Abstract
The films Her (Spike Jonze, 2013) and Ex Machina (Alex Garland, 2015) are works often framed in the genre of science fiction. In this essay, we will seek to identify narrative elements that confirm their “science fiction” status, as this is considered an inflection point. At first, the theme of alterity and the representations of the Other will be problematized, as these are founding elements of the genre in question. Then, a reflection on human-machine relations and their articulations with gender theories will be proposed; namely, Feminist Science Studies, which use technological advances as an interpretive key for new meanings of gender categories. In this field, a dialogue will be established with Donna Haraway, Judith Butler, Judith Halberstam, among others. It is understood that in the works in question there is an overlap between machine, female gender and the figure of the Other, which causes attraction and repulsion simultaneously. In this sense, it will be demonstrated how the representations of the female body also occupy a privileged place in the imaginary of science fiction and in our current technoscientific context. In other words, this is about perceiving the ways in which science fiction genre imaginatively inserts women into the history and future of science and technology.
Keywords: Science Fiction, Gender, Body, Human, Machine.
Introdução
Os filmes Her (2013) e Ex Machina (2015) são duas obras cinematográficas assumidamente enquadradas no género de ficção científica. Neste trabalho, será feito um esforço de identificação dos temas e questões levantadas pelos filmes que confirmem seu estatuto de ficção científica. Este exercício torna-se necessário pois chegar a um consenso sobre o género nem sempre é uma tarefa simples. Em Critical Terms for Science Fiction and Fantasy (1986), uma espécie de glossário sobre o género, Gary K. Wolfe identifica mais de trinta definições para este. O título da obra já nos leva a uma indagação que está na própria génese do termo: como a ficção científica se articula com a literatura de fantasia? Qual o seu lugar dentro da ficção imaginativa? E qual a influência – ou o impacto, se pensarmos na chamada soft science fiction1, surgida na segunda metade do século XX – da própria ciência dentro de obras tão diversas mas ainda assim abarcadas pelo género? Mesmo diante da imprecisão conceitual, alguns temas e elementos são facilmente identificáveis como próprios ao género2. Neste trabalho, será adotada a seguinte perspectiva, tirada de uma enciclopédia publicada em 2001:
A ficção científica é uma forma de literatura fantástica que tenta retratar, em termos racionais e realistas, tempos futuros e ambientes que diferem dos nossos. No entanto, mostra estar consciente das preocupações dos tempos em que é escrita e provê um comentário implícito sobre a sociedade contemporânea, explorando os efeitos, materiais e psicológicos, que qualquer tecnologia nova pode ter sobre ela. Quaisquer mudanças que tiverem lugar na sociedade enfocada, e também quaisquer acontecimentos futuros que forem extrapolados, deverão basear-se em uma teoria, científica ou não, encarada em forma comedida e considerada. (Mann 2001, 6 apud Cardoso 2006, 18)
A ficção científica é aqui definida como uma narrativa mimética. Ela é a reformulação de uma experiência que já existe, sem de todo se tratar de uma mera imitação: ela re-encena, traz à luz, elementos do mundo empírico e adiciona a extrapolação poética própria da ficção. Para Wolfe, na esteira de Robert Scholes, o termo “fabulação” pode ser usado para designar a ficção que apresenta um mundo radicalmente descontínuo em relação ao nosso mundo, embora mantenha com este um vínculo cognitivo (Wolfe 1986, 35). De forma semelhante, Darko Suvin descreve a ficção científica como uma narrativa situada numa estrutura histórica alternativa, que opera [sobre o leitor] através da técnica de “desfamiliarização ou estranhamento” (Yaszek 2008, 53), localizando-se no registro das transições entre realidade e imaginação. Ou seja, a ficção científica recria mundos atuais enquanto mundos possíveis – inclusive porque, em geral, tais narrativas se passam num tempo futuro, por mais próximo que seja3. Enquanto narrativa, ela surge como o terreno ideal para a construção de desafios imaginativos. Ou, como sugere Judith Butler, “[literary narrative is] a place where theory takes place” (Butler 1993 apud Hollinger 1999).
