Capítulo V – Cinema – Convidados

The case of the North-American writers attracted by Hollywoodian Cinema

O caso dos Novelistas Norte-Americanos do século XX e a atração pelo Cinema

Regis Frota Araújo 1

Universidade Federal do Ceará, Brasil

Abstract

The Hollywood film has contracted in the last century, numerous writers and novelists whose fiction writers and American artistic leaders, found shelter and work. A quick tour of their ideologies and missions explains this intricate relationship between American literature and cinematographic aesthetics. From Scott Fitzgerald to Toni Morrison, from Saul Below to Steinbeck, from Gore Vidal to Kerouack, and much others, filmmakers and writers search a unique language.

Keywords: Scott Fitzgerald, Toni Morrison, Saul Below, Steinbeck and Gore Vidal, Writers and the Hollywood cinema.

Introdução

Os norte-americanos vivenciaram um século XX cheio de guerras. Desde a segunda guerra mundial (além do ataque surpresa dos japoneses ao Pearl Harbour, em 1941), até as guerras da Coréia e do Vietnam, os EUA se envolveram em litígios que marcaram a vida social e política da grande nação. Sua literatura refletiu sempre tais acontecimentos.

Da literatura clássica até os textos literários contemporâneos sempre é possível identificar o reflexo que as narrativas operam na realidade, e esta mais, todavia, naquelas. Ao ler os novelistas e romancistas norte-americanos do século XX- não todos, naturalmente-, observamos que os mesmos lidam com o tema das guerras de colonização, descolonização, e submissão dos países mais atrasados ao poderio capitalista e armamentista do império, no século passado. Dos prêmios Nobel de literatura, de Saul Bellow 2 a Toni Morrison, 3 ora se percebe centrar-se a história de alguns de seus livros, seja na espera do personagem central à chamada para a guerra (videNa corda bamba”, Quetzal Editores, Lisboa, 2015, com tradução de Maria Adélia Silva Melo), onde Joseph, o jovem desempregado, em forma de diário narra, entre 15 de dezembro de 1942 até 9 de abril do ano posterior, seus relacionamentos com os amigos e a sua mulher, e a frustração de viver em Chicago à espera de ser arregimentado ou chamado para a guerra da Coréia), quando, segundo o autor, neste 9 de abril, Joseph vivia seu “último dia civil”... “Hurra pelo horário estipulado! E pela supervisão do espírito! Viva a arregimentação!”.

Por outra, vemos aprofundada a reflexão literária na história do século próximo passado, o século XX, pela grande ficcionista Toni Morrison, em seu romance sobre a história do retorno a casa pelo personagem central, depois da guerra do Vietnam, onde Frank Money completa sua jornada de volta a casa, na Geórgia (VideVoltar para casa”, Cia. Das Letras, 2016, com tradução de José Rubens Siqueira), descrita com maestria a violência, a paixão e o arrependimento que caracterizaram toda uma geração de veteranos e negros migrantes do Sul, em emocionante descrição pela Morrison:

Uma vez coberto com terra, Frank pegou dois pregos e o pedaço de madeira do bolso. Com uma pedra martelou-o no tronco da árvore. Um prego entortou, ficou inútil, mas o outro prendeu o suficiente para expor as palavras que ele havia pintado no marcador de madeira. Aqui jazz um homem. Em pé. Talvez fosse divagação, ele podia jurar que o loureiro concordou, satisfeito. Suas folhas verde-oliva enlouqueceram com a luz de um sol vermelho-cereja.

Enfim, parece coincidência, mas não é, o fato dessas referências temáticas que fazem os grandes romances ou novelas norte-americanas às incursões bélicas estadunidenses, do século XX, mesmo sem ter aqui, ainda, me referido às duas grandes guerras mundiais e à grande depressão, vivida em 1929, pelo crack da bolsa nova-yorkina, seguramente, base fática inspiradora da literatura contemporânea, em maior medida que as guerras regionais promovidas pela CIA/PENTÁGONO, é dizer, pelo deep state que nesses últimos 80 anos – desde 1940, se preparam para impor o seu império, com financiamentos das famílias Rockfeller e Rotschild.

Desenvolvimento

Afinal, como afirmado por Gore Vidal, “o romancista tampouco pode ser responsabilizado pela sociedade que ele reflete”.4

Por outro lado, nos interessa referir a relação de influência que a cinematografia hollywoodiana exerceu sobre os escritores e romancistas norte-americanos, desde a primeira metade do século XX. Em De fato e de ficção – ensaios contra a corrente5 o ensaísta Gore Vidal argumenta que “todos os americanos nascidos entre 1890 e 1945 queriam ser astros de cinema”. No livro de 1936, “Colando juntos” (Pasting it together), Francis Scott Fitsgerald dissera que a literatura estava ficando subordinada ao audiovisual, ao concluir que a expressão literária

“era uma arte em que as palavras eram subordinadas às imagens, em que a personalidade era desgastada até a inevitável marcha lenta da colaboração. Já nos idos de 1930 eu tinha o palpite de que com o cinema falado mesmo os romancistas de mais sucesso iriam ficar tão arcaicos quanto o cinema mudo.”6

E, adiante, no ensaio sobre o caso F.Scott Fitzgerald- autor de romances e mais de 160 contos, a exemplo de alguns deles publicados no Brasil, como “O diamante do tamanho do Ritz, Bernice corta o cabelo e O palácio de Gelo7, Gore Vidal volta a insistir que:

“Fitzgerald tinha razão. Quarenta e quatro anos depois,8 é a escola de cinema que atrai os jovens brilhantes, enquanto a oficina do escritor só convém àqueles cujo futuro não será literário, mas acadêmico. Hoje, certamente, nenhum romance de nenhum autor concentra o tipo de atenção mundial que um filme novo obtém automáticamente.”

De fato, constitui enorme prazer a leitura dos contos de Scott Fitzgerald, seja pelo que contêm de variedade e sutileza, caminhos literários que vão da inventividade ao horror, ao fantasmo, enfim, com refinado humor o mencionado escritor entreteve seus leitores contemporâneos (de 1920/40), tanto quanto ainda hodiernamente, impressiona os leitores atuais, com a leveza e curiosidade do “Diamante...”:

“John T. Unger era de uma família muito renomada em Hades – uma cidadezinha às margens do rio Mississippi- havia várias gerações.”

