Capítulo III – Cinema – Comunicação

Cinema and Political Communication – The Anteroom of the Military Coup of 1964

Cinema e Comunicação Política – A Ante-Sala do Golpe Militar de 1964

Gabrielle Cristiane Fulcherberguer

Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil

Abstract

Short films in a documentary format of political propaganda authored by IPES - Institute of Research and Social Studies, which acted in the Brazilian political scene, intervening in the State and society until the occurrence of the Military Coup of 1964.
The Institute, through a gigantic campaign, which included films, had as objective to mold the public opinion through democratic ideals turned to the liberal principles with focusing on “impeding the solidarity among working class, containing the unionization and mobilization of the farmers, supporting the right ideological cleavage in the ecclesiastic structure , disaggregating the Student Movement and blocking the national reformist forces in the Congress and, at the same time, mobilizing the middle classes as manipulated mass of the organic elite” . (DREIFUSS, 1981.p.281).
In this campaign, they appropriated the power that the cinema was capable of exerting in that period as well as the characteristics of the environment, as the allure over the spectator and the capacity to operate in the subjectivity due to certain social and ideological formations, the use of the emotional and manipulative appeal, as the example of the soviet and German films of political propaganda.
Our proposal is to discuss the filmic speech and the thematic presented, based on the following guidelines: political speech, presentation of patriotic symbols, bond of union (nation, people), the heroism and victory, besides the matter of order casted under religious aspect addressed on the IPES films.

Keywords: Political film, Political propaganda, Political Cinema, Documentary, Ideology.

Introdução

Quando discutimos sobre comunicação política, tratamos das relações de poder configuradas na formação social, ou seja, da produção cultural no campo político e econômico que envolve todo um ambiente simbólico.

Essa forma de comunicação, geralmente, está ligada a interesses políticos e econômicos e por isso, em sua maioria, patrocinada por empresas ou órgãos que desejam engendrar uma crença com base em seus ideais, de modo a influenciar a opinião pública e mover a sociedade em direção aos seus objetivos.

Portanto, este estudo tem o propósito de analisar os filmes curtas-metragens em formato de documentário de propaganda política cuja autoria é do IPES – Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais, sob a direção do cineasta e fotógrafo Jean Manzon e narração de Luiz Jatobá. Filmes que foram veiculados através do meio cinema, se apropriando do poder que este meio exerce sobre o espectador, ao trazer aspectos de realidade dentro do ambiente em que a imagem é projetada.

1. A Câmera e o Registro da Realidade Fílmica

A recepção através da distração, que se observa crescentemente em todos os domínios da arte e constituí o sintoma de transformações profundas nas estruturas perceptivas, tem no cinema o seu cenário privilegiado (...). É justamente o que acontece no cinema, através do efeito de choque de suas sequências de imagens. O cinema se revela assim, também desse ponto de vista, o objeto atualmente mais importante daquela ciência da percepção que os gregos chamavam de estética (BENJAMIN, 1994, p.194)

Na transcrição acima da obra de Benjamin (1994), podemos constatar que os recursos técnicos cinematográficos e o poder da câmera são capazes de gerar grandes efeitos na percepção do público. Para analisar os filmes do IPES e entender sua construção, nos propomos a estudar as técnicas consideradas modernas para a época, de corte, luz, câmeras, zoom e planos empregados por Jean Manzon que foi o cineasta responsável pela produção de grande parte dos filmes de autoria do IPES.

Manzon era francês, nascido em Paris, em 1915, sua experiência como fotógrafo iniciou-se no jornal Paris Soir em 1934. Atuou na Vu e foi apontado como um dos melhores jornalistas do grupo de fundadores do seminário Match em 1938. Ingressou no serviço militar durante a II Guerra Mundial em 1939, trabalhando no serviço cinematográfico da Marinha Francesa. Acompanhou como jornalista a Força Expedicionária Brasileira. Durante a guerra conheceu o cineasta brasileiro Alberto Cavalcanti e se entusiasmou com a possibilidade de trabalho no Brasil. No final da década de 1940, Jean Manzon veio para o Brasil trabalhar no DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda, durante o governo de Getúlio Vargas. Em 1952, fundou sua própria empresa especializada em documentários, a Jean Manzon Films S/A. Continuou a ser um homem de imagens, e na produtora, com ele, trabalhavam profissionais europeus de gabarito, que produziam documentários publicitários e reportagens, o que na opinião de Manzon era pouco explorado no Brasil. Ao morrer, em 1990, com 75 anos, terminou sua carreira com 8 mil quilômetros de filmes, 900 curtas-metragens, quatro longas-metragens e 11 prêmios cinematográficos. Sua última produção foi o filme “Brasil Novo” que não chegou a ser concluído. Nos filmes que produziu para o IPES empregou recursos cinematográficos, que mesmo de forma implícita a plateia, foram capazes de influenciar a opinião pública de forma a atender o objetivo político ao qual se propunha o Instituto.

A estrutura ficcional dos filmes feitos para o Instituto era correspondente à estrutura de filmes publicitários, com encenações, sempre com base numa estória, desde a construção da mensagem quanto da narração.

Utilizando da magia do cinema e do recurso da técnica, Manzon construiu personagens que vão desde fábricas, ferrovias, hidrelétricas, o trabalhador proletariado, o garimpeiro, o jangadeiro, os plantadores de cana, os operários da siderurgia e da indústria têxtil, o ferroviário, o estudante, o empresário, onde a realidade fílmica foi construída desde a pose à lente da câmera.