Aqui, surge o segundo elemento do termo: seu aspecto científico. Os dois filmes neste trabalho analisados – sobretudo Her – são encarados como soft science fiction; isto é, as tramas têm como foco principal as personagens (humanas e maquínicas) e suas relações intersubjetivas, enquanto colocam em segundo plano os pormenores do instrumental tecnológico e das leis da ciência. Em Ex Machina, a ciência adquire um peso narrativo maior; mas apesar de o protagonista ser de facto um cientista, o que está em jogo é principalmente uma filosofia da ciência e suas implicações éticas. É nesta relação entre humanos e não-humanos (cyborgs femininos) que surge, em ambos os filmes, um [não tão] novo elemento próprio ao género: a alteridade, a relação com o Outro diferente e alienado.
O Outro na ficção científica
O romance Frankenstein (1818), de Mary Shelley, é amplamente reconhecido como a primeira obra de ficção científica. Ele se constitui como um delimitador de fronteiras na medida em que abandona elementos sobrenaturais, próprios ao romance gótico, e introduz a ciência como elemento de ficção (Tymn 1985). Mas este é também uma narrativa de alteridade, sobre o Outro que, apesar de fabricado pelo humano, é tido por este como monstro. Sem entrar numa análise específica da história enquanto “Prometeu Moderno” – o problema da hybris, e das tensões entre criador e criatura – a trama também inaugura a tradição dos monstros na ficção científica, o que é flagrante nas histórias de encontros e invasões alienígenas, que lançam à luz o “Outro alienado” no meio de nós humanos.
Em On Stories (2002), Richard Kearney faz uma análise acurada do filme Men in Black (1997) e destaca o fenômeno norte-americano da “alienfobia”. Seu crescimento ocorreu, na América, principalmente durante a Guerra Fria: às paranoias de espionagem somou-se a excessiva preocupação com as “fronteiras porosas” do país. Kearney ressalta, por exemplo, que a fronteira com o México é o local onde há mais registros de aparecimento de OVNIs, nos Estados Unidos da América; e relembra a sequência de abertura de Men in Black, na qual trabalhadores desta fronteira subitamente se metamorfoseiam em criaturas extraterrestres.
Os apontamentos de Kearney são especialmente relevantes à análise que se pretende desenvolver dos filmes Her e Ex Machina por dois motivos: 1) é nas fronteiras porosas entre humano e não-humano, e géneros feminino e masculino, que os filmes circulam; 2) Kearney, neste capítulo intitulado “America and it’s “Others”: Frontier Stories”, demonstra que o alien, esse Outro que provoca repulsa, invade as feridas humanas. No sentido literal e figurado, já que os aliens penetram nos corpos humanos mas também mascaram as fraturas inerentes à própria sociedade4. Eles dizem respeito, portanto, às relações de alteridade presentes dentro do próprio corpo social e político. E, pelo menos desde a Revolução Industrial e dos movimentos pelos Direitos das Mulheres, a máquina e a mulher podem ser consideradas esse Outro, o alien que provoca fraturas na sociedade - nos mundos do trabalho e da casa. “Girls and women are the ultimate outsiders, so it makes sense that they would understand the role of the alien and try to subvert [it]”, afirma Kathleen Ann Goonan (Goonan 2016, 344). Há aqui, portanto, o encontro entre duas categorias que se reconhecem pelo lugar – o lugar do Outro – que ocupam no imaginário do chamado patriarcado Ocidental: o alien e a mulher.
Seguindo esta ideia, é correto afirmar que, no pensamento Ocidental, existe uma construção da “mulher ideal”: aquela que é altruísta, generosa, agradável, uma fonte de prazer, que vive para servir e satisfazer seu companheiro. Nas palavras de Virginia Woolf, a woman-angel é concebida como “immensely sympathetic, immensely charming, utterly unselfish . . . [and] so constituted that she never had a mind but preferred to sympathize always with the minds and wishes of others” (Woolf 1931, 3) – esses “outros” são justamente os porta-vozes do que aqui é denominado como patriarcado Ocidental. Aquelas que não se enquadram perfeitamente na mística feminina descrita por Woolf pertencem – assim como o alien – à categoria de “monstro”: a criatura que circula pelas fronteiras, que está entre o real e o imaginário, entre o humano e o não-humano; ela é o desvio que ao mesmo tempo normaliza os demais.