Quando o leitor acha ou supõe que o personagem central do conto, ou o protagonista do relato, John Unger, além de rico, estivesse “atualizado em termos de moda, etiqueta e literatura”, o autor introduz um colega de classe de John, no colégio St. Midas, de Boston, “o garoto quieto e bonito chamado Percy Washington”, o qual afirmará e, informará ao colega John que, o seu “pai é de longe o homem mais rico do mundo.”

Mas voltando à citação de Gore Vidal, segundo a qual, o cinema da primeira metade do século passado estava destruindo o interesse pela literatura... Para mim, Scott não tinha completa razão, em seus presságios futuristas. Na segunda metade final daquele século,em pleno século XX, posterior às duas grandes guerras, a coisa seria muito pior, a influência negativa do audiovisual e das redes sociais seria muito maior sobre o fazer literário. Mas, afinal, a literatura norte-americana contemporânea tem produzido muitos “Best Sellers”, que chamam a atenção mundial. Não seria somente porque o cinema passou a atrair o público que a leitura e a política editorial de publicação de literatura seria atingido, seriam questionados pelos leitores da primeira metade da mesma centúria, até mesmo prejudicados, inevitávelmente.

O cinema conheceu, de fato, sua era de ouro, no primeiro quartel do século XX, mas a expressão literária produzida nesta mesma época deixou marcas indeléveis, a se concluir por obras de Marcel Proust (“Em busca do tempo perdido”, (1922) e de James Joyce, Ulisses, do mesmo ano. Ora, não sei por qual motivo, os romancistas ainda continuam fazendo eco à afirmação de Gore Vidal, que escreveu que o palpite de Scott Fitzgerald 9 era um pensamento inteiramente “inevitável”. Afinal, literatura e cinema, se entrelaçaram no século passado como realidades inalienáveis e inseparáveis, em suas dimensões artísticas e estéticas. E não seria por que o cinema passou a ser sonoro, a partir dos anos 30, que a palavra e o silêncio deixaram de desempenhar elevado significado na linguagem cinematográfica posterior.

O desânimo e a crise editorial da literatura nos EUA, como no mundo ocidental, ocorreu e continua ocorrendo, continua sofrendo modificações e adaptações – vide os Ebooks a competir com os livros impressos em papel, a política de Amazon e outras grandes editoras- provocadas, não apenas pela atração exercida pelo entretenimento do audiovisual, mas por transformações culturais profundas ocorridas nas últimas décadas. Se o mercado editorial e a indústria de publicação se precaviam, na hora de se decidir a publicar autores novos – veja-se o exemplo de Jack Kerouac, cuja obra-romance inicial estava sendo proposta sua impressão desde 1950 e só tendo podido vir a lume, no ano de 1957-, não se devia tão somente a preconceito ideológico, mas sobretudo a razões e perspectivas de retorno financeiro ou, não, isto é, razões mercadológicas.

Destarte, a visão crítica e irônica de Gore Vidal, frente ao fenômeno audiovisual da cinematografia, se mostra pouco profética – especialmente, após o furor modificativo pós-pandemia do coronavírus, quando o streaming, e não mais o público de salas de cinema, parece, dominará a cena audiovisual-, e, sobretudo, cuida-se de uma visão tacanha, um tanto despeitada e traumática, especialmente se lembrarmos que o ensaísta foi escritor contratado, por doze anos na MGM, depois da morte de Scoot Fitzgerald, o qual por sua feita, também trabalhara como escritor-roteirista para a cena hollywoodiana. Senão vejamos:

“Quando escrevi que o cinema tinha substituído o romance como a forma central de arte de nossa civilização, fui criticado por ter dito que o romance estava morto, e me mandaram ler listas de fantásticos romances novos. É óbvio que o romance sério, ou romance-arte, ou seja como for que quiserem chamar o romance-enquanto-literatura, continuará sendo escrito; afinal de contas, a poesia está florescendo sem o amparo do leitor comum. Mas também é um fato que muito dificilmente uma pessoa que não faça parte de uma instituição tenderá a dar atenção a qualquer desses artefatos literários. Pior, se o especialista-esquilo predominar, os escritores não serão lembrados pelo que escreveram, mas pelos Contos Exemplares constituídos por suas vidas.”10

Não podemos deixar de observar que ainda hoje (2021) alguns filmes se arrimam de se basearem em Fatos reais (True story), de tão ilusórias e ficcionais são constituídas as tramas e alguns relatos filmográficos. Mas, daí até se afirmar que os “escritores não serão lembrados pelo que escreveram, mas pelos Contos Exemplares constituídos por suas vidas”, parece exagero, tendo em vista a diversidade dos contos constituídos por vidas de todo tipo de interesse, para o público espectador do cinema, cujas jornadas vivenciadas são bem mais espetaculares que aquelas de escritores contemporâneos, cujas biografias – bem aquilatadas-, se passaram ou transcorreram, grande parte delas, ocupados ou sentados em escritórios, a redigir e pesquisar.

Não estou, tampouco, afirmando que as vidas do mítico casal de escritores, Scott Fitzgerald e Zelda, não tenham sido plenas de lances curiosos e espetaculares, em matéria de apelo cinético (desde The birth of Nation se apresentaram a Hollywood, de mercenarismo jornalístico, “de chapéu de abas moles e gim caseiro”, etc., tendo-se tornado míticos e deslumbrantes.

Interessa, contudo, mais no caso, as tantas cartas que escreveram entre si11 do que as batalhas de sobrevivência que tiveram que enfrentar, desde os internamentos de Zelda nas clínicas particulares francesas, até suas mortes fatais, a de Zelda, por loucura e depressão, e a de Scott Fitzgerald por infarto, apesar de ainda tão jovem.

