Capítulo II – Cinema – Cinema

Silence and action: the reivention of language in post-pandemic Cinema

Silêncio e ação: a reinvenção da linguagem no cinema pós-pandemia

Francisco Malta 1

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Wilson Oliveira 2

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Renan Oliveira 3

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Matheus Moita 4

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Thiago Malvar 5

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Stella Nemer 6

Universidade Estácio de Sá, Brasil

Abstract

The purpose of this research is to seek an analysis of the issues regarding the production of post-quarantine cinematography. For a wider perspective, we work with different products made during 2020 already in the context of the quarantine. As examples we have Netflix’s Homemade, as well as advertising pieces and TV shows. The guiding question of the article is what remains after this pandemic period.

Keywords: Cinema, Script, Narrative, Pandemic, Linguage.

Introdução

A pandemia causada pelo novo Coronavírus impactou o setor do audiovisual em escalas jamais vistas. Há quem afirme que tal situação apenas acelerou o processo natural da indústria, que ocorreria dentro de alguns anos, tais como o foco nos serviços de streaming e a consequente visibilidade dessas plataformas. Outros, contudo, encaram a pandemia como a queda inexorável do cinema mundial, quase como um retrocesso com data marcada. Como na maioria dos casos, uma conscientização da situação mais próxima da realidade pode ser encontrada na linha tênue entre o abandono do velho formato e a ascensão absoluta das plataformas de streaming. O presente trabalho tem como proposta discutir os recursos de imersão nas narrativas audiovisuais e a inserção de tais técnicas no que se refere ao roteiro e à direção em um cenário pós-pandemia.

Em abril de 2020, dois anúncios deixaram em alerta a indústria cinematográfica – principalmente, os setores de exibição e distribuição. O primeiro deles se referia ao fato de que o Oscar 2021 aceitaria inscrições de filmes lançados diretamente em plataformas de streaming, devido à crise da Covid-19. Até 2019, empresas como Disney, Universal, e Warner mantinham um acordo com as redes de cinema para que suas obras cinematográficas fossem lançadas em DVD, Blu-Ray ou plataformas digitais somente após 90 dias de sua estreia nos cinemas. Esse acordo tinha o objetivo de incentivar o público a sair de casa, consumir os snacks dos cinemas, e comprar os ingressos – ou seja, ter a experiência completa de assistir ao filme em uma sala de exibição. Mas esta situação mudou especialmente por causa do avanço dos serviços de streaming. Grandes produções com atores renomados em seus elencos começaram a ser lançadas em plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, e HBO GO. Em um primeiro momento, a indústria cinematográfica tradicional resistiu, mas os fatos mostravam que a ascensão das plataformas não poderia ser contida. Mesmo com um novo concorrente, o cinema conseguiu manter a sua força. Em 2019, por exemplo, o filme Vingadores: Ultimato [Avengers: Endgame] arrecadou 2,797 bilhões de dólares7, o equivalente a 14,53 bilhões de reais, tornando-se a maior bilheteria de todos os tempos.

O segundo alerta veio com a declaração de falência da CMX, rede norte-americana de cinemas com sede em Miami. Outras grandes redes, tais como Cineworld e AMC, também indicaram dificuldades e se mostraram contrárias à disponibilização de produções diretamente em streaming antes ou ao mesmo tempo da exibição em cinemas. De acordo com um relatório publicado pela agência de análise MoffettNathanson8, a pandemia do novo Coronavírus serviu como catalisador nas mudanças da indústria do cinema, levando ao processo de transição das salas de exibição para o streaming e uma possível fusão entre grandes estúdios de Hollywood. Além disso, provocou o fim da chamada “era de ouro da TV” nos Estados Unidos. Como podemos perceber, o cenário é de renovação e transformação da linguagem audiovisual em sua relação com o público.

Metodologia

Os resultados preliminares desta pesquisa apontaram para novas estruturas narrativas. A metodologia incluiu a leitura de artigos e livros sobre a indústria cinematográfica, entrevistas com profissionais da área, e análises de filmes e documentários que abordam o objeto pesquisado.

