Abstract
This study will investigate the importance and the influence of sound design in the development of an animation production, and evaluate whether the stage in which the sound is implemented affects the film´s rhythm and atmosphere.
Other animation contexts will be studied to identify working methods, such as: the analysis of animated film productions by evaluating the relationship between sound design and animation; conducting and analyzing two interviews with animation professionals; and also examine other relevant documentation.
Regarding the practical project, it´s intended to develop and analyze animation experiences with the sound design as a starting point, as well as the inverse process by creating sound tracks based on already existing animations. These experiments aim to demonstrate the potential of sound design and animation in the development of a short film.
Following this analysis, it is also intended to produce a storyboard and an animatic, which will be the basis for the development of the sound design. Finally, and based on this process, an animated short film will be produced.
The development of the sound design will be experimental, and the sound tracks will be captured by using domestic objects instead of ordinary musical instruments, in order to expand the auditory experience of the film. These sounds will be recorded and integrated in the film, according to their connection to each scene of the animation. In terms of the animation technique, a mixture of 2D animation styles will be used to reflect the experimental atmosphere created by sound design.
Keywords: Sound Design, Leimotiv, 2D Animation, Atmosphere, Rhythm.
Introdução
A partir do início do século XX, e com a criação das produções cinematográficas, o som começou a ter um papel cada vez mais importante no desenvolvimento das narrativas. Ao longo do tempo, o som assumiu um papel diferente, dependendo da narrativa de cada filme. Como, por exemplo, no filme “Steamboat Willie” (1928), em que o som é utilizado com o objetivo de evidenciar os movimentos sincronizados das personagens; por outro lado, no filme “M, o Vampiro de Düsseldorf”(1931) o som é utilizado de uma forma estratégica, sendo que é utilizada a técnica de leitmotiv, de forma a dar seguimento à narrativa.
Esta investigação, inserida no Mestrado em Ilustração e Animação, do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, visa explorar a relação entre som e animação, através da análise a filmes como “Steamboat Willie”, “Moonbird” (1959) e “Windy Day” (1968). Este estudo culminará com a realização de uma curta-metragem de animação, ao materializar os conceitos de som e animação, a par de uma narrativa diretamente influenciada pelo design de som.
Este trabalho está dividido em duas componentes principais. A primeira parte, “Relação entre som e animação” explora a história do som e da animação, assim como a origem da relação entre ambos, através da análise de conceitos e filmes. Numa segunda parte, “Curta-Metragem”, é explorado o processo de criação do projeto prático deste trabalho. No projeto prático, pretende-se utilizar o design de som como ferramenta de criação e principal influência da narrativa. A ideia será a de criar a faixa de som completa, sem auxílio de um storybord e/ou animatic, e só depois é iniciada a criação da animação, de acordo com o design de som desenvolvido.
Relação entre som e imagem
Design de Som
Daniel Leal Werneck, na sua tese de pós-graduação chamada “Movimentos Invisíveis: A Estética Sonora do Cinema de Animação”, analisa a história do som no cinema, assim como a sua origem e evolução. Esta relação entre som e imagem teve início durante o século XIX, na Europa, com reproduções de filmes pintados, narrados ao vivo e com acompanhamento musical. Nos finais do século XIX, foram criados os primeiros aparelhos de gravação e reprodução de imagem, como o Kinetoscope desenvolvido por William Kennedy Laurie Dickson, entre 1889 e 1892, nos laboratórios de Thomas Edison, e também o Cinemacrophonograph ou Phanorama em 1899. Este aparelho, tal como o Kinetoscope, gravava e produzia imagens em movimentos, mas também permitia a sincronização de som. No entanto, estes aparelhos não permitiam misturar diferentes faixas de som, como faixas de música, efeitos sonoros e diálogo, restringindo quem o estivesse a utilizar, de gravar todos esses sons ao mesmo tempo. Esta restrição fazia com que as condições de gravação de som tivessem de ser perfeitas, pois ao menor erro teria de se repetir o processo todo1. A partir do século XX, foram sendo criados aparelhos semelhantes de captação de som, que permitiam a mistura de diferentes faixas de som e também aparelhos de reprodução de imagem animada, com acompanhamento de som em exibições públicas. Uma das primeiras exibições deste género ocorreu em 1900 em Paris, através do Phono-Cinéma-Théâtre de Clément-Maurice Gratioulet e Henri Lioret (Werneck, 2010).
