Abstract
The communication intends to discuss the use of songs in the film: Arabia (2017) by Affonso Uchôa and João Dumans, their potential as a narrative element and in the evocations of a certain nostalgia, to a certain Brazilian cinematography that thought about the world of work and placed as protagonist the oppressed.
In the film, the character Cristiano (Aristides de Souza) presents himself as an unlikely Benjaminian narrator. Their experiences/memories, their affective bonds, conditioned to a permanent displacement by the imposition of the need of the world of work and escapes. The songs in the film’s fabulation, with its musical discourse and its verbal poetics, trace a path closely linked with the nostalgia and orality of the narrator Cristiano. They carry an affective appropriation but extrapolate the “narcissistic identification” or the “oceanic feeling”, utopianly making present the idealization of a nostalgic representation of the worker and his collective experience.
In the silent cry of its storyteller and the troubadours on guitar circles, the film seeks community life, subjective identity, a common word. Listening to their hearts, the old horses will wake up one day and let the factory burn.
Keywords: Song, Music, Cinema, Narrator, Benjamin
Introdução
No filme Arábia (2017) de Affonso Uchôa e João Dumans, o personagem Cristiano (Aristides de Souza) se apresenta como um narrador benjaminiano improvável, uma Sherazade dos oprimidos. Seus relatos escritos em um caderno, um diário de memórias, na trama são lidos pelo personagem André (Murilo Caliari), que se configura em uma extensão do espectador na função da escuta. Cristiano descreve as suas experiência/lembranças, seus laços afetivos, condicionados a um permanente deslocamento pela imposição da necessidade do mundo do trabalho e fugas. Os vínculos comunitários são efêmeros, mas carregados de afeto na lembrança do personagem.
No contemporâneo onde autores decretaram a morte do narrador, das relações de classes, da experiência, o Erfarhrung benjaminiano (BENJAMIN, 1994); a multidão escravizada pelo Erlebnis (onde o indivíduo solitário do capitalismo e disciplinado por si mesmo, um animal laborans) carrega um tédio profundo (HAN, 2015). O fim do espaço para a experiência e da arte de narrar, de contar histórias, pelas distâncias do narrador e do ouvinte, o triunfo da oikonomia: “corpos inertes atravessados por gigantescos processos de dessubjetivação que não correspondem a nenhuma subjetivação do real” (AGAMBEN, 2009, pg. 49). O ritmo demasiado acelerado balizado para o fim da capacidade humana de assimilação. O fim da comunidade centrada entre vida e palavra, do punctum barthianiano, da memória das tradições comuns e da experiência coletiva. O discurso do narrador é inútil, sua memória onde a escritura da história partia do prazer de contar, aberta e como continuação da vida, se extingui. A contrapelo o filme: Arábia, em sua fabulação, surge carregado de nostalgia (JAMESON, 1997), um antídoto ao Erlebnis, sua narrativa resgata a temática de um legado da cinematografia brasileira, os anseios da classe operária, o imaginário da população pobre brasileira. A busca de vida em comunidade, da experiência com o contador de histórias, Cristiano.
O objetivo da comunicação é discutir a utilização das canções no filme Arábia (2017) como ferramenta narrativa em sua evocação de uma certa nostalgia e as relações com a oralidade e o papel de narrar do protagonista.
A discussão sobre a canção no cinema requer, fatalmente, apresentar uma base inicial de autores norteadores do texto, ainda mais pelo hibridismo entre os estudos da musicologia e cinema. Ainda em fase inicial e carregada de ingênua fragilidade, o texto não tem a pretensão de um mapeamento totalizante sobre o campo teórico da música e cinema. Me balizo partindo para a análise das potências narrativas das canções, no recorte de textos dos pesquisadores: Suzana Reck Miranda, Marcia Carvalho, Edison Delmiro Silva, autores que ajudaram na elaboração da comunicação a aprofundar um referente bibliográfico canônico e a textos mais recentes sobre o tema. Além dos obrigatórios Michel Chion e Claudia Gorbman.