A pesquisa

A proposta desta pesquisa consiste em buscar o entendimento das questões que regem o fazer cinematográfico no cenário pós-pandemia. É fato que muitas das produções cinematográficas consumidas necessitam de mais dinheiro para suas produções do que necessitariam se fossem produzidas por uma plataforma de streaming. Quando falamos de blockbusters, tem-se em mente as obras feitas exclusivamente para o cinema, no contexto mais tradicional da indústria cinematográfica.

Tome-se como exemplo o filme Vingadores: Ultimato, cuja produção ultrapassou o valor de 300 milhões de dólares. Tal obra não poderia ser lançada diretamente em um serviço de streaming. Caso fosse essa a forma de lançamento, talvez não tivesse a mesma relevância que alcançou, mesmo se tratando da finalização de uma franquia de sucesso. Há também a questão dos lucros – demandaria muito mais tempo para obter a mesma quantia que obteve nos cinemas, visto que o streaming possui uma maneira diversa de distribuição de lucros: o consumidor paga uma taxa mensal para ter acesso a diversos conteúdos, e os rendimentos da rede de streaming são distribuídos para os direitos de inúmeras produções de diferentes empresas. Uma rápida reflexão leva à constatação de que as produções mais caras exigem uma porcentagem maior desta distribuição. Dada a realidade atual, levaria anos para que um blockbuster lançado exclusivamente em streaming alcançasse um lucro significativo.

O formato das produções cinematográficas durante a pandemia e desdobramentos futuros

Embora sob a regulamentação de medidas sanitárias rigorosas, a produção no ramo do audiovisual continuou a acontecer em 2020. Entre os filmes lançados no primeiro ano da pandemia, valem a menção Malcom & Marie, do diretor Sam Levinson; The Untitled Horror Film, de Nick Simon, e Host, de Rob Savage9. Malcom & Marie foi filmado presencialmente, em sua maior parte, mas nenhum membro da equipe podia entrar ou sair do set de filmagens durante as gravações, além do uso obrigatório de máscaras e do fato de não serem permitidas entregas de comidas – salvo as já preparadas e dispostas para a equipe e atores.

The Untitled Horror Film consiste em um filme de terror feito para ser rodado durante a pandemia. Todas as interações entre os atores deram-se por videoconferência, e todo o material necessário – refletores, câmeras e maquiagem – foi enviado para os artistas. Além disso, o elenco recebia orientações específicas para que as cenas pudessem ser gravadas em meio ao isolamento: por meio de chamadas de vídeo em plataformas como a Zoom, diretores, figurinistas e maquiadores indicavam o que precisava ser feito durante as cenas e sobre a atuação.

Também do gênero de terror, Host foi uma das obras mais criativas e eficientes na proposta de produções feitas durante – e para – a pandemia. Totalmente filmado via Zoom, o filme narra a história de um grupo de amigos que contrata um “médium” para fazer uma sessão espiritual remota na quarentena. As coisas parecem desenrolar-se sem problemas, até que um espírito maligno começa a invadir suas casas, e eles percebem que sobreviver àquela noite será uma árdua e aterrorizante tarefa. Um filme pensado e feito durante a pandemia, e que se aproveitou propositalmente do novo formato de produção. Não é surpresa que tenha sido amplamente aclamado pelos críticos do gênero, que receberam um longa-metragem bastante sólido e coerente e que funciona muito bem dentro de suas limitações.

Logo, é correto chegar à conclusão de que não somente a maneira da produção audiovisual mudou, mas também a forma de consumo deste conteúdo. Com a paralização das salas de cinema ao redor do mundo, bem como a falência de algumas delas, as plataformas de streaming ganharam enorme relevância, tornando-se muito mais atrativas para o público, que não mais precisa ir até o cinema, pondo em risco a sua saúde e a de seus entes queridos. É um consumo cômodo, objetivo, imediato, e significativamente mais barato em comparação aos gastos exorbitantes com lanches, meios de transporte, valores de ingresso e todos os impostos incluídos em tais serviços. Parece uma “era de felicidade”, em que os usuários estão a um “clique” de desfrutar de uma grande variedade de filmes e séries por um valor mensal que, muitas vezes, é igual ou mesmo menor do que o de uma ida ao cinema.