Werneck aborda, também, a sonorização de filmes animados e divide a mesma em três categorias: música, vozes e ruído. Cada uma destas categorias tem um papel fundamental no estabelecimento de um cenário realista. O autor explica a função que cada uma das categorias tem, sendo a voz um dos elementos mais importantes no contexto cinematográfico, pois tem a capacidade de criar uma conexão direta com o espectador; a música (mesmo sendo, maioritariamente, utilizada como preenchimento do silêncio) tem a capacidade de direcionar ou até mesmo manipular os sentimentos do espectador; e, por fim, o ruído, tem o papel de dar credibilidade a qualquer cena, criando uma ilusão de realidade de um determinado ambiente (Werneck, 2010).
O design de som, no contexto do cinema de animação, é também explorado no artigo de Christine Bunish, denominado “Audio for Animation”, publicado no site Post Magazine (2004). Neste artigo, a autora fala sobre a sua experiência no mundo do cinema e do seu papel como designer de som. Analisa a diferença entre produzir sons para filmes e sons para séries e, ainda, a diferença entre sons para projetos de imagem real e projetos animados. Com esta última comparação, a autora refere que, em filmes de animação, existe alguma ausência de expressões faciais o que faz com que seja mais difícil transmitir uma emoção para o espectador, em comparação com filmes de imagem real. Nesse caso, o som é ainda mais importante, pois consegue completar essa lacuna.
Ainda relativamente ao design de som, Geoffrey Rubay, designer de som, reflete sobre a função deste elemento no desenvolvimento de um filme, no artigo “Sound Design as World-Building: How to create a Believable Universe with Sound”2. Geoffrey realça a necessidade de existir uma estreita ligação entre o som e a imagem, dando a ideia ao espectador de que o som tem, de facto, origem nessa imagem, tornando-a assim o mais real possível.
O autor acrescenta:
Sound is half the presentation of a movie, but it is always in service to the whole. Sound design working at its best seamlessly describes, enhances and elevates the image, giving weight, character and detail to all we see. It creates the universe in which the story is taking place, further extending the reality on screen.
Um outro tópico importante no desenvolvimento de uma animação, é o ritmo. Na 7ª edição do CONFIA-Conferência Internacional de Ilustração e Animação, César Coelho, diretor de animação e um dos fundadores do Anima Mundi - Festival Internacional de Animação do Brasil, fala sobre a importância do ritmo, e como este é indispensável no início do processo de uma animação. Uma das suas técnicas para desenvolvimento de animações é a reutilização de ritmos presentes em músicas que esteja a ouvir na altura, circunstancialmente, no momento em que está a animar. Utiliza a música como auxílio para a animação, e posteriormente, inicia a composição do soundtrack, que, por seguir o ritmo da animação, tem também influências da música anteriormente utilizada.
César acrescenta que neste processo, não é essencial a utilização de uma música específica para obter um ritmo e apresenta a alternativa do metrónomo. O processo é o mesmo que na reutilização de um ritmo existente. Basta imaginar como a animação se consegue encaixar dentro do ritmo, mas neste caso há a possibilidade de editar as batidas por minuto (bpm) do metrónomo. Em conclusão, o importante no desenvolvimento de uma animação é ter o auxílio de um qualquer ritmo.
Leitmotiv
Segundo o Dicionário Grove de Música e Músicos, Leitmotiv3 é definido como sendo uma passagem melódica, geralmente curta e distinta que tem o papel de caracterizar personagens, situações, locais ou ideias que possam ou não ser recorrentes ao longo da narrativa. Quando essas personagens ou situações surgem ou são mencionadas, são ouvidas as passagens melódicas que a elas correspondem.
(…) the salient features of the story must have salient points of music, more marked in melody and rhythm than those portions which accompany subordinate passages in the play (…) (Grove, 1878. p.669)
Nesta citação, o autor expressa a importância da harmonização da imagem e do som através do leitmotiv e da sua capacidade de guiar tematicamente uma narrativa.