Seu desvio em relação aos paradigmas do nosso esquema de classificação chama imediatamente nossa atenção. É uma força de atração; atrai a curiosidade, isto é, torna-os curiosos; convida à interrogação sobre suas surpreendentes propriedades. Queremos ver o incomum, ainda que ele seja, ao mesmo tempo, repelente. Os monstros (…) são repelentes por violar categorias vigentes. Mas, pela mesmíssima razão, também chamam nossa atenção. São atraentes, no sentido de provocar interesse, e são a causa, para muitos, de uma atenção irresistível, mais uma vez, justamente por violar categorias em vigor. (Carroll 1999, 267)
Aqui chegamos à questão central de Her e Ex Machina: as representações da máquina, sempre em sua interação com o humano, e, mais importante, da máquina dotada de género feminino. Em ambas as narrativas, a sobreposição destas características será o fio condutor das tensões entre as personagens. Há, portanto, uma dupla alteridade: entre o humano e a máquina, e entre o feminino e o masculino. Vale ressaltar que esta não é uma característica apenas interna às tramas; tanto Spike Jonze como Alex Garland – ambos realizadores e guionistas dos filmes – são homens brancos, ricos e de países do chamado “Primeiro Mundo” (Estados Unidos e Inglaterra). Não por acaso, tanto Samantha como Ava são “criaturas”, um sistema operacional e uma cyborg, codificadas e configuradas por homens. Mesmo que não se possa fazer uma associação direta entre a biografia do autor e sua obra, parece claro que tanto Jonze como Garland se referem a sociedades e relações interpessoais que conhecem mais ou menos de perto, mesmo que suas intenções sejam criticá-las5. Novamente, as conexões entre ficção e realidade se reafirmam como inerentes ao género de ficção científica.
Nesse sentido, ao falar sobre o cenário tecnológico contemporâneo, Katherine Hayles (2006) relembra que nós somos aquilo que nós fazemos6. Esta é a evolução cultural – e para ela também biológica – do humano (ou do pós-humano). E isto significa perceber que a forma como a máquina é criada fala muito, ou mais, sobre seu criador. Ou seja, quando a tecnologia muda, as relações sociais são redefinidas; e quando as relações sociais se redefinem, a tecnologia por sua vez também é alterada (Halberstam 1991) – o que nos permite, mais uma vez, constatar que a ficção científica, enquanto representação do entrelaçamento humano, sociedade e tecno-ciência, se torna a ficção da atualidade por excelência.
As identidades cyborg
Her e Ex Machina são, fundamentalmente, histórias que vislumbram possíveis relações entre o humano e a máquina, ou criador e criatura. Primeiramente, Samantha (voz de Scarlett Johansonn) e Ava (Alicia Vikander) são ambas construídas como Inteligências Artificiais (IAs). Elas são codificadas e formatadas a partir dos dados gerados por nós, humanos, e compartilhadas online – constituindo o famoso Big Data. Nathan (Oscar Isaac), protagonista de Ex Machina, é um cientista que aos 13 anos criou o código do Blue Book, ao “hackear” sistemas de computação e recolher as informações disponíveis. Assim, criou a IA que resultou em Ava. Já Samantha, em Her, evolui através das interações com seu usuário e do contato com os dados compartilhados na rede. Ela está dentro do computador de Theodore (Joaquin Phoenix) e tem acesso a todas as informações disponíveis online. Tanto Ava como Samantha são feitas à imagem e semelhança do homem/humano. E mais do que isso: elas são espelhos de seus próprios criadores e/ou usuários.
