Abstract
Atila Iamarino is a brazilian biologist and a youtuber, a person who creates and uploads videos on YouTube, that became very much famous in the pandemic scenario of 2020 in this country. He has two channels in YouTube Brazil and their videos are about science in general. When an American platform streaming service and production company Netflix distributed the documentary The Social Dilemma (Netflix, 2020) in Brazil, the Atila Iamarino’s channel created a video discussing Facebook. The video was an opportunity for so many views because the documentary became very much commented on by the brazilian public opinion. So, this paper aims to discuss the relationship between Atila Iamarino video and the documentary The Social Dilemma (Netflix, 2020). In this way, intends to analyze the contribution of scientific dissemination that the youtuber performs to brazilian people especially about theories and researches in communication studies. In terms of methodologies, this paper is a bibliographic research and cultural circuit analysis. As a result, it intends to dialogue with researchers that investigate documentary, video and science communication in the world.
Keywords: Netflix, YouTube, Facebook, Technology, Science
Introdução
De acordo com o Observatório Audiovisual Europeu (2020), meses antes da emergência da crise do coronavírus já havia registros da tendência ascendente do setor audiovisual online. O relatório apresenta que as subscrições do serviço Video on Demand (VoD) ultrapassaram a marca dos 100 milhões de usuários em 2019, na Europa, e no topo do ranking estavam Netflix e a Amazon Prime como os serviços mais procurados.
Segundo a pesquisa Bernstein (2020), a Netflix, no Brasil, já superou o número de assinantes da TV a cabo, alcançando 17 milhões em detrimento dos 15 milhões desta última. Estes números tornaram o Brasil o segundo maior mercado do serviço no mundo, perdendo apenas para os EUA, que possui 60 milhões de assinantes.
Na primeira edição da pesquisa Why Video (2021), o YouTube realizou duas mil entrevistas com um público de 18 a 65 anos no Brasil. Objetivando fazer uma panorama sobre as mudanças de hábitos de consumo de vídeos, em virtude da pandemia do coronavírus, o relatório de 2020 apresentou que 91% dos entrevistados aumentaram seu tempo de uso da plataforma. Os canais também aumentaram seus números de subscrições, 1800 perfis brasileiros já contam com mais de 1 milhão de seguidores. Além disso, 52% dos entrevistados afirmaram que aprenderam algo novo pelo YouTube, durante a pandemia, e que têm interesse em continuar a usar a plataforma para futuros aprendizados e 91% informaram que o serviço contribuiu para aperfeiçoamento de habilidades e interesses.
“O dilema das redes” (Jeff Orlowski), lançado em 9 de setembro de 2020, é um conteúdo original Netflix indexado neste serviço de VoD como gênero documentário e subgênero documentário sobre ciência e natureza. Trata-se de um filme com duração de 1h34min, sendo a categoria classificatória mínima de 12 anos. De acordo com a sinopse, disponível na plataforma, “Impossível largar o celular? Não é só com você. O apelo obsessivo das redes não é um efeito colateral: é um projeto”.
Cerca de 1 mês depois do lançamento, o youtuber Atila Iamarino publica no seu canal homônimo o vídeo “Como o Facebook manipula seus sentimentos” (Paloma Sato, 2020). O canal Atila Iamarino, na data da escrita deste artigo, alcançou 1,43 milhões de subscritores e 55.493,503 de visualizações. Tem seu próprio rosto na foto de perfil e apresenta, na sua descrição, como “Divulgador científico e explicador do mundo por opção”.
O vídeo selecionado para esta análise está na primeira das listas de reprodução do canal e tem como título Redes Sociais, contendo 5 vídeos, 2638 visualizações na data de acesso e como descrição o breve texto: “Um vídeo sobre cada rede social que dita nosso mundo moderno”. Ao ordenar todos os vídeos do canal a partir do critério “Os mais populares”, o vídeo está classificado como o 22º de todo o canal, com 668 mil visualizações, na data de acesso.
Na sua descrição, temos, “Todo mundo já conversou com alguém sobre uma coisa e depois se deparou com um anúncio daquilo no Facebook sendo que nem chegou a procurar. De cara pode parecer bruxaria ou até mesmo algo assustador, mas na verdade é bem mais simples do que parece. No vídeo de hoje, Atila Iamarino nos oferece a pílula vermelha do Matrix para conhecermos mais ainda sobre a capacidade que a Internet tem de entender as pessoas e também explica como o Facebook pode manipular os seus sentimentos”.
Por ciência, entende-se a “especialização, um refinamento de potenciais comuns a todos”, por isso sua aprendizagem requer “um processo de desenvolvimento progressivo do senso comum” (ALVES, 2004, p. 12). Destaca-se que o senso comum aqui é compreendido sem juízo de valor, não sendo caracterizado de modo depreciativo ou inferiorizado, uma vez que a ciência se difere dele apenas especialização.
Ressalta-se ainda que o conceito de comunicação e divulgação científica exibem características comuns, já que ambas promovem a difusão da ciência, tecnologia e inovação (CT & I). Todavia, são destinadas a públicos distintos, sendo a primeira voltada para especialistas e a segunda para o público leigo (BUENO, 2010). Segundo o autor, a partir desta distinção fundamental, na sua práxis diferenciam-se no modo de enunciação, no nível do discurso, nos canais de veiculação e na intenção de cada um deles. No caso da divulgação científica, por exemplo, o público “não tem, obrigatoriamente, formação técnico-científica que lhe permita, sem maior esforço, decodificar um jargão técnico” (BUENO, 2010, p. 2).