Um outro tópico mencionado no livro, refere a adaptação do leitmotiv a uma mudança ou a um avanço significativo que uma personagem ou situação venham a ter, ao longo da narrativa. Um exemplo deste tipo de circunstâncias é quando, por exemplo, uma personagem supera um desafio e essa passagem é acompanhada por uma versão triunfante do seu leitmotiv (Grove, 1878).
Arnold Whittall, no seu artigo intitulado “Leitmotif”4 refere que a função deste conceito é a de representar ou simbolizar uma personagem, objeto, sítio, ideia, e qualquer outro tipo de elemento presente na narrativa, através de uma melodia.
Um dos exemplos mais conhecidos do leitmotiv em filmes está presente na saga “Harry Potter”, mais concretamente, a música “Hedwig’s theme”. Esta música, sendo o leitmotiv da personagem principal, Harry Potter, acompanha-o na maior parte dos filmes. Ao longo da narrativa, este leitmotiv sofre mudanças de tom e de ritmo, complementando, por um lado, as mudanças de atmosfera em cada filme, assim como as mudanças comportamentais da personagem.
Um outro exemplo, e também um dos mais conhecidos da indústria cinematográfica, é a música principal do filme “Jaws” (1975), que, tal como no filme mencionado anteriormente, acompanha uma das personagens, ao longo do filme; neste caso, o tubarão.
O último filme que, no presente artigo, é usado para exemplificar o conceito de leitmotiv é a produção cinematográfica “Kill Bill”, de 2003. Neste filme, um dos leitmotiv’s está associado a uma determinada emoção da personagem principal, protagonizada pela atriz Uma Thurman. Neste caso, sempre que o humor da personagem se altera negativamente, é ouvido o tema “Ironside Siren Sound”.
É possível detetar registos de leitmotiv mesmo antes da criação do filme. Richard Wagner, compositor alemão de ópera, foi o criador do conceito de leitmotiv, tendo-o utilizado, pela primeira vez, numa das suas peças musicais mais conhecidas: “O Anel do Nibelungo”. Esta obra foi apresentada, por completo, apenas em 1876, e está dividida em quatro composições de ópera épica; sendo que retrata histórias da mitologia nórdica.
Figura 1 – Illustração representativa da Ópera “Das Rheingold” ou “O Ouro do Reno”, a primeira das quatro composições musicais que compõem o ciclo de óperas “O Anel do Nibelungo” de Richard Wagner. (Retirado da Wikipedia)
Neste ciclo de quatro composições de ópera, que tem uma duração máxima de 15 horas, Wagner reutiliza elementos melódicos ao longo da composição, para sinalizar cada uma das personagens, assim como outros elementos cénicos (Bribitzer-Stull, 2015).
A ausência de leitmotiv é também uma prática utilizada no cinema, e é também considerada uma técnica relevante. Um exemplo desta técnica aparece no filme “Jaws”. Numa das cenas, é vista uma barbatana no mar, a aproximar-se da praia, no entanto, o leitmotiv, anteriormente associado ao tubarão, não é ouvido. Mais à frente, na narrativa do filme, é revelado que a barbatana é falsa. A ausência de leitmotiv é, para a audiência, indicativa de que o tubarão está ausente da cena (Bribitzer-Stull, 2015).
Antes da popularização do conceito atual de leitmotiv, já existiam exemplos de ligações temáticas entre composições poéticas e músicas que as acompanhavam, nomeadamente para assinalar determinadas palavras ou estrofes mais importantes. Um exemplo deste tipo de ligação temática é o caso da Madrigal, um género de música folclórico e composição poética originária de Itália, durante o século XIII.
Um outro exemplo, do início do século XVII, Claudio Monteverdi compôs uma ópera chamada “L’Orfeo”. Nessa peça, Monteverdi criou ligações entre personagens e instrumentos, através de uma técnica chamada “proto-topoi”, fazendo com que cada personagem fosse representada por um instrumento ou por um pequeno grupo de instrumentos, e manteve essas ligações ao longo da narrativa.
Por fim, no final da década de XVIII, compositores como Bach, Mozart e Schubert, utilizavam elementos semelhantes ao leitmotiv nas suas obras e óperas. Estes exemplos de composição musical temática que antecederam a origem do conceito de leitmotiv eram, especificamente, definidos como “temas de reminiscência” (Bribitzer-Stull, 2015).