Se por um lado o consumidor possui todos os benefícios supracitados, por outro, há uma considerável diminuição de sua imersão no universo do filme: ficam para trás a telona do cinema e os entusiasmados comentários pós-filmes, fazendo parecer que o fim da “era de ouro” do cinema está decretado – saudosistas e visionários reconhecem tal fato. Christopher Nolan, um dos diretores mais respeitados de Hollywood, foi amplamente criticado pela mídia por sua decisão de lançar seu mais novo filme, Tenet, nos cinemas e não nas plataformas de streaming. Segundo a visão dos redatores dos sites The Verge e Variety (cf. CHRISTOPHER NOLAN SHOULD..., 2020; CHRISTOPHER NOLAN’S DELAYS..., 2020), o diretor perdeu a oportunidade de ser o primeiro a lançar e a normalizar o streaming como fonte principal de consumo, ampliando ainda mais o seu império na indústria cinematográfica.

Em paralelo, a Disney lançou um de seus filmes mais aguardados do ano de 2020, o live action de Mulan, em sua plataforma de streaming, o Disney+. A obra custou cerca de 200 milhões de dólares para ser produzida e foi liberada em uma espécie de “venda digital”, pela qual o consumidor pagava o valor de 29,90 dólares para liberar o longa-metragem no serviço de streaming do estúdio. Uma medida polêmica, mas que, tratando-se de um blockbuster esperado pelo público e pela crítica, rendeu ao estúdio a marca de 33,5 milhões de dólares apenas no primeiro final de semana de estreia – um número bem abaixo das expectativas de lucro da Disney em um cenário de salas de cinemas abertas, contudo. O filme acabou sendo considerado um fracasso de bilheteria pela empresa.

Baseando-nos nos dados apresentados, não se consegue determinar uma fórmula infalível em relação à indústria audiovisual no período pós-pandemia, ao menos no que diz respeito ao consumo dos produtos. É possível imaginar que a produção volte à normalidade após as campanhas de vacinação serem devidamente finalizadas na maior parte dos países. Contudo, deve-se admitir que uma porta foi aberta para o consumo de tal mídia. Estúdios menores podem investir em serviços de streaming, visto que estes levam uma parcela menor dos lucros das produções, em clara oposição ao formato convencional. Blockbusters muito aguardados pelo público, no entanto, não são viáveis para lançamentos em plataformas de streaming. Como atesta Robert McKee (2006, p. 24-25), uma das maiores referências em termos de criação de histórias e personagens: “[a]s histórias são a conversão criativa da própria vida em uma experiência mais poderosa, clara e significativa. Elas são a moeda do contato humano”. Enquanto houver o desejo por novas histórias e novos mundos a serem desbravados, o cinema e o audiovisual encontrarão um jeito de se fazer presentes, vivos e atemporais – seja via streaming ou pela maneira mais tradicional.

Silêncio e ação: isolamento social e consumo

Com o início da pandemia do Coronavírus, a internet consolidou-se como a principal ferramenta para a manutenção de relações interpessoais e profissionais, e o debate sobre a importância da arte e da cultura na vida das pessoas irrompeu junto com as medidas restritivas e o isolamento social. Os produtos audiovisuais passaram a ser vistos como peças cruciais para a conservação da saúde mental dos confinados. Além disso, a nova realidade à qual o público foi inserido passou a interferir diretamente nas novas obras audiovisuais, cinematográficas e outras formas de artes visuais. Na mesma época, foi criado o Covid Art Museum, um museu online que utiliza a rede social Instagram para construir um acervo de artes visuais com a temática relacionada à pandemia e ao chamado “novo normal”.

Em junho de 2020, a Netflix lançou Homemade – ou, em português, Feito em casa –, uma série de curtas-metragens produzidos durante o confinamento, respeitando todas as normas de segurança. Foram convidados dezessete diretores de nacionalidades distintas para a realização do projeto. Entre eles, Pablo Larraín, que dirige o quarto curta da série. Nele, um homem que vive em uma casa de repouso para idosos realiza diversas chamadas de vídeo para suas ex-namoradas, dizendo a elas que nunca as esqueceu. A construção narrativa bebe da fonte da dificuldade que idosos encontram em se adaptar à era digital, e este ponto fica explícito a partir da participação da enfermeira, personagem responsável por realizar as chamadas e que permanece em cena, sentada ao fundo durante todas as conversas íntimas e pessoais do protagonista.