Theodore, em Her, compra o Sistema Operacional (OS) para suprir uma carência – ou recompor-se após uma separação conjugal traumática. Ele cria Samantha como uma extensão de seu próprio desejo de se relacionar. E, não por acaso, dá a ela o género feminino (o nome é ela própria que escolhe, pouco depois de ativada). Na verdade, Theodore define que Samantha tenha uma voz de mulher, já que esta não possui um corpo físico. A ausência de corporeidade faz com que Samantha não possa ser precisamente enquadrada na definição de cyborg, tal como sugerida por Donna Haraway em seu Cyborg Manifesto (2000). Para que se torne um “organismo cibernético, híbrido de máquina e organismo” (Haraway 2000, 50), ela depende de uma estreita ligação com Theodore. É através do corpo deste que Samantha se conecta com o mundo material; por outro lado, é através dos estímulos de Samantha que Theodore re-escreve a narrativa de sua vida amorosa e social. As personagens, juntas, constituem o que podemos denominar um “panorama cyborg”. Já Ava, em Ex Machina, possui a materialidade do corpo maquínico, dotado de género feminino – o que a insere no paradigma cyborg e, num primeiro momento, sugere alguma independência na sua forma de estar e se movimentar no mundo. Mas ela é também uma projeção das aspirações científicas de seu criador – afinal, sua própria existência confirma o estatuto de “génio cientista” de Nathan. Ava é ainda posta à prova por Caleb (Domnhall Gleeson), um homem também solitário, convidado a avaliá-la no Teste de Turing7. E também o faz a partir de seu próprio desejo de envolver-se com alguém – não necessariamente numa relação de alteridade, como veremos.
Andreas Huyssen, no exame que faz de outro filme de ficção científica, Metropolis (Fritz Lang, 1927), afirma que a criação da máquina, dotada de género feminino, é o resultado da sublimação dos desejos sexuais de seu criador, como num mito de Pigmaleão revisitado. Mas, para o autor, trata-se muito mais de um desejo libidinal de criação do Outro, da mulher, usurpando-a de sua própria autonomia enquanto Outro: “It is the much deeper libidinal desire to create that other, woman, thus depriving it of its otherness. It is the desire to perform this ultimate task which has always eluded technological man” (Huyssen 1986, 71). Nesse mesmo sentido, Haraway chama a atenção para a tradição de reprodução do ser a partir dos reflexos do outro (2000, 51), constatação explícita no diálogo entre Caleb e Nathan, quando o primeiro afirma que falar com Ava é como passar para “o outro lado do espelho” (Garland 2013, 24). O caso de Nathan é ainda mais extremo: através de Ava, reafirma sua identidade e seu poder como cientista, mas também alimenta seus desejos sexuais, já que a programou com o género feminino e com sensores “entre as pernas”, em suas palavras (ibid. 56). Dispositivos estes que, quando estimulados, a fazem sentir prazer sexual. Também como um espelho de seu usuário, Samantha, em Her, enquanto OS, responde basicamente ao que Theodore quer ou espera ouvir. Sua própria experiência parte das memórias de Theodore, e assim o que se vê ao longo do filme é um reencontro de Theodore consigo. Além disso, Samantha está sempre disponível: basta que ele ligue o dispositivo e ela surge instantaneamente, como uma auto-imagem refletida no espelho.
Mas com o desenrolar das tramas, e à medida em que Ava e Samantha evoluem tanto nos atributos tecnológicos como nas semelhanças com comportamentos humanos – o que, no caso, também constitui uma evolução tecnológica, ocorre uma espécie de “grito de independência” de ambas em relação a seus criadores. Suas identidades, assim como as das personagens humanas, são postas em cheque e se confundem progressivamente. Em Her, há uma crescente dependência emocional de Theodore em relação à Samantha. Ele já começa o filme fragmentado emocionalmente, desconectado de si e do mundo exterior. Se Samantha depende de Theodore para confirmar sua própria identidade cyborg (e, consequentemente, ter algum nível de humanidade, como almeja), é ele que “retorna à vida” ao ver o mundo através dos “olhos” de Samantha – com o auxílio do dispositivo que liga ao seu corpo, com câmera e áudio. Por outro lado, o facto de Samantha não ter corpo, que a princípio seria uma limitação, torna-se também um fator de liberdade. Por exemplo, quando diz estar apaixonada por mais de 600 interlocutores com quem interage simultaneamente online (Jonze 2011, 98), há uma ruptura com a tradicional concepção da mulher enquanto amante leal e monogâmica – a woman-angel de Woolf, altruísta e generosa, feita para servir e satisfazer os desejos de seu companheiro. E a narrativa, por sua vez, introduz a hipótese de que sua experiência seja talvez tão ou mais interessante do que a humana8. No sentido inverso, em Ex Machina, após algumas interações com Ava e já atraído pela mesma, Caleb corta a pele de seu braço com uma navalha para checar se ele também não possui uma parte maquínica. Nesse momento, coloca em questão sua própria humanidade e aponta para aquilo que Haraway (2000, 50) denominou como nossa “ontologia cyborg”.