O autor Marcel Martin em seu livro “A Linguagem Cinematográfica” (2003), nos ajuda a entender o emprego destas técnicas a partir da análise dos curtas-metragens produzidos por Jean Manzon com direção do IPES, o autor nos explica:

(...) Durante muito tempo a câmera permaneceu fixa, numa imobilidade que correspondia ao ponto de vista do “regente de orquestra” assistindo a uma representação teatral. Essa foi a regra implícita, a da unidade de ponto de vista, que guiou Méliès. (MARTIN, 2003, p.30)

Este ponto de vista sofreu uma modificação importante em 1896, quando o travelling foi espontaneamente inventado por um operador da Lumière, que havia colocado sua câmera sobre uma gôndola em Veneza. Porém, foi um inglês, G.A. Smith, representante de “a escola de Brighton”, que a partir de 1900, libertou a câmera de sua posição estática, modificando o ponto de vista de uma mesma cena de um plano a outro.

Um certo número de fatores cria e condiciona a expressividade da imagem. Esses fatores são numa ordem que vai do estático ao dinâmico: os enquadramentos, os diversos tipos de planos, os ângulos de filmagem, os movimentos de câmera. (MARTIN, 2003, p.35)

Um destes fatores que constitui o enquadramento da participação criadora da câmera, no registro que faz da realidade exterior, para transformá-la em matéria artística. Trata-se aqui da composição do conteúdo da imagem, isto é, da maneira como o diretor decupa e eventualmente organiza o fragmento de realidade apresentado à objetiva, que assim irá revelar-se na tela:

A câmera torna-se móvel como o olho humano, como o olho do espectador ou do herói do filme. A partir de então, a filmadora é uma criatura móvel, ativa, um personagem do drama. (MARTIN, 2003, p.31)

A movimentação da câmera para frente e para trás é chamada de travelling. A câmera em deslocamento para frente, por exemplo, reforça e valoriza a contribuição dramática proporcionada pelo primeiro plano. O travelling pode vir carregado de sentidos. Nos filmes que estamos analisando, esta técnica foi utilizada das seguintes formas: na introdução, mostrando onde vai desenrolar a ação e no destaque de um elemento dramático importante, quando enquadra e determina o objeto de ação. Este recurso é utilizado por Manzon nos filmes “Que é o IPES” e “O Brasil precisa de você”, quando a câmera caminha para frente e para trás num realce dramático das figuras estáticas de Adolf Hitler e Fidel Castro.

Outros movimentos que temos da câmera além do travelling, são as panorâmicas. A panorâmica consiste numa rotação da câmera em torno do seu eixo vertical ou horizontal. A mais utilizada por Manzon principalmente no final dos filmes, quando são apresentadas as soluções para o desenvolvimento e progresso do Brasil. Neste caso, são as panorâmicas descritivas, que exploram um espaço, desempenhando um papel de conclusão.

O poder da câmera esta, sobretudo, em esquadrinhar as fisionomias, lendo nelas os dramas mais íntimos. Essa decifração das expressões mais secretas e fugazes é um dos fatores determinantes do fascínio que o cinema exerce sobre o público, como a elipse, que deixa certos elementos de fora do enquadramento, ou então, a sinédoque que mostra um detalhe significativo ou simbólico. Outro exemplo de enquadramento que trabalha com o simbólico é o inclinado, que tem o significado de exprimir a inquietação do personagem. A câmera também joga com a terceira dimensão, onde se tem a impressão do personagem correr para a câmera, sendo que na verdade, a câmera trabalha com a profundidade de campo até o personagem.

Os enquadramentos consistem em algumas características das quais vamos tratar. As mais empregadas por Manzon nos filmes do IPES é acompanhar um personagem em movimento. Este recurso é bastante visível no filme “Nordeste problema nº.1, quando a câmera através do seu enquadramento, acompanha a família nordestina no cortejo de uma criança morta devido ao problema da fome. O mesmo ocorre ao acompanhar os nordestinos que migram para a região sul do Brasil em busca de trabalho.

Já os planos são condicionados a dar clareza à narrativa, deve ter adequação de tamanho de acordo com o conteúdo da imagem e dar ao espectador, o tamanho necessário para perceber o conteúdo do que está sendo apresentado. Os planos mais empregados por Manzon nos filmes são os que capturam a figura humana em primeiro plano (em inglês close up) de meio busto para cima. O primeiríssimo plano é quando se enquadra apenas o rosto. Nos filmes do IPES este plano é muito empregado, ao exemplo de como ocorre no filme “Nordeste problema nº.1” ao exprimir o sofrimento dos nordestinos através de suas fisionomias. O plano em detalhe tem a função, como sua própria denominação diz, detalhar partes da figura humana como boca, olhos, mãos, etc. Recurso também utilizado por Manzon nos filmes do IPES.

Os ângulos de filmagem podem exprimir significações psicológicas precisas. Os ângulos em plongée e contra-plongée são empregados na maioria dos filmes do IPES. O contra-plongée (quando a câmera capta o elemento de baixo para cima) é um ângulo bastante utilizado pelo cineasta Jean Manzon, sempre com o efeito de mostrar a superioridade dos indivíduos diante de sua luta contra os problemas sociais e econômicos em que viviam. O plongée e o travelling vertical (quando a câmera capta o elemento de cima para baixo) têm o efeito de apequenar o indivíduo, esmagando-o moralmente, oprimindo-o.