Sons diegéticos e não diegéticos
Nas suas obras, Wagner aborda outros conceitos, como por exemplo, os sons diegéticos e sons não diegéticos.
Por definição, sons diegéticos são todos os sons que existem dentro do universo da narrativa, como diálogos ou monólogos entre personagens, sons de background ou música que interage, de alguma maneira, com as personagens. Sons não diegéticos são todos os sons que não pertencem ao universo da narrativa ou sons que são acrescentados, posteriormente, ao filme ou série. São sons que não interagem de maneira alguma com as personagens, como o narrador da história ou as músicas de soundtrack. (Chion, 1993).
Um exemplo da utilização destes dois tipos de som aparece no primeiro filme da saga “Harry Potter”: “Harry Potter e a Pedra Filosofal” (2001). Numa das cenas do filme, a personagem principal, Harry Potter, inicia um diálogo com outra personagem, Hagrid. No início desta cena, a personagem Hagrid encontra-se a tocar o tema “Hedwig’s theme” (leitmotiv de Harry), na sua flauta. Este é um exemplo de uma melodia não diegética (o tema “Hedwig’s theme”) a ser acrescentada no filme, por meios diegéticos (o tocar da flauta, por parte de uma das personagens).
O segundo exemplo utilizado pelo presente artigo é o filme “M, O Vampiro de Düsseldorf” (1931), que retrata o caso de um assassino que é detido pela polícia, devido a uma melodia diegética que se torna o seu leitmotiv. Neste filme, o assassino assobia a melodia (som diegético) de uma música que se subentende ser conhecida por todas as personagens; trata-se da música de Eduard Gried: “Na Gruta do Rei da Montanha” (música diegética). A personagem assobia esta melodia desde a primeira vez em que aparece, em público, com uma das suas vítimas. Desde então, essa melodia ficou associada a essa personagem através de leitmotiv. Da segunda vez que o indivíduo assobia esta melodia, em público (já na companhia da sua segunda vítima), este é facilmente reconhecido e, finalmente, detido pela polícia.
Figura 2 – Poster do filme “M, O Vampiro de Dusseldorf”, Fritz Lang. 1931 (retirado do site https://culturaintratecal.com/2013/11/01/m-o-vampiro-de-dusseldorf-1931/)
Animação
O conceito de animação está estreitamente ligado ao conceito de design de som. Durante a década de 1920, vários filmes animados eram já produzidos com acompanhamento de uma orquestra musical e alguns efeitos sonoros. A técnica de desenvolvimento de alguns filmes, nessa altura, passava por criar o design de som apenas após a animação estar concluída. No entanto, não havia tendência para sincronizar o som com a imagem, nem mesmo os efeitos sonoros e vozes. Alguns exemplos deste tipo de filmes são o “Ko-Ko Song Car-Tune” de 1924 produzidos pelos irmãos Fleischer5, e “Dinner Time” produzido por Paul Terry, em 1928. Este último filme foi alvo de crítica por parte de Walt Disney, que depois de assistir à sessão de pré-estreia, descreveu o filme como uma amálgama de sons e ruído não sincronizado.
Figura 3 – “Ko-Ko Song Car-Tune”, 1924. Estudio Fleischer (printscreen do filme, disponível no Youtube)
Walt Disney, ao analisar estes filmes e experiências de outros animadores, percebeu que a sincronização de imagem e som era crucial para um bom filme de animação. Decidiu, então, criar um filme onde explorasse a fundo essa sincronia. Assim, em 1928, nasceu o “Steamboat Willie”. Foi, também, a primeira aparição da personagem do rato Mickey, que neste filme era um comandante de um pequeno barco, o S. S. Willie. Para Disney, a sincronia entre imagem e som só seria bem-sucedida se todos os momentos mais importantes de animação e som fossem separados por pausas, podendo assim ter mais impacto. Durante a década seguinte, Carl Starlling, compositor na Warner Brothers para shows como “Looney Tunes”, e Scott Bradly, compositor na MGM Entertaintment, estabeleceram este método de composição musical e sincronização de imagem e som que ficou oficialmente conhecido, a partir dessa altura, como mickey mousing, em homenagem à personagem do filme de Disney.