No próximo tópico apresento um brevíssimo apontamento condutor de ideias no campo teórico, caminho para uma discussão da aplicação formal das canções no filme, seguido pela análise do objeto e as primeiras conclusões iniciais, passível de críticas e comentários para ampliação de possiblidades para um aprofundamento na discussão.
Articulação teórica e definições das ferramentas para análise
O filme Arábia se configura em utilizar canções já existentes, a pesquisadora Marcia Carvalho da Silvia aponta que o uso de trilhas adaptadas, com canções não originais na cinematografia brasileiro, foi amplamente aplicado (aspecto generalista, com consciência de obras em exceção no panorama histórico) na década de 70 com o cinema marginal, ora pela à falta de recursos financeiros ou na aplicação estética com as práticas da colagem, com a uso intertextual da canção e a quebra da associação tradicional do som e imagem (SILVIA, 2003). Mas a partir de 2000, ela identifica: “o emprego da canção para a construção sonora de uma época, colocando em destaque a aplicação prática das técnicas de pesquisa musical e a elaboração de paisagens sonoras” (SILVIA, pg.9, 2003). O pesquisador Edilson Silva também comenta sobre periodo de 2000: “A música em cena adquires o papel narrativo proposto pelo cineasta e pode até adquirir novo sentido ou função totalmente distinta do que originalmente foi concebido pelo seu compositor” (SILVA, pg. 3, 2008).
Em relação a períodos marcantes em que as canções foram elemento de destaque no cinema nacional e em conformidade com a indústria fonográfica brasileira, Edilson Silva, destaca: a Chanchada, a Jovem Guarda e o ressurgimento do pop-rock nacional no início dos anos 1980 (SILVA, pg. 2, 2008).
A pesquisadora Suzana Reck Miranda em sua dissertação de mestrado: A música no cinema e a música do cinema de Krzysztof Kieslowski (1998), destaca naquele momento uma pequena abrangência de estudos da música no cinema nas publicações brasileiras e posteriormente, ela em seus estudos, busca refletir e discutir a constituição de um campo teórico da música e cinema,
Os estudos de Miranda, essenciais, norteiam ainda as possibilidades da análise do som e música nas peças audiovisuais em uma trajetória que mapeia textos canônicos e contemporâneos para uma maior visibilidade da área de pesquisa que permeia vários setores do conhecimento, exigindo uma postura transdisciplinar. Da abrangente discussão dos textos, recorto alguns elementos de aplicação formal, direcionados ao tema da canção para a articulação desta análise.
Desde os seus primórdios os estudos de som no audiovisual partiam da separação em: diálogos, música e ruído; instrumental que baliza a chamada narrativa clássica.
(...) a música costuma indicar como devemos ler cada cena emocionalmente, além de poder dar pistas pontuais como, por exemplo, o local e a época em que se passa uma narrativa. (MIRANDA e PEREIRA, pg 172, 2016).
Aqui um brevíssimo percurso histórico da música no cinema; em seu surgimento, era aplicada com acompanhamento ininterrupto, com o advento do cinema sonoro e o recurso da sincronia, predomina a verossimilhança na utilização musical, mas com as limitações tecnológicas que prejudicavam a mixagem do diálogo, o uso do ruído e da música para a compreensão do espectador. Com a criação do som estéreo e novos recursos tecnológicos geraram um melhor entendimento para o espectador da tríade ruídos, diálogos e música, novas obras reconfiguraram a subordinação impositiva da narrativa clássica de uma verossimilhança sonora.
Na discussão da canção é necessária retomar Claudia Gordman, leitura essencial para as pesquisas sobre a música no cinema, como aponta Suzana Reck (MIRANDA, 2018), Unheard Melodies de Gordman (GORBMAN, 1987), foi o pioneiro em abordar a discussão da teoria do cinema, mas também as questões musicológicas, gerando impactos na teoria da música e cinema. Gordman analisa em suas pesquisas o modelo clássico do cinema americano em destaque o compositor Maximilian Raoul Walter Steiner (1888 -1971), e marcas estilísticas da sua obra como a aplicação do mickeymousing, o leitmotiv (tradição wagnariana) e a sourse music.