Literatura e cinema. Cinema da época de ouro (1915/1960) versus literatos norte-americanos atraídos pela tentação do sucesso e do consumo exagerado de bebidas e do capitalismo patriótico, o qual Hollywood parecia atender.12

O crítico literário e ensaísta Thomas C. Foster desenvolve um capítulo de um de seus livros didáticos sob o título, “Grande livro, péssimo filme13 ao arrolar os tantos romances adaptados para o cinema, enfadonhos e de péssima qualidade, e se refere, específicamente às transcrições para a imagem do texto de Scott Fitzgerald, The great Gatsby (O grande Gatsby), segundo sua avaliação, a qual tendemos a apoiar(somente em parte, por suposto), porquanto muito pior viria a ser um remake baseado no mesmo livro, já sob os critérios do cinema digital, adiante referido:

“Procure os infelizes americanos. Alguém já foi mais mal servido em Hollywood que Fitzgerald e Hemingway? E houve algum outro livro mais malservido que O grande Gatsby? Os cineastas tentaram repetidas vezes, e cada vez foi um desastre. O fracasso mais famoso foi acompanhado por uma enorme agitação. Aqueles de uma certa idade talvez se lembrem do “Gatsby todo branco”, incluindo utensílios de cozinha na primavera de 1974. Não poderia ter dado errado. Robert Redford era o que havia de mais “quente” depois de Downhill racer, Butch Cassidy e Golpe de mestre. Um jovem Francis Ford Coppola escreveu o roteiro. Mia Ferrow seria Daisy. Havia todo tipo de grandes talentos – Bruce Dern, Edward Hermann, Sam Waterston, Karen Black e a futura “Bond girl”, Lois Chiles. O que poderia dar errado? Hã, tudo? Na prática, esse conceito se revelou inexpressivo e constrangedor, elenco mal escolhido de cima a baixo, dirigido de maneira afetada e detestável, e nem mesmo muito interessante visualmente.”

Imagine o que diria tal ensaísta sobre a adaptação mais recente, cujos papeis principais, em plena era digital, foram entregues nada mais nada menos que a Leonardo DiCaprio, Tobey Maquire, Carey Mulligan, Joel Edgerton, Elizabeth Debicki, Isal Fisher e Jason Clarke, sob a direção de Baz Luhrmann, em 2013...

Porquanto o texto do crítico literário Thomas Foster- anteriormente exposto, e ampliado a seguir-, até parece o de um crítico cinematográfico14, demolidor e devastador da versão cinética dos anos setenta do Grande Gatsby, quando se indaga:

“Por quê? Como todas essas pessoas talentosas erraram tão completamente? Existem muitas teorias, claro, mas, de minha parte, acredito que eles não entenderam o romance. Ah, com certeza eles entenderam o que estava acontecendo; todos nós entendemos o que está acontecendo desde o segundo grau. Todo mundo pode acompanhar a ação do romance. Não é tão difícil. E não tão interessante”.

O crítico resolve explicar o romance (e, igualmente, uma das adaptações fílmicas do Gatsby), assim:

“Volte sua mente para a primavera de 1925. Ouça com atenção. Ouve alguma coisa? Aquele ruído surdo é de um romance muito antecipado que não vai a lugar nenhum. Os Críticos foram bastante gentis, eu acho, mas os leitores não estavam engolindo. Eles tinham se apaixonado muito rapidamente pelo Fitzgerald dos contos e Belos e malditos (1922), no qual o belo, o maldito, e os belos malditos faziam cabriolas e coisas escandalosas, sendo jovens, ricos e insolentes com as regras. Esse é o Fitzgerald que, no final, exigia quatro mil dólares por conto no The Saturday Evening Post. O romance era outra coisa. Os personagens principais não pareciam estar se divertindo nem um pouco. Não eram brilhantes nem envolventes, nem mesmo muito bêbados. Que tipo de impostor era esse, afinal? O que tinha dado errado com esse cara? O que errado foi que ele escreveu um grande livro e os leitores estavam acostumados com o meramente bom. Isto iria lhe custar caro; Nos quinze anos subsequentes de vida, O Grande Gatsby vendeu menos de vinte e cinco mil exemplares.”

Evidentemente não se deve medir a grandiosidade de um romance pela quantidade de exemplares vendida; Afinal, nem todo best-seller é um grande livro. E o Gabsty, de Fitzgerald, o é; Não devemos, contudo, fazer a besteira de considerar Thomas Foster um crítico de cinema, trata-se de um professor de literatura inglesa bem sucedido e orientador de leituras norte-americanas de fôlego.

De Scott Fitzgerald a Jacques Kerouack, em finais dos anos 50, cuja publicação de On the Road, em 1957, a vida atribulada desse outro escritor- tão prolífico em romances escritos, quanto tão jovialmente partinte dessa terra dos homens,- mitificaria novamente a vida de novelista ou romancista norte-americano, dessa feita, não somente por influência de periódicos ou atividade hollywoodiana, mas fruto das entrevistas televisivas e “boom” editorial em torno de uma nova geração de “beats” e hippies, sexo, e “rock´n´roll”. De Woodstock a “movie-roads”, de “easy rider” ao consumo de drogas as mais variadas, Kerouack foi lido, relido, venerado e até imitado, juntamente com os amigos viajantes e contemporâneos escritores drogados, William Burroughs15 e o poeta Allen Ginsberg. Assim caminha a humanidade... Seria, ainda, um clássico?

Porquanto, Steinbeck ainda o é. Vejamos, agora, o caso de John Steinbeck, cuja outorga do Nobel de Literatura em 1962, despertou a atenção da indústria cinematográfica a ponto de ter sido contratado o famoso diretor John Ford para supervisionar a realização, da adaptação para o cinema, do livro mais notório de Steinbeck, The grapes of wrath (1939) As vinhas da ira, tradução de Herbert Caro e Ernesto Vinhães, pela editora Edibolso, São Paulo, 1978).16

Ora, qual teria sido a razão que justificasse a venda de 300 mil exemplares do livro de Steinbeck, por semana, em determinado mês de 1940, senão que descrevia com precisão e poesia uma mudança das relações de trabalho, pelos EUA, especialmente, na fronteira californiana, quando a sociedade americana do norte passava do modelo agrário de posseiros para o agro-industrial, deixando um rastro de fome e desemprego, de subempregados e traições, em plena grande depressão ?

