Abstract
In the year of the centennial of Sophia de Mello Breyner, we accessed to numerous initiatives that have the intent of honoring the author. Among them, we name the edition of “A Menina do Mar”, “A Floresta”, “A Fada Oriana” and “O Menino de Bronze”, that have always inspired the imagination of children. We also find numerous proposals that shows the inspiration of the composers and artists on the author’s texts, namely “A Menina do Mar”.
The metamorphosis into a musical short story in Ayres de Abreu’s 2019 version was for us the starting point for a broader search for other versions of the work. It should be noted that not only Ayres de Abreu is interested in the work, but Sassetti and Raposo, as well as Lopes-Graça, understand the treasure of its speech and imaginary sound, musical, plastic and visual richness.
In this context, we intend to reflect on the way how Lopes-Graça approaches the text, but also Sassetti and Raposo, as well as Ayres de Abreu. We want to know how they inform it, through conceiving different performance registers of the work. From its analysis, we intend to assess the solutions, as well as the evolution proposed in them. How are the successive episodes of the narrative treated? How are the speeches in the text informed? Faced with an intense and peculiar language like Sophia’s, we expect to find out to what extent A Menina do Mar (re)says and (re)interprets itself in the proposed performative versions.
Keywords: A Menina do Mar, Musical speech, Performance, Fernando Lopes-Graça, Bernardo Sassetti, Filipe Raposo, Edward Ayres de Abreu
Introdução
Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no seio de uma família aristocrática a 6 de novembro de 1919 no Porto. Nesta cidade passou a sua infância realizando os seus estudos iniciais. Os seus pais, João Andresen e Maria Amélia de Mello Breyner, facultaram-lhe as condições necessárias ao desenvolvimento das suas faculdades pois que, para além de uma forte sensibilidade crítica e artística, procediam de famílias onde as condições económicas permitiam um usufruir do conhecimento e da arte1. Depois da sua formação base estuda, entre 1936 e 1939, Filosofia Clássica na Universidade de Lisboa 2. Enquanto estudante participa ativamente em diversos movimentos académicos e universitários, facto que denuncia uma sua inquietação e sensibilidade 3. Em 1940 publica os primeiros versos nos “Cadernos de Poesia”. Em livro só publicou em 1944 graças ao esforço e dedicação de um grupo de amigos, entre os quais Fernando Valle Teixeira, originário de Lamego, e que vivia em Coimbra à época. Fazia parte de um grupo de grandes amigos de Sophia que eram igualmente os seus conselheiros poéticos. Entre eles encontramos António Calém, José Zarco da Câmara (Ribeira Grande: entre os amigos era o Zé Ribeira) e Ernesto Veiga de Oliveira. Em Fevereiro de 1944, Fernando Valle convida Sophia a ouvir uma conferência de Miguel Torga o qual mostrou grande interesse em conhecer os poemas da autora. Sophia enviou-lhe alguns. Perante o entusiasmo de Torga, aceitou publicar o primeiro livro, Poesia (edição de autor), que saiu no início de Agosto de 1944. A partir de 1944 dedica-se à literatura, nesse mesmo ano escreve diversas poesias, entre elas, “O Jardim e a Casa”, “Casa Branca”, “O Jardim Perdido” e “Jardim e a Noite”, obras que recordam a infância e juventude. Em 1946 casou-se com Francisco Souza Tavares (1920-1993), mudando-se para Lisboa. Tiveram cinco filhos, facto que a motivou a escrever para crianças dando seguimento à criação de uma série de contos infantis, entre eles, “A Menina do Mar” (1958) alvo do nosso interesse e análise, “A Fada Oriana” (1958), “Noite de Natal” (1959), “O Cavaleiro da Dinamarca” (1964), “O Rapaz de Bronze” (1965), “A Floresta” (1968), “O Tesouro” (1970) ou “A Árvore” (1985).
Ao longo da sua escrita Sophia de Mello Breyner Andresen denota uma sólida cultura literária, observando-se uma enorme paixão pela cultura grega, facto que transparece em alguns elementos da sua escrita como sejam os mitos e os símbolos que nela descerra 4. Alguns temas são constantes. Entre eles sobressaem os temas ligados à natureza, ao tempos e lugares, como sejam a cidade, a infância e o mar. Marcando várias gerações, o conjunto da sua obra, para crianças e não só, tornou-se um clássico da literatura infantil, integrando o plano nacional de leitura. O interesse que desponta faz com que seja recuperada por diferentes autores e gerações de artistas na enunciação e criação de propostas diferenciadores de cultura e arte. Entre elas enunciamos a aqui evidenciadas como sejam a proposta de Fernando Lopes-Graça, Bernardo Sassetti ou Edward Ayres de Abreu. Neste sentido, e fruto das comemorações do centenário do seu nascimento, vimos proliferar um conjunto de iniciativas culturais das quais resultam a criação de várias versões de “A Menina do Mar” da autora. Destacamos as propostas de narração de Beatriz Batarda com música de Bernardo Sassetti (2010) 5, ou aquela proposta por Carla Galvão, Filipe Raposo e Beatriz Bagulho a partir de música de Bernardo Sassetti apresentada no Centro Cultural de Belém (2020) 6.
