Capítulo III – Cinema – Comunicação

Beyond the Grid: the digital side of the Drive to Survive series 1

Fora do Grid: o lado digital da série Drive to Survive

Eduarda Cantaluppi

Universidade Presbiteriana Mackenzie, Brasil

Glaucia Eneida Davino

Instituto de Artes - UNESP, Brasil

Abstract

Alongside, Cinema and Motor Racing are little more than a hundred years old and they are the fruit of the industrial era when mechanical devices transformed the way of perceiving and understanding the world. In this short historical trajectory, both became entertainment attractions, establishing vigorous audiences around the world, creating characters, stories and legends. To go back through this period of industrial innovations is to be able to perceive the spirit of that time that led Walter Benjamin to oppose art to new expressive formats and led art to admire and speculate men in the world of speed. The transformations of the 21st century have put us definitively in the universe of networks, streaming and innovations of languages descended from those that preceded them. Entertainment consumption grew and diversified. Over time, fictional films and documentaries about motorsport disputes were produced. This essay aims to reflect on the documentary production of the series Formula1® Drive to Survive (2019- ) which shows events lived behind the scenes during the Formula 1 World Championships. As a reflection of our time, it was produced and distributed in streaming by Netflix. The essay is based on the tripod articulating cinematography (documentary), the motorsport spectacle, sometimes it is mediated by cinematography and the participation of users of social networks that relate reality to the series, through digital data collection. Our goal is to present an outline of this dialogue.

Keywords: Drive to survive, Streaming, Social Networks, Data collection, Motorsport

Introdução

Par a par, Cinema e Automobilismo têm pouco mais de cem anos e são frutos da era industrial, quando os engenhos mecânicos motorizados transformaram o modo de perceber, de estar e de entender o mundo. Ambos relacionam e desafiam a noção do temporal, ultrapassando, com as máquinas, relações de tempo, espaço e trajetórias narrativas. Num curtíssimo período da histórica, cada uma dessas invenções se tornou atração para o entretenimento. Estabeleceram públicos vigorosos em todo o mundo, são fundadores, difusores de muitas histórias e construtores de personagens e lendas. Fazer um passeio por esse período de inovações industriais é poder perceber o espírito daquela época, que levou a arte a admirar e a especular o homem no mundo da velocidade.

As transformações do século XXI não abandonaram esses espetáculos, ao contrário, colocaram os filmes e o automobilismo, em definitivo, no universo das redes, do streaming e de inovações de linguagens descendentes das que as antecederam. O alcance do consumo do entretenimento se expandiu e se diversificou por todo o mundo. Hoje, qualquer informação e/ou dados podem atravessar oceanos e quaisquer obstáculos naturais para chegar em poucos segundos a qualquer parte do mundo. Dessa forma, o espírito de nossa época, marcado por sua conjuntura tecnológica digitalizada e em redes permite não apenas que filmes e/ou transmissão de eventos esportivos (e quaisquer outros) sejam acessados quase que instantaneamente, como dissemos acima, mas também o público pode, a qualquer momento (no mesmo instante ou anos depois), emitir opiniões, saber opiniões alheias e estabelecer conversas sobre as obras em questão. Essas respostas e demandas do público também refletem naquilo que os promotores desses eventos podem criar e oferecer. Dessa vez, além das corridas, vimos surgir esse “produto audiovisual”, expandindo o engajamento da audiência online de forma transmidiática (Lopes, 2018) o mundo das corridas do Grande Prêmio.

Muitos filmes, ficcionais ou documentários, já foram realizados sobre o automobilismo. Drive to Survive (2019;2020), no entanto, é uma produção serial, em plataforma streaming (Netflix), um dos formatos mais consumidos na contemporaneidade. Um tipo de produto que, disposto em temporadas e espisódios, dá ao espectador a liberdade de assistir da forma que desejar, inclusive no que chamamos de “maratonar” ou “bing whatching”. No gênero documentário em série, o tema é o enfoque nos bastidores da Formula 1®, ou seja, os episódios propõem compartilhar com os espectadores aquilo que aconteceu além das pistas.

Esse ensaio se baseia em três eixos: a articulação cinematográfica (documental), o espetáculo automobilístico e a participação (manifestações) dos usuários das redes sociais que relacionam a realidade com a série, através de coleta digital de dados. Nosso objetivo é o de apresentar um recorte desse diálogo.