Naturalmente que o filme adaptado por John Ford, o mestre do cow-boy, desde 1939, com o célebre e clássico Stagecoach (No tempo das diligências), teria contribuído para a divulgação daquela narrativa épica, originalmente descrita com cores tão vivas, onde predomina a descrição da natureza forte e cruel, como as podemos ler, no inicio e final, por Steinbeck, tais como:

“As últimas chuvas lavaram suavemente as terras vermelhas e parte das terras pardas do Oklahoma, não conseguindo amolecer-lhes a crosta petrificada. Os arados traçavam sulcos sobre sulcos nas terras revolutas. As últimas chuvas fizeram desenvolver-se as hastes de trigo e espalharam lençóis verdes à margem dos caminhos, trigais sob os quais se sumiam as terras vermelhas e as terras pardas... pelos caminhos em que juntas de bois e veículos transitavam, o peso das rodas e das patas dos animais rompera a crosta, transformando-a num leito de seca poeira. Agora, qualquer movimento levantava essa poeira.”17

Desde a seca de Oklahoma às chuvas californianas a moldar os destinos dos personagens, ao final da referida obra de Steinbeck, percebe-se a presença forte da natureza a traçar os destinos dos protagonistas Rosa de Sharon e Joad, além de toda sua família, trasladada a novo mundo, hostil e desafiador:

“Por um minuto, Rosa de Sharon permaneceu imóvel no centro do galpão, em cujo teto cochichava a chuva ...Então, com vagar, dobrou os joelhos e deitou-se ao lado dele. O homem esboçou um movimento negativo com a cabeça, um movimento fraco e muito lento. Rosa de Sharon desfez-se do cobertor, deixando os seios desnudos.
_ Tem que ser – falou, aproximando-se mais dele, e puxando-lhe a cabeça a si. – Assim – disse. Apoiou-lhe a cabeça com a direita, e seus dedos lhe sulcaram suavemente os cabelos. Ergueu os olhos e seu olhar percorreu o galpão escuro e seus lábios cerraram-se e ela sorriu misteriosamente.”18

Torna-se imprescindível recordar que tanto “As vinhas da ira”, de Steinbeck, quanto “To kill a mockingbird” (O sol é para todos), de Harper Lee, publicado mais de vinte anos após o primeiro, igualmente, tendo conquistado o prêmio Pulitzer, em 1961, e adaptado para o cinema, no ano posterior, sob a direção artística de Robert Mulligan, obtiveram sucesso literário imediato no EUA, e tornaram-se clássicas leituras obrigatórias no ensino fundamental norte-americano.

Não tendo, nesse ensaio, quaisquer veleidades ou voluntarismos em esgotar o caso dos novelistas norte-americanos, nem os mais importantes, sob o ponto de vista literário e estético, nem aqueles escritores mais prestigiados, senão que descrevi sobre aqueles livros e autores, de quem recentemente li, tais obras (deles), referidas no corpo do texto.

Por oportuno, não poderia deixar de referir, e recomendar a leitura, ainda, aos livros didáticos de Thomaz C. Foster, a exemplo de “Para ler romances como um especialista” e “Para ler literatura como um professor”, respectivamente traduzidos no Brasil por Maria José Silveira e Frederico Dentello, em 2010 e 2011, pela editora Textos Ed. Ltda,19 cujo didatismo desperta no leitor comum, o especial interesse pela literatura e romances britânicos e irlandeses do século XX, bem como os romancistas norte-americanos do mesmo século p. passado, o que nos interessa, em particular, no caso.

Nesse diapasão através do qual identificamos autores ligados ao cinema, enquanto roteiristas contratados, dos que tiveram relação com a bebida ou a riqueza exuberante ou, noutras palavras, mantiveram estreita ligação com o álcool, a denominada “lost generation” (F. Scott Fitsgerald, Gore Vidal, Ernest Hemingway,etc) até detentores do prêmio Nobel de Literatura (Toni Morrison, Saul Below, Steinbeck, etc), ou, tão somente, representantes de correntes especiais de grupos sociais raciais e religiosidade e produção tardia tão poderosa, como Philip Roth, por exemplo.20

Será o próximo autor a nos interessar comentar ou incluir neste ensaio, além de Tom Wolfe21 e seus amigos escritores, Saul Below e John Updike.22

Philip Roth esteve casado durante mais de uma década com a atriz Claire Bloom, a bailarina de Limelights, que contracenou com Charles Chaplin, no papel do velho palhaço Calvero. Talvez por isso, baseou sua obra tanto em suas próprias memórias, lembranças, desde a juventude, de um judeu vivendo nos EUA, com as agruras e percalços de uma história real, de várias estórias reais como aquelas retratadas na tetralogia formada por Homem comum, Indignação, A humilhação e Nêmesis, onde a presença constante do judeuzinho sobrevivente reaviva na mente de seus leitores um verdadeiro repertório de memórias individuais que são, sobretudo, coletivas.

Em seu livro Patrimônio,23 Philip Roth inicia (observemos a primeira frase do romance, a qual, segundo Thomas Foster, decide se o leitor vai, ou não, prosseguir sua colaboração criativa do texto)24 e prossegue, até o final previsível da narrativa e da vida do pai - quero garantir que o leitor que principia a leitura de Patrimonio lerá até o final do livro, em virtude do modo incisivo da linguagem:

“Meu pai havia perdido a maior parte da visão no olho direito aos chegar aos oitenta e seis anos, mas, fora isso, parecia gozar de uma saúde excepciona para um homem de sua idade, quando um médico da Flórida diagnosticou, erroneamente, que ele sofria da paralisia de Bell, uma infecção virótica que causa um torpor, em geral temporário, num dos lados da face”(pag. 7)...”Acordei gritando. Tudo que vi sob o capuz foi a indignação em seu rosto morto. E suas únicas palavras foram uma censura: eu o vestira para a eternidade com a roupa errada. Pela manhã me dei conta de que ele aludira a este livro, que, confirmando a falta de decoro de minha profissão, eu vinha escrevendo enquanto ele estava doente e morria. O sonho me dizia que, senão nos meus livros ou na minha vida, ao menos em minhas fantasias eu viveria eternamente como seu filho pequeno, com a consciência de um filho pequeno, tal como nelas ele continuaria vivo não apenas como meu pai, mas como o pai, proferindo sentenças sobre tudo que eu faço. Você nunca deve esquecer nada.” Pag. 172.