Ela elaborou uma classificação do potencial narrativo da música no cinema clássico na relação da composição, edição e mixagem das músicas:
- invisibility – dispositivo técnico da música não é visto;
- “inaudibility” – música não se destaca, imperceptível;
- signifier of emotion – carrega o significante de emoção;
- narrative cueing - demarca um limite narrativo –referencial ou conotativa;
- continuity – tem efeito de continuidade;
- Unity – efeito de unidade;
- A possibilidade de uma violação das categorias pelas necessidades narrativas.
Para a análise da canção partimos inicialmente da definição proferida da música e a sua relação emocional e afetiva, aplicando a canônica categorização da Gordman e o suas ideias da música como elemento que causa uma fusão entre o espectador e a diegese da narrativa “uma identificação narcisística com o filme” (MIRANDA, 2011). Resgatando também as ideias de Michel Chion na perspectiva do valor agregado a música (a percepção diferente da associação da música e imagem do que eles apresentados de forma separada) e o potencial das linhas expressivas do som como unificação e pontuação (CHION, 2011).
Breve análise da utilização das canções no filme Arábia
A análise parte de uma decupagem/minutagem das canções no corpo do filme e breve comentário e a sua relação com os tópicos teóricos.
Em 1’08’’- 3’45’’ – IMAGEM: Em Plano sequência a abertura do filme e créditos iniciais, o personagem André andando de bicicleta em uma estrada. Variação de escala entre primeiro plano, médio e geral.
SOM: Música- Em primeiro plano sonora a música Blues run the game com a intepretação de Jackson C. Frank. Sem diálogos e ruídos em segundo plano sonoro. Edição da música com a função de dar a impressão de que ela foi apresentada na integra (duração original: 3’31’’, utilizado no filme 2’ 37”).
Nesta cena, a única canção estrangeira, Blues run the game (1965), em primeiro plano sonoro, extradiegética (invisibility). A canção aparece no filme em dois momentos (decupagem do segundo momento posteriormente no texto), ela retorna na cena que Cristiano deixa o emprego da tecelagem (se separando de Ana) e se desloca em caronas para a busca de outra cidade e trabalho. Também a única música que aparece nas duas linhas narrativas no prólogo conduzido pelo personagem de André e o desenvolvido por Cristiano. André e um jovem desconectado da comunidade de onde vive, solitário. Cristiano no final do final relata as impressões sobre André: Eu vejo sempre aqui na vila, está sempre sozinho, parece que não gosta da vila. Fiquei com pena dele eu sei como crescer sem o país por perto (...) a fábrica tira a esperança das pessoas. Deve ser triste crescer assim.
A impressão é que a canção pontua uma sensação de tristeza, deslocamento dos dois personagens, ainda se resgatarmos para associação a vida dura de seu intérprete e compositor, Jackson C. Frank, que viveu na pobreza, com inúmeras tragédias, morando na rua. Além da letra que descreve textualmente o deslocamento, onde a tristeza comanda o jogo. Sensação confirmada por um dos diretores, João Dumans, em entrevista: “Algumas pessoas acham estranho abrirmos um filme brasileiro com música norte-americana. O filme vai reconduzir essa canção às suas origens. Ela tem tudo a ver com a vida dos trabalhadores comuns, dos peões que estão na estrada em busca de trabalho”.
Em 24’11” – 26’ – IMAGEM: Plano médio do personagem Cascão em uma cela no presidio; plano geral de Cristiano em um campo de futebol de várzea no Bairro Nacional.
SOM: Música: Em primeiro plano sonoro, instrumental inicial até a entrada da voz over do personagem Cristiano, Três Apitos (Noel Rosa).
SOM: Diálogo: Voz over do personagem Cristiano: Quando vocês pediram pra gente escrever alguma coisa da nossa vida. Eu achei que não tinha nada para contar e até agora não sei se tenho.
IMAGEM: Plano Geral de Cristiano andando em um terreno.
SOM: Música: A intepretação vocal de Maria Bethânia, os primeiros versos:
Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
SOM: Diálogo: Voz over do personagem Cristiano, aqui em primeiro plano sobrepondo a música e a interpretação vocal de Maria Bethânia.