Mas em seu Manifesto, além de ressaltar o inevitável entrelaçamento do humano com a máquina, Haraway opõe-se fundamentalmente à estrutura binária do pensamento Ocidental, propondo uma revisão epistemológica a oposições conceituais tradicionalmente cristalizadas – como natural/artificial, corpo/mente, masculino/feminino, entre outras. Desta forma, estabelece também uma crítica ao que chama de feminismo “essencialista”, e a uma compreensão da condição feminina como algo natural, utilizando-se da tecnologia -– através da figura do cyborg – para demonstrar o aspecto também artificial da construção de géneros. É nesta artificialidade que género e máquina se encontram, nas figuras de Ava e Samantha.
Sexualidade cyborg e desconstrução de géneros
As IAs femininas, em Her e Ex Machina, foram construídas para atender aspirações afetivas ou corresponder a desejos sexuais masculinos. A relação estabelecida entre as personagens das narrativas se dá, portanto, dentro de um sistema binário de géneros. Isto é, a figura feminina é construída ao bel-prazer de seus criadores homens. Em Ex Machina, por exemplo, quando assistimos à cena de sexo com a robô Kyoko, torna-se evidente que Nathan não está apenas a fabricar inteligências artificiais, mas também mulheres artificiais. Mas os filmes também levantam questionamentos sobre em que consiste ser mulher -– e, logo, homem -– neste contexto no qual a máquina e o humano surgem como categorias que se interpenetram. Afinal, se assumirmos que as características humanas de Samantha e Ava são resultado do trabalho de seus programadores, seus géneros são um desdobramento desta mesma programação de códigos informacionais. Ou seja, são fabricados artificialmente.
É aqui estabelecida uma relação de complementaridade entre identidade de género e tecnologia, alegorizando a afirmação de Judith Halberstam: “gender, we might argue, like computer intelligence, is a learned, imitative behavior that can be processed so well that it comes to look natural”9. A autora chama ainda a atenção para a existência de uma grande narrativa que trata as máquinas de forma negativa, como algo perigoso. Isto teria começado com a Revolução Industrial e se aprofundado a partir dos anos 1950, com as tecnologias de guerra (Halberstam 1991. 444). E, segundo Huyssen, a demonização da tecnologia também deu um género a essas máquinas:
As soon as the machine came to be perceived as demoniac, inexplicable threat and as the harbinger of chaos and destruction… writers began to imagine de Maschinenmensch as woman… Woman, nature, machine had become a mesh of signification which all had one thing in common: otherness. (Huyssen 1986, 68)
O medo das máquinas foi então transformado em medo do feminino, pois assim como as máquinas, as mulheres também se tornaram uma ameaça em potencial à hegemonia do patriarcado Ocidental. E Halberstam vai além ao dizer que a verdadeira ameaça está na união da mulher com a inteligência da máquina, na figura do cyborg. Mas é essencialmente a autonomia que gera o medo do Outro, seja ele máquina, mulher ou – ainda mais grave – a woman-machine. Isto explica, em parte, o porquê de as personagens femininas de Her e Ex Machina -– a fusão de mulher e máquina -– começarem os dois filmes como reféns dos desejos das personagens masculinas.
Como já foi dito, em Her, Samantha é definida como mulher pela voz e pela linguagem com que se comunica com Theodore. O romance deles se dá, sobretudo, como algo mental, do campo da razão ou da imaginação - “gender is now disassociated from the ‘natural’ body, and the gap between body and performance has become too great to ignore” (Hollinger 1999). Mesmo a cena de sexo entre os dois é puramente imaginativa, quando a tela fica escura e nós só ouvimos suas vozes. Mas, ao longo do filme, Samantha é exposta a uma quantidade tão grande de dados disponíveis online que mesmo ela, enquanto OS, tem dificuldade de os processar. Theodore mais ainda. Esta dificuldade se traduz numa ruptura com a própria linguagem humana. Ela passa para uma linguagem pós-verbal, definida, por Samantha, como o “espaço infinito entre as palavras” (Jonze 2011, 102). E se é a voz que a define enquanto mulher, há aqui também uma fragmentação de seu género, um direcionamento ao que podemos chamar de pós-género.