Assim, a divulgação científica é compreendida a partir da utilização de recursos, técnicas, processos e produtos para a veiculação de informações científicas, tecnológicas ou associadas à inovações e destinada ao público leigo. Por isso, objetiva democratizar o acesso ao conhecimento científico; estimular a literacia ou alfabetização científica da sociedade em geral; incluir cidadãos no debate sobre temas especializados, levando-os a pensar como a ciência pode impactar sua vida, seu trabalho, etc. Aproximar o diálogo entre cientistas e leigos, proporcionando o debate entre ciência e sociedade, ciência e mercado, ciência e democracia.
Na Internet, opera por meio de uma possibilidade de inserção de novos atores sociais, pois possibilita que grupos de pesquisa, pesquisadores/as e redes de pesquisa construam seus próprios canais de divulgação, por meio do envio de notícias sobre suas descobertas a blogs, jornais online oficiais de veículos consagrados voltados à divulgação científica, bem como criando os seus próprios canais em plataformas de streaming, que é a transmissão ao vivo ou por VoD de dados multimídia por pacotes aos dispositivos dos públicos. Neste sentido, é possível que os próprios grupos de pesquisa criem seus canais no YouTube, perfis no Instagram e utilizem amplamente as redes sociais para divulgar suas descobertas e também para divulgar descobertas de outros pesquisadores/as. Mas a ciência também é tema de documentários da Netflix e vídeos realizados por youtubers.
Este artigo é produto de uma pesquisa em andamento que objetiva compreender como são enunciadas as proposições e asserções científicas no audiovisual no contexto da cultura digital e, para tanto, constrói seu corpus de análise a partir do documentário “O dilema das redes” (Jeff Orlowski, 2020) e do vídeo “Como o Facebook manipula seus sentimentos” (Paloma Sato, 2020). Ao dialogar com a questão norteadora da pesquisa, pergunta ao corpus de análise como a tecnologia é enunciada nestas narrativas que se apresentam relevantes aos públicos por suas asserções científicas sobre o mundo.
Como, este texto objetiva analisar as enunciações sobre a tecnologia nas produções, não se propõe a discutir sobre os multifacetados temas levantados no documentário, especialmente pelos entrevistados, que são também vistos no vídeo. Sobre estes temas indicam-se outras leituras (AUGUSTINE; XAVIER, 2021; MANSELL, 2020; NA, 2020).
Assim, como parte fundamental da metodologia, para este artigo, realizou-se uma pesquisa bibliográfica (STUMPF, 2015) cujos procedimentos foram identificar, localizar, obter, fichar bibliografia e documentação pertinente e apresentar texto sistematizado em formato de revisão de literatura. No próximo item, apresenta-se a mirada teórica e metodológica que fundamenta a análise empírica.
O modelo teórico-metodológico
Ao propor um modelo teórico-metodológico nomeado de Circuitos de capital/ Circuitos da cultura, Johnson (2020) busca modos de pesquisa que abarquem diferentes pontos de vista sobre o mesmo processo. O sentido do modelo, portanto, está na densificação da análise. Para o autor, é característica-chave da tradição dos estudos culturais (do Centre for Contemporary Cultural Studies - CCCS) modelos investigativos que contraponha a fragmentação teórica e disciplinar fundamentada nas divisões tanto intelectuais quanto acadêmicas da investigação e ainda nas que abarcam as reproduções sociais de formas especializadas de capital cultural. Termos-chave - como processo, densificação, complexidade, diferentes aspectos e momentos que envolvem o objeto de estudo - definem o modelo dos circuitos da cultura.
Assim, a visualização deste modelo ou proposta investigativa torna-se apreensível por meio da forma diagramática, hábil para representar a sua integralidade. Destaca-se que mesmo optando por partir de um ponto do circuito da cultura a ser densificado na discussão, a pesquisa que adota tal proposta, ao observar o diagrama do circuito como um todo, identifica pontos de intersecção da temática discutida com outros aspectos deste, o que complexifica o debate. Além disso, o mesmo modelo serve a uma diversidade de interesses investigativos, uma vez que se pode optar por itens distintos. A seguir, apresenta-se os componentes do circuito.
Figura 1 – Diagrama do Circuito de capital / Circuito da cultura.
Fonte – Redesenhado a partir de Johnson (2010, p. 35)
A relação entre Circuito de capital e Circuito da cultura é articulada a partir da premissa de que em nossas sociedades capitalistas, diversas expressões culturais assumem não apenas a forma de mercadoria, como também os circuitos produtivos da lógica capitalista. Cinema, telenovelas, ficção seriada, publicidade, design, literatura são apenas algumas áreas em que a produção da cultura se articula com as lógicas do capital. Destaca-se, nesta direção, que a comunicação ocupa lugar central na produção cultural da sociedade contemporânea, uma vez que os processos comunicacionais medeiam sentidos tal como o mercado opera valor e ambos vinculam os sujeitos sociais, o que pode ocorrer de modo contraditório e ambivalente (LOPES, 2018).