E assim era sua expressão, real e sincera, baseada sempre na própria vida. Em Casei com um comunista,25 Roth elabora um maravilhoso retrato ficcional do pós-guerra, em plena época do macarthismo, durante a guerra fria.

Sei que falei, anteriormente, do fato de a literatura de um país refletir a sua sociedade, e no caso da norte-americana, as tantas guerras de que participa esta nação se encontrarem refletidas nos romances e novelas ficcionais de seus autores. Não poderia deixar de reportar-me ao ensaio sobre “West Point”, de Gore Vidal, onde o ensaísta escreve em 1973, que

“Há 32 anos os Estados Unidos são um estado militarizado. Os militares gostam de estar participando de alguma guerrinha em algum lugar do mundo para justificar todos os bilhões de dólares que gastam.Ou, como disse o general Van Fleet (W.P.1915) com certa satisfação: “ A Coreia foi uma benção. É preciso que haja Coréias, aqui ou em qualquer outro lugar do mundo.” De modo que essas bênçãos continuaram a chover sobre nossas cabeças até o dia 15 de agosto.26 Será que finalmente vamos ter paz neste nosso agitado império ?”

A propósito, chama nossa atenção o texto goriano do “quanto” o mesmo conserva seu teor de irônico, contudo, profético, porquanto na semana em curso (06.01.2021, a data parece um remake do 11/09/2001) foi transmitido ao vivo e, em cores, pela TV, a invasão do Capitólio pelas multidões insufladas pelo então presidente Donald Trump, numa tentativa de golpe de estado, há alguns anos, inimaginável na democracia imperial norte-americana, a não ser por profetas como o referido ensaísta, senão vejamos:27

Logo antes da segunda guerra, muitas vezes fiquei ouvindo as discussões de generais da força aérea, cheias de um humor que em pouco tempo transformava-se em obsessão, sobre como seria fácil tomar a Casa Branca, dissolver o Congresso e manter o país afastado da guerra que aquele judeu do Franklin D. Rosenfeld estava querendo declarar a Hitler.”

Ele (Gore) lembra do thriller de enorme sucesso décadas passadas, de Fletcher Knebel, seven days in may (Sete dias em maio), o qual tinha por trama a possibilidade de um golpe militar em Washington. O ex-presidente D. Trump buscou respaldo popular para um eventual e, primeiro golpe no Capitólio, o qual se frustrou, desastrosa e inequivocamente, uma vez que o eleito 46º presidente dos EUA, Joe Biden, estava a menos de duas semanas de sua posse, normalmente ocorrida, enquanto o Congresso articulava o impeachment do audacioso e egocêntrico Donald.

Como se vê, o deep state yanque continua no controle da máquina ideológica do país. Como afirmaria, a propósito, Pepe Escobar, da TV 247, o tal deep state não pára... 28

E Philip Roth, em seu romance Me casei com um comunista, retrata o clima da febre anti-comunista reinante nos EUA, a qual contagiava a todos, da política aos lares mais íntimos das famílias americanas, consoante se conclui de qualquer diálogo do texto mencionado, como revela o excerto aleatório:

“ – O partido progressista, senhor Ringold?
- O senhor considera Henry Wallace um comuna? O ex-vice-presidente do senhor Roosevelt ? Acha que o senhor Roosevelt ia escolher um comuna para vice-presidente dos Estados Unidos?
- Não é tão simples assim – retrucou meu pai. – Gostaria que fosse. Mas o que está acontecendo no mundo não é nem um pouco simples.
- Doutor Zuckerman- disse Ira, mudando de tática-, o senhor deve se perguntar o que tanto faço com Nathan...”29

A paranoia norte-americana que insiste em ver um comunista atrás de cada árvore, tanto mais no interior craniano de cada cidadão habitante do país, continua enquanto durar essa dualidade do poder político mundial, potências comunistas de um lado, Rússia e China versus império americano, do lado oposto. Nada de novo no front, inclusive nos relatos novelísticos e ficcionais do romance norte-americano. Os costumes e a moral da classe média americana continuam sendo refletidos por sua literatura.

De John Updike, escritor nascido na Pensilvânia, em 1932 e falecido em 2009, sabe-se que é autor de mais de 50 livros, dentre estes, os célebres “coelhos” a fazer isto e aquilo.30 O escritor faz uma obra política, de certo modo, como a grande maioria dos autores; Thomas C Foster se indaga e responde: “Então, toda obra literária é política?31

“Não posso ir tão longe. Alguns de meus colegas mais politizados podem lhe dizer que sim, que toda obra é parte dos problemas sociais ou parte da solução deles (dirão com mais sutileza, mas esse é o espírito). Penso realmente, no entanto, que a maioria das obras deve se envolver com o próprio período específico, de modo que podem se chamar “políticas”. Digamos o seguinte: escritores tendem a ser homens e mulheres interessados no mundo ao redor. Esse mundo contém muitas coisas, e no nível da sociedade parte do que contém é a realidade política da época – estruturas de poder, relações entre classes, questões de justiça e direitos, interações entre os sexos e entre várias constituições raciais e étnicas. Eis porque considerações políticas e sociais costumam achar um jeito de entrar nas páginas sob alguma máscara, mesmo quando o resultado não pareça terrivelmente “político”.

Ou terrivelmente “evangélico”, segundo nosso presidente. A ideologia evangélica também é algo político...

Na verdade, por outro lado, os bichos e humanos retirados da cartola de Updike (sejam “coelhos” ou suas metáforas) são todos homens e bichos reais, cuja imaginação autoral identifica uma oportunidade para refletir sobre a classe média norte-americana, da qual participam e, de cujo linguajar literário ficcional reflete. De igual modo, ocorre com os textos do romancista e crítico da sociedade americana, Tom Wolfe, conhecido como o criador do “New journalism”.

