe ou avó, é Nanã a representação da memória. Senhora da lama, da qual se originou todo ser humano, Nanã é responsável pelo portal entre a vida e a morte, pois ela limpa a mente dos espíritos desencarnados para que eles possam se livrar do peso que sofreram em sua jornada, reencarnando sem os rastros da vida anterior. Essa Orixá é uma das mais respeitadas e também uma das mais temidas.

Ao acordar, Margarida reflete sobre seu sonho, seu quarto é tomado por azeite de dendê, nos rituais religiosos o azeite de dendê, também conhecido como óleo de palma é usado para benzeduras, batizados, rituais fúnebres, cruzamento de pontos energéticos e “passagens” da casa (porta e janelas), sempre no sentido de quebrar demandas, proteger, purificar e energizar o propósito que se busca.

Após o funeral de Adolfo, Marcos e Violeta retornam à casa e se utilizam de um ritual de purificação com um copo de água. A água, líquido espiritual, é o elemento curativo e medicinal, simbolizada nos banhos de Violeta e Margarida. Banho para relaxar, que limpa as dores do corpo, abrindo possibilidades para sonhos e limpeza da alma. Banho que se traduz em fonte de vida, purificação e regeneração. Esses três temas se encontram em diferentes combinações imaginárias dessas duas flores. Concretizadas na solidão de Margarida e no chamego de Marcos com Violeta. Cuidado com a avó e os filhos, o trabalho... a vida de Violeta segue o fluxo enquanto Margarida continua presa à solidão regada por café e cigarro.

De bicicleta, Violeta atravessa a ponte que liga Cachoeira a São Felix. As pontes são elos entre dois espaços; nesse sentido, a ponte que aproxima as duas cidades é também o símbolo que vai unir Margarida a Violeta. Trazendo para a mitologia, a ponte também é símbolo que liga o Céu e a Terra. Pontes representam quase os caminhos que as almas dos mortos percorrem após a passagem. Simboliza a morte como continuidade de vida. São as pontes que possibilitam o superar, que “transpõe”. (LEXIKON, 1997).

Margarida abre a caixa de fotos do aniversário de Paulinho, novamente as vozes ocupam a memória, nas fotos Violeta é ainda uma menina. As lembranças são interrompidas com a própria Violeta, mulher adulta batendo em sua porta para vender coxinhas.

Encasquetada com a fisionomia da mulher que lhe abriu a porta, Violeta se lembra de Margarida, que no passado fora sua professora e apoiadora, a que lhe possibilitou autoestima.

E se o espelho de Margarida continua encoberto, o espelho de Violeta é também adorno no seu pescoço, miniatura de um abebê8. Nenhuma das duas dorme sono tranquilo.

O dia já tem asa quando Margarida assombrada com o barulho da bicicleta de Violeta corre em busca de Paulino e abre a porta, sem permitir qualquer negativa Violeta vai se adentrando, levando uma rosa para Margarida. Na parede a fotografia do que um dia foi uma família. Após o café requentado oferecido por Margarida, Violeta se oferece para passar um café fresco enquanto Margarida faz perguntas sobre sua vida. A xícara limpa e café com canela, Margarida experimenta o sabor de prazer há muito interditado em seu corpo e memória. O café com canela, primeiro prazer de Margarida, gosto de Natal.

Logo após entendermos o nome do filme, Violeta se transforma na entrevistadora e quer saber sobre Margarida, que por sua vez se recusa a falar da morte do filho. Violeta, que um dia fora salva por Margarida, se sente no direito de interferir, uma vez que para ela não é possível aquela situação, principalmente por se tratar da mulher que fora responsável pelo seu renascimento quando perdeu seus pais em acidente de trânsito.