Sophia de Mello Breyner recebeu diversos prémios e distinções, entre eles, o título Honoris Causa, em 1998, pela Universidade de Aveiro, o Prémio Camões (1999), o Prémio de Poesia Max Jacob (2001) e o Prémio Rainha Sofia de Poesia Ibero-Americana em 2003. No dia que se celebrou o seu centenário, a 6 de novembro de 2019, é-lhe concedido o Grande-Colar da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada. Surge ainda uma edição comemorativa muito especial e limitada de “A Menina do Mar”, com livro, CD e DVD. Nesta edição descobrimos o texto daquele que foi o primeiro livro infantil de Sophia, publicado em 1958. Encontramos também o registo que em 1961, a Valentim de Carvalho lançou da leitura dramatizada do original de “A Menina do Mar”, encenada por Artur Ramos, com interpretações de Eunice Muñoz, Francisca Maria, António David e Luís Horta, e música de Fernando Lopes-Graça. A 30 de Agosto de 2019, com o Alto Patrocínio da Presidência da República, a Valentim de Carvalho disponibiliza uma edição inédita de “A Menina do Mar”, onde ao texto original se acrescentam uma nova capa e ilustrações de Beatriz Bagulho, bem como a reedição em CD da leitura de 1961, e o DVD do espetáculo gravado ao vivo no São Luiz Teatro Municipal em Fevereiro desse ano (2019). O espetáculo, criado por Carla Galvão, Filipe Raposo e Beatriz Bagulho, surge com música criada por Filipe Raposo a partir de música de Bernardo Sassetti.
No que concerne as diferentes propostas de obra, assentes na relevância da autora e do texto, e da publicação da Valentim de Carvalho de 2019, mostram-se elucidativas as palavras de Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República de Portugal à época, no prefácio da edição:
Diferentes leituras, diferentes gerações e diferentes métodos de revisitar um texto fundador, que está no mar com saudades da terra, na terra com saudades do mar. E que, por artes de fantasia, ou da poesia, faz do rapaz solitário e da menina órfã uma unidade anunciada, forte como um polvo, sábia como um caranguejo e feliz como um peixe”.
(Mello Breyner Andresen 2019, s.p.)
Inspirando-se num género específico de literatura infantil - os Contos de Fada, Sophia de Mello Breyner escreve “A Menina do Mar” decorre o ano de 1958. O conto de fadas revela-se um género literário que permite o desenvolvimento do imaginário infantil e, sobretudo, da leitura e da narração, questões de primaz importância à época para a autora, bem como para os diferentes autores que criam, e recriam, as diferentes propostas de obra ao longo dos anos vindoiros. Através da narração de uma história que, por ser infantil e pertencer a um género literário em particular, possui contornos narrativos próprios, vemos a possibilidade de um confronto da criança, neste caso aquele que ouve, ao vivenciar a narração, com diversas personagens, realidades, tempos, espaços, medos, traumas e aspirações, que, de outro modo não seria possível. Em outro, e por via de uma resolução da história que se quer positiva, a criança aprende a lidar com as questões colocadas na história narrada, de modo a adquirir as ferramentas comportamentais e emocionais de que necessita. A sua educação se realiza, nas questões vivenciadas pelos protagonistas, nos seus medos, traumas, incertezas e aspirações trabalhados na história proposta, para desenvolver, na criança, uma possibilidade de aquisição emocional e comportamental e, a consequente, solução.
De forma a não estarmos à mercê dos caprichos da vida, é preciso aperfeiçoarmos recursos interiores, para que as nossas emoções, imaginação e intelecto se apoiem e enriqueçam mutuamente. Os sentimentos positivos dão-nos força para ampliar a nossa racionalidade, pois só a esperança no futuro nos pode sustentar nas adversidades que inevitavelmente encontramos, tornando-se o conto de fadas um elemento fundamental na vivência de quem os frui e narra (Bettelheim 1998, 10). A aquisição de diversas habilidades, sejam de natureza cognitiva, emotiva ou vivencial, passa pelo ato da leitura e construção de conhecimento a partir da história e do conto infantil, bem como dos ideários e imaginários neles descritos. Contudo, a aquisição dessas habilidades, principalmente a da leitura, perde valor quando o que se aprende não acrescenta nada de novo ao que já detemos, e mais importante ainda, não promove o nosso desenvolvimento intelectual, emotivo e social. Assim, a leitura de contos e narrativas infantis que incluam conteúdo emocional, moral e ético revela-se importante para o desenvolvimento psicossocial da criança. Simultaneamente, para que uma história prenda a atenção, torna-se necessário que ela distraia, mas que também desperte a atenção e a curiosidade do ouvinte e espectador. Para que a sua existência saia enriquecida, é necessário que ela estimule a imaginação ajudando ao desenvolvimento do intelecto, esclarecendo, positivamente, as nossas emoções. Neste sentido, a narrativa deve
estar sintonizada com as suas angústias e as suas aspirações; tem de reconhecer plenamente as suas dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a perturbam. Em suma, precisa de estar simultaneamente relacionada com todos os aspetos da sua personalidade e isto sem nunca amesquinhar, mas, pelo contrário, dando todo o crédito à seriedade das suas exigências e dando-lhe conjuntamente confiança em si própria e no futuro. [...] Neste e noutros aspetos [...] nada é mais satisfatório, quer para a criança quer para o adulto, do que o popular conto de fadas (Bettelheim 1998, 11).
Quando alvo do interesse de outros criadores de modo a construir registos diversos do escrito, enriquece-se e torna-se o alvo de interesse de diferentes gerações. Neste fazer surgem os registos aqui enunciados: para narrador e registo sonoro (Fernando Lopes-Graça); para narrador e música ao vivo (Bernardo Sassetti); para narradores, orquestra, maestro, músicos e elementos multimédia (Edward Luiz Ayres d’Abreu).
Fruto de um interesse manifesto por parte dos autores por este género literário, e da obra em particular, surge um conjunto de obras com base no texto descrito. Revelando as características técnicas e estilísticas dos seus autores, constituem-se em propostas sonoras e visuais de inegável interesse e conteúdo estético. Obras que denotam uma intenção formativa e moralizante marcada, por via da narração proposta, vemos, nas propostas de Bernardo Sassetti e Edward Luiz Ayres d’Abreu sobressair a componente visual e multimédia.