Assim, as condições capitalistas da produção (item 1 do diagrama) se articulam com as condições da leitura / produção de sentido (item 3 do mesmo diagrama), visto que, em sua grande maioria, os produtos culturais são comunicados por meio de textos/ imagens (item 2) e se destinam a circulação junto ao público. Para Escosteguy (2007), é na produção (item 1) que as formas culturais são organizadas. Trata-se de uma organização política cultural das instituições. Logo, para a autora, a relações entre a forma-mercadoria e os usos sociais se articulam com as condições da sua produção (1), o que implica, a partir deste item, em investigar rotinas produtivas, mapeando os elementos culturais do próprio meio social em que é gerada, vinculando-os às culturas vividas (4).
Partindo dos textos/ imagens (2), averigua-se sobre o tratamento simbólico conferido às formas, bem como aos seus mecanismos de significação. Para Johnson (2020), o texto se abstrai em formas e um gênero cinematográfico ou audiovisual, por exemplo, pode, a partir desse circuito, ser também analisado formalmente. Contudo, o que se considera é que essa análise formal não se encerra em si mesma, mas busca dialogar com uma ou, caso pertinente, mais etapas do circuito. Por isso, neste aspecto do circuito, cabem questões sobre o que constitui o texto/ imagens (2), ou seja, de que material bruto é feita sua abstração.
O local da leitura/ interpretação (3), que, em sociedades capitalistas como as nossas, pode ser chamado também por consumo, pergunta-se sobre a produção de sentido. Trata-se de um locus privilegiado da recepção. Aqui é preciso considerar o risco de supervalorizar a autonomia da leitura em detrimento da autoridade do texto/imagens, bem como se esquecer das implicações da produção articulada a este item do circuito (ESCOSTEGUY, 2007). Neste sentido Johnson (2020) sugere considerar as narrativas de sujeitos em seus contextos, construindo na investigação a devida problematização.
No meio social circulam aspectos da cultura vivida (item 4) que são material concreto para as produções comunicativas da cultura e também para as suas leituras. Escosteguy (2007) adverte contra a complacência da pesquisa com a comunicação cultural, sugerindo observação entre as práticas de grupos sociais e os textos em circulação por meio da análise sócio-histórica dos seus elementos culturais.
Os movimentos entre público e privado se articulam com as formas mais abstratas e concretas do circuito. Assim, as formas privadas são mais concretas e particulares, de modo que as públicas tornam-se mais abstratas, objetivas e com maior abrangência simbólica (JOHNSON, 2020). Essa passagem do privado para o público implica em tomar forma de textos/ imagens, tornando-se uma produção cultural concretamente comunicativa, apesar de manter sua força simbólica. Incorre ainda em um processo de publicação que desenvolve formas de importância mais geral capazes de percorrer a superfície social da cultura vivida. Em termos de significado, a publicação requer um processo de abstração.
Neste sentido, o cinema, além de produto artístico é expressão cultural e ainda comunicativa. Investigar o cinema como produto comunicativo da cultura incorre em uma complexificação da sua análise, algo que a proposta teórica e metodológica do circuito da cultura discutido até aqui se propõe realizar. No item a seguir, far-se-á a leitura/interpretação articulando-a a produção, a cultura vivida e o texto/imagem.
A análise cultural do documentário e do vídeo
Se as relações entre as forma-mercadorias e os usos sociais delas se articulam com as condições da produção, destaca-se que ao optar pelo gênero documentário, a Netflix busca articular o valor de objetividade aos modos de asserção científica sobre o mundo. Por isso, ao produzir “O dilema das redes’’ (Jeff Orlowski, 2020), conta com as características compartilhadas pelo senso comum de que o documentário é o registro da verdade, objetividade e realidade, valores também impressos à ciência e à tecnologia. Se, diferentemente da ficção, o documentário é uma “narrativa com imagem-câmera que estabelece asserções sobre o mundo” (RAMOS, 2008, p. 22), ainda existe o equívoco de que estas asserções são destituídas do discurso de quem as pronunciou. Mas por que isso é importante?
É preciso compreender que “há sempre uma voz que enuncia no documentário, estabelecendo asserções” (RAMOS, 2008, p. 23). Em outras palavras, o gênero documental, ao estabelecer asserções sobre o mundo o faz do ponto de vista de quem o produz, ou seja, não há uma objetividade imparcial na narrativa, ao contrário, há os discursos daqueles que assinam pela produção. E quais seriam estas?
Thompson (2013) ao discutir sobre a inserção das formas simbólicas - neste artigo, o documentário e o vídeo - nos contextos sociais alerta que elas carregam os traços das condições sociais da sua produção. Argumenta ainda que elas são constantemente valorizadas e avaliadas por quem as produz e as recebe. Assim, os processos de valorização simbólica da Netflix ocorrem por meio da estima dos seus públicos e são eles que lhes dão o valor econômico, tornando-os mercadorias de valor, bens simbólicos. As valorizações dos bens simbólicos na sociedade é permeada pelos conflitos entre nações, classes, gêneros, raças e (por que não?) empresas de ciência e tecnologia.