Automobilismo nas pistas e nas telas

O automobilismo é um esporte e, como tal, pode metaforizar uma jornada de vida, a busca por um objetivo, os obstáculos que surgem e a conclusão desse percurso. Na Formula-1 implica no envolvimento de diversas forças narrativas - dos pilotos, das escuderias, dos patrocinadores - e num público ávido por, além de torcer por seu favorito (escuderia ou piloto), ver belos lances estratégicos dos pilotos, da equipe, as disputas nas ultrapassagens e até os inevitáveis acidentes e as soluções de socorro.

Lembrando de Guy Debord (2016), estamos imersos na visão do mundo pela mediação espetacular, que seduzem nossos sentidos. A corrida de Fórmula-1 é espetáculo tanto no sentido presencial, para aqueles poucos que podem adquirir ingressos e assistir a corrida in loco, mas principalmente como um espetáculo da imagem, quando mediado pela transmissão televisiva e possível de ser visto, simultaneamente e em tempo real, em outras partes do mundo. Quem assiste pela TV, tem acesso a imagens de câmeras para transmissão e gravação, estrategicamente dispostas no circuito e até em alguns carros ou capacetes, dando ao espectador uma visão única (a subjetiva do carro/piloto), o que lhe proporciona o aumento do leque de estesias. A experiência do espetáculo estando no circuito se diferencia, primeiro por que o espectador precisa conhecer o circuito e escolher a arquibancada que quer frequentar. Isso implica não apenas a visão que terá do circuito, mas das pessoas que o rodearão. Mesmo assim, os espectadores presenciais podem contar com telões que cobrem áreas menos visíveis, ou seja, a mediação audiovisual estende a experiência da visão das câmeras, através dos dispositivos de telões. De qualquer maneira, ambas opções são opções de espectador, daquele que assiste.

Embora a história do automobilismo seja mais ampla, em 2020, ano em que escrevemos esse ensaio

...we celebrate 70 years of F1. From the very first race in 1950 the FIA has striven to push boundaries, forge passion, and pursue excellence in the sport we love. Today we remember 70 years of incredible history and look forward to an even brighter future.” (FIA, 2020).

Como vemos, essa modalidade de campeonato é recente e, ao longo e em torno de sua trajetória, existe um público vigoroso, grupos de fãs, histórias e lendas de pilotos, equipes, escuderias, amores e desamores. O automobilismo se desenvolveu no percurso das invenções da segunda revolução industrial, com o veículo com motor a combustão produzido em massa.

As artes mecânicas, como fotografia e cinema, que fizeram Benjamin (1975) elaborar reflexões críticas como a perda da sua “aura”, sua “singularidade” e “autenticidade”, em favor da distribuição da arte através de inúmeras cópias, se contextualizam com a cultura da evolução e empolgação pela capacidade da produção (industrial) de bens e em abundância. Poderíamos rapidamente procurar aproximar os valores que tangem o artístico como único, autêntico, que carrega uma aura em oposição à industrialização. Se um dos impulsos das emoções nos espectadores da F1, principalmente a partir da década de 60, recaiu justamente na busca da singularidade e, portanto, da autenticidade das escuderias na criação e aperfeiçoamento de seus carros: motor, design, material etc., seriam esses carros de corrida as suas obras de arte? O quanto esses valores não industriais e não massivos constituiriam as suas auras? Fazer um passeio pelas décadas da F1 é perceber o espírito de cada uma das épocas e desvendar o estado em que estamos atualmente: o número de equipes, os circuitos, os pilotos, as tecnologias, as formas de se assistir e se informar sobre esse Grande Prêmio, como por exemplo, os duelos marcantes e inesquecíveis da década de 70 entre Niki Lauda e James Hunt que inspiraram o filme ficcional Rush – No limite da Emoção (Rush, 2013). A saga da Fórmula 1 ainda sofrerá muitas mudanças decorrentes de seu tempo como já preconizam e como a FIA já se planeja.

Durante algum tempo, o cenário automobilístico atentou-se exclusivamente para seu objeto, a corrida e as performances das máquinas e dos pilotos propriamente. Dessa forma, os bastidores desse esporte ficavam por “trás das cortinas”, impedindo que fossem revelados. O mistério por trás de como essas máquinas de alta performance e os dramas que envolviam equipes e pilotos acabaram por se tornar um atrativo a mais e, nem sempre, menos importante. O entretenimento, em torno da F1 se desdobra e amplia seu alcance nas diversas mídias.

A própria estrutura das corridas de carros em que há personagens, há conflitos, ações, reações, começo, desenvolvimento e conclusão, com alguma vitória, permite a transposição de histórias com esse tema e podem gerar bons argumentos para o cinema. Mas, mais do que isso, para grupos de aficionados ou mesmo interessados em filmes desse gênero, a indústria cinematográfica efetivamente investiu nessa aposta, gerando uma série de filmes ficcionais e documentários.