E mesmo com toda a insistência de Margarida para que ela vá embora, Violeta relembra a história de dor quando da perda de seus pais, e num misto de discurso e poesia, declama parte do poema/canção “Debaixo d’água” de Arnaldo Antunes:

Ao chegar triste e desolada da casa de Margarida, Violeta se encontra com Ivan, que aparentemente regressa de uma viagem longa realizada após a morte de Adolfo. Sentimos com Ivan, a dureza de entrar na casa onde sempre viveu com seu companheiro. Enquanto Ivan abre e fecha a porta de sua casa, Margarida pela primeira vez tenta chegar à porta do quarto de Paulinho. Violeta segue zelando pelos seus, cuida do compromisso da vida, se dedica carinhosamente à avó, cria um compromisso de cura e zelo com Margarida, mandando-lhe rosas todos os dias.

A insistência de Violeta surte efeito, cigarros e cafés agora são ornados com rosas que colorem e dão vida à casa. A xícara de flores ganha sentido em meio a tantas guimbas. Margarida descobre o espelho. Cida bate na porta de Violeta para mais uma saidinha de quarta-feira, quando as amigas vão sozinhas bater papo e tomar cerveja.

Marcos assume o cuidado de dona Roquelina, enquanto Violeta se apronta para sair com Cida. A quantidade de camisas de time de futebol indica o quanto Marcos gosta do jogo, as camisas sugerem também que pelo menos uma vez por semana ele sai para uma pelada. Como os dois trabalham, a quarta-feira, dia de folga de Violeta, é dia do Samba de roda.

Marcos é um homem dedicado, apaixonado e cuidadoso. Se podemos dizer que “Café com canela” é um filme feminino, é possível também destacar o cuidado com os personagens masculinos. Conhecemos a violência masculina a partir de um breve relato de Cida sobre seu marido já falecido. A masculinidade definida como lugar de privilégio da maioria dos homens, é demarcada no filme a partir doutra perspectiva. O filme assinala possibilidades para construção de homens negros carinhosos, sensíveis e companheiros, rompendo ideias hegemônicas marginalizadas e estereotipadas que demarcam as masculinidades identificadas entre os homens negros pobres.

Dias passam e Violeta diariamente manda uma rosa para Margarida. Mais uma vez Margarida se aproxima da porta do quarto de Paulinho.

Figura 4 - Frame do filme

Figura 5 - Frame do filme

Figura 6 - Frame do filme

É fim de mais um dia de trabalho, Violeta encontra Marcos na porta de casa; assombrada, ela deixa cair a bicicleta e corre para ver o que aconteceu. Sua avó está muito mal, com falta de ar, Marcos já chamou a ambulância e também aguarda o médico Ivan. Avó e neta vão calmamente se despedindo, como se cada uma soubesse que chegou a hora da Partida.

Mais uma vez é Marcos que cuida de Violeta. De longe e de perto ouvimos o barulho das águas. O quarto vazio de vóinha (como Violeta a tratava), a toalha de renda do altar, as flores, os santos e os orixás, nas paredes do quarto a Santa Ceia e as fotos da Irmandade da Boa Morte, as guias e o crucifixo. Na casa de Margarida, ela finalmente consegue destampar o espelho e neste momento Oxum entra em sua casa. É só um sonho, mas é também o momento da transformação.

Margarida toma conhecimento da morte de dona Roquelina por meio do anúncio do carro de som. Comunicação ainda muito comum em cidades pequenas, que possibilita outras interações.

São 6h17, Marcos vela o sono de Violeta que ao acordar inicia o processo de desfazer o quarto da avó. Agora é Margarida quem envia uma rosa para Violeta, retribuição e cuidado, que é notado por várias intervenções.

O café fresco, as xícaras limpas, a mesa arrumada, Violeta volta à casa de Margarida, que pela primeira vez vemos sorrir. Violeta insiste com Margarida sobre a necessidade da vida, a tristeza de viver sem a pessoa amada e a necessidade do caminhar em frente. Bicicleta ou cervejinha?9.

Nova manhã na Cidade de São Felix, o rio calmo de cor prata. Margarida pega seu pente, antes também abandonado, e delicadamente penteia seus cabelos crespos, iniciando aí o processo de autocuidado. O olhar no espelho, se ver mulher negra.