Um exemplo claro de como estes ângulos são empregados nas produções de Jean Manzon é no filme “Que é o IPES”. Em uma animação inserida no filme, apresenta-se o desenho que representa um homem sendo esmagado, mas na sequência seguinte, o desenho mostra vários homens unidos subindo. Nesta animação o homem imergiu de cima para baixo, sendo esmagado em plongée, exatamente como é utilizada esta técnica e depois os vários homens unidos sobem numa animação em contra-plongée, trazendo o sentido da utilidade da técnica, retratando a vitória de que unidos conseguiriam vencer. Imagens que são reforçadas pela narração que diz: “Isolados seremos esmagados, unemos nossos esforços”.

Figura 1 – Cena do filme “Que é o IPES. IPES, 1962-1964

Um outro fator importante no cinema é a fotografia (o que o produtor Jean Manzon sabia utilizar com maestria, pois, antes de ser cineasta, havia começado sua carreira como fotógrafo.

Em um filme, a fotografia pode ter a função de iluminar as cenas a serem filmadas. Este recurso pode ser empregado por meio de refletores e superfícies orientadas para cima ou para baixo e distribuída de várias formas, em relação à luz natural e a iluminação artificial. É mais utilizada do que o público possa perceber. Portanto, a fotografia juntamente com as técnicas cinematográficas pode auxiliar nos resultados e efeitos desejados pelo cineasta, podendo contribuir na produção e emprego de inovações de cor e luminosidade um filme.

O cinema além de ser um dispositivo de representação, pode determinar papéis, como o do espectador, que se identificando com a câmera, passa desta forma, a cooperar na produção dos efeitos de sentido.

Uma vez que os poderes da instituição cinematográfica, que se reforçam justamente desse modo, “produzem desejos que, no espectador, não são superficiais nem momentâneos”, vivemos cada situação que o filme nos apresenta como “um estabelecimento de compromisso entre um certo grau de satisfação das pulsões e um certo grau de conservação das defesas, e, portanto, de afastamento da angústia. (COSTA, 1989, p. 26)

Assim trabalhava o IPES com seus filmes e o uso de outras ferramentas de propaganda, na produção de efeitos de sentido com o intento de preparar a opinião pública para a formação de um “novo organismo”, como assim transmitia a mensagem do filme “Que é o IPES”.

1.1 Narrativa, Voz e Efeito Sonoro

O cinema é além de fotografia em movimento, som projetado junto à imagem. Estas são as características dos filmes Instituto, onde músicas eram escolhidas cuidadosamente como pano de fundo, a fim de conceder a mensagem um tom dramático.

Os textos utilizados nos filmes ecoavam nas mentes, quando narrados com eloquência por Luiz Jatobá que conduzia com o poder de sua voz, as mensagens fílmicas produzidas por Jean Manzon e empregava dramaticidade a diegese ajudando na construção da mensagem fílmica, com narração em voz off.

Luiz Trismegisto Jatobá teve papel importante e de destaque entre os locutores brasileiros, começou sua carreira em 1935 participando de um concurso de locutores para a Rádio Jornal do Brasil e, entre centenas de candidatos passou em primeiro lugar, onde atuou como locutor e sonoplasta. Em 1940, foi morar nos Estados Unidos, trabalhou na CBS e transmitia o dia a dia da II Guerra Mundial. Foi âncora do primeiro telejornal na época da recém-inaugurada TV Tupi. A conhecida voz de Luiz Jatobá, durante o Estado Novo serviu de locução para o programa A Hora do Brasil, que atualmente leva o nome de A Voz do Brasil e trata-se de um noticiário radiofônico estatal, obrigatório e diário produzido pela EBC – Empresa Brasileira Comunicação.

O narrador dos filmes do IPES, Luiz Jatobá, transmitia através da credibilidade e entonação de sua inconfundível voz, interjeições e timbres diferentes, de acordo com as situações fílmicas apresentadas juntamente com o acompanhamento musical escolhido por Manzon, técnicas que transcendiam, pois, atuavam através de uma representação que Morin (2005) chama de o “espírito todo-poderoso”, trabalhando em prol ao eudoutrinamento das massas.

A magia desenvolveu-se na humanidade arcaica enquanto a ciência e a técnica começavam a reconhecer e a manipular as coisas. Caracterizada por alguns como uma prática do “espírito todo-poderoso”, a magia traduz a vontade de domesticação e de controle da natureza e do sobrenatural. (MORIN, 2005, p.152)

A narração dos filmes do IPES é feita em voz off, ou seja, quando se ouve a voz de um personagem, ou de um narrador, o qual não é visível ao espectador emprestando maior dramaticidade a narrativa e ajudando a construir a mensagem fílmica, e por isso, o audiovisual é um dos fatores fundamentais do cinema, além é claro, da importante presença do espectador.

A voz off aprofunda a diegese, dá-lhe uma dimensão que excede à imagem, e assim apoia a alegação de que existe um espaço no mundo ficcional o qual a câmera não registra. A sua própria maneira credita espaço perdido. A voz off é um som que está de início e prioritariamente a serviço da construção de espaço efetuada pelo filme e apenas indiretamente a serviço da imagem. Legítima tanto o que a tela revela da diegese quanto o que a tela esconde. (XAVIER, 1983, p. 465)

Junto à imagem, a voz off é capaz de causar diversos fatores sensoriais a quem assiste e ouve, construindo verdades e mentiras. Agentes que podem ser utilizados de forma estratégica, na intenção de criar um comportamento por parte de quem assiste diante de determinados fatos que são apresentados.