A Netflix enquanto um serviço de Vod é uma empresa que disputa a atenção do público tal qual as redes sociais, mas estas são de uso gratuito ao consumidor, enquanto aquela é por assinatura paga. Assim, se o tempo de quem usa é disputado pelas diversas mídias sociais, também o é pela Netflix, ou seja, o modelo de negócios do streaming demanda que seus usuários o valorizem a ponto de pagar pela assinatura mensal. Desse modo, há aqui um conflito de interesses sobre o valor do seu bem simbólico.
Além disso, a relação temática entre o documentário e o vídeo e a proximidade temporal do lançamento de ambos evidencia que o canal Atila Iamarino pauta a rotina produtiva de seus conteúdos em temas destacadamente discutidos pela opinião pública no Brasil.
Sobre o texto/imagem, o documentário possui as seguintes linhas narrativas: a) citações de personalidades da tecnologia, artes e design e frases não assinadas, todas em caracteres; b) entrevistas que trazem os pontos de vistas de cientistas e ex-profissionais da indústria da tecnologia e da universidade, majoritariamente homens, brancos e jovens, tendo apenas uma entrevistada mulher e negra no universo de dezenove convidados; c) a encenação dramática de uma família de classe média, mãe branca e pai negro, com três filhos adolescentes, sendo os dois mais jovens (garoto e garota adolescentes) os centrais no enredo; d) encenação de uma cabine de controle em que três cientistas - homens, brancos e representados pelo mesmo ator, diferenciado-se apenas pela cor do figurino e penteado - interferem de modo bem sucedido na vida do adolescente garoto da encenação anterior.
Em termos de conteúdo, para fins deste artigo, organizou-se os diversos temas dentro dos seguintes blocos gerais: 1) o usuário das redes sociais é o produto vendido pelas empresas de tecnologia; 2) a tecnologia é uma ciência mágica; 3) a indústria do software produz o vício; 4) vivemos simultaneamente em uma utopia distópica.
Em relação ao vídeo, têm-se duas linhas narrativas: a) o apresentador e youtuber Atila Iamarino, homem branco, de classe média, falando de modo bem humorado diretamente para a câmera; b) os videografismos selecionados para reforçar, enfatizar e trazer humor aos trechos apresentados.
O vídeo aborda assuntos correspondentes ao documentário, com enfoque para a rede social Facebook e os serviços de Whatsapp e Instagram, produtos da mesma empresa. O modo de enunciação é categórico sem deixar qualquer dúvida quanto aos dados apresentados. Como afirma se fundamentar em pesquisas científicas, mesmo algumas tendo sido realizadas por cientistas do próprio Facebook, nota-se uma perspectiva positivista de ciência. Na descrição do vídeo, há uma lista de 11 referências utilizadas para a construção do roteiro, sendo 10 destes estudos em língua inglesa.
Brevemente, apresentados no vídeo são: a) o Facebook é o maior experimento humano da história, pois tem acesso aos sentimentos dos seus usuários, uma vez que o modelo de negócios do Facebook é alternativo ao da Amazon e ao do Google, busca criar nas pessoas o desejo de comprar o que ainda nem sabem que querem; b) a inteligência artificial superou a Televisão, esta é apresentada como mídia massiva que desperdiça o dinheiro dos anunciantes enquanto a rede social seria mais precisa, de modo que o anúncio só chegaria para quem tem o perfil de compra; a inteligência artificial é também mais precisa do que cientistas e especialistas, ao exemplificar com as cores na linha do tempo do Instagram, afirma que pessoas com diagnóstico de depressão optam por um padrão de postar fotos mais azuladas, sem cor, usam menos filtros, e quando usam seria o Inkwell para deixar fotos em preto e branco. Entre os não deprimidos, o filtro é o Valencia, que deixa as fotos com cores mais quentes. O algoritmo foi mais preciso em diagnosticar os deprimidos do que especialistas (como sugerido na figura 2); c) os estudos de manipulação em massa geraram repercussão negativa quando publicados, gerando a interrupção da publicação, mas não necessariamente dos experimentos. A repercussão negativa foi temporária, mas positiva para o seu público pagante, os anunciantes; d) os problemas quanto à personalização nas redes sociais são a perda de privacidade e autonomia nas decisões.
Figura 2 – Videografismo do diagnóstico de depressão feito pelo algoritmo.
Fonte: (IAMARINO, 2020, online)
Dada a brevidade deste artigo, o texto/imagem do documentário será discutido a partir dos dois primeiros blocos temáticos: 1) o usuário-produto; 2) tecnologia-magia. O diálogo com o vídeo se dará a partir de associações com estes temas. Por fim, tratar-se-á dos modos de enunciação de ambas produções audiovisuais.
Assim, a articulação da leitura/interpretação e as culturas vividas apresenta o meio social em que circulam os aspectos abordados na produção. Os modos de enunciação de uma cultura vivida sobre as redes sociais no contexto do documentário e do vídeo se dá por meio da presença de dados estatísticos grandiloquentes, de modo a incluir o receptor na produção. Ao tratar das redes sociais como tema, ambas produções incluem aqueles que delas participam diretamente por serem usuários e indiretamente por conviverem com quem as usam.