Mas depois de um tempo eu fui tomando gosto pensar nas coisas que me aconteceram. Comecei a pensar em tudo que tinha visto nas cidades que conheci e em todo mundo que conheci no caminho e comecei a pensar na Ana e fiquei pensando em todas as coisas que vivi essa história era a que mais ia gostar de escrever. A história de como a vida me levou até a Ana
IMAGEM: Plano Geral de Cristiano corta para plano geral do personagem andando na estrada
SOM: Diálogo: Voz over do personagem Cristiano, aqui em primeiro plano sobrepondo a música e a interpretação vocal de Maria Bethânia.
Mas para falar da Ana eu preciso primeiro contar a história de como eu peguei a estrada depois que que eu saí da prisão. A história de como me defendi no trecho
IMAGEM: Cristiano sentado fumando em primeiro plano
SOM: Diálogo: Voz over do personagem Cristiano, em primeiro plano sobrepondo a música e a interpretação vocal de Maria Bethânia. Fade out da música.
De como eu ganhei e perdi. A história de como eu comecei a pensar na minha sorte e num monte de coisa que eu não pensava antes
SOM: Ruído - Sobe ambiente de uma autoestrada movimentada.
Além Blues run the game, Três Apitos (Noel Rosa) aparece no filme duas vezes, mas apenas na linha narrativa de Cristiano. Surge quando o protagonista lembra de Ana, com uma função marcada de um leitmotiv e pontuação. Aqui indicado pelo depoimento do diretor Affonso Uchôa: “Quanto às músicas, elas sempre estiveram no roteiro, principalmente as populares, que aludem a uma vida interiorana e pobre. As canções não dizem respeito apenas ao clima. A letra é importante, sua faceta literária. A música da Bethânia, por exemplo, é fundamental, pois traz outra forma de contar a história do Cristiano e da Anna”.
Boa parte das canções do filme tem em sua composição, um caráter de narração, mas diferente do Homem na estrada com narrador onipresente aqui nesta canção coloca como o narrador a representação do compositor (marcado pelos versos: Que enquanto você faz pano. Faço junto do piano. Estes versos pra você), personagem da burguesia carioca em contraponto a personagem da operária de tecelagem. No seu contexto de composição podemos pensar no seu olhar de cancioneiro sobre o impacto da modernidade. Mas sem aprofundar em nuances implícitas na sua composição, apontado por Guto Leite com “doses de violência e arbítrio na relação das classes sociais” (LEITE, 2017). No filme a canção tem um olhar nostálgico e idealizado, na performace de Maria Bethânia com Rosinha Valença no violão de 1965. Gravado em um compacto triplo, após seu primeiro álbum Maria Bethânia (Carcará, Mora da Filosofia) e no mesmo ano que participa do espetáculo Tempo de guerra (Augusto Boal). Com Bethânia a simbologia se reconfigura além da canção de amor, para um outro sentido da representação do trabalhador. Mas se no significante de emoção proposto por Gordman, a música é subordinada à narrativa e aos diálogos, transparente, no filme ela surge em outra camada, carregada de nostalgia utópica e idealizada, mesmo que tecnicamente subordinada a um plano secundário, pela potência da voz do narrador Cristiano.
Em 31’50” -32’5”’ IMAGEM: Plano Geral de um roçado corta para plano geral de Cristiano sentado na varanda da casa do seu primo Renan no violão toca e canta.
SOM: Música: Interpretação diegética do personagem Renan com a canção: Caminheiro (Anair de Castro Tolentino)
Caminheiro que lá vai indo
Pro rumo da minha terra
Por favor faça parada
Na casa branca da serra
Ali mora uma velhinha
Chorando um filho seu
Esta velha é minha mãe
E o seu filho sou eu
Vai caminheiro
Leva este recado meu
SOM: Ruído em segundo plano
Em 34’15” -32’5”’ IMAGEM: Primeiro plano do personagem Cristiano sentado tocando violão e cantando.
SOM: Música: Interpretação diegética do personagem Cristiano com a canção: Homem na Estrada (Mano Brown).
SOM: Ruído em segundo plano.