Violeta também vai ajudar na faxina da casa que se encontra em completa desordem e suja. Ao limpar a velha e obsoleta tevê, Violeta reflete sobre o tempo em que as pessoas se alienam na frente da tela, ao que Margarida traz uma conversa sobre cinema, reconhecendo o cinema como instrumento pedagógico.

Pensar o cinema como estratégia de acesso à informação e construção de identidade nos possibilita refletir sobre a necessidade urgente de pensarmos um conceito de “Cinema Negro no Feminino”. Essa terminologia vem sendo usada no Brasil e no mundo como um cinema arquitetado por cineastas negras que, além de Glenda Nicácio, podemos citar Mariana Campos; Viviane Ferreira; Juliana Vicente; Renata Martins; Larissa Fulana de Tal; Jamile Coelho; Urânia Muzanzu; Flora Egécia; Mariana Luiza, Everlane Moraes e tantas outras, entre as quais também me incluo.

Essas cineastas são mulheres negras e militantes que encontraram no audiovisual possibilidades concretas de denunciar e combater o racismo, o machismo, a homofobia e as múltiplas formas e especificidades de discriminações e preconceito tão arraigadas na sociedade. A participação dessas Mulheres na indústria cinematográfica ainda é negligenciada e abafada, a exemplo dos trabalhos de Adelia Sampaio10 e de outras, como o da atriz e diretora Maria Dealves11.

O cinema produzido por mulheres negras tem marcado uma territorialidade sedimentada no desenvolvimento humano, criando e recriando mundos e possibilidades, onde o fazer cinema se impõe também como principal possibilidade na constituição do indivíduo enquanto parte de um coletivo e de uma territorialidade que permite a recriação do mundo e a elaboração de um cinema engajado na luta por uma sociedade mais justa e igualitária (SOUZA, 2008).

Diretoras negras têm feito de seus filmes verdadeiros manifestos de denúncia da violência contra mulheres e LGBT, tratam de temas ligados à juventude negra, retratam como a intolerância e o preconceito podem modificar os caminhos de um(a) jovem negro(a). São filmes que falam de sexualidade, gênero, com a mesma maestria que trazem para as telas o amor e o afeto.

Essas cineastas e tantas outras são responsáveis por construírem um cinema de identidade, entendido como espaço de pertencimento e, assim, são agentes recriadoras de mundos e de possibilidades de amor e afetos. Ao produzir e dirigir seus filmes, cineastas negras brasileiras têm consolidado um modo de fazer cinema que tem como referência a história e a cultura negras.

A casa vai tomando forma, sujeiras e guimbas de cigarro exsurgem de todos os cantos. A casa limpa resplandece num novo território. Com a casa asseada, é Margarida quem prepara o café com canela. Sua casa agora não é apenas a residência. É o seu útero, morada e moradia no sentido mais profundo, a casa agora é um espaço de territorialidade, de aconchego. Café com canela e bombons, as flores Margarida e Violeta são coroadas com uma singela rosa em cima da mesa. O que reafirma a importância da amizade. É ali, naquele instante, ao morder o bombom, que Margarida sente a necessidade de continuar vivendo.

Figura 7 - Frame do filme

Figura 8 - Frame do filme

Abrir a porta do quarto de Paulinho, sucumbir à dor mais profunda e respirar. Encaixotar as lembranças, a memória, a maternidade, possibilitar a vida que segue do lado de fora, onde Paulo, bicicleta e cervejinha a esperam.

Considerações finais

A Magia

Há poder em olhar.
(Hooks, 2017)

O que é cinema?, pergunta Violeta, ao que prontamente Margarida responde: “uma sala grande, com um monte de cadeiras e uma tela branca na frente. Essa não é, contudo, a resposta que Violeta espera, ela quer saber como as pessoas se sentem no cinema.