No que concerne a obra aqui em análise, podemos afirmar sem dúvida que a pertinência da sua história estará certamente ligada à necessidade, que atravessa todas as épocas,
[...] de uma educação moral em que com subtileza apenas se lhe transmitam [à criança e a quem lê a narrativa], as vantagens de um comportamento moral, não através de conceitos éticos abstractos mas através do que parece palpavelmente acertado e portanto com sentido para a criança (Bettelheim 1998, 12).
Ao longo dos séculos (senão milénios), contados e recontados, os contos de fadas foram-se refinando cada vez mais
e acabaram por transmitir, ao mesmo tempo, significações – manifestas e latentes – dirigindo-se simultaneamente a todos os níveis da personalidade humana e comunicando de uma forma que chega ao espírito inculto da criança, assim como ao do adulto sofisticado (Bettelheim 1998, 12).
A palavra conto deriva do latim de
computu(m), contu(m), cálculo, conta ou commentu(m), invenção, ficção. Para Baião o conto é uma narrativa “de génese desconhecida e remonta aos primórdios da própria arte literária. Na Idade Média, já era mencionado como “enumeração de fatos”, “relato”, “narrativa”, embora não guardasse nenhum vínculo com a literatura. (Baião 2005, 47).
Por outro lado, a palavra fada, naturalmente associada a um contexto fantasioso e sobrenatural,
provém do verbo fatare, encantar, e do substantivo fatum, fado ou destino, ambos oriundos do latim. Às fadas, seres dotados de poderes mágicos, cabia a tarefa de zelar pela sorte e pelo destino dos humanos orientando-os desde o seu nascimento. As fadas, e o imaginário a elas adstrito, estão presentes em quase todas as culturas, povoando, por isso, o imaginário de todos (Baião 2005, 50).
Ao reescrever contos de fadas, um autor tem como intenção, revelada por, pelo menos um verso ao final de cada conto, a criação de um discurso focado em valores morais com a pretensão de estabelecer princípios de boa conduta e de ressaltar virtudes indispensáveis à formação do indivíduo (Baião, 2005). Sophia de Mello Breyner também.
As propostas de “A Menina do Mar”, na sua mestria e diversidade, revelam um poder que se mostra encantatório, e que advém, no nosso entender, não só do imaginário proposto por Sophia de Mello Breyner Andresen, como na narração, na música, nos figurinos e nos cenários criados para uma sua representação (Bernardo Sassetti e Edward Luiz Ayres d’Abreu). As figuras, os cenários e as sonoridades, tornam-se encantatórios, e, construídos, harmonizados e concordantes com as possibilidades dos instrumentos e/ou conjuntos instrumentos e/ou orquestra para os quais foram escritas. Enunciando atmosferas sonoras diversas, enquadradas nos ambientes descritos no texto, fortalecem a componente descritiva, emocional e comportamental dos personagens. Desta forma, complementam o imaginário proposto pela autora, sendo indício da mestria e da capacidade criativa dos seus autores. Aproveitando o poder descritivo e pictórico do texto de Mello Breyner, bem como das ilustrações musicais propostas por Lopes-Graça, Sassetti e Ayres d’Abreu, os cenários, os figurinos, a encenação e a narração dita, redimensionam um imaginário visual que, de descritivo, pictórico e encantatório, se revela também ele de uma beleza e elegância sem par.
A narrativa principia com a frase inicial de um qualquer conto infantil, mormente o conto de fadas - “Era uma vez...”, e, aquele que se permite a leitura, se descobre num lugar encantado e cheio de possibilidades lúdicas e criativas. Acresce ainda, ser, a maior parte das vezes, um lugar de prazer e relaxamento, onde os cheiros, os sons, as cores e os tempos são outros, sobretudo os do ócio e do prazer.
Era uma vez uma casa branca nas dunas, voltada para o mar. Tinha uma porta, sete janelas e uma varanda de madeira pintada de verde. Em roda da casa havia um jardim de areia onde cresciam lírios brancos e uma planta que dava flores brancas, amarelas e roxas (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.).
A história constrói-se da forma tradicional dos contos de fadas: ações rotineiras que se repetem no passar dos dias, mas que são interrompidas pelo insólito. Contudo esse insólito não causa medo ou ansiedade, como compete ao género literário 7.
O maravilhoso se dá na forma de uma menininha, de um palmo de altura, olhos roxos e cabelos verdes que, juntamente com um polvo, um peixe e um caranguejo, é encontrada pelo protagonista da história, o menino, numa das suas idas à praia depois da tempestade.
Mas o mais extraordinário de tudo foi a quarta gargalhada: era como uma gargalhada humana, mas muito mais pequenina, muito mais fina e muito mais clara. Ele nunca tinha ouvido uma voz tão clara: era como se a água ou o vidro se rissem.... com muito cuidado, para não fazer barulho, levantou-se e pôs-se a espreitar escondido entre duas pedras. E viu um grande polvo a rir, um caranguejo a rir, um peixe a rir e uma menina muito pequenina a rir também. A menina, que devia medir um palmo de altura, tinha cabelos verdes, olhos roxos e um vestido feito de algas encarnadas. E estavam os quatro numa poça de água muito limpa e transparente, toda rodeada de anémonas. E nadavam e riam. [...] Depois pararam de rir e a menina disse: - Agora quero dançar. Então, num instante, o polvo, o caranguejo e o peixe transformaram-se numa orquestra. O peixe, com as suas barbatanas, baria palmas na água
(Mello Breyner Andresen 2019, s.p.)
O menino, perplexo e curioso assiste ao acontecimento, mas, a maré sobe, e ele tem que ir para casa. Na manhã seguinte procura a menina e ela lá está novamente na praia na companhia dos seus amigos. Curioso, e egoísta por certo, captura-a de modo a possuí-la só para ele. A princípio, a menina teme-o, pois aprendeu com os peixes que deveria sempre ter medo dos homens. O susto, no entanto, logo passa e os dois se tornam amigos.