Um homem na estrada recomeça sua vida
Sua finalidade a sua liberdade
Que foi perdida, subtraída
E quer provar a si mesmo que realmente mudou
Que se recuperou e quer viver em paz
Não olhar para trás
Dizer ao crime: nunca mais!
Pois sua infância não foi um mar de rosas, não
Na FEBEM, lembranças dolorosas, então
Sim, ganhar dinheiro, ficar rico, enfim
Muitos morreram sim, sonhando alto assim
Me digam quem é feliz
Quem não se desespera vendo
Nascer seu filho no berço da miséria
Um lugar onde só tinham como atração
O bar, e o candomblé pra se tomar a benção
Esse é o palco da história que por mim será contada
Um homem na estrada.
Na diegese da canção Caminheiro (Anair de Castro Tolentino) interpretada pelo personagem Renan e em Homem na estrada (Mano Brown) pelo personagem de Cristiano, temos de forma objetiva a voz dos personagens, a potencialidade do narrador, marca do filme. No filme as rodas de violão, como os antigos velhos em uma fogueira compartilham seus vínculos, afetos, lembranças e a experiência coletiva. Renan instrumentalizado pela canção descreve o sentimento do trabalhador do campo. Canções já pré-definidas no roteiro e como apontado anteriormente em depoimento do diretor Affonso Uchôa.
Em contraponto Cristiano como o personagem de Homem da estrada, é um ex-presidiário, pobre que tenta reconstruir a sua vida. Em suas vozes temos o aprofundamento dos personagens, oriundos da periferia em seus retratos no campo e nas cidades.
Em 44’33” -32’5”’ IMAGEM: Trabalhadores em seu alojamento relaxando, um personagem com o violão e os outros cantando, fumando e bebendo. Articulação de planos médios e primeiro plano
SOM: Música: Interpretação diegética dos operários com a canção: Cowboy fora da lei (Raul Seixas e Cláudio Roberto)
Papai, não quero ser prefeito
Pode ser que eu seja eleito
E alguém pode querer me assassinar
Eu não preciso ler jornais
Mentir sozinho eu sou capaz
Não quero ir de encontro ao azar
Papai não quero provar nada
Eu já servi à Pátria amada
E todo mundo cobra minha luz
Oh, coitado, foi tão cedo
Deus me livre, eu tenho medo
Morrer dependurado numa cruz
Eu não sou besta pra tirar onda de herói
Sou vacinado, eu sou cowboy
Cowboy fora da lei
Durango Kid só existe no gibi
E quem quiser que fique aqui
E entrar pra história é com vocês
SOM: Ruído em segundo plano.
Em 46’30” -32’5”’ IMAGEM: Luizinho em plano médio, tira maconha escondida para compartilhar com os colegas
SOM: Música: Interpretação diegética do operário com o violão: Three Little Birds (Bob Marley).
don’t worry
SOM: Diálogo: Personagem Luizinho:
Esse veio diretamente da minha casa no quintal do Bob Marley
SOM: Ruído em segundo plano.
Nesta sequência retomamos a utilização da roda de violão e a sua potencialidade da busca de vida em comunidade, da experiência com os contadores de histórias com as canções. Cowboy fora da lei em uma análise hermenêutica e subjetiva, um confronto da relação do herói na ficção (Durango Kid) e as pessoas comuns, personagens que lutam para sobreviver, um detalhe nesta cena Cristiano está com uma camiseta de Che Guevara. Em Three Little Birds (Bob Marley) a utilização é mais pragmática em relação a canção e o sentido pejorativo ao ouvinte na relação do reggae e cannabis.
Em 50’44” -32’5”’ IMAGEM: Primeiro plano do personagem Nato após ler uma carta de sua mãe para seus colegas de dormitório, planos gerais da estrada, primeiro plano de uma prostituta sentada fumando um cigarro.
SOM: Música: Raízes (Renato Teixeira) com interpretação de Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho.
SOM: Diálogo: Voz over do personagem Cristiano, aqui em primeiro plano sobrepondo a música e a interpretação vocal de Renato Teixeira.