A nostalgia está presente em todas as falas e impressões sobre o filme. Pude observar que as narrativas de cada grupo se caracterizam de forma emocional e afetiva. As pessoas dos grupos se expressaram fazendo alusão ao passado, trazendo para a cena suas próprias histórias de vida. Como um bom filme que desperta a transcendência, “Café com canela” cumpre seu papel. Por sua vez, como afirma Ana Carolina Escosteguy (2009) ao discorrer sobre a recepção:

Observo que a perspectiva da recepção constitui potencialmente uma alternativa para alargar a compreensão dos processos culturais/comunicacionais que tão frequentemente têm sido estilhaçados, desde que o âmbito da recepção não seja tomado como um objeto de estudo circunscrito a apenas esse espaço (Escosteguy, 2009).

Perceber como cada pessoa foi atingida pelo olhar, poder observar suas emoções, entender como elas conectam ao filme as suas histórias de vida possibilita refletir sobre as semelhanças e as assimetrias de raça e gênero e como o racismo tenta apagar nossos sentimentos, como afirma Ceiça Ferreira num dos seus trabalhos sobre recepção:

Em contraponto, o desenvolvimento da espectatorialidade para as mulheres negras foi marcado pela necessidade de criar formas de olhar e de prazer visual em um contexto que, desde os primórdios do cinema, nega o corpo feminino negro e consolida a mulher branca como passível de ser olhada e desejada. As espectadoras negras mais jovens, no entanto, percebiam os estereótipos e não se identificavam, não davam importância ao cinema. As mais velhas assumiam uma postura de subordinação, um olhar de cumplicidade e desejo, o que lhes exigia abdicar da crítica ao racismo e ao sexismo para ter prazer visual, colocando-se como passíveis de serem seduzidas, manipuladas (FERREIRA, 2016, p. 730).

Nesse sentido, assumimos aqui a afirmação de Bell Hooks, “o poder enquanto dominação se reproduz em diferentes locais” (Hooks, 2017), desse modo, oferecer diferentes perspectivas sobre o cotidiano e a vida diária de pessoas negras pode ser um instrumento eficaz de combate ao racismo, possibilitando perspectiva de enfrentamento das mazelas e agruras a que estão submetidas as pessoas negras.

“Café com canela” chega ao público ocupando diversos espaços, desde o fato de uma mulher negra na direção de um longa-metragem ficcional, abreviando o espaçamento entre “Amor maldito”, dirigido por Adelia Sampaio em 1984, e “Vamos fazer um brinde”, codirigido por Sabrina Rosa em 2010. Esperamos que a distância entre uma produção e outra seja rapidamente encurtada. Como se passaram vinte e seis anos entre “Amor maldito” e “Vamos fazer um brinde”, sete anos poderia ser tomado como um período curto entre “Vamos fazer um brinde” e “Café com canela”, mas o cinema negro feminino não mais pode dispor desse tempo, há uma urgência para que todos os tipos de filmes dirigidos por mulheres negras sejam produzidos e exibidos.

O elenco predominantemente negro desses dois últimos filmes demarca a importância de corpos negros na frente e atrás das câmeras. O cinema de Sabrina Rosa e Glenda Nicácio referenda as perspectivas do que estamos conceituando como Cinema negro feminino. “A definição de um cinema negro feminino floresce da territorialidade, possibilita recriar espaços-territórios do racismo e da heteronormatividade” (SOUZA, 2017, p. 13).

Os diretores Glenda e Ary adotaram como sua a cidade de Cachoeira, mais que cenário, foco e força criativa. Mineiros, os amigos se conheceram no curso de cinema da UFRB e na cidade montaram a produtora Rosza Filmes, em 2011. Trata-se de uma produtora independente que realiza cinema a partir de processos coletivos e colaborativos, uma das que têm consolidado o cinema negro.

Rodado no interior da Bahia, “Café com canela” foi exibido em festivais nacionais e internacionais. Premiado como Melhor Filme pelo Júri Popular; Melhor Atriz e Melhor Roteiro, no 50º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro; Melhor Filme de Longa Metragem pelo Júri Jovem, Melhor Filme de Longa Metragem do Prêmio APC e Prêmio Especial do Júri Oficial, no Festival Panorama: Coisa de Cinema (Salvador); Melhor Filme, eleito pelo Júri Jovem e Prêmio Revelação de Direção pelo Coletivo Elviras na 9ª Semana - Festival de Cinema (Rio de Janeiro). Internacionalmente, selecionado para 47th International Film Festival Rotterdam dentro da programação do PACT: Pan-African Cinema Today e muitos outros.