Histórias consideradas clássicas, geralmente focadas em rivalidades, já foram adaptadas em dramatizações cinematográficas como o já citado filme Rush – No limite da Emoção (2013) e Ford vs Ferrari (2019). Ambos narram trajetórias de personagens que se opõem em competição em busca da vitória, dentro do espírito das emoções das corridas e foram baseados em fatos reais. O primeiro,

“captures the intensity of the battle between James Hunt and Niki Lauda for the title while remaining unafraid to delve into the sheer brutality of Lauda’s recovery after his life-changing crash at the Nurburgring.” (DUXBURY, 2020)

e o segundo filme é a história que se passa na década de 60 e narra a trajetória da Ford que tinha como objetivo desenvolver um carro para competir e vencer seu principal rival, a Ferrari, nas 24 horas de Le Mans.

Mas nos longas-metragens ficcionais, os acontecimentos tendem a se tornar romantizados para criar narrativas mais atrativas, simbolizando ou metaforizando o espírito da época. Ao omitirem certos fatos sobre a realidade em detrimento da força da estrutura ficcional, abrem-se caminhos para a entrada em cena dos documentários dentro do universo do automobilismo.

Há diversos filmes ou séries-documentários abordando grandes nomes ou momentos do esporte como Guerra em 24 horas – Ford x Ferrari (2016), Williams (2017), Fangio (2020), Grand Prix Driver (2018) e, provavelmente o mais conhecido, Senna (2010), que sofreu diversas críticas, principalmente do grande rival do piloto brasileiro, Alain Prost, que disse: “É uma pena, porque na história do esporte, não existem muitas histórias como essa. Porque não é uma história de esportes, é uma história humana” (Gavinelli, 2020).

A definição de filme documentário continua polêmica no contexto teórico e crítico do cinema, mesmo sabendo que a principal característica é o estabelecimento de um compromisso com a realidade sem, contudo, compreender que essa realidade é transposta sob um ponto de vista dos realizadores. Segundo o dicionário Littré, “...o termo documentário é aceite em 1879 como adjetivo referente a algo ‘que tem carácter de documento’” e, para Fernão Ramos, o documentário é visto como um campo tradicional, com regras a serem seguidas.

Extrapolar estas fronteiras é um atestado de inventividade e criatividade. O logro que uma narrativa ambígua, eventualmente, pode pregar no espectador, serve como modelo. É interessante notar como este tipo de narrativa encontra-se no âmago da sensibilidade estética de nossa época, provocando uma espécie de atração irrefreável sobre o movimento de análise (RAMOS, 2017).

Automobilismo em streaming

Como vimos, são diversos os títulos de filmes sobre automobilismo. Sites a respeito de filmes ou de fãs de corridas, oferecem, de tempos em tempos, listas selecionadas por algum especialista. Listas como: “os 10º melhores”, “os mais notáveis”, “os históricos” etc. são encontrados num clicar na internet. No entanto, para assisti-los, não bastam as listas, é necessário que estejam ao nosso alcance.

As plataformas de streaming, disponíveis hoje, oferecem tantos produtos audiovisuais, distintos e de diferentes épocas como filmes e séries para atender a todos os gostos, e isso inclui uma vasta seleção de documentários.

Buscando o termo “Automobilismo”, nas ferramentas de busca dessas plataformas, encontramos títulos apenas àqueles relacionados ao esporte, mas também a uma série produções que extrapolam as questões intrínsecas das corridas automobilísticas. Nessa pesquisa inicial, com as ferramentas de busca dos próprios canais, foi possível encontrar 11(onze) títulos nos três canais de streamings diferentes - Netflix, Amazon Prime e HBOGo. Nos portais da Globosat Play, Globo Play, Telecine e Fox Premium - não foram encontrados documentários, sendo filmes ou séries, relacionados ao automobilismo como esporte ou como hobby. Dentre as onze produções encontradas, seis eram filmes e cinco eram séries. Isso mostra que, no momento da pesquisa, 73% do todo pertenciam ao Netflix e 54% eram relacionadas a alguma categoria do esporte.

Esses filmes e séries se diferenciam por adotarem ângulos diferentes, com enfoque em alguma premissa e/ou tema pré-determinado. Por exemplo, o filme Williams (2017), dirigido por Morgan Mathews, apresenta a equipe de Formula 1 fundada pelo empresário, ex-piloto e engenheiro mecânico Sir Frank Williams em 1977, e sua história ao longo de quatro décadas no esporte. Nesse filme, sua personalidade é vitoriosa, pois, mesmo com o grave acidente sofrido por Frank, que o deixou tetraplégico, em 1986, a equipe se tornou uma das mais bem-sucedidas na Formula 1. O documentário é narrado pelos próprios protagonistas da história: os integrantes da família, ex-pilotos e personalidades do meio automobilístico ligadas à Williams F1 Team.