(...) a voz off invisível autoridade externa, possui com frequência o poder de apresentar-se com a força auto-evidente de uma objetividade incontestável (...). (CANEVACCI, 2001. p. 167)

(...) Ela resume-as todas, levando-as a uma manifestação sonora e, por assim dizer “visível”: O comentário falado do locutor e de sua autoridade científica fora do campo (ou às vezes empaticamente também dentro do frame das tomadas) (...). (CANEVACCI, 2001, p. 163)

Para criar maior envolvimento entre o filme e o espectador são utilizados recursos de efeitos sonoros, o diálogo, a narração e a trilha sonora, que compõem a história dando a imagem e som, a impressão de uma unidade. Jean Manzon recorreu destas técnicas que possuem grande força de persuasão.

“(...) A tecnologia padroniza a relação através do desenvolvimento do sincronizador, a Moviola, que é a mesa de montagem. Os aparelhos de mixagem permitem um grande controle sobre o estabelecimento de relação entre diálogo, música, efeitos sonoros. (XAVIER, 1983, p. 459)

Com o advento do som os documentaristas ganharam os recursos adicionais das vozes dos locutores e do acompanhamento musical e o documentário se tornou ainda mais eficaz como arma política. (FURHAMMAR L.; ISAKSSON F., 1976, p.146).

É importante salientar, que o filme geralmente se baseia em três estruturas básicas que envolvem: a diegese, o visível e o acústico. A diegese é o espaço que não tem limite físico, é um espaço virtual construído pelo filme e formado por características áudio e visuais, além de objetos que podem ser sentidos de outras maneiras (tátil, olfativo, degustativo), onde o visível está no espaço da tela entre imagem e receptor, diferentemente do acústico, que muitas vezes pode dar ao espectador a impressão de ter vindo da tela (como visível), porque as caixas de som podem estar atrás dela, sendo assim, o som não está “emoldurado”, mas sim o espaço acústico da sala de projeção que envolve o espectador.

1.2 Os filmes do IPES

A instituição cinematográfica tem a ver com o desejo, com o imaginário e com o simbólico; insiste nos jogos de identificação e nos complexos mecanismos que regulam o funcionamento de nossa psique, de nosso inconsciente. (COSTA, 1989, p. 25)

Os filmes documentários de autoria do IPES são filmes de propaganda política, que na sua essência têm a intenção de persuadir o espectador para um ideal específico, portanto, as mensagens fílmicas questionam, relatam fatos, fazem afirmações com a finalidade de coagir o espectador a um consenso único. Em praticamente todos os filmes do IPES é enaltecida a questão da democracia representativa, realizada através do voto direto na escolha de um representante para a tomada de decisões, assim, preservando a sobrevivência do Estado Liberal. Este era o ideal propagado pelo Instituto e seus membros, cujo interesse era capitalista. Em suas mensagens, incutia que a sociedade e os indivíduos teriam seus problemas de ordem social e econômica solucionados, contanto que, houvesse progresso e desenvolvimento econômico no país. O Instituto agiu com o objetivo de tocar a emoção, de modo que o espectador aderisse a um ideal político, que serviu como força motriz para que o Golpe de 1964 ocorresse sem resistência pela maior parte da sociedade brasileira.

Os filmes do IPES eram exibidos em seções regulares por acordos feitos entre empresas de distribuição de filmes e donos de salas de cinema ligados ao Instituto. Visando atingir o público que não tinha condições financeiras para pagar entrada de cinema, o IPES montava projetores em caminhões abertos e ônibus com chassis especiais, apoiado por grandes montadoras como a CAIO e a Mercedes Bens que ajudavam com o transporte. Os filmes também eram exibidos aos trabalhadores de empresas que apoiavam o Instituto. Além disso, as produções eram exibidas em lugares exclusivos e representativos na sociedade brasileira como o Monte Líbano, o Lyons Clube e na Escola de Polícia de São Paulo. A exibição ainda era feita ao público estudantil através de grêmios e de faculdades.

O discurso fílmico do IPES era sempre com base na democracia representativa, pois, era desta maneira que o Instituto se alto declarava publicamente, com “objetivos educacionais e cívicos” e disposto a “fortificar o regime democrático no Brasil”.

O que nos chama a atenção neste estudo, é analisarmos o sentido de democracia para o IPES. O Instituto idealizava um regime de governo democrático representativo para a sustentação de um Estado Liberal, retirando destes princípios o que conviesse aos seus interesses.

Para tornar estas evidências mais claras decidimos analisar detalhadamente uma de suas produções cujo título é “Que é o IPES”, por ser o filme que mais abrange todas as características que constituem a intenção do Instituto e por esta razão, ele é citado diversas vezes em nosso estudo.

Os filmes do Instituto possuem todos a mesma estrutura e característica, apresentam os riscos ou os problemas que o Brasil enfrentava naquele período, empregando as cenas, forte apelo emocional, onde as imagens vão aos poucos se abrandando de acordo com as soluções propostas nos filmes, até que eles encerrassem sempre com um desfecho positivo diante dos problemas apresentados. O mais importante é a temática, onde as soluções apresentadas nos filmes referiam-se às ações “democráticas” e ao progresso e desenvolvimento econômico do país, que iria proporcionar as vantagens econômicas desejadas pela elite dominante, além da re-estabilização da ordem através da disciplina militar e da doutrina católica na resolução dos conflitos sociais.

O que pretendia os membros do Instituto num primeiro momento, era que ocorresse um Golpe de Estado que fosse capaz de resolver os conflitos sociais do país, afastar do governo o presidente João Goulart e seus projetos, que levava a classe dominante e a oficialidade militar a acreditar que o Brasil caminhava para um regime socialista, o que contrariava totalmente os interesses econômicos capitalistas do Instituto e de seus apoiadores. Resolvida estas questões e afastando do poder políticos contrários aos seus ideais, promoveriam novas eleições diretas que é o símbolo da democracia representativa, para a escolha de um representante ao governo do Brasil, que deveria ser membro da elite dominante e que defenderia seus interesses singulares.