O vídeo, por exemplo, especifica dados de uso no Brasil, são 140 milhões de brasileiros que usavam Facebook em 2019, pois, mesmo que não tenha criado um perfil nesta rede, se tiver um no Instagram ou um número de Whatsapp, é parte dessa estatística uma vez que se trata da mesma empresa.
Também enuncia as dimensões de grandeza construindo relações de fácil assimilação para um público não acadêmico. Por exemplo, ao apresentar que, no mundo existem 2,7 bilhões de usuários do Facebook, traduz essa quantidade apresentando que isso é maior do que a população de qualquer país do mundo.
A cultura vivida, do contexto produtivo do documentário e do vídeo, é a do capitalismo informacional caracterizado pela sua expansão global e rejuvenescimento (CASTELLS, 2013). O capitalismo visa a ampliação do lucro, por isso, controla os modos e as relações sociais que envolvem a produção, buscando maximizar o excedente. No modelo informacional do capitalismo, segundo o autor, o excedente é determinado pela produtividade nos meios de produção, que é alcançada por meio da tecnologia para gerar conhecimento, pelo processamento da informação e a comunicação dos símbolos. Assim, argumenta que medidas de produtividade como o aprofundamento da lógica do lucro sobre as relações de trabalho, a globalização da produção, da circulação e dos mercados, visando a obtenção do excedente em todo o mundo são objetivos que regem esse modelo informacional e que encontrou na tecnologia modos de se realizar. Essa é a cultura vivida em que o documentário e o vídeo são produzidos. Neste contexto, tanto a Netflix quanto o YouTube, o Facebook, o Whatsapp e o Instagram se atentam a esses objetivos por meio do uso da ciência e tecnologia.
Jenkins (2018) afirma que a história do YouTube antecede seu lançamento, em 2006. Ao mirar suas lentes investigativas para a possibilidade de cidadãos comuns dominarem os meios de produção e circulação dos bens culturais ali exibidos, adverte para dois aspectos: as tecnologias da web 2.0 possibilitaram a popularização de uma cultura de participação; e as diversas modalidades pré-existentes ao YouTube em participar da cultura contribuíram e ainda contribuem com as ações e os usos pioneiros da plataforma. Afinal, “já havia uma miríade de grupos esperando por algo como o YouTube”, pois “comunidades de prática incentivavam a produção de mídia DIY, já haviam criado seus gêneros de vídeo e construído redes sociais” para os distribuir, e, mesmo que o YouTube corresponda ao “epicentro da cultura participativa atual, não representa o ponto de origem” (JENKINS, 2018, p. 145). Apesar disso, nem o documentário, nem o vídeo abordam exemplos de usos das redes sociais que não sejam aqueles previstos pela inteligência artificial do algoritmo. Como se os usuários fossem categoricamente zumbis, usassem as redes sociais unicamente como seus cientistas as projetaram.
No modelo informacional do capitalismo, a cultura performatizada torna-se uma prática cotidiana de grupos sociais e textos em circulação. Uma vez que o as performances são a exibição de habilidades, a exposição de modelos de comportamentos reconhecidos uma vez que codificados culturalmente e o sucesso de atividades desempenhadas (CARLSON, 2010), em todos esses três aspectos do conceito, tem-se o julgamento do performer por parte de quem o observa. Em sociedades mediadas por telas, as performances podem ser também mediadas, implicando que a exibição das habilidades e de modelos de comportamento e sucesso de atividades se relacionam com as codificações da linguagem das imagens técnicas do audiovisual. Se performar é mostrar fazendo (SCHECHNER, 2020), as alegorias, no documentário e no vídeo, exibem a ciência e tecnologia como a corporificação da magia inquestionável destas.
Alegoria é uma figura de estilo, costumeiramente de uso retórico, que representa ideias a partir de modo figurado ao produzir a virtualização do significado e transmitir camadas de sentidos para além do literal. Palavra de origem grega, tem na raiz etimológica agoreuo, outro e allos, falar em público, por isso, é concebida como o “discurso acerca de uma coisa para fazer compreender outra” (MOISÉIS, 2011, p. 14). No cinema, as alegorias articulam em sua narrativa diálogos entre filmes e iconografias, literatura e drama, tempo histórico e formas fílmicas (XAVIER, 2012). Ao se referir ao período revolucionário do cinema novo no Brasil, décadas de 1960 a 1970, o autor afirma que as estratégias alegóricas marcam uma expressão estético-formal com íntima relação aos projetos políticos. Na história do cinema, as alegorias são expressas em diversos gêneros como narrativa de fundação, pautando o “processo de formação nacional” por meio de enunciações que “entrelaçam dramas privados e grandes questões públicas” de modo que o casal protagonista predominantemente hétero “se funde a uma teia de acontecimentos históricos” nos quais “o seu destino condensa, como uma sólida figura, o destino nacional” uma vez que expressa “uma base comum de valores harmonizados e fundados na família” (XAVIER, 2012, p. 8).
As performances da alegoria, no documentário, são narradas por meio exibições do hiper poderio das indústrias tecnológicas desestabilizando a harmonia familiar. Apesar de se tratarem de empresas de ciência e tecnologia, seu poder é exibido por meio da magia.