Figura 4 – “Steamboat Willie”, Walt Disney. 1928 (printscreen do filme, disponível no Youtube)
Um outro tópico que Walt Disney queria explorar neste filme era a personalidade das personagens, que, nos filmes animados dos anos 20, era pouco comum. A animação da década de 1920 era ainda grosseira, os movimentos das personagens eram rápidos e pouco intencionais, quase robóticos.
Figura 5 – Rascunhos para a personagem de “Steamboat Willie”, Walt Disney. 1928 (retirado do livro “The Illusion of Life” de Frank Thomas e Ollie Johnston, de 1981)
As emoções das personagens eram também básicas, pois necessitavam de ser facilmente lidas pelo público. No geral, essas animações não tinham um guião ou uma história para seguir, eram constituídas, essencialmente, por pequenas piadas e anedotas compiladas num filme de aproximadamente dez minutos. Neste tipo de animação, cada personagem tinha apenas uma função, ou seja, apenas representava um traço de personalidade isolado.
Por oposição, e voltando ao exemplo anterior, no filme “Steamboat Willie”, Disney queria representar a história de uma só personagem, explorando a sua personalidade e diversas emoções, tendo-o representado com características humorísticas e desafiadoras. Sendo que, nas animações da altura, uma personagem tinha uma só função e não possuía personalidade, Walt Disney pretendia reunir várias funções e ações numa só personagem, conferindo-lhe, assim, personalidade. (Werneck, 2010).
Neste caso, o som deveria ser igualmente complexo, de forma a acompanhar a distinta relação dos diversos traços de personalidade atribuídos a uma só personagem.
Em 1959, foi produzido um outro filme de animação, que explorava ainda mais a importância do som no desenvolvimento de um filme. “Moonbird” de John e Faith Hubley é um filme que retrata duas crianças que fogem de casa durante a noite em direção a um bosque perto de casa, com o objetivo de capturarem um pássaro misterioso, o chamado moonbird. Com apenas uma corda, uma gaiola e algumas guloseimas para o atraírem, os irmãos partem para a aventura.
Figura 6 – “Moonbird”, John e Faith Hubley. 1959 (printscreen do filme, disponível no Youtube)
O processo de criação deste filme começou pela gravação das vozes das duas personagens e dos efeitos sonoros. Os produtores captaram as vozes dos filhos, enquanto estes brincavam de forma descontraída, simulando a caça de um pássaro. Esta espontaneidade sonora influenciou também o estilo de animação livre e descontraído, podendo assim acompanhar a temática mais infantil do filme. Só depois do design de som estar completo é que se procedeu ao desenvolvimento da animação. Este estilo de animação usava esboços para os movimentos das personagens. Cada elemento do filme era apenas colorido com uma cor, por vezes com alguma opacidade, o que criava misturas de cores, se existisse intersecção entre eles.
Figura 7 – “Windy Day”, John e Faith Hubley. 1968 (disponível no site https://www.filmaffinity.com/us/film338616.html)
Em 1968, John e Faith Hubley desenvolvem outro filme com o mesmo processo criativo de “Moonbird”, chamado “Windy Day”. Neste segundo filme, tal como no anterior, o casal desenvolveu primeiramente o design de som, a partir de uma história inventada, desta vez, pelas suas duas filhas. A animação deste filme, tal como em “Moonbird”, teve a influência direta do design de som.
Curta-Metragem
Processo de desenvolvimento do projeto
Esta investigação tem como objetivo o desenvolvimento de uma curta-metragem de animação, que tenha como ponto de partida o design de som. Após a faixa de som estar concluída inicia-se o processo de elaboração da animação, inspirado no ritmo e melodia do design de som. Assim sendo, não vão ser produzidos storyboard’s nem animatic’s até que toda a faixa de som esteja completa. No entanto, o design de som será desenvolvido, tendo como ponto de partida uma narrativa previamente idealizada. Ainda assim, esta narrativa ficará em aberto e sujeita a alterações, se assim for necessário, visto que é diretamente influenciada pelo desenvolvimento do design de som.
A ideia de criar e desenvolver este projeto de animação surgiu a partir desta investigação, mais especificamente, a partir dos filmes analisados no capítulo “Animação”.