A distribuição em larga escala somente foi possível pelo Prêmio de Distribuição da Petrobras de Cinema, conquistado no Festival de Brasília, uma vez que um dos principais problemas enfrentados pelos realizadores e realizadoras de cinema no Brasil é a má distribuição de longas-metragens nas poucas salas de cinema existentes, salas comerciais que historicamente têm privilegiado a exibição de filmes hollywoodianos12

“Um brinde à vida”! É o que, ao final do filme, Violeta propõe a todos, realizando a possibilidade de recriar os espaços-território do afeto. A reunião dos amigos no filme sintetiza um território vasto de diversidade, que se equipara à riqueza e diversidade dos quatro diferentes grupos que participaram desta pesquisa.

Diversidade que pode ser percebida como territorialidade, espaços e palavras colhidos nas experiências individuais ou coletivas. Afinal, “o cinema é uma das artes que pode transformar a realidade em interpretações, de modo que essa representação do real possa estar em todas as palavras, em todas as coisas” (SOUZA, 2013, p. 5).

É assim! Falar de gênero e raça é tão revolucionário como falar de cinema e falar de amor. Findo este trabalho com um poema de amor da escritora negra capixaba Eliza Lucinda, que me ajuda a compreender o Cinema Negro Feminino a partir de um lugar de transformação. Considero alcançado o objetivo de estimular cada pessoa que assistiu ao filme a partilhar suas visões de mundo expressando sentimentos adormecidos no seu eu. São pessoas que narraram suas dores, mas acima de tudo repartiram amor e afeto, que é o que move a vida. Assim, ao escrever, reafirmo as palavras de Esmeralda Ribeiro: “Escrever é um ato de vida”!

Sempre quis um amor
que falasse
que soubesse o que sentisse.
(...)
F
Sempre quis um amor cujo
BOM DIA!
morasse na eternidade de encadear os tempos:
passado presente futuro
coisa da mesma embocadura
sabor da mesma golada.
(...)
Sempre quis um amor
que não se incomodasse
quando a poesia da cama me levasse.
(...)
Contudo
sempre quis um amor
que me coubesse futuro
e me alternasse em menina e adulto
que ora eu fosse o fácil, o sério
e ora um doce mistério
que ora eu fosse medo-asneira
e ora eu fosse brincadeira
ultra-sonografia do furor,
sempre quis um amor
que sem tensa-corrida-de ocorresse.

Sempre quis um amor
que acontecesse
sem esforço
sem medo da inspiração
por ele acabar.

Sempre quis um amor
de abafar,
(não o caso)
mas cuja demora de ocaso
estivesse imensamente
nas nossas mãos.

Sem senãos.
(...)
Sempre quis um amor
que gozasse
e que pouco antes
de chegar a esse céu
se anunciasse.

Sempre quis um amor
que vivesse a felicidade
sem reclamar dela ou disso.

Sempre quis um amor não omisso
e que suas estórias me contasse.
Ah, eu sempre quis uma amor que amasse.

Da Chegada do Amor – Eliza Lucinda

Notas Finais

1Uma alusão aos Santos Cosme e Damião, irmãos gêmeos, morreram por volta de 300 d.C. Crê-se que foram médicos, e sua santidade é atribuída pelo motivo de haverem exercido a medicina sem cobrar por isso, devotados à fé. Na Igreja Católica sua festa é celebrada no dia 27 de setembro. Nas religiões afro-brasileiras, onde são africanizados como entidades infantis, os Erês, espíritos de crianças que que gostam de doces e travessuras.

2A ação é organizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) e acontece em Brasília, sempre no dia 12 de agosto. A data escolhida lembra a morte da trabalhadora rural e líder sindicalista Margarida Maria Alves, assassinada em 1983 quando lutava pelos direitos dos trabalhadores na Paraíba.