A alegoria do usuário adolescente como um produto ou experimento (tal qual um rato de laboratório, que é chamado no docudrama de vodu e também de modelo, vide figura abaixo) em uma cabine de controle figura a performance de três cientistas representados por um mesmo ator como aqueles que dominam saberes ocultos tal qual um feiticeiro, só que o fazem em um universo altamente tecnologizado, amplamente controlado e bem-sucedido.
Figura 3 – O modelo do usuário no laboratório.
Fonte: (Orlowski, 2020, online)
Aqui, há a alegoria dos usuários como experimentos de laboratório, nos quais só podem reagir de modo indefeso aos estímulos dos cientistas que, em determinado momento da narrativa ironicamente se perguntam um ao outro se aquilo seria ético.
Esta alegoria se fundamenta no argumento, presente no texto/imagem do documentário e do vídeo, apresentando que as redes sociais precisam do usuário ativo na rede para gerar dados sobre ele, pois quem precisa ser convencido a entrar na plataforma são as marcas, que vão comprar os dados dos usuários. No entanto, essa atividade dos usuários no contexto da alegoria é passiva, pois quem age são os cientistas e o fazem por meio da inteligência artificial dos algoritmos. No documentário, a ciência está a serviço da indústria da tecnologia, que por sua vez, é pautada pelos valores do capitalismo informacional.
A alegoria nos oferece que a ciência existe a serviço de um modelo de vigilância adotado pelas empresas de tecnologia. Por isso, o modelo é nomeado, no documentário, de capitalismo da vigilância (ZUBOFF, 2021), uma espécie de mutação do capital que envolve extração de dados para mapear os usuários e experimentar estímulos às mudanças de comportamento. Por isso, o texto/imagem do documentário argumenta que o produto é o próprio usuário, ou melhor, os seus dados. Tem-se aqui que a alegoria do usuário como um experimento científico, no contexto do capitalismo de vigilância, implica em ser também um produto que as empresas vão se interessar por comprar dados.
Isso é reforçado no vídeo quando o apresentador afirma que o que se posta, curte ou compartilha é mapeado para minerar sobre sua etnia, religiosidade, postura política, se tem depressão, inteligência, situação conjugal dos pais, orientação sexual (IAMARINO, 2020, online), etc. Esse argumento é ainda articulado no vídeo quando o apresentador afirma que as redes sociais Facebook, o Whatsapp e o Instagram tornaram-se “o maior experimento psicológico que a humanidade já viu” e que enquanto rede social “pode entender as pessoas como ninguém” (IAMARINO, 2020, online).
Este é exatamente o argumento do vídeo quando apresenta que “o Facebook sabe mais sobre você do que você mesmo” (IAMARINO, 2020, online). Evidencia-se essa afirmação criando correspondências de fácil percepção junto ao público quando afirma que o programa de inteligência artificial é capaz de com 10 likes predizer traços de personalidade melhor que seus colegas de trabalho; com 70 likes de entender os usuários melhor do que seus amigos; com 150 likes de entendê-lo melhor do que a família; e com 300 likes acerta em média mais do que o próprio cônjuge torna-o para incompreensivelmente fascinante tal qual um ilusionista. No documentário, há a argumentação de que ser ilusionista é acessar partes desconhecidas da mente humana e, por isso, tão incompreensíveis quanto sedutoras.
Tais performances alegóricas simbolizam o quanto a ciência e tecnologia são incompreensíveis para as famílias e os seus usuários, que performaram como vítimas dos cientistas da cabine do experimento de laboratório.
Figura 4 – Os cientistas do laboratório.
Fonte: (Orlowski, 2020, online)
No documentário, essa alegoria é traduzida por meio da citação do escritor britânico, autor de obras de divulgação científica e ficção científica como “2001: Uma odisseia no espaço”, Arthur C. Clarke: “Qualquer tecnologia avançada é indistinguível da mágica”. A alegoria do mágico se corporifica na pessoa de Tristan Harris, um jovem cientista da computação que nesta narrativa, ao mesmo tempo, ensaia no palco a performance do que será um pouco adiante a palestra sobre uma tecnologia humanizada e performa para a câmera (e para nós observadores) passes de mágica que aprendera na infância, aos cinco anos, sendo capaz de “enganar adultos, pessoas com doutorados”. A alegoria aqui é posta entre a vulnerabilidade da mente humana, mesmo adulta e instruída, perante a impressionante magia da tecnologia persuasiva, ciência que projeta estratégias tecnológicas para a mudança de comportamento.
Persuadir à mudança de comportamento em si não é um problema, contudo se essa mudança estiver a serviço de quem pode pagar mais pelos dados, aí tem-se um problema. Quando o vídeo traduz sobre os riscos da tecnologia personalizada, utilizada para mudança de comportamento, afirma “o que torna o Facebook mais poderoso do que um país pelo que ele pode fazer com a realidade das pessoas é que ele fala com cada um individualmente” (IAMARINO, 2020, online). Assim, exemplifica a personalização da tecnologia afirmando que se um político faz uma declaração pública, todos podem ver, grupos apoiadores e contrários. O Facebook apresenta realidades individualizadas para cada usuário. Então para usuários que estão ansiosos, o anúncio do chá pode ter como argumento acalmar. Quando é destinado iogues e esportistas, o argumento pode ser por mais vigor e qualidade de vida. A personalização pode ser um risco quando deixa de apenas informar de modo personalizado para cada usuário e passa de modo ativo a estimular novas reações informando para “mudar os sentimentos” (IAMARINO, 2020, online).