Em sua obra Emboscada no forte Bragg32 vemos uma ficção calcada na imaginação, embora dosada da captação, por um romancista, da essência dos anos 90, publicado originalmente na revista Rolling Stone, em finais de 1996, consoante o leitor pode concluir a partir do subtítulo do romance, ou seja, “Quando a Rede Poderosa de Televisão se confronta com os Lordes da Testosterona alguém vai acabar se dando mal”. Merece transcrever algum excerto da narrativa:

“Ferreti, o produtor regional da matéria do assassinato gay em Forte Bragg, já estava em Fayetteville há semanas, e toda vez que chamava Irv em Nova York contava causos de guerra do Bragg Boulevard. Além disso, no estúdio de Nova York, Irv havia passado um número incontável de horas monitorando as transmissões ao vivo, direto do DMZ, típica espelunca topless do Bragg Boulevard. O que no Brag Boulevard, então, poderia se constituir em novidade para Irv? Mesmo antes de chegar lá, no dia anterior, Irv tinha na cabeça o retrato fiel desse lugar espalhafatoso e infernal.”33

Enfim, próximos de encerrar esse ensaio sobre o caso dos novelistas norte-americanos do século passado, fazemos uma auto-crítica e auto-avaliação: se, por um lado reconhecemos haver deixado de falar sobre grandes livros – de prazeirosa leitura-, como O velho e o mar, de Ernest Hemingway e obras de William Faulkner e muitos outros autores tão interessantes da literatura dos EUA, por outro lado, a opção de descrever somente as leituras recentes que fizemos, nos animam a supor servir de bússola para investidas mais profundas da parte dos eventuais leitores destes ensaios acerca do cinema e da literatura.

Alea jacta est. Está lançada a sorte, posto o desafio a você, caro leitor!

Notas Finais

1Professor aposentado da Universidade Federal do Ceará

2Saul Bellow, nasceu em Quebec em 1915 e só foi naturalizado americano em 1941. Foi galardoado com o premio Nobel da Literatura em 1976, tendo falecido em 2005, com quase 90 anos, e publicou grandes obras como Na corda bamba, Morrem mais de mágoa, As aventuras de Augie March, Ravelstein, O legado de Humboldt, Herzog, sendo considerado um dos maiores romancistas americanos do pós-guerra.

3Toni Morrison nasceu em 1931 em Lorain, Ohio, e recebeu o Premio Nobel de Literatura em 1993, tendo escrito onze romances, dentre os quais se destacam, com tradução para o português, Amada (1987), adaptado para o cinema, e tendo estreado nas letras em 1970, com O olho mais azul, veio a falecer, em agosto de 2019. Publicou ainda Paraíso, Amor, Jazz, Compaixão, Song of Salomon, Deus ajude essa criança, Sula e outras três novelas, as quais demonstram se tratar de uma das maiores ficcionistas da América, a primeira negra a ser galardoada pela Suécia por obra que não se afastou do seu tema central: a condição da mulher negra nos EUA.

4VIDAL, Gore: “ De fato e de ficção- Ensaios contra a corrente”, Cia. das Letras, tradução de Heloisa Jahn, São Paulo, 1987, pag. 170.

5VIDAL, Gore: “ De fato e de ficção- Ensaios contra a corrente”, Cia. das Letras, tradução de Heloisa Jahn, São Paulo, 1987, pag. 24. A biografia de Gore Vidal, por si só já demonstra a familiaridade do ensaísta norte-americano com temáticas políticas, literárias e gays, porquanto tendo nascido em 1925, na Academia Militar de West Point (NY), de pai instrutor de aeronáutica, desde 1946 publicou seu primeiro livro, Williaw, cujo sucesso escandaloso se explicava, em parte, por tocar no tabu do homossexualismo, e logo, publicou uma trilogia sobre política Burr, 1876, Washington D.C.. Terminou se destacando como um dos mais mordazes ensaístas dos EUA, além de romancista que publicou Criação e Juliano, À procura de um rei, Verde escuro, Messias, Vermelho brilhante, Myra Breckinridge, O julgamento de Páris, além de muitos roteiros para a TV e Cinema, tendo falecido em 2012.

6Apud VIDAL, Gore, op. Cit. Pag 25

7Contos publicados pela Editora L&PM Pocket, com tradução de Cássia Zanon e William Lagos, 2010, que demonstram ter afirmado com segurança, John O´Hara sobre o colega contista F. Scott: “Fitzgerald era melhor escritor do que todos nós juntos”.

8Afirmação feita nos idos de 1976, na sexta edição do seu livro de ensaios citado, anteriormente. Imagine hoje (2021), quase meio século depois do comentário de Vidal, a impressão de Scott Fitzgerald ainda teria algum acerto?

9Francis Scott Fitzgerald (1896-1940), autor norte-americano casado com Zelda Zayre, tendo publicado entre 1920 e 1940, quatro romances, desde This side of paradise- Este lado do paraíso (1920), The beautiful and the damned – Os belos e os malditos (1922), The great Gatsby (1925), Tender is the night- Suave é a noite (1934), e, dois últimos, publicados post-mortem: The Crack-up – O colapso e, The Last Tycoon ( O último magnata, 1940). Scott Fitzgerald trabalhou em uma dúzia do roteiros para cinema e publicou, ainda, 160 contos e alguns fragmentos de autobiografia. Seu amigo, desde os tempos de Princeton, Edmund Wilson, compilou os dois últimos textos de Fitzgerald e quando, os publicou, chamando-o de The Crack-Up , o escritor falido foi inteiramente, ressuscitado. Afirma Gore Vidal que Scott Fitzgerald, a partir de 1945, foi objeto de centenas, talvez milhares de biografias, estudos críticos e teses de doutorado, teses acadêmicas nas universidades americanas. E mais: “ Por ironia, o cinema – que tanto fascinara e frustrara Fitzgerald- atualmente transformou-os (ao Fitzgerald) e a Zelda em enormes monstros míticos, eternamente rodopiando valsas vienenses rumo ao último rolo, onde explodem como um par de pistolões num chuvoso 4 de julho – infiéis e queridos desencantados.” In apud Op. Cit. Gore Vidal, in Pag.25

10VIDAL Gore: op. Cit. Pag. 25

11Observemos que nos anos 60, esses escritores, Scott e Zelda, representavam uma indústria acadêmica de peso; mesmo em décadas posteriores, tal pletora de biografias e interesses por suas vidas, talvez mais que por seus escritos, continuam a dar “ibope” nas universidades americanas; Exemplo disso são as publicações do professor Matthew J. Broccoli, The notebooks of F. Scott Fitsgerald (Cadernos de nota), o qual inclui todas as 2078 notas dos cadernos do famoso escritor, bem como Correspondance of F. Scott Fitzgerald, contendo cartas de, e para, Scott Fitzgerald.