Já a mini-série Grand Prix Driver (2018), disponível na Amazon Prime e dirigida por Adrian McDowall, tem a narração na voz do ator Michael Douglas e acompanha a pré-temporada de 2017 da equipe McLaren e o piloto belga, novato na Formula 1, Stoffel Vandoorne. Durante os quatro episódios, a produção mostra como é a preparação nos meses anteriores aos dias de testes, que ocorrem no mês de fevereiro em Barcelona. Mostrando como o planejamento apertado pode influenciar a equipe inteira e os pilotos.

Esses dois exemplos, focados em temas específicos, têm linhas a serem seguidas, de forma que as atividades externas, como o campeonato e competidores, não são determinantes na linha narrativa escolhida para ser compartilhada com os espectadores. A maioria das produções seguem esse tipo de enfoque. Outro formato é aquele em que apresentam os fatos que ocorreram e que já são conhecidos do público (sem trazer revelações inusitadas), seguidos de depoimentos de quem viveu próximo, ou foi impactado ao acontecimento como, por exemplo, em Guerra em 24 horas e Fangio – O rei das pistas (2020).

Netflix na expansão do universo da Fórmula 1

O campeonato de Formula 1 ocorre anualmente, é composto pelas corridas em circuitos de distintos países/cidades. A cada corrida, há um desenho de grid e a perspectiva das performances de seus atores: pilotos e escuderias. Essa estrutura das corridas tece a narrativa do próprio esporte, em cada ano e ao longo dos anos. Todas as corridas geram vitórias, numa estrutura de começo-meio-fim, seguida de premiação. No entanto, o grande campeão é agraciado ao final da temporada. Há muito de semelhança com as séries, não é mesmo? Cada ano, uma temporada com episódios periódicos e um encerramento que precede a expectativa da nova temporada.

Em março de 2018, foi anunciado pelo streaming Netflix e pelo portal da Formula 1 que seria realizado uma série-documentário da temporada de 2018 do Campeonato Mundial. A parceria entre as duas entidades visou ampliar a oferta de entretenimento e expansão do universo da Fórmula 1, que já faz circular milhares de dólares. A escolha temática foi a de mostrar um lado desconhecido do esporte, ou seja, seus bastidores, com acesso aberto e sem precedentes às oito das dez equipes e seus respectivos pilotos. No mundo espetacularizado, qualquer acontecimento nas pistas, mas também nos negócios ou vida particular de celebridades ou envolvidos são imãs de interesse do público.

Sean Bratches, F1 Managing Director of Commercial Operations said: “Formula 1 is a global sport that we are actively repositioning from a motorsport company to a media and entertainment brand. The agreement with Netflix serves to chronicle the fascinating story of what transpires behind the scenes during a grand prix season. This is a perspective of the sport that has yet to be unveiled to fans around the world. This series will unleash a compelling vantage point to the sport that will delight fans and serve as a catalyst to entice new fans”. (F1. 2018)

Com a produção executiva por James Gay Rees (que também realizou o filme documentário Senna, já mencionado) e Paul Martin, a série registrou acontecimentos, situações, falas, entrevistas e depoimentos capturados durante os sete meses do campeonato. Iniciada em 2018 se estendeu para anos seguintes, constituindo as temporadas. Hoje, em 2021, ela já está na terceira.

Cada temporada foi lançada poucas semanas antes do início da temporada seguinte. Essa estratégia faz com que os espectadores e principalmente os fãs do esporte já conheçam previamente o que ocorreu nas pistas e possam fazer ligações diretas com os eventos dos bastidores. Ou seja, o universo do esporte é transmidiatizado e permite a soma de experiências diferenciadas para o espectador, pois ele já carrega, consigo, o próprio testemunho de informações precedentes. Essa característica faz com que as escolhas estéticas e de roteiro da série Drive to Survive possam se articular com essas informações e gerar um diálogo mais provocante para a vivência emocional do espectador. Trata-se de um formato bastante provocativo, pois transcende a materialidade da própria série documental.

A primeira temporada da série F1: Drive to Survive (2019), filmada em 2018, foi lançada oficialmente uma semana antes do Campeonato de 2019 começar, para chamar a atenção do público e da crítica. Mesmo não tendo a colaboração das mais relevantes equipes Mercedes-AMG e Scuderia Ferrari, sua avaliação estava em 86% após duas temporadas realizadas, segundo os dados do portal IMDB - Internet Movie DataBase (2019).