- Não grites, não chores, não te assustes – dizia o rapaz -, que não te faço mal nenhum. – Eu sei que me vais fazer mal. – Que mal é que eu hei-de fazer a uma menina tão pequenina e tão bonita? – Vais-me fritar – disse a menina do mar. E pôs-se outra vez a chorar e a gritar: - ó polvo, ó caranguejo, ó peixe! – Eu fritar-te! Para quê? Que ideia tão esquisita! – disse o rapaz espantadíssimo. – Os peixes dizem que os homens fritam tudo quanto apanham. O rapaz pôs-se a rir e disse: - Isso são os pescadores. Os pescadores é que apanham os peixes para os fritar. Mas eu não sou um pescador e tu não és um peixe (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.)
E assim, uma nova rotina se inicia, na qual o menino passa a visitar diariamente a menina e seus amigos, levando-lhe a cada dia um presente, e trocando com ela muitas histórias onde apresenta os modos de ser e viver da terra, os objetos e os elementos de uma natureza desconhecida para um ser que vive num elemento diferente – a água, o mar. A menina revela que o seu nome é “Menina do Mar” e que não sabe como veio ao mundo ou de onde se origina. Fora criada numa gruta pelos seus amigos – o polvo, o peixe e o caranguejo – e vive sob a proteção da Grande Raia, para quem dança sempre que é necessário.
-Eu sou a menina do mar. Chamo-me Menina do Mar e não tenho outro nome. Não sei onde nasci. Um dia uma gaivota trouxe-me no bico para esta praia. Pôs-me numa rocha na maré vaza e o polvo, o caranguejo e o peixe tomaram conta de mim. Vivemos os quatro numa gruta muito bonita. O polvo arruma a casa, alisa a areia, vai buscar a comida. É de nós todos o que trabalha mais, porque tem muitos braços. O caranguejo é o cozinheiro. Faz caldo verde com limos, sorvetes de espuma, salada de algas, sopa de tartaruga, caviar e muitas outras receitas. É um grande cozinheiro. Quando a comida está pronta o polvo põe a mesa. A toalha é uma alga branca e os pratos são conchas. Depois, à noite, o polvo faz a minha cama com algas muito verdes e muito macias. (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.)
A Menina do mar é protegida pela Grande Raia, pois é sua bailarina embora tenha medo dela. A Grande Raia traz em si um caráter opressor e ditador, é um monstro terrível, capaz de engolir um barco. Apesar disso, gosta da Menina do Mar e, por isso, não permite que ninguém lhe faça mal.
O menino, por sua vez, encanta-se pela Menina do Mar, prometendo levar-lhe presentes da terra. Seguindo as estruturas tradicionais dos contos de fadas, são três os presentes e três as cenas descritas para apresentá-los. O primeiro presente é uma rosa: “-Trago-te aqui uma flor da terra – disse -; chama-se rosa. [...] – Respira o seu cheiro para veres como é perfumada” (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.). Surpresa a menina diz:
É um perfume maravilhoso. No mar não há nenhum perfume assim. Mas estou tonta e um bocadinho triste. As coisas da terra são esquisitas. São diferentes das coisas do mar. No mar há monstros e perigos, mas as coisas são bonitas e alegres. Na terra há tristeza nas coisas bonitas (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.).
Ao que o menino responde: “- Isso é por causa da saudade”. E quando a menina o interpela, perguntando o que é saudade, ele explica dizendo: “- A saudade é a tristeza que fica em nós quando as coisas de que gostamos vão embora” (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.). Logo, o presente, ao mesmo tempo, a encanta e entristece, ensinando-lhe assim o conceito, tão português, de saudade. O segundo presente é um fósforo, com o qual ela aprende o que é o fogo. O fogo a encanta por sua beleza e a intriga por sua efemeridade e calor, ao que o menino explica: “O fogo é assim. Enquanto é pequeno qualquer sopro apaga. Mas depois de crescido pode devorar florestas e cidades” (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.). E mais adiante complementa:
Enquanto o fogo é pequeno e tem juízo é o maior amigo do homem: aquece-o no inverno, cozinha-lhe a comida, alumia-o durante a noite. Mas quando o fogo cresce de mais, zanga-se, enlouquece e fica mais ávido, mais cruel e mais perigoso de que todos os animais ferozes
(Mello Breyner Andresen 2019, s.p.).
Assim, a menina aprende a utilidade, o poder, mas igualmente o perigo do fogo. O terceiro presente é o vinho que lhe dá alegria e coragem para sair do mar e ir conhecer a terra. Depois de bebê-lo, tal como o menino disse que aconteceria, a menina se sente feliz e diz: E a menina bebeu o vinho, riu-se e disse:
É bom e é alegre. Agora já sei o que é a terra. Agora já sei o que é o sabor da primavera, do verão e do outono. Já sei o que é o sabor dos frutos. Já sei o que é a frescura das árvores. Já sei como é o calor de uma montanha ao sol. Leva-me a ver a terra (Mello Breyner Andresen 2019, s.p.).
A simbologia de cada um desses três elementos merece atenção. A rosa pode simbolizar simultaneamente o amor, a beleza e o pecado. O fogo, também efémero, simboliza, o conhecimento, a civilização e o poder. Usado com parcimónia ajuda o homem. Contudo, sem controle, pode levar à sua destruição, bem como a tudo o que constrói e edifica 8. Já o vinho pode designar a vida, o vício ou a civilização, pois, tal qual o fogo, deve ser usado com parcimónia. Além disso, é um símbolo cristão que evoca renovação e a comunhão. A clareza e simplicidade dos diálogos encetados entre o rapaz e a Menina do Mar são próprios ao género literário em uso. No entanto, a profundidade do ensinamento é grande, pressentindo-se um ensinamento moral e ético na narrativa 9.