12Vide os cinco primeiros capítulos do nosso livro de Ensaios de literatura e cinema, da Editora ABC/AIADCE, Fortaleza, 2011, onde é feita uma apreciação e avaliação historiográfica do período clássico do cinema, no mundo, e sobre as principais correntes cinematográficas, da Escola Russa ao neo-realismo italiano, da nouvelle vague ao cinema independente norte-americano, dos finais dos anos 60.

13FOSTER C. Thomaz: “Para ler romances como um especialista”, Edit. Leya, S. Paulo, 2011, tradução de Maria José Silveira, pag. 228. O autor procura que nós leitores (seus) “aprendamos a ler nas entrelinhas dos maiores clássicos da literatura”.

14E olhem que não estou me referindo a uma crítica de cinema como a norte-americana Pauline Kael, de reconhecida estatura, igualmente mordaz e devastadora de filmes B, tipo Grande Gatsby, em diversas versões, bastando ver seu tratado sobre a construção ou produção do célebre Citizen Kane, traduzido para o Brasil sob o título “Desconstruindo mister Kane”, verdadeira antecipação do relato fílmico, em voga na Netflix, sob o título Mank, destrinchando o roteiro de mister Kane, de Orson Welles, pela acuidade criativa e embriagada da história tumultuosa de Herman J.Mankiewscz e sua luta contra Welles pelo crédito do texto de célebre longa de 1940.

15Atente-se para o “gemido dolorido e lancinante”, contido no livro do poeta Allen Ginsberg, Uivo, o qual juntamente com o “brado irreverente e drogado” do outro escritor contemporâneo, William Burroughs, no romance “Almoço nu”, formaram a tríade literária e revolucionária dos costumes retratados em obras-primas ao fundir “ação, emoção, reflexão e ambiente”, segundo Eduardo Bueno, a influenciar “os movimentos de vanguarda, do be bop ao rock, o pop, os hippies, o movimento punk e tudo o mais que sacudiu a arte e o comportamento da juventude na segunda metade do século XX”. Apud introdução e posfácio da edição da L&PM Pocket, da obra On the Road, de Kerouac, traduzida por Eduardo Bueno, uma das melhores editadas no Brasil.

16John Steinbeck nasceu em 1902, na Califórnia, tendo exercido várias atividades profissionais, como aprendiz de pintor, químico, carpinteiro, etc, antes de decidir-se por escrever, seriamente; publicou pela editora Penguins, o quarto romance, Tortilla Flat (Boemios errantes, 1935) , embora somente em 1935, sua literatura despertou interesse, tendo escrito várias peças e novelas, muitas das quais adaptados pelo cinema, como Of Mice and Men (Ratos e Homens), The Grapes of Wrath (Vinhas da Ira), Pearl (1947) (A pérola), East of Eden (1952) A leste do Éden, O inverno da nossa desesperança (1961), The moon is down, The short reign of Pippin IV, e Travel with Charley, e alguns outros menos romances de menor expressão. Faleceu em dezembro de 1968.

17Obra traduzida citada, pag. Pag. 5. No original: “ To the red country and part f the grey country of Oklahoma the last rains came gently, and they did not cut the scarred earth. The ploughs crossed and recrossed the rivulet marks. The last rains lifted the corn quickly and scattered weed colonies and grass along sides of the roads so that the grey country and the dark red country began to desappear under a green cover... in the roads where the teams moved, where the wheels milled the ground and the hooves of the horses beat the ground, the dirt crust broke and the sust formed”. Op. Cit, “The grapes of whath”, penguin books ltd, Middlesex, England, 1939, pag. 5

18Obra e tradução citadas, pag. 542. No original da editora penguin : “ For a minute Rose of Sharon sat still in whispering barn... Then slowly she lay down beside him. He shook his head slowly from side to side. Rose of Sharon loosened one side of the blanket and bared her breast. `You got to,´ she said. She squirmed closer and pulled his head close. `There.` Her hand moved behind his head and supported it. Her fingers moved gently in his hair. She looked up and across the barn, and her lips came together and smiled mysterously.” Op. Cit. Pag. 416.

19Curioso o didatismo do autor norte-americano, da Universidade de Michigan, na medida em que a cada novo capítulo de seus livros, vem inserida uma relação dos autores comentados(observe-se que, com frequencia, consta os novelistas norte-americanos que referimos, aqui, especialmente, Toni Morrison, a quem Thomas Foster tanto admira), bem como a sua lista de leituras, ao final de cada livro, com a intenção clara de possibilitar ao leitor memorizar ou prestar um pouco de atenção e interesse na leitura dos romances e novelas, dos quais as orientações ou comentários dele não alcançou ou esgotou. Interessante complemento e desafio, consta ainda dos livros citados, é dizer, uma lista de filmes para ler e fontes secundárias, a preceder a aula magistral.

20Editado, no Brasil, pela Cia. das Letras, o escritor Philip Roth, tem sua obra completa (mais de 30 romances) publicada pela prestigiosa editora norte-americana Library of America, desde “Adeus, columbus”, livro de estreia do autor, em 1959, incluindo entre tantos, O Animal agonizante, O avesso da vida, Casei com um comunista, O complexo de Portnoy, Complô contra a América, Entre nós, Fantasma sai de cena, Homem comum, A Humilhação, Indignação, A marca humana, Nêmesis, Operação Shylock, Pastoral americana, Patrimônio, O professor do desejo, O teatro de Sabbath, Zyckerman acorrentado. Dentre seus livros, alguns foram adaptados para a linguagem do cinema, tais como Goodbye, Columbus (1969), O complexo de portnoy (1972) e outros.

21Tom Wolfe nasceu em 1931 e faleceu em maio de 2018, aos 88 anos, após ter publicado o célebre “A Fogueira das vaidades” e Emboscada no Forte Bragg, e ser considerado o papa do new journalism.

22John Updike, nascido em 1932 e falecido em 2009, escreveu mais de 50 livros, entre romances, poesia, contos e ensaios.