Além disso, a construção da linguagem cinematográfica da obra utiliza totalmente o formato de videochamadas, incluindo as oscilações de sinal da internet, em que é possível perceber pequenas pausas na transmissão do vídeo ao longo das cenas. Ao final do curta, após a resposta de algumas das ex-namoradas, a coadjuvante Pâmela desliga a chamada, e a enfermeira, que permanecia sentada ao fundo, aproxima-se e desliga a câmera do personagem principal, encerrando o curta exatamente como em uma plataforma de chamadas de vídeo.

Outro exemplo é o segundo curta da série, dirigido por Paolo Sorrentino, que optou por utilizar bonecos e outros objetos estáticos filmados com a técnica de stop-motion. O curta aborda um romance entre Elizabeth II e o Papa após a quarentena ser decretada durante uma visita da rainha ao Vaticano. Uma ideia com o custo zero, que se sustenta na construção de bons diálogos que humanizam dois personagens que, para o resto do mundo, são vistos quase como inumanos.

Produtos brasileiros na quarentena

Se os produtos de ficção enfrentaram os dilemas impostos pelo confinamento no que diz respeito a gravações seguras, as obras documentais também sofreram com a necessidade de uma reinvenção da forma como se constrói uma narrativa. Sob a ótica cinematográfica e assumindo que o cinema trata-se de uma ferramenta artística potencialmente transformadora do mundo em que estamos inseridos, em tempos de pandemia surge o questionamento: como reagir à passividade consequentemente imposta pelo confinamento e conseguir encontrar uma forma de se expressar?

Os diretores Bebeto Abrantes e Cavi Borges encontraram uma forma de se manterem ativos e conscientes dentro do contexto do isolamento com a produção de Me Cuidem-se!, documentário gravado em seis partes, em que cada uma retrata quinze dias do cotidiano de uma personagem. Em entrevista concedida a Ricardo Cota (cf. FAZENDO CINEMA..., s/d), Cavi Borges relata que o filme-processo foi gravado totalmente à distância, sem que nenhum dos entrevistados se encontrasse presencialmente com qualquer integrante da equipe. Borges também afirma que os entrevistados foram convidados a registrar suas vidas durante o período de pandemia no final de março de 2020, período do primeiro lockdown no Rio de Janeiro, quando as medidas restritivas estavam fortes e não havia perspectiva alguma para o início da vacinação.

Me Cuidem-se! é um filme-quarentena, desde a sua pré-produção à finalização e distribuição, sem qualquer encontro presencial. Em abril, a primeira parte do documentário foi exibida nos canais digitais da Cinemateca do MAM do Rio, e todas as sessões foram totalmente online e gratuitas. Em dezembro, o primeiro corte do longa foi exibido no evento “Sessão Primeiro Corte”, que aconteceu também online. Atualmente, o documentário está disponível no YouTube.

O que há de mais característico na obra de Bebeto Abrantes e Cavi Borges é o fato de os próprios entrevistados terem sido os responsáveis pela realização das entrevistas e pela gravação das imagens cotidianas, exercendo, portanto, um papel ativo na construção da linguagem cinematográfica do documentário e de sua narrativa, ainda que estes concluam-se no processo de finalização. Normalmente, existe uma dicotomia entre entrevistado e entrevistador que se funda em princípios hierárquicos: o entrevistador é quem detém o poder – a câmera, a possibilidade de alterar, de construir e de reconstruir a realidade do entrevistado; este, por sua vez, torna-se uma ferramenta, mesmo que de extrema importância, para a construção de um filme. No caso de Me cuidem-se!, essa relação muda na medida em que o entrevistado produz um conteúdo autoral, mas sem escapar da possibilidade de se tornar uma celebração narcísica, que pode interferir positiva ou negativamente no andamento da obra. É quase um estudo antropológico sobre como levamos nossa existência perante os outros.