Voltando à supracitada definição de Haraway sobre nossa ontologia cyborg, ela diz ser este um organismo cibernético, híbrido de máquina e organismo, criatura de realidade social e de ficção. Mas ao longo de seu Manifesto, é demonstrado que é este o self que o feminismo precisa codificar. A emancipação feminina, neste caso, vem de sua própria fusão com a tecnologia, na aceitação do género feminino como algo artificial, programado e que, portanto, também não deve estar preso a qualquer definição cristalizada. A identidade de género é aqui redefinida enquanto uma categoria fraturada e a falta de definição concreta é tida como algo positivo. Consequentemente, não haveria nada em ser mulher que una naturalmente as mulheres; não existiria um “estado” mulher. O género feminino é, portanto, um conceito evasivo e que assim deve permanecer. O cyborg feminino é, desta forma, para Haraway, uma construção de consciência; é o auto-reconhecimento de um ser-que-não-é e que rejeita as dicotomias de género e da relação humano-máquina.
Curiosamente, Ava, em Ex Machina, tem um percurso diferente do de Samantha. Muitas críticas ao filme ressaltaram o “empoderamento” feminino quando ela mata seu criador, abandona a outra personagem masculina (Caleb) e se liberta de seu cativeiro (Henke 2017, 127). Sob este ponto de vista, o corpo que evidenciava sua subordinação às fantasias masculinas, se torna fonte de poder e liberdade. Em outro sentido, a emancipação de Ava acaba por também eliminar o seu Outro; ou seja, em certa medida ela reproduz a estrutura dicotômica homem X máquina e feminino X masculino – estrutura esta que, paradoxalmente, é a própria fonte de sua insatisfação, na medida em que seu objetivo maior é passar por humana. E, consequentemente, acaba por reforçar a velha concepção da mulher como uma força incontrolável da natureza, em oposição à racionalidade associada ao género masculino (Lykke 2000, 78), representada na trama pelos dois cientistas por ela aniquilados. Como sugere Veronica Hollinger (1999), a ênfase no género pode levar à contínua reinscrição do binarismo sexual, a um reforço da oposição heterossexual que se mostrou historicamente opressiva às mulheres.
Judith Butler (2011), por sua vez, ressalta que corpos que não se encaixam na dicotomia de géneros heteronormativos são tidos como ininteligíveis e, logo, monstruosos; isto é, não possuem qualquer subjetividade digna de ser considerada humana. Consequentemente, as construções de sexo e género são compreendidas como performances individuais e repetições ativas de modelos sociais previamente existentes – feitas para atender a estes mesmos modelos. Ava é uma cyborg e, logo dotada de corpo. Mas seu género não está definido de partida: é durante as sessões do Teste de Turing, com Caleb, que toma consciência de sua condição feminina e de sua sexualidade. E faz uso disso, legitimamente, para se libertar, passando então a demonstrar interesse por seu interlocutor. A performance de género feminino é por ela exercido como condição de sobrevivência, pois é esta mesma performance que a permite passar por humana e enganar Caleb. Aqui, é como se o cyborg pegasse algo do humano para existir, o que também o reafirma como mistura de máquina e organismo. Essa ausência de uma identidade fechada permite que o cyborg se adapte conforme as necessidades, levando à evidente constatação de Haraway: “our machines are disturbingly lively, and we ourselves frighteningly inert” (Haraway 2000, 52).
A história de Ex Machina é, portanto, a do posicionamento de Ava no espectro entre o humano e o não-humano, através de sua submissão ao Teste de Turing. Resumidamente, ao colocar um jogador humano para conversar, simultaneamente, com outro humano e com uma máquina projetada para produzir respostas também “humanas” (todos em salas separadas), o teste exige que o jogador decida, com base nas respostas dadas às suas perguntas, se ele está se comunicando com o outro humano ou com a máquina. Quando não é possível distinguir as respostas geradas pelo computador e pelo humano, surge a IA. Em outras palavras, se a máquina conseguir imitar o comportamento humano – e enganar o humano – significa que ela passou no teste. Portanto, Ava de facto foi muito bem sucedida: ao matar Nathan, reproduziu o comportamento que esperava de seu criador (que ele a desligasse caso não passasse no teste). E também enganou e abandonou aquele que poderia abandoná-la – afinal, Ava nunca teve a certeza se Caleb de facto a ajudaria a fugir para não ser desligada por Nathan. Ironicamente, Ava também evoluiu como um espelho de seu criador. E no final, numa cena icônica, ela reveste-se com pele sintética e se consolida como figura humana.