Figura 5 – Experimento botão “I voted”.
Fonte: (IAMARINO, 2020, online)
Assim, o vídeo relata mais um experimento. Com um botão “I voted” durante uma eleição nos Estados Unidos de 2010, houve aumento de participação dos seus usuários nas eleições, considerando que no país o voto é opcional. Se este estímulo for apresentado apenas para um grupo de eleitores ou para quem vota em um determinado candidato e não em outro, isso poderia mudar uma eleição (IAMARINO, 2020, online).
Na figura 5, o vídeo fundamenta seu argumento em um artigo de jornal, publicado na imprensa, de modo a ancorar a autoridade do que apresenta em matérias da imprensa.
Na linha encenada do docudrama, se temos uma família no enredo de uma das linhas narrativas do documentário, é porque a família é um lugar de mediação da televisão e das imagens técnicas e multimídias distribuídas nas redes sociais, representando “a situação primordial de reconhecimento” (MARTÍN-BARBERO, 2009, p. 293). A escolha por uma família na trama do documentário é essencial para essa identificação.
Das relações próximas no cotidiano familiar, a produção televisiva forja um modo de enunciação que simula o contato por meio da retórica do direto. Ao buscar a manutenção do contato, a televisão busca no apresentador-animador um interlocutor da família, simulando com ela um diálogo coloquial e próximo. Da necessidade dessa simulação, ele dialoga olhando para a lente da câmera, simbolizando um contato direto, olho no olho, apesar de mediado.
Figura 6 – A figura do vloger.
Fonte: (IAMARINO, 2020, online)
Esse é o modo de enunciação de Átila Iamarino no vídeo analisado, que representa aquele que traduz a ciência para seu público. Aqui o cenário íntimo de um quarto, com o computador de fundo, reitera a performance da proximidade, conforme pode ser conferida na figura 6. É também um modo de enunciar que os entrevistados do documentário performaram proximidade, exibindo os bastidores da produção, a preparação da roupa e cabelos e takes que traduziam o nervosismo dos entrevistados.
A retórica do direto se configura pela magia de ver o outro, seu rosto e gestos tornando-o próximo, familiarizando-o. A pequena distância do rosto de Átila diante da câmera e o suposto cenário de um quarto sugere essa intimidade com ele e, por consequência, com seu conteúdo. Os modos de enunciação do vídeo “Como o Facebook manipula os seus sentimento” (IAMARINO, 2020, online), apresenta um texto/imagem cujo gênero é um hibridismo do gênero vlog e programa de divulgação científica. Evidencia-se este argumento com o cenário de quarto, o olhar centrado no público (grava-se olhando para a lente da câmera), simulando uma proximidade performática. O apresentador também contribui com o bom humor e leveza na apresentação de um conteúdo tão sério quanto escatológico.
No vídeo, há uma apresentação do conteúdo de modo a incluir o público por meio da intertextualidade com outros conteúdos da Internet, neste caso, com o documentário O dilema das redes (2020) e as próprias redes sociais Facebook, Instagram e Whatsapp e também das reconhecidas Amazon e Google. Conforme pode ser visto na figura 6, ao longo do vídeo, várias logomarcas aparecem, gerando maior proximidade entre o conteúdo e o público, visto que são marcas conhecidas dos usuários, gerando fácil identificação.
Figura 7 – Videografismos e as notas de dinheiro.
Fonte: (IAMARINO, 2020, online)
Em termos do videografismo, tem-se o uso constante de caracteres e logomarcas conhecidas, aplicação de filtros de cores, logomarcas e imagens graficamente montadas como a mixagem de imagens (recortes e fragmentos de imagens fotográfica e audiovisual como a do criador do Facebook Mark Zuckerberg, Bill Gates e Jeff Bezos), como na figura 7. Neste videografismo, nota-se que a hipervalorização dos dados numéricos (demonstrando o quanto é grandiloquente o tema e como ele inclui supostamente a todos, por exemplo “2,7 bilhões de usuários” escrito em caracteres tomando toda a tela, como na figura 8). Valoriza-se também a nota de dinheiro que aparece em diversos momentos aos montes, caindo e multiplicando-se.
Figura 8 – Videografismos e a hipervalorização dos números.
Fonte: (IAMARINO, 2020, online)
Por fim, o conteúdo do vídeo se insere no universo do capital e da riqueza ao finalizar com um merchandising, que trata da tecnologia, mais especificamente sobre uma escola que discute sobre carreiras de tecnologia. Na descrição do vídeo, há uma apresentação deste conteúdo publicitário com link para a escola. Há uma oferta de 10% de desconto nas aulas para quem clicar no link indicado.
Conclusão
A pergunta norteadora deste artigo interessou-se por discutir como a tecnologia é enunciada em produções audiovisuais que se apresentam relevantes aos públicos por suas asserções científicas sobre o mundo. O corpus da análise selecionou o documentário “O dilema das redes” (Jeff Orlowski, 2020) e o vídeo “Como o Facebook manipula seus sentimentos” (Paloma Sato, 2020).