Um ponto interessante sobre o material produzido pelos entrevistados é o de que a direção não havia antecipado que um deles quebraria as medidas de isolamento e realizaria entrevistas com pessoas em situação de rua. Levanta-se então o debate sobre quem tem de fato direito à moradia, direito ao confinamento e ao isolamento social, e fica o benefício da dúvida para o entrevistado, que se torna entrevistador. O espectador não consegue definir qual o motivo de tal quebra de isolamento, se é ou não uma simples ida ao mercado.Existe um anseio por mudança no documentarista – a vontade e uma eterna busca por uma revolução. Sob essa ótica, o documentário Me Cuidem-se! cumpre perfeitamente a sua função social de questionar e argumentar. É exatamente a possibilidade de cada entrevistado construir pelo menos parte de sua narrativa que torna a obra rica. Abordar o tema do isolamento social por meio de diferentes regionalidades, classes sociais e vivências resulta na construção de uma obra que possibilita a visão do verdadeiro período de isolamento no Brasil, no estado do Rio de Janeiro – em muitos casos, sem qualquer apoio do governo eleito e com pouca conscientização social. As cenas da única participante do filme que não possui nenhuma fala transmitem a sensação que todo brasileiro sentiu durante os primeiros dias de pandemia – a impotência.

Outra obra rodada totalmente de casa e destinada à classe infantil foi Turma digital, com roteiro de Francisco Malta e direção de Luan Moreno10. A websérie tinha como proposta abordar a vivência das crianças com as aulas online na pandemia e levantar a questão de como seria a vida com o fim das aulas presenciais. Desde o ano passado, os alunos passam pela experiência de estudar em casa e permanecer longe da escola por conta da pandemia. Mas Turma Digital dá um passo além, levantando questionamentos sobre uma determinação do estudo à distância definitivo.

A pandemia e os produtos da TV

Com as paralisações das atividades presenciais, os programas de auditório também precisaram se reinventar. O início da pandemia acarretou o aumento de demandas por novas obras audiovisuais: as pessoas passaram a estar em casa por muito mais tempo, consumindo mais mídia. Ao mesmo tempo, as gravações não podiam dar-se em meio a aglomerações. Com os meios físicos limitados, o digital cresceu de forma exponencial. Os estúdios passaram a utilizar cada vez mais a computação gráfica para a sua expansão no mercado, com criações de obras em estúdios de chroma key ou mesmo com inserções de elementos em cenários reais. Videoclipes, lives, filmes, videoaulas, e séries dominaram o mercado digital.

O processo de transformação da TV também se deu de forma intensa: jornais mudaram o seu modus operandi, gravações de novelas foram interrompidas, reprises de grandes sucessos da televisão começaram a ser exibidas, e programas de auditório passaram a contar com plateias virtuais exibidas em telões.

Com as mudanças na televisão, vieram as mudanças de marketing das marcas que movimentam o mundo do capitalismo. Através da tecnologia de Realidade Aumentada, produtos foram inseridos digitalmente em programas ao vivo e em reprises de novelas a partir da técnica conhecida por product replacement. Em massa, novos produtos substituíram os antigos que apareciam nas novelas. As marcas voltaram a investir em propaganda: seus produtos eram magicamente inseridos em produções novelísticas já gravadas, causando grande animação em seus investidores, que adoraram ver seus produtos vinculados a obras suficientemente épicas para serem reexibidas em horário nobre. Se na época da gravação de tais novelas alguns produtos ainda não existiam, agora as marcas passaram a disputar um lugar na história da TV, visto que a inserção de seus novos produtos não diz respeito a apenas mais uma manobra comercial, mas a um movimento histórico, como se estivessem reescrevendo a história.

Pesquisa e produção de product replacement na televisão

O processo de pesquisa tornou-se ainda mais exigente e detalhista. Quando selecionado para ser inserido em uma produção audiovisual – como novelas ou séries –, o produto de uma determinada marca passa por uma série de etapas até aparecer com naturalidade em cenas gravadas anos atrás.