Eu e o Nato rodamos o trecho juntos por quase três anos. Santo Deus neste meio tempo fiz tudo que um homem pode fazer. Embalei compra, fiz carreto, colhi tomate, arranquei feijão e aprendi a consertar motor. Mudei de casa não sei quantas vezes. Dormi em pensão, ferro velho e em loja abandonada. Me ajuntei com os desabrigados da chuva em Itajubá. Dividi o teto com gente pobre e doente. Até uma igreja evangélica frequentei. Mas só por dois domingos. Conheci muita gente. Gente honesta, vigarista, pobre, rica, também gente agradável. Todo mundo tinha uma história, até os mais calados.
SOM: Música: Raízes com interpretação de Renato Teixeira, Pena Branca e Xavantinho em primeiro plano
Amanhecer é uma lição do universo
Que nos ensina que é preciso renascer
O novo amanhece, o novo
IMAGEM: Primeiro plano da personagem prostituta 01 sentada fumando um cigarro, plano conjunto da personagem prostituta 02 na varanda fumando
SOM: Diálogo: Voz over do personagem Cristiano, aqui em primeiro plano sobrepondo a música e a interpretação vocal de Renato Teixeira.
A estrada era minha casa, quase não acredito que vivi tanto tempo assim. Mas nada disso mexeu tanto na minha cabeça quanto uma coisa que aconteceu um dia. Quando eu trabalhava com o Nato em um bar em Mirabela perto de Montes Claros
IMAGEM: Plano conjunto de um casal em uma cama no prostibulo, Nato e Cristiano em plano geral observando o prostibulo para um serviço de reforma
SOM: Música: Raízes com interpretação de Renato Teixeira em primeiro plano
como perolas ao Sol
Tem uma nuvem que caminha pras montanhas
Se enfiando feito alma por dentro do matagal
E quanto mais a luz vai invadindo a Terra
O que a noite não revela, o dia mostra pra mim
A rádio agora tá tocando Rancho Fundo
Somos só eu e o mundo e tudo começa aqui
Amanhecer é uma lição do universo
Que nos ensina que é preciso renascer
O novo amanhece, o novo amanhece
SOM: Diálogo: Voz over do personagem Cristiano, aqui em primeiro plano sobrepondo a música e a interpretação vocal de Renato Teixeira.
O serviço tinha dado uma esfriada. Eu e o Nato estávamos duas semanas sem trabalho. Acabou que aceitamos em fazer uma reforma no puteiro da dona Olga.
SOM: Ruído em segundo plano.
A utilização de Raízes (Renato Teixeira) tem o seu significante como descrito por Uchoa de aludir a uma vida interiorana e pobre. Além das relações da efemeridade e deslocamento do personagem, ao novo amanhecer.
Em 65’ 00” -65’40”’ IMAGEM: Parque de diversão, Cristiano e Ana detalhe das mãos em barraquinha de jogo. Plano médio
SOM: Música diegética – Estrada da Vida (Milionário e José Rico)
SOM: Ruído diegese do espaço
SOM: Diálogo: Ana: Quantos pontos que a gente fez?
Cristiano: Vamos lá 5, 5 , 10, 16.
Ana: 28.
Cristiano: 16, 28.
Ana: qual que a gente vai querer?
Cristiano: Você pode escolher.
Ana: Gostei deste violãozinho.
SOM: Música Três apitos sincronia com diálogo (elemento visual vioão), primeiros acordes de violão e se coloca em segundo plano
SOM: Diálogo: Voz Over de Cristiano
Por Deus do céu dava tudo que eu tenho para voltar a este dia para este parque.
IMAGEM: Casal em plano médio, primeiro beijo, Cristiano caminhando para a Fábrica. Em plano médio o casal na saída da fábrica. Primeiro plano Cristiano trabalhando na tecelagem.
SOM: Música Três apitos em primeiro plano
Quando o apito
Da fábrica de tecidos
Vem ferir os meus ouvidos
Eu me lembro de você
Mas, você anda
Sem dúvida, bem zangada
E está interessada
Em fingir que não me vê
Você que atende ao apito
De uma chaminé de barro
Por quê não atende ao grito, tão aflito
Da buzina do meu carro?