Dividida em dez episódios, ela acompanha as histórias paralelas das equipes, dos pilotos e é entremeada de falas dos próprios protagonistas e jornalistas especializados na categoria. Embora separadas, elas acabam se conflitando ao longo da série. Na estrutura do documentário, algumas lacunas deixadas durante os acontecimentos da temporada vão sendo preenchidas pelos depoimentos.

Temporadas e macroestrutura narrativa – as escolhas

Para sintetizarmos a macroestrutura das duas primeiras temporadas e as premissas, os enfoques narrativos principais, os acontecimentos selecionados no roteiro, as conclusões de cada episódio e os possíveis ganchos entre eles, copiamos, do site oficial de Dirigir para Viver, da Netflix Brasil (Netflix, NSéries. F1 Dirigir para viver) os resumos de cada episódio, das duas primeiras temporadas, pois a terceira não faz parte do recorte desse trabalho.

Cabe lembrar que a primeira temporada, lançada em 2019, documenta os acontecimentos do Grande Prêmio de 2018 e que a segunda temporada, lançada em 2020, documenta os de 2019 - ano anterior. Com o sucesso da primeira temporada, as duas equipes de maior evidência da Formula 1, que não se envolveram na primeira temporada, conforme já comentado acima, aceitaram participar a partir da segunda, permitindo acesso aos seus bastidores durante a temporada 2019.

1ªTemporada (2019) - lançamento em 8/03/2019

Ep. 1 Adrenalina e Paixão / Tudo em jogo (36 min)
Sinopse O piloto Daniel Ricciardo pretende se destacar durante a preparação das equipes para a primeira corrida da temporada, o Grande Prêmio da Austrália.
Ep. 2 O Rei da Espanha (39 min)
Sinopse A equipe McLaren pretende virar o jogo em um duelo entre seu piloto Fernando Alonso e Carlos Sainz, piloto da Renault, no Grande Prêmio da Espanha em Barcelona.
Ep. 3 Redenção (41 min)
Sinopse No tradicional Grande Prêmio de Mônaco, Ricciardo se sente pressionado por um novato. E a equipe Williams luta para não perder a importância.
Ep. 4 A Arte da Guerra (37 min)
Sinopse O difícil relacionamento entre a Red Bull e a Renault atinge o pior momento. E um dos principais pilotos da Fórmula 1 toma uma decisão importante.
Ep. 5 Problemas no Topo (32 min)
Sinopse A saúde financeira de uma equipe nem sempre se traduz em vitórias, como prova a McLaren. E o dono da Force India enfrenta problemas legais.
Ep.6 Tudo ou Nada (36 min)
Sinopse Quando a Force India é comprada por um grupo liderado por Lawrence Stroll, os dois pilotos da equipe temem que o filho de Stroll assuma a posição de um deles.
Ep. 7 Mantendo o Foco (27 min)
Sinopse Sob pressão, Romain Grosjean, piloto da equipe Haas, luta contra a falta de confiança e o nervosismo no famoso Grande Prêmio da França.
Ep. 8 A Nova Geração (41 min)
Sinopse Charles Leclerc, piloto da Sauber, pretende conseguir algo que seu finado padrinho, Jules Bianchi, nunca conseguiu: correr pela Ferrari
Ep. 9 Estrelas e Listras (32 min)
Sinopse A rivalidade entre a Renault e a Haas aumenta, e as duas equipes não abrem mão da vitória no Grande Prêmio dos Estados Unidos em Austin, Texas.
Ep.10 Cruzando a Linha de Chegada (33 min)
Sinopse Pilotos famosos e iniciantes tentam terminar o ano por cima enquanto as equipes se preparam para a corrida final da temporada em Abu Dhabi.

Quadro 1
Fonte: Netflix NSéries. F1 Dirigir para viver
https://www.netflix.com/br/title/80204890