O “Steamboat Willie”, sendo um dos pioneiros do cinema de animação, é um filme que demonstra a importância da relação entre som e imagem. A técnica que o filme utiliza dá prioridade à sincronização entre as personagens e o som.
Os outros dois filmes pertencentes aos mesmos autores utilizados anteriormente como exemplo, “Moonbird” e “Windy Day”, exploram o mesmo processo criativo entre eles. Os autores gravam interações e conversas entre os seus filhos, desenvolvendo, posteriormente, as animações, permitindo que estas sejam conduzidas pelas narrativas aleatórias dessas gravações.
Um tema que se pretende explorar na narrativa deste projeto é a representação de emoções e transtornos psicológicos, mais especificamente, ansiedade e pânico, através da música. Neste caso, existe a necessidade de desenvolver um som mais específico e adaptado à narrativa. Por esse motivo, o design de som será criado através de sons gravados pelo autor do presente artigo. Serão ainda escolhidos sons provenientes de objetos domésticos, como utensílios de cozinha, eletrodomésticos, etc. Um outro elemento musical que também fará parte do design de som é a respiração e o sopro. Estes elementos irão substituir instrumentos musicais comuns ou músicas previamente compostas.
Um exemplo e influência para este tipo de composição musical é o álbum “Vespertine” de Björk, lançado em 2001. Neste álbum, a cantora e compositora quis representar o seu lado mais introvertido, ao gravar sons de elementos domésticos, ou representativos do seu país de origem, a Islândia, como o som de pegadas na neve ou pedaços de gelo a partir.
Relativamente ao estilo de animação da curta-metragem, pretende-se utilizar uma mistura de técnicas, de forma a ampliar a atmosfera criada pelo design de som. Essas técnicas são: animação 2D digital, animação tradicional com auxílio de carvão e tinta da china, e, por último, animação 3D.
O projeto prático ainda se encontra em fase de desenvolvimento, e por este motivo, é impossível ainda deduzir os resultados, da animação final. Ainda assim, como forma de ir testando conceitos e resultados, foram sendo desenvolvidas algumas experiências, como o design de som e o consequente animatic da primeira cena da animação, pelo que é, assim, possível tirar conclusões iniciais da viabilidade deste processo criativo.
Criação do design de som e animatic
Como referido anteriormente, o design de som desta curta-metragem de animação será produzido a partir de sons gravados utilizando apenas elementos domésticos.
O processo de trabalho teve início a partir da realização de testes de som, com a finalidade de compreender as possibilidades dos vários tipos de som, no âmbito da animação. Foi possível perceber, desde o início, que o vidro iria ser um dos elementos mais importantes no desenvolvimento deste projeto, graças à sua variedade sonora.
Após a finalização das experiências e com uma ideia clara dos sons a utilizar, iniciou-se a produção da música para a primeira cena do filme. Como já tinha sido mencionado, tanto o som extraído a partir do manuseamento do vidro, como o som captado através de sopro e respiração, foram componentes importantes, nesta fase do desenvolvimento do design de som.
Concluída a faixa de som, começou a ser desenvolvido o conceito para a narrativa da curta-metragem. A ideia é representar um episódio de ansiedade vivido pela personagem principal, após esta ter quebrado uma peça valiosa de vidro.
Com a base da narrativa criada, foram desenvolvidas algumas ilustrações e concept art, tanto da primeira cena como de algumas ideias para as personagens.
Figura 7 – Estudo de personagens.
Figura 8 – Concept art da primeira cena do filme.
A um certo ponto do desenvolvimento das ilustrações, foram destacadas duas cores complementares, o azul e o laranja, que serão utilizadas com maior frequência na curta-metragem. As influências para a narrativa e para o concept art tiveram origem em peças de arte e arquitetura, provenientes da Babilónia e Mesopotâmia.
Figura 9 – Concept art de elementos do filme
Figura 10 – Concept art da arquitetura dos senários.
Figura 11 – Concept art de elementos e personagens do filme
A partir daí, iniciou-se o desenvolvimento do animatic, sobreposto à faixa de som criada e usando as ilustrações e concept art como inspiração.
Figura 12.1 – Printscreen do animatic.