1.3 Filme: Que é o IPES

O filme inicia tratando de uma relação de dicotomia entre bem e mal, em planos diferentes é apresentado o mar, serras, árvores, ondas, céu, um menino empina pipa, a câmera caminha em travelling para a pipa e a cena de um céu claro vai se fundindo até tornar-se uma nuvem de fumaça preta, ocasionada por bombas dos regimes totalitários, uma ameaça ao futuro é reforçada pela narração: “a terra em tal maneira é tão graciosa que emana um futuro de alegria e de luz”. Em imagens estáticas, é apresentada a Alemanha e um desfile bélico do exército nazista. O som baixa e ouve-se a voz de Hitler discursando. Imagens fortes mostram pessoas mortas, cruzes, túmulos e ao final do discurso a multidão saúda Hitler, enquanto a suástica é posta na tela sobre as imagens.

O mapa do Brasil e um ponto de interrogação são apresentados na tela. Jornais trazem manchetes sobre aumentos de preços de produtos, greves. Atrás das manchetes a imagem é de uma multidão reunida, exércitos nas ruas e conflitos. Trabalhadores rurais armados. Homem em palanque fala para uma multidão. Feira e produtos com seus altos preços, enquadramento com foco nos preços dos produtos. Narração: “E nós para onde estamos sendo conduzidos? O Brasil vive momentos difíceis. Manifestações populares tornam-se cada vez mais agressivas. A inquietação atinge os meios rurais. Os demagogos agitam a opinião pública quando a inflação desenfreada anula os melhores esforços dos brasileiros”. Neste momento do filme, são abordados os problemas econômicos que vivia o governo João Goulart, como os altos índices inflacionários e os conflitos sociais que tanto incomodava a oficialidade militar.

Siglas dos partidos políticos são remontadas na tela, e a narração questiona sempre em 1ª. pessoa do plural: “Sobre a crise econômica e social, desenvolve-se uma crise política. O governo está indeciso, para onde irá o regime híbrido? Vencerão as instituições democráticas no entre choque das ambições desenfreadas. Para onde vai o regime híbrido?” Pontos de interrogação são mostrados na tela. “O que estamos fazendo nós para impedir que coloque diante do povo brasileiro a trágica opção entre soluções anti-democráticas? Nós intelectuais? Nós dirigentes? Nós os homens de responsabilidade de comando? Se acreditamos na democracia e na livre iniciativa não podemos ficar omissos enquanto a situação se agrava dia a dia”. A palavra omissão cresce na tela, e os dizeres: Omissão é um crime! Acompanha a narração: “Omissão é um crime”.

Este trecho do filme é bastante interessante porque é uma clara crítica ao então presidente João Goulart, pois, insinua que o presidente estava omisso, porque permitia o conflito de ideias, porém, insinuava que Jango, como era conhecido o ex-presidente, estava perdendo o controle. Outra característica que explicita a intenção política do IPES é quando a narração ao mesmo tempo em que fala em democracia na defesa dos interesses coletivos, fala também da livre iniciativa que é uma característica do liberalismo, que age em defesa dos interesses singulares da burguesia e do capital, e mais, convoca justamente os burgueses, dirigentes de empresas e os oficiais militares “homens de responsabilidade de comando” para pôr fim ao caos social e para que se trabalhe em função da livre iniciativa.

Em outra cena dois pares de mãos apertam-se em cumprimento, a câmera se dirige a imagem da bandeira Nacional hasteada e trêmula ao vento.

Aqui temos dois aspectos importantes a destacar nesta tipologia de filme. O primeiro, é o contexto da linguagem narrativa que gera vínculo de coletividade, estabelecendo um elo de comunidade, nação, povo, com a narração colocada em 1ª. pessoa do plural. O segundo, muito comum em filmes documentários de propaganda política, é justamente apresentar objetos com qualidades heroicas e símbolos patrióticos por possuírem forte apelo emocional.

Em outro momento do filme, é mostrado o mapa do Brasil. Votos na urna. Pessoas votam. Padre na igreja em um gesto de benção. A câmera novamente em plongée (de cima para baixo) e caminhando em travelling mostra pessoas, remetendo a ideia de que juntas possuem força. O enquadramento da câmera acompanha um homem caminhando. E a narração diz: “Num sentido único a ação dos democratas para que não sejamos vítimas do totalitarismo. É justamente coordenar os pensamentos, diante daqueles que não querem ficar de braços cruzados, diante da catástrofe que nos ameaça que é necessário criar um organismo novo, com uma mensagem nova, para a nova realidade do Brasil de hoje, para uma finalidade básica: evitar que a difícil situação que o país atravessa venha comprometer nossas instituições democráticas e tradições cristãs”.