O final de A Menina do Mar é feliz, como não poderia deixar de acontecer dentro da tradição da literatura infantil e do conto de fadas. O livro termina descrevendo uma dança onde estão presentes todas as personagens. A dança acontece no fundo do mar, como que num ritual de comunhão com a Natureza, encontrando-se implícita a máxima não-enunciada “e viveram felizes para sempre”.
A Menina do Mar: Análise das propostas
Fernando Lopes-Graça 10
A comemoração do centenário de nascimento da escritora motivou um conjunto de iniciativas culturais que englobaram a criação de diversos espetáculos tendo por base a sua obra, e a edição ou reedição de alguns dos seus textos, dos quais A Menina do Mar, faz parte. Simultaneamente vemos desenvolver-se o interesse pela narração e encenação musical dos seus textos. Neste sentido vemos despoletar a reedição da proposta de Fernando Lopes-Graça e as obras de Bernardo Sassetti, bem como a criação da proposta de Edward Luiz Ayres d’Abreu 11.
Iniciando pela análise da proposta de narração proferida por Eunice Muñoz sobre proposta musical de Fernando Lopes-Graça percebemos que o uso de diferentes sons e materiais sonoros elucida de forma viva e eficaz a narrativa do conto. Em outro, a presença do sonoro de Lopes-Graça enforma a forma da obra, permitindo a fruição do imaginário da obra de modo mais completo. Descrevendo as paisagens propostas pela autora através de uma narrativa de sons contidos nos elementos dessas mesmas paisagens, o sonoro sustenta os elementos da narrativa. Os elementos musicais propriamente ditos caracterizam os personagens servindo de prelúdio, interlúdio ou epílogo à narração. Percebemos que os sons escolhidos, e o sonoro composto por Lopes-Graça, são aqueles que melhor ilustram não só os objetos, como as personagens, as situações, as vivências, as emoções e, em consequência, a narrativa de Sophia de Mello Breyner. O som do vento, do mar, da tempestade, mas também do riso ou de outros elementos materiais, sustentam a narração de Eunice Muñoz. Acresce o facto de o início da obra e os Ritornellos musicais da autoria de Lopes-Graça serem baseados num material sonoro e musical que descerra nos primeiros instantes da obra. O facto confere unicidade e organicidade à obra. Fornece-lhe ainda um carácter repetitivo, mesmo que a constante variação timbrica e textural esteja bastante bem conseguida de modo a fornecer sempre um elemento de variedade. O uso peculiar que faz dos instrumentos da orquestra e das combinatórias entre instrumentos e naipes, permite-lhe ir descrevendo os cenários narrados de forma eficaz e sempre ousada. A natureza repetitiva da melodia proposta, os intervalos que evidencia e os seus contornos, variados, fragmentados, recuperados, serão utilizados para criar novos materiais ao longo dos diferentes interlúdios da obra. O discurso acontece então, de modo predominantemente imitativo e repetitivo sem que à primeira vista o possamos prever. Notamos que a construção por repetição variada dos mesmos elementos, intervalos e motivos que manipula através da imitação/sequenciação pelos diferentes instrumentos da orquestra é uma constante revelando-se delineadora de um estilo que se mostra uniforme ao longo da obra. A mestria da orquestração permite que a natureza e a particularidade dos timbres e da sua combinatória se revistam de uma aura que enobrece e clarifica os conteúdos imagéticos da narrativa, do texto, dos diálogos, das personagens, das emoções e dos sentimentos. Percebemos por exemplo o uso da flauta/flautim para caracterizar a Menina do Mar. Os seus amigos, o polvo, o caranguejo e o peixe são evidenciados por caracterizações vocais próprias, bem como a Grande Raia – o Rei do Mar. O uso de sons da natureza próprios do ambiente das cenas que se mostram e sequenciam determina uma forma de caracterizar esses mesmos ambientes contribuindo para a natureza, por vezes fantástica e alegórica dos sons, das imagens e dos contextos expressos. A música, enfatizando a imagem, constrói-lhe um outro nível de significação.
No âmbito da música para filme, Kracauer (1997) designa as funções da música por acompanhar, reafirmar, sublinhar, ilustrar ou duplicar a imagem. Maurice Jaubert, e em muitos aspetos de forma diversa deste autor, realça alguns aspetos que para ele devem estar presentes na construção do sonoro em cinema. Para ele: a) a música não deve preencher vazios; b) a música não deve comentar a ação; c) a música não deve ocorrer ao mesmo tempo que as vozes ou os sons diegéticos; d) revela-se despropositado considerar a música dramática e expressiva na sua essência expressiva; e) a música não deve conter elementos subjetivos, deve ser tão realista quanto a imagem e dar-nos evidência física do seu ritmo sem se limitar a uma tradução de conteúdos (Chion 1990). Transpondo estes conceitos para as propostas visuais e sonoras aqui discutidas percebemos algumas destas caracterizações. No que concerne a proposta de Lopes-Graça somos da opinião que a música segue alguns dos princípios enunciados por Maurice Jaubert. No que concerne as paisagens sonoras, elas seguem os princípios enunciados por Kracauer.