2ªTemporada (2020) - lançamento em 28/02/2020

Ep. 1 Apaguem as luzes (34 min)
Sinopse No início de outra temporada de Fórmula 1, dez equipes disputam o Grande Prêmio da Austrália.
Ep. 2 Confronto final (41 min)
Sinopse A mediocridade toma conta da equipe Haas, e a frustração com o péssimo desempenho ameaça desestruturar a equipe..
Ep. 3 Briga de cachorro grande (38 min)
Sinopse Ansiosos por reviver os dias de glória de suas equipes, Daniel Ricciardo da Renault e Carlos Sainz da McLaren querem provar seu valor na pista.
Ep. 4 Dias difíceis (37 min)
Sinopse O longo domínio de Lewis Hamilton e da Mercedes na Fórmula 1 enfrenta um duro teste na pista molhada do Grande Prêmio da Alemanha.
Ep. 5 Grandes expectativas (37 min)
Sinopse Max Verstappen e Pierre Gasly, rivais na Red Bull, vivem situações distintas nas corridas de Mônaco, Montreal e Áustria.
Ep.6 Troca de pilotos (37 min)
Sinopse Alex Albon, o novo piloto da Red Bull, tenta superar os resultados do seu antecessor. E uma tragédia marca o Grande Prêmio da Bélgica.
Ep. 7 A cor da raiva (33 min)
Sinopse A Ferrari tem uma rica história na Fórmula 1. Mas nem mesmo a equipe do Cavalo Rampante está imune a conflitos entre pilotos.
Ep. 8 Dança das cadeiras (38 min)
Sinopse Para pilotos de Fórmula 1 como Nico Hülkenberg, a vaga em uma equipe é como a dança das cadeiras. Será que a música vai parar no Grande Prêmio da Alemanha?
Ep. 9 Sangue suor e lágrimas (32 min)
Sinopse Muitos acham que os melhores momentos da Williams já passaram. Mas Claire Williams, vice-diretora da equipe, vê um futuro promissor no estreante George Russell.
Ep.10 Bandeira quadriculada (31 min)
Sinopse No final da temporada de 2019, pilotos novatos como Albon, Gasly e Sainz disputam a última chance de chegar ao pódio.

Quadro 2
Fonte: Netflix NSéries. F1 Dirigir para viver
https://www.netflix.com/br/title/80204890

Os fãs nas redes – uma amostra

Em 2019, após a estreia da primeira temporada da série, acontecimentos mostrados nos episódios tornaram-se memes2, opiniões e comentários sobre acontecimentos marcantes ou nem tão marcantes fomentavam discussões e compartilhamentos, impressões sobre a fidelidade e a cobertura de assuntos de interesse que estavam ou não retratados nos episódios dos documentários, assim como os enfoques dados às equipes e tantos outros assuntos, a respeito da temporada 2018, tocaram as emoções dos espectadores que se manifestaram dentro da comunidade de fãs de automobilismo das redes sociais. Isso se manteve e se ampliou no ano seguinte.

Com o lançamento da segunda temporada há duas semanas do suposto início do Campeonato Mundial de 2020, a espera pela disponibilidade na plataforma da Netflix esteve presente nas redes sociais, especialmente no Twitter.

Pesquisa de dados digitais

A definição de redes sociais pode ser apresentada como “um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados” (Marteleto, 2001, apud Oliveira et. al., 2012). E seguindo esta interpretação, foi extraída uma amostra da plataforma de microblog Twitter para observar as reações e comentários dos espectadores sobre a estreia da série Drive To Survive.

Para fins desta análise, foram apenas consideradas as publicações originais e em inglês entre os dias 28 de fevereiro e 01 de março de 2020 que correspondem ao final de semana de estreia.

A metodologia de coleta utilizada extraiu quantidades de dados, no caso tweets, através da hashtag #DriveToSurvive, com o código de programação R no programa RStudio (Cantaluppi, 2021). Durante o período entre os dias 22 de fevereiro e 02 de março de 2020, foram coletadas 9.072 posts na rede social Twitter. Dentro desses dados, havia retweets3 e postagens em diversos idiomas como inglês (1990 tweets originais), português (221 tweets originais), espanhol (214 tweets originais), francês (192 tweets originais) e italiano (89 tweets originais).

Foram identificados cerca de 40 assuntos variados relacionados à série nas 1990 postagens analisadas, que variavam entre:

- acontecimentos da temporada registados na série

- a ausência de eventos ou personagens

- comentários relacionados a edição e

- comparativos com outras categorias do esporte ou personalidades.

Como estamos falando de um recorte na história do esporte e da sua percepção em relação ao público, focamos nos comentários relacionados aos acontecimentos durante as corridas e sua recepção.

Em todos os episódios da 2ª temporada, pelo menos um tema foi abordado enfaticamente entre os comentários. Das postagens foi o da ausência daqueles acontecimentos durante as corridas, que se tornaram marcos durante a temporada. Um exemplo foi a repentina perda de Charlie Whiting, diretor da Formula 1 na FIA. Ele faleceu dias antes do inicio da temporada. Outros temas têm a ver com personagens, ou seja, personalidades como pilotos ou equipes de destaque quando se fala em Formula 1. Os exemplos são a falta da menção do piloto Lando Norris, da McLaren, e das equipes Racing Point e Alfa Romeo, ao longo dos 10 episódios.