Observamos que novamente é reforçado o elo de povo, de nação. A proposta da igreja católica, já que a ordem geralmente também está ligada a algum sentido religioso, com a finalidade de manter a sociedade operando de acordo a algum ponto de vista da religião. Símbolos e significados que atuam na noosfera e da noologia propostas por Morin (2005), onde os símbolos patrióticos e religiosos agem sob a forma de “entidades” exercendo grande força e poder sobre os homens no campo ideológico. Os símbolos patrióticos criam o elo de comunidade perdido entre os cidadãos ao mesmo tempo em que infantiliza o indivíduo que deve respeitar, servir e obedecer a pátria “mãe”. “O Estado-nação suscita a sua própria religião, comportando deificação, culto e sacrifício.” (MORIN, 2005, p.194)

A pátria cria a comunidade entre os indivíduos que, gozando da qualidade de cidadão, sentem-se no dever sagrado de servir à pátria em perigo. O Estado-nação democrático submete o indivíduo como cidadão dedicado à sua pátria, não como sujeito dependente do Estado do Todo-Podereso. A pátria é a religião do cidadão. (MORIN, 2005, p.194)

Numa outra cena, uma panorâmica (quando a câmera mostra do alto) descreve a atuação do trator, câmera posicionada em plongée, remete o efeito de rebaixamento onde à locução trata a questão do subdesenvolvimento. A câmera num realce dramático mostra a fisionomia e a expressão cansada do homem do campo, acompanhada da narração: “O IPES não pode ficar em palavras é preciso agir ao mesmo tempo em que estudar os problemas básicos dos brasileiros na política, na economia, nas finanças. Dar um conceito novo a democracia, um conceito novo ao desenvolvimento. Levar este conceito aos estudantes, operários e homens do campo”. Na tela as palavras: democracia = economia, política, social. Em animação estática a imagem de uma família abraçada e ao fundo imagens de objetos de desejo de consumo: carros, casa, aparelhos eletrônicos. A palavra inflação é riscada com um X. Narração: “democracia é inseparável de democracia política, econômica e social. Desenvolvimento é a elevação do nível de vida da população, é dar um basta na inflação desenfreada é multiplicar as poupanças e os investimentos em todos os setores da economia, é a redistribuição da renda para diminuir as dificuldades geradoras de conflitos”.

Fomentar métodos que consistem em recompensar o consumidor através de um nível de vida mais elevado e a “condicioná-lo” de tal maneira que ele continue em sua desenfreada competição com o próximo, à custa de um esgotamento nervoso ou de uma hipertensão crescente, é, por parte dos dirigentes capitalistas, uma política a curto prazo. (LORENZ, 1974, p. 49)

A cena descrita representa que com um aumento no nível de vida da população, seria possível que as pessoas conquistassem seus objetos de desejo, isto porque elas estariam mobilizadas através do crescimento industrial, do mercado interno, dos bens materiais e da indústria cultural, a se empenhar nas tarefas para a manutenção do sistema econômico, através do consumo massificado, levando a deserção individual que seguiria para a dominação, devido a processos de formação de consciência para uma determinada ideologia, o ambiente propício para a exploração mercantil que aguardava a elite dominante.

E para finalizar o filme, é apresentada a figura de um mapa e ao lado a imagem de uma moeda em imagem estática. Narração: o correto equacionamento destes problemas é um desafio à capacidade dos responsáveis pelo destino do país. É apresentado o organograma do IPES e a narração diz: o IPES, portanto, além de nossa colaboração, deverá contar com uma excelente equipe técnica. Imagem em close de uma boca ao microfone, fotos, jornais sendo produzidos. Narração: uma série de serviços terá que ser criados para que um único pensamento elaborado pelo IPES, ganhe força na convicção da maioria do povo. Para isso, precisamos propagar as soluções democráticas para o grande público. Todos os problemas devem ser resolvidos dentro da democracia e incrementar as atividades educacionais em todos os níveis, colaborar com órgãos não governamentais. Última cena: bandeira estilizada do IPES vai fundindo-se a Bandeira Nacional e a narrativa diz: a isso se propõe o IPES, cumprirá sua missão? Depende de nós, da minha, da sua colaboração.

Na cena final, como acontece em todos os filmes do IPES é mostrado a solução para os problemas abordados, que no caso deste filme é o crescimento econômico representado pela moeda, da ação do IPES para as propostas ao desenvolvimento do país, e da importância de se fazer crer por parte da maioria do povo, justamente o que o Instituto fez através de sua campanha política e ideológica. Mais uma vez é empregado o elo de coletividade entre o povo, nação em 1ª. pessoa do plural, representado por um símbolo patriótico, a Bandeira Nacional, o bem e a união vendendo a possibilidade de vitória a ser conquistada, finalizando onde o bem vence o mal.

1.4 Cinema e Política

A política é então reduzida a um jogo mágico no qual sinais morais inequívocos são substitutos da ideologia e onde não há lugar para argumentos racionais em meio à manipulação emocional. A propaganda é particularmente fascinante por sua orquestração das emoções. Nenhum outro gênero cinematográfico usa uma faixa tão incrível de artilharia emocional ou joga com tanta desinibição com o registro emocional completo do espectador, do mais superficial ao mais profundo, do mais primitivo ao mais espiritual. (FURHAMMAR L.; ISAKSSON F., 1976, p.159)

Os filmes de propaganda política atuam inserindo ideias e saberes que ganham força e poder, o que Morin (2005) denomina de noosfera.

Todas as sociedades humanas engendram uma noosfera, esfera das coisas do espírito, saberes, crenças, mitos e lendas, ideias onde os seres nascidos do espírito, gênios, deuses, ideias-força ganham vida a partir da crença e da fé. (MORIN, 2005, p. 44)

Os seres de espírito multiplicam-se através de mil redes de comunicação humana, via o discurso, a educação, o endoutrinamento, a palavra, o escrito, a imagem.

O poder duplicador/multiplicador da imprensa, do filme, da televisão, aumentou e continua a aumentar o potencial reprodutor dos seres de espírito e dos seus constituintes; aumenta também o caráter disseminador do processo de multiplicação/reprodução (...). (MORIN, 1991, p. 112)

Os ideais políticos do IPES encontraram força de persuasão através da comunicação onde multiplicam suas “ideias-força”, sendo capaz de mobilizar e condicionar comportamentos.