Bernardo Sassetti 12
“Menina do Mar” da autoria musical de Bernardo Sassetti e narração de Beatriz Batarda surge em formato CD em edição da Casa Bernardo Sassetti no ano de 2021 (Sassetti & Batarda 2021). O disco comporta 13 faixas onde se descerra o universo de Sophia Mello Breyner pela voz de Beatriz Batarda. Paralelamente, Sassetti realça, com a sua proposta musical, o discurso de Sophia Mello Breyner, bem como as componentes visuais que construímos quase automaticamente com a audição da narração do texto e da componente musical que o acompanha. Fá-lo, através das sonoridades criadas pela manipulação das texturas e dos elementos sonoros que compõem as suas fórmulas repetição. O conceito da composição assenta num conjunto sequencial de momentos musicais enumerados de 1 a 13, e intitulados de acordo com a história proposta por Mello Breyner, que acompanham várias cenas e sequências do texto. Surgem como complemento, mas, sobretudo, como enformador das imagens mentais criadas, através de determinados elementos, texturas e ambiências musicais13. A sequência proposta, alternando diferentes formas, elementos e estilos musicais, realiza, e como já afirmamos, uma forma de obra. Como compositor multifacetado que é, a sua obra traduz uma extrema sensibilidade que nos exibe no seu modo de perceber e visualizar o mundo, o drama e a vida. Neste sentido, queremos perceber de que forma a música sobressai nas, e as, imagens do texto, bem como de que maneira estas se revelam no diálogo duplo entre escritora, narradora, compositor, mas também intérprete.
Em “Menina do Mar”, música, narrativa e imagem cooperam para um dizer de obra que retrata a vida e as relações. Sabendo da versão mais recente de Bernardo Sassetti (2010, editado 2021), queremos perceber como as leituras da obra de Mello Breyner se diferenciam através de um sonoro que se mostra de autor, bem como estas agem sobre quem as propõe e cria.
Ninguém sabe onde acaba, exatamente, a memória e começa a invenção. Sei, no entanto, que esta gravação ficou uma das mais belas memórias que guardo no meu íntimo, e que agora ofereço às minhas filhas Maria, Leonor e Luísa.
(Sassetti & Batarda 2021, s.p.).
Curioso perceber que as propostas se vão construindo numa vontade de oferecer algo aos mais novos quando os autores se fazem pais. Os contos infantis surgem em Sophia de Mello Breyner Andresen numa necessidade de narrar histórias aos seus filhos e transparecem agora nas afirmações de Beatriz Batarda. O gatilho criativo surge da necessidade que se vive num momento de vivência íntima da família. Na oferta proposta transparece o amor maternal e paternal, sendo que o objeto criado surge sempre terno, afável e feliz.
Edward Luiz Ayres d’Abreu 14
Ao escrever o guião da obra “A Menina do Mar” Edward Luiz Ayres d’Abreu propõe a designação de Sinfonia. Informa a todos, nomeadamente os seus intérpretes, músicos e não músicos, que
Todas as transições [serão] sempre graduais, fade-in-fade-out, como uma sequência de momentos sonhados, com inícios e fins diluídos na memória, ou como ondas num contínuo vai-e-vem
(Ayres d’Abreu 2019a, s.p.).
Acresce a informação bastante importante sobre a intenção de criação da sua componente sonora e que se encontra igualmente descrita no guião da obra. O autor define 3 tipologias de sonoro: música-atmosfera, música-Ilustração e música de recitação épica. Segundo Edward Luiz Ayres d’Abreu (2019a, s.p.)
Música-atmosfera: quando o material musical é preponderantemente (mas não exclusivamente) constituinte de ambiente emocional e (ou) espacial. Música-ilustração: quando o material musical é preponderantemente (mas não exclusivamente) ilustrador dos signos, contextos, factos, gestos, sons declarados textualmente. Música de recitação épica: quando o material é exclusivamente indutor de epicidade e serve de elã à recitação.
As tipologias Música-atmosfera e Música-ilustração são utilizadas sequencialmente e separadamente, mas também simultaneamente (ver cena IX, cena X – Música-atmosfera/Música-ilustração). A tipologia Música de recitação épica surge somente na cena XI. Define o sonoro construído para desenhar a viagem encetada pelo rapaz e pelo golfinho pelos mares afora ao encontro de a Menina do Mar (Ayres d’Abreu 2019b, 61-64). Como definido pelo autor a transição entre seções é muito gradual. Os elementos musicais utilizados por alguns dos instrumentos encontram-se enunciados anteriormente: requinta, saxofone alto, fagote e acordeão. O tempo metronómico em uso procede de um allegro moderato, semínima= 116 m.m., sendo que o autor exige um acelerando progressivo e dominador a dois compassos do início da cena XI (Ayres d’Abreu 2019b, 60). Os elementos enunciados pelos instrumentos referidos mantém-se sendo que acrescenta o trio de cordas e o oboé. A textura enuncia-se repetitiva como no momento anterior (Ayres d’Abreu 2019b, 61). A Seção referente a Cena XI, prossegue num acelerando marcado e rigoroso, de um tempo Vivace, semínima= 156; piú mosso, semínima= 166, piú mosso, semínima= 176; piú mosso, semínima= 186 (indicação JJ da partitura), seguindo-se um molto ralentando até ao tempo de Adágio, semínima= 66 (Ayres d’Abreu 2019b, 64).
O espetáculo inicia com uma tipologia sonora de Música-atmosfera, sendo que, e segundo informação do compositor, a sala estará escura iluminando-se muito gradualmente à medida que a cena se vai construindo e os músicos vão entrando e tocando um a um, aos poucos (Ayres d’Abreu 2019a). De notar que o maestro cumpre também uma função de instrumentista ao executar um tudo produtor de harmónicos (Ayres d’Abreu 2019b, 2). A obra inicia então num “Tempo flexível, leve, aberto ao fluir tranquilo das ocorrências. Muito clama, relaxada, saboreadas cada uma das treze entradas assinaladas” (Ayres d’Abreu 2019b, 2). A presença de uma atmosfera sonora realizada maioritariamente a partir do uso de técnicas estendidas sugerindo um sonoro sutil e diáfano. A obra inicia com a entrada do acordeão interpretando um ritmo e uma dinâmica precisa em “ruído de fole como um sopro”, entrada 1. Segue a entrada do maestro, entrada 2, o qual deve “agitar circularmente um tubo de plástico de grande dimensão de modo a reproduzir sons harmónicos, em ritmo irregular, ad liitum” (Ayres d’Abreu 2019b, 2). O compositor informa ainda que deve proceder
primeiro ppp, espaçado, tímido, fazendo soar apenas um ou dois harmónicos, e aos poucos, crescendo em presença, frequência, harmónicos, até ao começo da cena I (Ayres d’Abreu 2019b, 2).