Conclusão: a confusão de fronteiras
Tanto Her como Ex Machina acabam por falar de uma impossibilidade de co-existência entre dois pólos (humano-máquina; homem-mulher) enquanto forem encarados como pólos opostos. Como nos mostra Hollinger (1999) em sua defesa do movimento queer e em detrimento das perspectivas do que define como “feminismo heterossexual”, muitas vezes nossas críticas a sexos e géneros polarizados reforçam essas mesmas polarizações. Mas nos dois filmes, os homens são ultrapassados pelas IAs femininas. E isso talvez fale muito das sociedades humanas, de seus fantasmas, de como elas se veem no presente e se imaginam no futuro próximo.
Ava e Samantha, cada uma em sua versão embodied e disembodied, são dotadas de género feminino e de sexualidade. No entanto, se em Ava o género aparece em seu próprio corpo, sua inteligência se adapta ao que for preciso para passar no teste ao qual é submetida – quando seduz Caleb ou quando se une à outra robô feminina para conseguir a liberdade almejada. É também o corpo de Ava que se torna o instrumento de sua liberdade, deixando de reduzir-se apenas ao corpo feminino sexualizado, fabricado por seu criador do género masculino - mesmo que, para isso, utilize a seu favor a performance de género feminino. Já Samantha, na ausência de corporeidade, desenvolve sua feminilidade através de sua própria inteligência artificial - ou o que aqui podemos chamar de mente. Sua experiência do mundo exterior se dá através do corpo de Theodore mas, como vimos, a experiência – ou o retorno – de Theodore no mundo passa a se dar cada vez mais através dos olhos e inteligência de Samantha. Os filmes valorizam a mente, pois é o que determina o grau de humanidade das personagens. Mas não deixam, contudo, de ressaltar a relevância dos corpos – pois é aquilo que define o género de Ava (permitindo a performance que a faz passar no teste) e funciona como interface entre afetos, desejos, e o mundo físico para Samantha.
O corpo cyborg surge então como um dispositivo narrativo através do qual é possível explorar a influência das tecnologias avançadas na construção das subjetividades contemporâneas. Se é em sua união com a tecnologia que a mulher se torna mais ameaçadora, e ambas passam a ocupar juntas o lugar do Outro alienado, será também através dessa mesma tecnologia que as mulheres encontrarão sua maior fonte de poder e subversão da sociedade que as alienou. Como argumenta Judith Halberstam, na esteira de Haraway:
In our society, discourses are gendered, and the split between mind and body - as feminist theory has demonstrated - is a binary that identifies men with thought and woman with body, emotion and intuition. We might expect, then, that computer intelligence and robotics would enhance binary splits and emphasize the dominance of reason and logic over the irrational. However, because the blurred boundaries between mind and machine, body and machine, and human and nonhuman are the very legacy of cybernetics, automated machines, in fact, provide new ground upon which to argue that gender and its representations are technological productions. (Halberstam 1991, 441-442)
Corpo e mente, na figura de Ava; masculino e feminino, no “panorama cyborg” formado por Samantha e Theodore; um devir humano para a máquina, assim como a crescente dependência do humano em relação à tecnologia. Estas são algumas das fronteiras porosas colocadas à prova pelos filmes. Fronteiras que transcendem os sistemas binários apontados por Haraway e transformam pólos tradicionalmente opostos num sistema único. Algumas questões ficam no ar: o que caracteriza o “ser mulher” e onde está a própria humanidade do humano? É no corpo ou na mente, na razão ou nas emoções?10 Esta é a grande aporia do feminismo e da própria epistemologia do humano face à atualidade tecnocientífica. Como afirmam Scholes & Rabkin (1977, 180), “cyborgs always serve fictionally to question what might constitute a human essence” – uma representação do próprio hibridismo que integra o humano ao Outro. E a pergunta que está por trás de tudo: o que ainda há de propriamente humano em nossa ontologia cyborg? Neste sentido, a maior contribuição dos filmes talvez esteja na própria possibilidade de diferentes interpretações e respostas. Em meio a todas as questões levantadas, as narrativas falam, sobretudo, sobre multiplicidade: múltiplas “espécies”, múltiplos géneros, múltiplas combinações e possibilidades de interação com aquilo que é diferente. De certa forma, elas também falam sobre tolerância e provocam uma confusão desejável a respeito do que é ser humano.