Nos anos recentes, realizadores por toda parte têm feito filmes – mesmo políticos – democráticos no sentido que Bazin deu à palavra, filmes que questionam em vez de afirmar, relatam em vez de sugerir, procuram em vez de dirigir. Mas a propaganda seguiu o caminho de Eisenstein e não o de Bazin. Não pode se permitir ser democrática. Seu objetivo é “forçar” as pessoas a uma adesão específica. (FURHAMMAR L.; ISAKSSON F. L., 1976, p.145)

A transcrição acima só vem confirmar a estratégia ideológica proposta pelo IPES nos filmes, pois, o questionamento está sempre indagando o espectador, como aqui já apontado.

É claro que a propaganda se dirige às emoções e não ao intelecto. Confiando no fato de que as pessoas em estado de excitação são receptivas as influências que de outro modo seriam esquadrinhadas, os propagandistas fazem tudo que podem para provocar emoções, para que mais facilmente possam conduzi-las à sua meta política. (FURHAMMAR L.; ISAKSSON F., 1976, p. 148)

De acordo com a análise da diegese e das técnicas, podemos afirmar que os filmes do IPES, não eram somente filmes de orientação cívica, como se denominava o Instituto publicamente. Um dos pontos que já citamos é que filmes publicitários, diferentemente do documentário que registra imagens do real, são encenados, cujo mesmo recurso foi utilizado por Manzon. E muito mais que isso, os filmes documentários propagandísticos tem por objetivo tocar a emoção do espectador, incitando-o a uma adesão política específica. Trabalhar com a emoção na propaganda política não significa que ela precisa ser necessariamente intrínseca e tendenciosa, mas sim que tenha o poder de causar indignação como força mobilizadora, que envolva a plateia de acordo com as intenções de seus autores.

Analisamos os filmes do IPES com base no discurso fílmico e nas temáticas apresentadas, alicerceados nas seguintes diretrizes: discurso político, a apresentação de símbolos patrióticos, vínculo de união (nação, povo), o heroísmo e vitória, além da questão da ordem colocada sob o aspecto religioso, característica ressaltadas nos filmes do Instituto, a exemplo do estudo de caso aqui já apresentando através do filme “O que é o IPES”.

1.4.1 O Discurso Político

O IPES e seus membros intencionavam ver realizado o regime democrático representativo através dos votos, onde representantes seriam eleitos com a proposta de solucionar os problemas da sociedade através do desenvolvimento econômico.

Analisando os filmes, observamos que Manzon utilizou de técnicas fotográficas em caráter estático e que nos dá a impressão de movimento quando colocadas em sequência na montagem. Obviamente que esta técnica não foi utilizada a esmo ou simplesmente pelo fato do cineasta ser também fotógrafo, mas sim porque que imagens estáticas colocadas em movimento podem criar um efeito emocional excitante, guiado também por outros fatores.

Observamos que técnicas cinematográficas são capazes de dar significados a determinadas cenas. Estas técnicas são comprovadas quando examinada a estética cinematográfica de filmes de propaganda, onde a câmera pode atuar para propor uma determinada visão à plateia. A câmera baixa, por exemplo, pode representar poder. A câmera alta, rebaixamento. Técnicas que podem expressar sentidos simbólicos visuais e de metáforas, o que é perceptível nas películas do IPES a partir da análise fílmica.

1.4.2 Os Símbolos Patrióticos

Figura 2 – Cena do filme “Que é o IPES. IPES, 1962-1964

Os filmes de propaganda política se apropriam de forte apelo emocional e associações sentimentais que o espectador relaciona com o que lhe é apresentado, desde objetos com qualidades heroicas e símbolos patrióticos. Como ocorre nos filmes do IPES, onde a Bandeira Nacional é apresentada em pelo menos metade de suas películas.

1.4.3 O Vínculo de União

O estabelecimento de vínculo de comunidade é também um outro aspecto importante. A partir daí, é notável em grande parte dos filmes políticos encontrar o elo de comunidade, coletividade, classe, nação ou povo e a narração do filme de propaganda política, é em grande maioria, colocada em 1ª. pessoa do plural: nós.

Assistindo as películas do IPES é facilmente notado este tipo de linguagem, um exemplo é o filme “Que é o IPES” onde a narração questiona: “O que estamos fazendo nós?”, “Unamos nossos esforços”.

Estes princípios de coletividade, de tudo o que é “bom” para todos nós é exaltado nestes tipos de filmes e conta com a ajuda da técnica cinematográfica, que coloca o inimigo numa perspectiva “monstruosa” de ameaça a “nossa” união, “estabelecer fronteira contra os ‘outros’, e sugerir que além dessas fronteiras espreitam perigos inimigos que ameaçam ‘nossa’ comunidade – enquanto dentro das mesmas são reforçados os sentimentos de união.” (FURHAMMAR L.; ISAKSSON F., 1976, p.175).

A propaganda política aproveita da nossa ideologia moral e usa da iconografia para que possamos reconhecer imediatamente, através de sinais repetitivos “os nossos inimigos”. Estes sinais são empregados para provocar o processo de distanciamento que envolve o inimigo. Podem ser utilizados através de uma pronúncia ou aparência estrangeira, que desassocia o “inimigo” dos “nossos”, incitando o sentimento de ideias diferentes da nossa, e sendo capaz de estimular um determinado medo de pessoas com estes estereótipos. Nos filmes do IPES uma das características que mais definia o “inimigo” era a barba, utilizada na época por Fidel Castro. Além, da pronúncia estrangeira utilizada nos filmes “Que é o IPES” e “O Brasil precisa de você”, onde a música dramática dá lugar para a voz de Hitler, que é apresentado em imagens estáticas junto ao seu exército e o povo que o saúda.