Segue a terceira das entradas, pelo fagote, “assobio, mp, em dehors” (Ayres d’Abreu 2019b, 2). A quarta das entradas tem a característica de ser dupla, violino
agudíssimo ad libitum, a lembrar gaivota, não mecânico, ritmicamente oscilante com estas figurações, ou similares”, e corne inglês em fá “com a palheta, a lembrar gaivota, não mecânico, ritmicamente oscilante com estas figurações, ou similares” (Ayres d’Abreu 2019b, 2).
De notar que a obra inicia com indicação de tempo, mas não de compasso. A indicação de compasso só se fará notar no início da Cena I (Ayres d’Abreu 2019b, 5). O uso de técnicas estendidas será transversal a toda a obra e a todos os instrumentos enriquecendo a componente sonora do texto encenado. A riqueza timbrica e textural emana do procedimento, bem como das combinatórias timbricas geradas ao longo de todo o texto, e contexto, musical. Do ponto de vista das texturas, de maior ou menor densidade, surgem fluidas e transparentes nos constituintes apresentados. Esses constituintes surgem da manipulação rítmica, métrica e temporal das estruturas harmónicas distendidas. Acresce a sua manipulação pelas técnicas de interpretação a elas juntadas.
Conclusão
O processo educativo passa por diferentes etapas sucessivas e indissociáveis - observar, planear, agir, avaliar, comunicar e articular, estando estas consagradas nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar e na Organização Curricular e Programas Ensino Básico - 1.o Ciclo (Lopes da Silva, Marques, Mata, & Rosa, 2016). Através da criação e implementação de projetos artísticos multidisciplinares, projetos esses que se encontram ancorados nos conteúdos narrados em A Menina do Mar de Sophia de Mello Breyner, poderemos para além de concretizar um conjunto de aprendizagens essenciais, desenvolver a motivação pela prática cultural e artística, mormente a criação de narrativas fílmicas e multimédia. O recurso ao ciclo de observação-reflexão-ação-reflexão permitirá que estejamos atentos ao grupo de modo a procurar proporcionar novas experiências de aprendizagem, de forma intencional e sustentada nos interesses e necessidades identificados no contexto, assim como nos referenciais teóricos, sócio construtivistas, que sustentam esta prática. Prevemos que a aplicação do projeto ora desenhado, a elaboração dos elementos conducentes à concretização de um pequeno filme de animação (stop motion), se constitua numa melhoria das competências e a ampliação dos resultados a obter ao nível das aprendizagens. De acordo com as afirmações de Cohen e Manion (1994) e ainda Sousa (2009), parece-nos ser o modelo de investigação-ação o mais adequado pois que:
algumas situações exemplares em que a Investigação-Ação se aplica de forma adequada ao mundo da Educação: Métodos de aprendizagem: descoberta de novos métodos que possam substituir os tradicionais; Estratégias de aprendizagem: experimentando aproximações integradas de aprendizagem em vez do estilo unilinear de transmissão de conhecimentos, [...]; Atitudes e Valores: possibilidade de encorajar atitudes mais positivas de trabalho ou modificação dos sistemas de valores dos alunos com vista a alguns aspetos da vida; [...] (Pereira Coutinho, 2016, p. 371-372)
E assim, a partir de um texto de referência como o é “A Menina do Mar” de Sophia de Mello Breyner, e a construção e implementação de um projeto artístico de cariz didático, a realização de uma curta-metragem de animação, que permite a abordagem de diferentes conteúdos científicos, culturais e artísticos que podem ser ilustração, e instrumento de uma aprendizagem mais interessante, lúdica e demonstrativa dos conteúdos definidos nas diversas áreas de conteúdos das Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar e das Aprendizagens Essenciais do 1º Ciclo do Ensino Básico, prevemos uma construção de conhecimento mais capaz. Permitindo a conceção de diferentes evidencias de aprendizagem nos diversos registos que nos concede, A Menina do Mar de Sophia de Mello Breyner, surge como uma obra onde a narrativa nos transporta pelas diversas áreas de conteúdo presentes ao nível da educação pré-escolar e das aprendizagens essenciais previstas para a Educação Artística – Música, no 1º ciclo do ensino básico, tornando-se uma ferramenta e um recurso didático de primordial valor e eficaz aplicação em contexto educativo e formativo, produzindo diferentes registos narrativos e filmicos.
Notas Finais
1Neta do proprietário da Quinta do Campo Alegre, hoje Jardim Botânico do Porto, a sua mãe era neta do Conde Henrique de Burnay e filha do Conde de Mafra.
2Contudo não conclui a formação.
3Estas ações permaneceram de um modo ou outro por toda a sua vida. Entre elas denunciamos aquelas que intentou contra o Estado Novo. Mais tarde, Sophia de Mello Breyner foi candidata, pela oposição Democrática, nas eleições legislativas de 1968. Foi sócia fundadora da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos e, após a Revolução do 25 de abril de 1974, foi candidata à Assembleia Constituinte pelo Partido Socialista no ano de 1975.