23Exemplar lido: Companhia de bolso, editora Schwarcz, com tradução de Jorio Dauster, 1ª edição, S. Paulo, 2017

24Videas dezoito coisas que a primeira página pode lhe dizer”, ou seja, sugestões e esclarecimentos fornecidos pelo professor da Universidade de Michigan, Thomas C. Foster em seu livro “Para ler romances como um especialista”, editora lua de papel, S. Paulo, 2011, pags. 16 a 25.

25Exemplar lido: Companhia de bolso, editora Schwarcz, com tradução de Jorio Dauster, 1ª edição, S. Paulo, 2014.

26O texto de Gore foi publicado, pela primeira vez, em 18/10/1973, pela New York Review of Books. A ânsia de obtenção de paz no império americano, pelo ensaísta Gore Vidal, parece se encontrar cada vez mais distanciada da realidade política do mundo, interna e externamente. A noticia divulgada pelo jornal Folha de S.Paulo, edição de 27.01.2021, pag. A11, nos preocupa, quando cuja manchete diz que: “ À espera de Biden, China mede força com EUA” Ora, a matéria dá notícia de um documento do Pentágono, do final do ano passado, no qual foi dito que a “marinha americana teria de ser mais agressiva para tolher as intenções expansionistas da China no Pacífico e os movimentos da Rússia, principalmente nos mares Negro e Báltico”. Concordamos com o depoimento da premier Ângela Merkel, em palestra no Forum Econômico Mundial, em 26.1.21, quando afirmou que “o Mundo não pode ser forçado a escolher entre dois lados”; o multilateralismo como instrumento de resolução de conflitos deve ser buscado, porquanto demonstrações militares de força em nada contribuem para diminuir os riscos de um apocalipse atômico global, em função da possibilidade, cada vez mais real e concreta, de um encontro acidental das forças norte-americanas ou chinesas, rivais entre si.

27Apud New York Review of Books, onde o texto transcrito, de autoria de Vidal Gore foi publicado, pela primeira vez, em 18/10/1973, o qual, demonstra o caráter profético de suas previsões e análises, na medida em que os EUA estão divididos e, ao que parece, meio século após, à beira de uma guerra civil; e, o mencionado texto constitui um dos capítulos do referido livro de ensaios, “De fato e de ficção” cit. Pags. 251/271.

28Vide os tantos comentários desse analista político via Youtube, cuja visão eurasiana, ventila a discussão da matéria.

29ROTH, Philip : “Me casei com um comunista”, tradução de Rubens Figueiredo, Cia. de Bolso, S. Paulo, 2014, pags. 125/126.

30A editora Cia. das Letras publicou os seguintes livros de Updike: Consciência à flor da pele, Bem perto da costa, Coelho corre, Coelho em crise, Coelho cresce, Coelho cai, Brazil, Uma outra vida, Na beleza os lírios, Bech no beco, Gertrudes e Cláudio, Coelho se cala, Busca o meu rosto, Terrorista, Cidadezinhas e As viúvas de Eastwick. Neste último, Updike aborda temáticas como a atmosfera entediante, para não dizer, asfixiante, das cidades provincianas do interior norte-americano, bem como o tema do desespero que acomete seus personagens por ocasião da chegada da meia-idade. Comungo dessa interpretação de John Updike, porquanto ao ter vivido, seis meses, numa cidadezinha do interior do Alabama(EUA), em Birmingham, senti na própria pele a atmosfera asfixiante de uma cidade provinciana norte-americana.

31FOSTER, Thomaz C.: “Para ler literatura como um professor”, Editora Lua de Papel, tradução de Frederico Detello, S. Paulo, 2010, pags.117/119.

32Tradução de Toni Marques, editora Rocco e L&PM Pocket, Porto Alegre,2008, Embora o romance “A fogueira das vaidades” (adaptado para o cinema) tenha traçado uma visão ácida e perturbadora da era yuppie dos anos 80, e se tornado um texto mais famoso e conhecido, o novelista do “jornalismo de invenção”, Tom Wolfe, desenvolveu uma habilidade de conduzir ao universo ficcional a realidade social e política da última década final do século XX, na América, com seu texto sobre uma Emboscada no forte Bragg.

33Wolfe, Tom: “Op. Cit.” Pag. 37. Observar o conjunto de comparativos atribuídos pelo autor ao protagonista,” Irv Durtscher, o Costa Gravas do jornalismo investigativo da TV, o Goya da paleta eletrônica” , sempre revelando uma ficção calcada na realidade atual, do universo da TV.

Referências bibliográficas:

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LEE, Harper: To kill a mockingbird, Warner Books, NYC, 1982.

MORRISON, Toni: “Compaixão”, Companhia das Letras, S. Paulo, tradução de José Rubens Siqueira, 2009

MORRISON, Toni: “Amor” , Companhia das Letras, S. Paulo, tradução de José Rubens Siqueira, 2005

MORRISON, Toni: “ Voltando para casa”, Companhia das Letras, S. Paulo, tradução de José Rubens Siqueira, 2016

ROTH, Philip: “Casei com um comunista”, Companhia de Bolso, tradução de Rubens Figueiredo, S. Paulo, 2014

ROTH, Philip: “Patrimônio”, Companhia de Bolso, tradução de Jorio Dauster, S. Paulo, 2017

SCOTT FITZGERALD, Francis: “O diamante do tamanho do Ritz, L&PM Pocket, Porto Alegre, Tradução de Cassia Zanon e William Lagos, 2006

SCOTT FITZGERALD, Francis: “O Grande Gatsby”, L&PM, Porto Alegre.

STEINBECK, John: “As vinhas da ira”, Edibolso, Tradução de Herbert Caro e Ernest Vinhaes, S. Paulo, 1978

UPDIKE, John: “As bruxas de Eastwick”, Companhia de Bolso, S. Paulo, tradução de Fernanda Abreu, 2010

UPDIKE, John: “Gertrudes e Cláudio, Companhia das Leetras, S. Paulo, tradução de Paulo Henriques Britto, 2001

VIDAL, Gore: De fato e de ficção, Companhia das Letras, S. Paulo, tradução de Heloisa Jahn, S. Paulo, 1987