3Vem me regar mãe / Vem me regar / Vem me regar mãe, êa / Vem me regar.
Todo santo dia / Pois todo dia é santo / E eu sou uma árvore bonita. / Que precisa ter os teus cuidados
Me regar mãe / Vem me regar / Vem me regar mãe, êa / Vem me regar
E ando sobre a terra / E vivo sob o sol / E as, e as minhas raízes / Eu balanço / Eu balanço / Eu balanço
E ando sobre a terra / E vivo sob o sol / E as, e as minhas raízes / Eu balanço / Eu balanço / Eu balanço
Me regar mãe / Vem me regar / Vem me regar mãe, êa / Vem me regar.

4Te quero só pra mim / Você mora em meu coração / Não me deixe só aqui / esperando mais um verão
Te espero meu bem / Pra gente se amar de novo / Mimar você / Nas quatro estações / Relembrar
O tempo que passamos juntos / Bem bom viver / Andar de mãos dadas / Na beira da praia
Por esse momento / Eu sempre esperei.

5Em várias cenas sobre o cuidado penso no filme “Hotel da Loucura” de Mariano Campos, quando os pacientes cantam uma música com o seguinte refrão: “Cuidar do outro é cuidar de nós

6Sofrendo com inesgotáveis perseguições a suas religiões de origem, os negros e negras escravizados (as) africanizaram o catolicismo, possibilitando que seus ancestrais fossem cultuados. É esse processo de africanização que explica a grandiosidade da devoção aos santos e santas negras. (Souza, 2005).

7Prato da culinária brasileira que pode ser feito com bacalhau, carne moída ou frango. O escondidinho, um preparo que consiste em combinar o recheio com algum purê, levando a mistura ao forno para dourar.

8Abebê, abebé (abébé em ioruba) é o objeto distintivo do poder das mães ancestrais e possui uma similaridade com o abano. Objeto arredondado, assemelhando-se com o ventre feminino, símbolo por excelência do poder gerador. No Candomblé, é utilizado somente pelas iyabás, mas Logunedé e Oxalufâ também o utilizam. Para Oxum, o abebé serve também como espelho. Representa também a vaidade e a beleza destes orixás.

9Bicicleta ou cervejinha são as opções que Violeta fornece a Margarida, quando finalmente consegue convencê-la da importância de voltar ao mundo.

10Trabalhou em diversos segmentos do teatro e do cinema, foi a primeira cineasta negra brasileira e a primeira a dirigir um filme de longa-metragem (Amor maldito, 1984). Iniciou sua vida profissional muito cedo, como comerciária. Em 1969, conseguiu um trabalho como telefonista na DIFILM – distribuidora criada por expoentes do Cinema Novo, como Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Luiz Carlos Barreto –, e já em 1972, consegue frequentar um set de filmagens exercendo várias atividades até assinar produção, roteiro e direção de seus próprios filmes. Hoje, aos 78 anos, Adelia continua produzindo.

11Dirigiu, roteirizou e atuou no curta Elisa (2001), e no média Ator profissão amor (2002) – este último, selecionado para o Festival BR 2003 e para ser exibido na Biblioteca Nacional de Paris no evento França/Brasil 2005. Atuou como atriz no teatro, televisão e cinema tendo participado de mais de cinquenta trabalhos. Faleceu aos 60 anos, no dia 8 de maio de 2008, no Rio de Janeiro.

12Dados da Ancine contabilizam 2206 salas de cinema em 2010. No relatório anual, constam que das 20 maiores bilheterias do ano no país, 17 são dos EUA e apenas três são nacionais. Todos esses filmes ocuparam mais de 10% das salas disponíveis no país, normalmente por períodos maior que um mês. (ANCINE).

Referências

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Café Com Canela, 2017. De Glenda Nicácio e Ary Rosa. Brasil: Bahia

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Buarque, Chico. Angélica. Rio de Janeiro: Warner Chapelli, 1977.

Gomes, Edson. Árvore. Bahia: EMI Music Brasil Ltda, 1991.

Veloso, Caetano. Mimar você. Bahia: Universal Music Ltda, 2012.