Figura 1 - Exemplo de comentário sobre a série.
Fonte: Twitter.com

Com o auxílio da ferramenta de contagem de palavras QuickCounter 4, analisamos a frequência das menções sobre os tópicos mais relevantes sobre a série e sobre a categoria através de palavras-chave como os nomes dos pilotos, equipes, chefes de equipe e outros termos relacionados à 2ª temporada da série.

Temas %
Pilotos 39,86%
Equipes 25,14%
Circuitos / Locais 8,84%
Acontecimentos 5,58%
Outros 20,58%

Quadro 3 - Proporção de menções por temas
Fonte: elaboração dos autores

Dentro dos comentários foi possível setorizar as palavras-chave por temas: Pilotos, Equipes, Circuitos e Locais, Acontecimentos e Outros. Destes, os comentários voltados para os pilotos têm uma constância maior entre os posts, e observando a sinopse dos episódios e as histórias contadas e não contadas, nomes como Lando Norris (6,38%) e Pierre Gasly (4,86%) estão entre os mais mencionados, mas por motivos distintos.

Esses acontecimentos narrados ao longo das séries também colocam em evidência as equipes e suas ações durante a história em que, muitas vezes no decorrer do campeonato, os fãs não sabem ou não compreendem, são comentadas e discutidas nas postagens.

Outros termos muito encontrados em diversas variações foram Netflix, Gunther Steiner (chefe de equipe da construtora HAAS F1), variações do nome da série (ex. dts, dts2, etc.), menções ao piloto francês da Formula 2, Anthoine Hubert, que faleceu após um acidente durante a etapa da categoria na Bélgica, em 2019, e indicações que os usuários do Twitter assitiram ou estavam assistindo em maratona os episódios utilizando a expressão “binge-watching” em seus posts.

Como as postagens foram coletadas entre fevereiro e março de 2020, termos relacionados ao COVID-19 estavam entre as palavras-chave desta análise, mas eles aparecem em 0,22% dos tweets.

Considerações finais

A espera pela estreia da série é evidente nos comentários. A reação refletida nos comentários, em sua maioria, foi positiva.

Como Manovich (2017) ressalta, “as redes sociais não incluem todo mundo, e o conteúdo compartilhado às vezes é específico”. Isso transparece na ligação dos fãs do esporte pela atenção aos detalhes e a exigência de não ignorar fatos e informações importantes para a comunidade. É possível observar o quanto as perdas durante 2019 foram mencionadas, 3,2%, e a ausência de histórias como o caso do piloto então novato Lando Norris e as equipes Alfa Romeo e Racing Point, como já dito.

Diferente das demais obras documentais como Senna, Williams e Guerra em 24 horas, a série conta uma história recente que a maioria de seu público acompanhou o desenvolvimento e que os acontecimentos, em sua maioria, estão nítidos na memória.

A edição conta os desdobramentos dos acontecimentos de pontos de vista dos bastidores preenchendo lacunas e com isso formando uma ligação afetiva com o espectador, ou seja, o documentário seriado Drive to survive, a manifestação do público como reverberação da obra, nas redes sociais faz parte do espírito desse nosso tempo, em que as opiniões se tornam públicas, podem ser respondidas, compartilhadas e influenciar na continuidade do produto serializado.

Notas Finais

1Esse trabalho teve o apoio da CAPES e do Mack pesquisa.

2Segundo o dicionário de Cambridge (2021), “é uma ideia, imagem, vídeo, etc. que é espalhado muito rapidamente na internet.”

3A função retweet permite publicar a postagem de terceiros na página do perfil do usuário, aparecendo na timeline de seus seguidores. Ela tem duas possiblidades de repostagem, permitindo que possa ser realizada diretamente, ou seja, o post do jeito que foi originalmente publicado, ou com comentário do usuário no retweet.

4Aplicativo gratuito de contagem de palavras disponível no MacApp Store.

Referências

Benjamin, Walter. 1975. Textos de Walter Benjamin. 1ª ed. São Paulo: Abril Cultural e Indústria

Cantaluppi, Eduarda. 2021. Comunicação Digital: Em estudo sobre a interação da comunicação de seguidores da Formula-1 na plataforma Twitter. Dissertação de Mestrado, Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Debord, Guy. 2016. A sociedade do espetáculo. Tradução de Estela dos Santos Abreu. 14ª ed. Rio de Janeiro: Contraponto.