Primeiramente, há a modelação em 3D. Na maioria das vezes, o material de referência do produto não é entregue, então inicia-se um processo de pesquisa de referência: modelo, verificações sobre sua atualidade ou não, e levantamento dos materiais que o compõem. Assim que é digitalmente modelado, começa o processo de inclusão de textura, onde se dá cor e vida a um modelo 3D anteriormente cinza – nesta etapa, o preciosismo atinge o seu nível mais alto, pois cada detalhe importa para que as peças se tornem mais realistas.

Depois de modelado e texturizado, o produto passa por uma prova de iluminação, na qual são identificados os pontos de luz da cena. Precisa-se avaliar como os materiais reagem a essa luz e qual a temperatura e a intensidade a serem aplicadas no produto e no local onde ele será inserido, pois isso determinará uma integração precisa com o real. É feita a renderização – ou render –, e, em cenas com movimento de câmera, é necessário um tracking para que o produto acompanhe a movimentação.

Com render e tracking finalizados, o produto encaminha-se para a última etapa: a composição. As muitas camadas do render, que servem para trazer realismo, são mescladas e alteradas em uma composição com o vídeo ao fundo. São adicionados reflexos de movimento, alterações na luz, aperfeiçoamentos ao tracking, e máscaras de recorte para uma rotoscopia a fim de criar a ilusão ideal do product replacement.

Conclusão

A experiência de assistir a um filme em uma sala de exibição não foi esquecida, mas a pandemia criou vantagens para que os serviços de streaming se aproximassem das grandes empresas de cinema. Para distribuidoras e produtoras, o chamado lançamento híbrido começou a ser cogitado e posto em prática. Muitos produtores e donos de redes de cinemas são contra essa mudança. Em uma recente convenção para proprietários de cinemas em Las Vegas, várias empresas – entre elas, a Disney – enfatizaram a necessidade da experiência de assistir filmes em salas de exibição.

Sabe-se que as plataformas de streaming começaram a receber investimentos significativos por parte de empresas e companhias de audiovisual, principalmente no período da pandemia em que várias pessoas precisaram ficar em quarentena e, consequentemente, passaram a consumir mais conteúdo de diferentes serviços de tais plataformas.

Perguntamo-nos se algum dia o cinema como o conhecemos será totalmente substituído por serviços como Netflix, Amazon Prime Video Globoplay e Disney +. O que se pode sustentar a partir das situações elencadas acima é que o artista está sempre se reinventando e o homem, em sua necessidade de ouvir e contar histórias, adapta-se rapidamente aos novos modelos sempre que necessário. A tecnologia e seus aparatos servem-nos de suporte, pois o que mais importa é a ideia da reflexão e de entretenimento que os produtos audiovisuais são capazes de ofertar ao público – assim tem sido ao longo dos milênios. Enquanto falarmos de sentimentos humanos estaremos conectados ao homem. Neste quesito, não há nada de novo sob o sol.

Notas Finais

1Francisco Malta: Professor e Pesquisador do Programa Pesquisa Produtividade na Universidade Estácio de Sá (UNESA). Coordenador do curso de Cinema e Audiovisual na mesma instituição. Doutorando em Literatura Comparada – UERJ - e roteirista de cinema e TV.

2Wilson Oliveira: Coordenador do curso de Fotografia na mesma instituição. Doutor em Memória Social e artista multimídia no DUO2x4.

3Renan Oliveira: Graduando em cinema pela UNESA e Animador de computação gráfica na TV Globo.

4Matheus Moita: Graduando do último período do curso de Cinema e Audiovisual na UNESA e pesquisador de Iniciação científica na mesma instituição.

5Thiago Malvar: Graduando do último período do curso de Cinema e Audiovisual na UNESA e pesquisador de Iniciação científica na mesma instituição.

6Stela Nemer: Graduanda do curso de Cinema e Audiovisual na UNESA e pesquisadora de Iniciação científica na mesma instituição.

7Embora Vingadores tenha alcançado o primeiro lugar das maiores bilheterias do mundo no ano de 2019, o filme Avatar, que ocupava a mais alta posição anteriormente, recuperou-a após o seu relançamento na China, em 2021. Dados retirados do site E-Pipoca. e disponíveis em: https://epipoca.com.br/avatar-pode-recuperar-recorde-de-maior-bilheteria-do-cinema. (Acesso em 12/03/2021).