Dada a importância que a Netflix e o YouTube ocupam como serviços de streaming no Brasil e no mundo, analisar os enunciados da tecnologia, nas duas produções, oferece pistas para o exercício de uma divulgação científica mais eficaz junto aos públicos. Investigar o audiovisual, neste artigo representado pelo o documentário e o vídeo densificando a discussão a partir do ponto de vista do circuito da cultura, destacando, por exemplo, a produção (1) implica debater sobre os meios materiais e simbólicos, bem como a organização capitalista do trabalho a partir de seus mecanismos de competição, controle monopolista e expansão imperialista (JOHNSON, 2020). Incorre ainda na observação das condições e funcionamento dos espaços em que ocorreram a produção, como empresas de comunicação e difusão, estúdios e ateliês de arte e vídeo, por exemplo. O autor adverte que não sejam ignorados espaços produtivos que estão à margem dos supracitados (vide associações, cooperativas e coletivos de cinema e vídeo).
No caso do vídeo, a intertextualidade temática com o documentário de um serviço de streaming muito mais poderoso do que seu canal, se fez uma estratégia enunciativa bem sucedida. Esta intertextualidade se deu desde o aproveitamento do debate público sobre o tema até a descrição do vídeo, que trata das redes sociais e cita a pílula vermelha de Matrix, filme também abordado no documentário.
Outro aspecto é que se evite partir da premissa que as intenções da produção (questões de autoria) determinam a leitura/ interpretação junto ao público. Neste sentido, entre a intenção da autoria na produção e a interpretação existem ruídos, negociações e até recusas de sentido. Este é um ponto que a intertextualidade entre o vídeo e o docudrama da Netflix, pois as mesmas falhas de conteúdos apresentados neste são vistos naquele. Não há, por exemplo, quaisquer menções de estudos comunicacionais em ambas as produções, privilegiando apenas as perspectivas das ciências exatas e biológicas, uma vez que neuropsicológicas, quando pensam no cientista como aquele que realiza experimentos aos moldes de laboratório altamente controlado. O ponto de vista das ciências sociais e aplicadas teriam adensado o debate, visto que as redes sociais são estudadas pelas ciências da comunicação considerando uma riqueza de usos diversos para além dos apresentados aqui. Isso não é visto no vídeo, nem no documentário.
O circuito da cultura sugere que examinar do ponto de vista da produção requer observar, descrever e analisar as condições e as formas da produção considerando o momento real da mesma, incluindo aí as negociações objetivas e subjetivas dos produtores/ realizadores/ artistas envolvidos no processo. A intertextualidade foi também temporal entre o vídeo e o documentário, por exemplo, expressando a semelhança temática entre ambos, o que implica na correlação de ambos.
Destaca-se ainda que a proposta do circuito da cultura quando trazido para pesquisas interessadas em audiovisual dialoga com a proposta de Escosteguy (2007) ao assumi-lo como um caminho teórico-metodológico no contexto de pesquisas em comunicação. Trata-se de um modelo de análise que coloca em circuito recortes muito específicos e, portanto, campos de estudo muito especializados que tendem à fragmentação. Estar em circuito engendra o diálogo entre os itens diversos do mesmo, significando que mesmo verticalizando o debate a partir da produção, tem-se o circuito como referência e seus itens como potência mediadora de sentidos na análise.
Assim, conceber o audiovisual como um produto comunicativo da cultura está em diálogo com a perspectiva barberiana, para quem no tempo presente da tardomodernidade a vida social antropologiza-se, tornando-se cultura (MARTÍN-BARBERO, 2018).
Ao observar o texto/imagem do documentário e do vídeo no contexto da cultura vivida, tem-se as performances da alegoria e da proximidade. Se a performance implica o julgamento do observador, a ciência vista a partir da alegoria da mágica, gera naquele que julga alguém rendido, sem resistência ou ressignificação. A mágica sendo, ao mesmo tempo, misteriosa e fascinante é uma alegoria que conquista os públicos por meio do domínio, do controle, da sujeição e da subjugação. Este não poderia ser o discurso mais adequado para perpetuar o status quo de uma indústria da tecnologia em tempos de capitalismo informacional e de vigilância.
Há um padrão no modo de enunciar a tecnologia no documentário e no vídeo? A alegoria da magia tornou-se o modo de enunciação da tecnologia e suas descobertas científicas, no documentário e no vídeo. Neste sentido, no primeiro, os cientistas, representados na cabine de controle pelo mesmo ator atuando por meio de três personagens, são ao mesmo tempo aqueles que detém o controle do experimento e o algoritmo da inteligência artificial. A família, no docudrama, é central no enredo por ser a mediadora entre os sujeitos e a tecnologia, produzindo identificação junto aos públicos, por isso, há o esforço em performar a proximidade.
As entrevistas realizadas com cientistas de universidades e de empresas de tecnologia, chamam pela a autoridade do especialista, algo que o Átila Iamarino se coloca como ao enunciar por meio de afirmações categóricas e assertivas, sem pausas e uma edição ágil. Os argumentos são apresentados de modo breve, com humor, utilizando exemplos do cotidiano dos usuários, estatísticas e tradução das grandezas para aproximá-las do cotidiano do público.
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