Figura 12.2 – Printscreen do animatic.
Por fim, foi feita a renderização de uma imagem da primeira cena onde são utilizadas técnicas de 2D e 3D.
Figura 13 – Screenshot renderizado da primeira cena da curta-metragem desenvolvida para o propósito da presente investigação.
Inicialmente, existia uma ideia ainda não desenvolvida da narrativa. Ao longo do desenvolvimento do design de som foram captados sons que, de alguma forma, estivessem relacionados com a narrativa previamente idealizada.
Durante o processo de tratamento da faixa de áudio, os sons já capturados permitiram construir uma narrativa mais concreta, alem de terem sido consolidados os elementos presentes na mesma, como por exemplo: a representação e movimentos das personagens assim como a interação das personagens com os elementos do ambiente cénico. Posteriormente, iniciou-se a criação do animatic e a renderização de uma imagem da primeira cena.
É possível concluir que a criação da faixa de som foi um processo complexo, atendendo a que não existia uma imagem ou animação como ponto de partida.
No entanto, esta condição permitiu uma maior independência na escolha dos diferentes sons e ritmos a serem usados. Por outro lado, o processo de animação do animatic, sobreposto a essa faixa de som, foi bastante intuitivo, tendo em conta que todos os trechos da faixa de som foram traduzidos numa imagem ou sequência.
Conclusão
A relação entre som e animação é cada vez mais importante, no contexto das produções cinematográficas.
Nos primeiros filmes de animação, o som era escolhido e introduzido posteriormente à criação da narrativa, apenas com o objetivo de a acompanhar, como por exemplo, no filme anteriormente mencionado, “Ko-Ko Song Car-Tune” (1924). O filme “Steamboat Willie” (1928) marcou o início da utilização do som como uma das principais influências da narrativa, sendo que a técnica utilizada neste filme foi posteriormente reconhecida como mickey mousing.
A par da análise de filmes, são abordados conceitos importantes no âmbito da relação entre design de som e animação.
No seguimento desta análise teórica, foi desenvolvido um projeto prático com o objetivo de aplicar e testar algumas das técnicas abordadas, através de uma curta-metragem de animação, na qual o som é o principal mote da narrativa.
O projeto prático do presente estudo ainda se encontra em fase de desenvolvimento, logo as conclusões retiradas do mesmo são, ainda, provisórias.
Pretende-se, futuramente, finalizar o projeto prático iniciado neste trabalho, através do desenvolvimento das técnicas utilizadas, assim como, possivelmente, explorar outras técnicas. É esperado que, ao longo do desenvolvimento deste projeto prático, a relação entre o design de som e a animação seja um processo mais dinâmico e sincronizado, de forma a que se possam retirar conclusões mais concretas.
Notas Finais
1The New York Times. Film; Stretching Sound To Help The Mind See. Acedido em 19 de janeiro de 2021 em: https://www.nytimes.com/2000/10/01/arts/film-stretching-sound-to-help-the-mind-see.html
2MovieMaker. Sound Design as World-Building: How to create a Believable Universe with Sound. Acedido em 19 de janeiro de 2021 em: https://www.moviemaker.com/sound-design-as-world-building/
3Leitmotiv, que termina em v, é o termo alemão original, utilizado pela primeira vez no livro “Dicionário Grove de Música e Músicos”, no entanto Leitmotif, que termina em f, é uma adaptação inglesa através da transcrição da pronúncia alemã. Ao longo deste trabalho, este termo será referido recorrendo à sua pronúncia original.
4Oxford Music Online – Grove Music Online. Leitmotif (from Ger. Leitmotiv: ‘leading motif’) (2001). Acedido em 2 de maio de 2021 em: https://www.oxfordmusiconline.com/grovemusic/view/10.1093/gmo/9781561592630.001.0001/omo-9781561592630-e-0000016360?&mediaType=Article
5Os irmãos Fleischer, Dave e Max, foram os fundadores do estúdio Fleischer, em 1921. São considerados pioneiros no mundo da animação pela criação de desenhos animados inspirados em histórias aos quadradinhos, ou comics. Algumas das personagens mais conhecidas são a Betty Boop, Popeye e Superman. Estas produções eram reconhecidas pelo seu humor negro e elementos mais adultos.
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