Figura 3 – Cena do filme “Que é o IPES. IPES, 1962-1964

O elo de união não é colocado somente através da câmera tornando o mal aparente, mas também ao explorar as vantagens psicológicas, colocando em evidência as “nossas” virtudes. Afinal seria muito arriscado investir em propaganda deixando que o “inimigo” fosse o personagem sempre com o papel principal, e por isso, a importância de destacar as “nossas” qualidades. Numa sólida ancoragem emocional e narrativa, que estabelece a posição moral do filme. O inimigo deve ser percebido pela plateia através de seus atos, onde o espectador deve agir com indignação.

1.4.4 Heroísmo e Vitória

O que é apresentado na tela tem o poder de condicionar o comportamento das massas. Diante de um conflito apresentado, quase que involuntariamente tendemos a nos inclinar a favor do partido inferior. Segundo a psicologia, existe um processo de “identificação com o herói”, o “herói” geralmente é um personagem que está sempre lutando ou fugindo de situações de perigo ou riscos. O cinema, através de imagens e técnicas, cria e mostra situações especiais que despertem simpatia à plateia, para que fique ao lado do “herói”. Por isso, o foco principal de um filme de propaganda política, é dirigir-se ao povo de uma determinada nação e a plateia é a representação deste povo, desta massa que deve permanecer em concordância com a narrativa. Por isso, o IPES destinou suas películas a todos os públicos que formava a massa, a nação, o povo, interpretados nos filmes através dos sofredores nordestinos, dos estudantes, do proletariado, pela família. Todos em busca da vitória representada pelo desenvolvimento e progresso econômico da nação, que traria a oportunidade da elevação do nível de vida.

Figura 4 – Cena do filme “Que é o IPES. IPES, 1962-1964

1.4.5 A Ordem Sob o Aspecto Religioso

A ordem geralmente também está ligada em algum sentido religioso, onde as necessidades de Deus simbolizam as da sociedade, uma vez que a propaganda tem a finalidade de manter a forma da sociedade operando. Explorando um ponto de vista religioso sem apelar explicitamente para a religião, como fazia o IPES ao citar em seus filmes os princípios do cristianismo, a ordem através dos dogmas da igreja católica representada através da cruz ou da própria igreja, ou simplesmente, reforçada pela narração como no filme “Que é o IPES”: “evitar que a difícil situação que o país atravessa venha comprometer nossas instituições democráticas e tradições cristãs”.

Figura 5 – Cena do filme “Que é o IPES. IPES, 1962-1964

2. Conclusão

Manzon, fotógrafo e cineasta dominava as técnicas de contrastes, movimento, ritmo, profundidade, direção, volume e iluminação. Características que são capazes de influenciar emocionalmente o espectador nos filmes propagandistas, em estórias que trataram de um Brasil com um futuro melhor. A divergência de situações foi utilizada em todos os filmes do IPES aqui analisados, sempre pelo aspecto negativo, visto sob a óptica dos problemas e depois pelo aspecto positivo, como se tivesse alcançado as soluções para os problemas destacados.

(...) O gênero está cheio de confrontações entre o bem e o mal, a beleza e a feiura, a pureza e a sujeira, a ordem e o caos, a pobreza e a abundância, o passado idílico e o presente ameaçador – ou entre a carência passada e a prosperidade presente. Em cada caso o contraste serve para forçar o espectador a uma adesão inevitável e inequívoca. (FURHAMMAR L.; ISAKSSON F., 1976, p.159)

No filme “Que é o IPES”, logo no início são apresentadas cenas que se contrastam, quando imagens de nuvens em um céu claro e iluminado pelo sol, se transformam em nuvens de fumaça devido às explosões de bombas, enquanto a narração afirma: “A terra em tal maneira é tão graciosa que emana um futuro de alegria e luz”. A cena seguinte é de uma imagem estática de Fidel Castro, onde a câmera caminha para frente e para traz num realce dramático do personagem. Estas primeiras cenas iniciais do filme levam o espectador a crer na ameaça de um regime de governo comunista, que era uma das preocupações do IPES e da elite dominante, pois, colocaria em risco o futuro do Brasil.

A receptividade crescente da humanidade à doutrinação. O aumento do número de homens reunidos num só grupo cultural, acrescido do extremo aperfeiçoamento dos meios técnicos leva as possibilidades, nunca antes atingidas na história humana, de influência à opinião pública e de criar uniformidade de opiniões. Devemos, além disso, ressaltar que o poder de sugestão de uma doutrina, firmemente aceita, progride talvez em progressos geométricos em relação ao número de crentes. (LORENZ, 1974, p.139)

Os filmes de propaganda política têm por sua característica, em grande maioria, encerrarem a estória com um final feliz. Os filmes apresentam situações de grande dificuldade infundindo a sensação de catástrofes sociais, e contrastando a este sentido, vende a possibilidade da vitória a ser conquistada e finaliza o triunfo do bem sobre o mal, que geralmente é punido ou simplesmente afastado.

Nos filmes do IPES que são filmes de propaganda política, todos eles encerram sempre demonstrando, como já citado anteriormente, o que o público deseja para si, para um Brasil melhor, sempre com cenas de grande progresso, com desenvolvimento industrial e econômico, gerador de empregos e de melhores condições de vida, afastando o mal do comunismo e a da desordem, como assim desejava o empresariado membro da elite dominante e os militares.

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