4Autora de diversos livros de poesia escreveu também numerosos contos, artigos, ensaios, etc. O seu interesse por grandes autores da literatura clássica e contemporânea, tanto portuguesa como estrangeira, fê-la traduzir para o português, obras de Eurípedes, Shakespeare, Dante e Claudel, por exemplo, mas também para outras línguas. Neste sentido, e para a língua francesa, traduziu Camões, Mário Sá-Carneiro, Cesário Verde, Fernando Pessoa, entre outros.
5Em 2010 nasceu o espetáculo “A Menina do Mar”, criado por Beatriz Batarda e Bernardo Sassetti a partir do conto de Sophia de Mello Breyner Andresen. A sua estreia decorre no verão desse mesmo ano, no Festival das Artes na Quinta das Lágrimas, à qual se seguiu uma digressão. Aquando da sua presença no Teatro Municipal de São Luiz, foi realizada uma gravação do registo ao vivo. Em 2021, a Casa Bernardo Sassetti edita este registo, oferecendo a todos a possibilidade de descobrir, ou revisitar, o encontro entre os dois artistas, Bernardo Sassetti e Beatriz Batarda, sendo que o CD se encontra ainda acompanhado de ilustrações da artista plástica Maria Sassetti.
6De acordo com a notícia veiculada pelo Centro Cultural de Belém, “a atriz Carla Galvão, o pianista e compositor Filipe Raposo e a ilustradora Beatriz Bagulho transportam para o palco a história A Menina do Mar, de Sophia de Mello Breyner Andresen, a partir da música de Bernardo Sassetti: «Contar esta história como quem entra numa casa que é muito importante para nós, tentando fixar na nossa memória visual e sonora a sua arquitetura. Contar esta história como quem faz uma tentativa de conservar a beleza profunda das coisas. Sabendo, ainda assim, que elas se desfazem como as ondas do mar ou as dunas. Contar esta história como quem fixa na música as palavras e nas palavras a música, de modo a que se edifique a “casa branca em frente ao mar enorme, com o teu jardim de areia e flores marinhas”.» – Carla Galvão e Filipe Raposo”
7Segundo a tipologia proposta por Tzvetan Todorov na sua Introdução à Literatura Fantástica.
8Já referimos o gosto de Sophia de Mello Breyner pelos símbolos e mitos gregos, uma realidade evidente em quase toda a sua obra. Em o mito de Prometeu, o herói sacrifica-se de modo a levar o fogo – metáfora do conhecimento e da civilização – à humanidade sendo punido por Zeus por tê-lo desafiado.
9A natureza do texto lembra outros autores e obras de relevo, nomeadamente: O Pequeno Príncipe (1943) de Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944), O Maravilhoso Mágico de Oz (1901), de L. Frank Baum (1856-1919), Contos da Mãe Gansa ou Histórias do Tempo Antigo (1697) de Charles Perrault (1628-1703), como os compilados pelos irmãos Jacob Grimm (1785-1863) e Wilhelm Grimm (1786-1859).
10A menina do Mar; Conto de Sophia de Mello Breyner; Música Fernando Lopes-Graça; Narração de Eunice Muñoz. Vozes: Eunice Muñoz; Francisca Maria; António David e Luís Horta.
11Neste contexto não queremos deixar de referir a criação por parte de Eurico Carrapatoso da ópera infantil “A Floresta” sob o texto homónimo de Sophia de Mello Breyner Andresen, ou da obra “A Noite de Natal” para ator (diseur), Harpa e Piano, sob texto da mesma autora.
12Menina do Mar; Autores Bernardo Sassetti e Beatriz Batarda; Piano e música original Bernardo Sassetti; Narração Beatriz Batarda; Ilustrações Maria Sassetti; Gravado a 24 de junho de 2011 no Teatro Municipal de São Luiz; Edição e masterização Nelson Carvalho.
13Menina do Mar comporta 13 faixas: 1 – Praia da Granja; 2 – Menina do Mar Mov. I; 3 – Praia da Granja Movimento Perpétuo; 4 - Menina do Mar Mov. II; 5 – O Rapaz; 6 – Saudade Mov. I; 7 – Desejo; 8 – Prazer; 9 - Polícia Política; 10 - Saudade Mov. II; 11 – Nadaram Muitos Dias; 12 – Os Dois; 13 – Menina do Mar – Epílogo (Sassetti & Batarda 2021, s.p.).
14A menina do mar; Conto musical a partir d’A Menina do Mar de Sophia de Mello Breyner Andresen; Guião e música de Edward Luiz Ayres d’Abreu ver. Vii. 2019; Para: 3 narradores; Menino; Menina; Gaivota; Orquestra.
Referências bibliográficas
Ayres d’Abreu, Edward Luiz. 2019a. A Menina do Mar. Guião. Manuscrito do compositor.
Ayres d’Abreu, Edward Luiz. 2019b. A Menina do Mar. Conto Musical a partir d’A Menina do Mar de Sophia de Mello Breyner Andresen. Partitura. Edição do autor.
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Cohen, L., & Manion, L., 1994. Research methods in Education (4ª ed.). London: Routledge.
Kracauer, S. 1997. Theory of Film: the Redemption of Physical Reality. New Jersey: Princeton University.
Lopes da Silva, Marques, Mata, & Rosa, I. 2016. Orientações Curriculares para a Educação Pré-Escolar. Ministério da Educação/Direcção-Geral da Educação (DGE).
Mello Breyner Andresen, Sophia. 2019. A Menina do Mar. Edições Valentim de Carvalho, S. A.
Pereira Coutinho, Cl. 2016. Metodologia de Investigação em Ciências Sociasi e Humanas. Teoria e Prática. 2ª edição. Coimbra: Almedina.
Sasseti, Bernardo & Batarda, Beatriz. 2021. Menina do Mar. Casa Bernardo Sassetti. CD 3592449.
Sousa, A. 2009. Investigação em Educação. Lisboa: Livros Horizonte.