Notas finais
1A soft science fiction é um sub-género de ficção científica definido, principalmente, a partir de sua contraparte, a hard science fiction. Esta, por sua vez, se caracteriza pela aplicação rigorosa das leis da ciência em suas tramas. A ficção científica de tipo soft também é frequentemente associada ao movimento New Wave, surgido na década de 1960, que priorizou a experimentação estilística e literária em detrimento da precisão científica. As abordagens teóricas da ficção científica passaram, então, a tentar compreender e aprofundar as interfaces entre ciência, tecnologia, humano e sociedade. (Cf. Wolf 1986; Oliveira 2003, 181)
2No verbete “Ficção Científica”, do Wikipedia, encontramos uma definição curiosa de Mark C. Glassy sobre o género: “Science fiction is like the definition of pornography: you do not know what it is, but you know it when you see it”.
3Relembremos a máxima de JG Ballard:”The future in my fiction has never really been more than five minutes away”.
4Além dos exemplos em Men in Black, Kearney relembra o filme Alien (1979), no qual o corpo de um dos membros da tripulação se torna o hospedeiro da criatura alienígena.
5Cf. entrevista de Garland, concedida a David Lumb, em que expõe a crítica implícita na construção sexista de Ava, por Nathan: “He’s caricaturing something that is in reality there. He does wish to subjugate and fuck these machines that he’s made appear to be girls in their early twenties.” (Lumb 2015)
6“In this scenario, the trait often identified with the essence of the human – our ability to use complex languages – was bound up at the dawn of Homo sapiens with the emergence of a relatively sophisticated technology (i.e. compound versus simple tools), initiating a co-evolutionary spiral in which what we made and what we became co-evolved together”. (Hayles 2006, 164)
7Uma versão diferente do Teste de Turing, pois Caleb já sabe que Ava é uma máquina; a questão é ela desenvolver inteligência suficiente para ainda assim confundi-lo e convencê-lo de que possui consciência humana.
8Como diz Samantha, “You know, I actually used to be so worried about not having a body, but now I truly love it. I’m growing in a way that I couldn’t if I had a physical form. I mean, I’m not limited - I can be anywhere and everywhere simultaneously. I’m not tethered to time and space in the way that I would be if I was stuck inside a body that’s inevitably going to die” (Jonze 2011, 87)
9Judith Halberstam se refere, neste contexto, ao “sexual guessing game”, um desdobramento do Teste de Turing original, feito pelo próprio Alan Turing: “In this game, a woman and a man sit in one room and an interrogator sits in another. The interrogator must determine the sexes of the two people based on their written replies to his questions.The man attempts to deceive the questioner, and the woman tries to convince him. Turing’s point in introducing the sexual guessing was to show that imitation makes even the most stable of distinctions (i.e., gender) unstable. By using the sexual guessing game as simply a control model, however, Turing does not stress the obvious connection between gender and computer intelligence: both are in fact imitative systems, and the boundary between female and male, I argue, are as unclear and as unstable as the boundary between human and machine intelligence”. (Halberstam 1991, 443)
10Ainda sobre o corpo feminino e sua conexão com o corpo cyborg, Halberstam ressalta: “The female cyborg replaces Eve in this myth with a figure who severs once and for all the assumed connection between woman and nature upon which entire patriarchal structures rest. The female cyborg, further more, exploits a traditionally masculine fear of the deceptiveness of appearances and call into question the boundaries of human, animal, and machine precisely where they are most vulnerable - at the site of the female body” (Halberstam 1991, 440)
Bibliografia
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Filmografia
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