Você, no inverno
Sem meias, vai pro trabalho
Não faz fé com agasalho
Nem no frio você crê
Mas, você é mesmo
Artigo que não se imita
A música Estrada da Vida (Milionário e José Rico) tem um caráter de diegese e atmosfera ao espaço. Três apitos (Noel Rosa), extradiegética, retomada com função de associação com a lembrança da personagem Ana, com apontado anteriormente.
Em 71’ 03” -65’40”’ IMAGEM: Plano geral da estrada do ponto de vista de Cristiano em um caminhão á noite.
SOM: Música Blues run the game com a intepretação de Jackson C. Frank– diegética do rádio do caminhão
IMAGEM: O caminhoneiro do ponto de vista de Cristiano no banco de passageiro. Plano detalhe do volante. Primeiro plano de Cristiano sentando no banco de passageiro
SOM: Música Blues run the game com a intepretação de Jackson C. Frank– em segundo plano da voz over
SOM: Ruído também me segundo plano.
SOM: Diálogo – Voz over de Cristiano:
A Ana foi a mulher que mais amei na minha vida. Toda vez que escrevo neste caderno eu lembro dela. Ela que sabia escrever de verdade. Ela dizia tudo do jeito certo de dizer. Eu tento. Mas nunca acerto. Eu sempre pensei no que aconteceu com a gente. Mas nunca tinha achado um jeito certo de falar do que sentia. Só agora escrevendo neste caderno, eu começo a entender.
IMAGEM: Plano geral de uma estrada movimenta à noite, primeiro plano de Cristiano sentado na beira da estrada a espera de uma carona
SOM: Música Blues run the game com a intepretação de Jackson C. Frank– em primeiro plano – Música editada.
Try another city babe
Another town
Wherever I have gone
Wherever I’ve been and gone
Wherever I have gone
The blues come followin’ down
Maybe tomorrow honey
Somewhere down the line
I’ll wake up older
So much older mama
I’ll wake up older
And I’ll just stop all my trying
SOM: Ruído também me segundo plano.
Retorno da canção Blues run the game (Jackson C. Frank) que pontua uma sensação de tristeza, deslocamento de Cristiano.
Em 82’ 12” -83’’36”’ IMAGEM: Rapaz de costa e plano médio observando um senhor tocando violão. Plano geral do personagem Osvaldo tocando violão
SOM: Música diegética – Marina (Dorival Caymmi) interpretado por Osvaldo do violão.
SOM: Ruído diegese do espaço
Marina, morena
Marina, você se pintou
Marina, você faça tudo
Mas faça um favor
Não pinte esse rosto que eu gosto
Que eu gosto e que é só meu
Marina, você já é bonita
Com o que deus lhe deu
Me aborreci, me zanguei
Já não posso falar
E quando eu me zango, marina
Não sei perdoar
Eu já desculpei muita coisa
Você não arranjava outra igual
Desculpe, marina, morena
Mas eu tô de mal.
A canção Marina (Dorival Caymmi) que narra um homem fragilizado por uma mulher, sem aprofundar na questão a maquiagem e misoginia, ela tem uma postura mais de criar um clima e uma sensação do personagem.
Conclusão
A canção em primeiro plano impositivo ou imerso ao fundo, carrega as suas potencialidades de conduzir, argumentar, subverter seja na atmosfera, no tempo, no sentido.
O filme Arábia se apropria das canções, na sua fabulação, no seu discurso musical e na sua poética verbal, em um caminho intimamente ligado com a nostalgia e a oralidade do narrador Cristiano. As canções carregam uma apropriação afetiva, mas extrapola a “identificação narcisística” ou o “sentimento oceânico” incluindo uma camada extra da relação do contexto, discurso e uma nostalgia. Presentificando utopicamente a idealização de uma representação nostálgica do trabalhador.
No grito silencioso do seu contador de história e dos trovadores em rodas de violão, busca a vida em comunidade, uma reconstrução da memória, da identidade subjetiva, da experiência, uma palavra comum. Ouvindo os seus corações, os cavalos velhos, um dia acordaram e deixarão a fábrica queimar.
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