Duxbury, Anna. 2020. “The best Formula 1 films and documentaries to watch in 2020”. In Autosport – Formula 1, March 24th Disponível em https://www.autosport.com/f1/news/148773/f1-films-and-documentaries-to-watch-in-2020 (acessado em 26 de maio de 2020)

FIA - Federação Internacional de Automobilismo. 2020. “#F1 - 70 Years of an Incredible Story”, 13/05/2020. Disponível em https://www.fia.com/news/f1-70-years-incredible-story - (acesso em 26 de maio de 2020)

Formula 1. 2018. Formula 1 and NETFLIX Season deal. Disponível em https://www.formula1.com/en/latest/article.formula-1-and-netflix-in-2018-season-deal.6Ft62RzcAMwqEuiwKu6mO0.html (acesso em 26 de maio de 2020)

Formula 1. 2019. Race Director Charlie Whiting passes away, -14 March 2019 - https://www.formula1.com/en/latest/article.fia-f1-race-director-charlie-whiting-passes-away.3Su01LCNwgrPic2Ex8FBQP.html (acesso em 25 de fevereiro de 2021)

Ganivelli, Gabriel. 2020. “Prost descontente com documentário ‘Senna’: ‘Poderiam ter feito um filme incrível’”, F1 Mania, Portal Terra – Automobilismo, 11/02/2020. Disponível em https://www.terra.com.br/esportes/automobilismo/f1mania/prost-descontente-com-documentario-senna-poderiam-ter-feito-um-filme-incrivel,f87843c2f3cf6377d095ec069179ed26lju6lwzq.html. (acesso 26 de maio de 2020)

IMDB (s/d). Fórmula 1: Dirigir para viver Rate. Disponível em: https://www.imdb.com/title/tt8289930/ (acesso em abril de 2021)

Lopes, Maria Imacolatta Vassalo de. 2018. Recepção transmídia: perspectivas teórico-metodológicas e audiências de ficção televisiva online. In Galaxia (São Paulo, online), nº 39, set-dez., p.39-52. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/1982-255435151 (acesso em dezembro de 2020).

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Filmografia

FANGIO – O REI DAS PISTAS. Direção: Francisco Macri. Produção: Alfredo Federico. Argentina, 2020. Título original: Fangio: El hombre que domaba las máquinas. Netflix

FORD VS FERRARI. Direção: James Mangold. Produção: Dani Bernfeld, Lucas Foster, Kevin Halloran, Michael Mann e Alex Young. Estados Unidos, 2019. Título original: Ford v Ferrari. 20th Century Fox

GRAND PRIX DRIVER. Direção: Adrian McDowall. Produção: Christopher Connell e Anwar Nuseibeh. Estados Unidos e Reino Unido, 2018. Amazon Studios

GUERRA EM 24 HORAS. Direção: Nate Adams e Adam Carolla. Produção: Nate Adams, Mike August e Adam Carolla. Estados Unidos, 2016. Título original: The 24 Hour War. Chassy Media

FORMULA 1: DRIVE TO SURVIVE. Direção: Nick Hardie, James Routh, Nonuk Walter, Martin Webb. Produção: James Gay-Rees e Paul Martin. Estados Unidos e Reino Unido, 2019 e 2020. Netflix

RUSH – NO LIMITE DA EMOÇÃO. Direção: Ron Howard. Produção: Tobin Armbrust, Tim Bevan, Guy East, Todd Hallowell, Nigel Sinclair e Tyler Thompson. Estados Unidos, 2013. Título original: Rush. Universal Pictures

SENNA. Direção: Asif Kapadia. Produção: James Gay-Rees, Liza Chasin, Debra Hayward, Kevin Macdonald e Manish Pandey. Estados Unidos e Reino Unido, 2010. Universal Pictures

WILLIAMS. Direção: Morgan Matthews. Produção: Sarah Hamilton e Heyley Reynolds. Reino Unido, 2017. BBC Films

Webgrafia

Canais Globo. Disponível em: https://canaisglobo.globo.com/

F1 TV. Temporada 2019. Disponível em: https://f1tv.formula1.com/page/2128/2019-season

FIA. Disponível em: https://www.fia.com/

Formula 1. Disponível em: https://www.formula1.com/

Fox play. Disponível em: https://www.foxplay.com/pt-br/

Globo play. Disponível em: https://globoplay.globo.com/

HBO. Disponível em: https://www.hbogo.com.br/home

Netflix. Disponível em: https://www.netflix.com/browse

Netflix NSéries. F1 Dirigir para viver. Disponível em https://www.netflix.com/br/title/80204890

Prime Vídeo. Disponível em: https://www.primevideo.com/

Telecine play. Disponível em: https://www.telecineplay.com.br/