8MoFFET NATHANSON: Disponível em: https://www.moffettnathanson.com. Acesso em 10/03/2021.

9Fonte: Vertentes do Cinema. Disponível em: https://vertentesdocinema.com/malcolm-marie. (Acesso em 10/03/2021).

10Disponível em: https://extra.globo.com/tv-e-lazer/webserie-turma-digital-discute-as-aulas-virtuais-durante-quarentena-foi-gravada-com-atores-isolados-suas-casas-assista-24608546.html. (Acesso 17/03/2021).

Bibliografia

FIALHO, Arivelto Bustamante de. Realidade virtual e aumentada: tecnologias para aplicações profissionais. São Paulo: Érica, 2018.

AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. A análise do Filme. São Paulo: Texto e Grafia, 2010.

MASCELLI, Joseph V. Os cinco Cs da cinematografia: técnicas de filmagem. Tradução de Janaína Marcoantônio. São Paulo: Summus, 2010.

MCKEE, Robert. Story. Editora Arte & Letra, 2017.

RABIGER, Michael. Direção de Cinema: técnicas e estética. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

VAN SIJLL, Jennifer. Narrativa Cinematográfica: contando histórias com imagens e movimentos. São Paulo. Martins Fontes. 2017

Internet

ALL THE SHOWS AND MOVIES FILMED AT HOME DURING QUARANTINE. Disponível em: https://filmdaily.co/news/quarantine-movie/. Acesso em 20/ 03. 2021.

CHRISTOPHER NOLAN SHOULD RELEASE TENET ONLINE. Disponível em: https://www.theverge.com/2020/7/20/21330990/christopher-nolan-tenet-warner-bros-online-release-streaming-theaters. Acesso em 20/03/2021.

CHRISTOPHER NOLAN’S DELAYS AUGUST RELEASE. Disponível em: https://variety.com/2020/film/news/tenet-delayed-again-christopher-nolan-1234699068/ Acesso em 20/03/2021.

CINEMA EM TEMPO DE PANDEMIA. Reportagem sobre o documentário Me Cuidem-se de Bebeto Abrantes, gravado durante o confinamento. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/silencio-e-acao-cinema-em-tempo-de-pandemia. Acesso em 15/03/2021.

FAZENDO CINEMA NA QUARENTENA. Entrevista de Cavi Borges sobre o documentário Me Cuidem-se! Disponível em: https://mam.rio/cinemateca/fazendo-cinema-na-quarentena/. Acesso em 17/04/2021.

INSIDE HOLLYWOOD’S EXPENSIVE AND EXHAUSTING ROAD TO MAKING MOVIES DURING CORONAVIRUS. Disponível em: https://variety.com/2020/film/news/film-sets-hollywood-pandemic-1234826994/. Acesso em 20/03/2021.

TEMPO MORTO: Cinema e pandemia. Disponível em:https://febrapsi.org/publicacoes/observatorio/observatorio-psicanalitico-1802020. Acesso em 10/03/2021.

WEBSÉRIE ‘TURMA DIGITAL’ DISCUTE AS AULAS VIRTUAIS DURANTE A QUARENTENA E FOI GRAVADA COM ATORES ISOLADOS E SUAS CASAS; ASSISTA. Disponível em: https://extra.globo.com/tv-e-lazer/webserie-turma-digital-discute-as-aulas-virtuais-durante-quarentena-foi-gravada-com-atores-isolados-suas-casas-assista-24608546.html. Acesso em 17/04/2021.

Filmografia

BORGES, Cavi. Me cuidem-se! (30 min.) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ywmY5ssSvSQ Acesso em 10/03/2021.

LARRAÍN, Pablo. [et. al]. Homemade. (90 min.) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=KH6mK gxgpRM Acesso em: 05/03/2021.

MALTA, Francisco; MORENO, Luan. Turma digital. (60 min.) Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=dwrMpG1p2gM&t=7s Acesso em: 01/03/2021.