Capítulo II – Cinema – Cinema

Mountain range of Amoras II and the social imaginary overseas field in exercise of the invisible photography

Cordilheira de amoras II e o extracampo imaginário social no exercicio da fotografia do invisivel

Gregorio Galvão de Albuquerque

Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz) e Programa de Políticas Públicas e Formação Humana (PPFH/UERJ), Brasil

Abstract

This text aims to problematize the question of the invisible and social invisibility from the exercise of Photography of the Invisible and from the analysis of the short “Cordilheiras de Amoras II” and its construction of the social imaginary extra-field. In the film, the main character, the little Indian Guarani Kaiowá Carine Martines, opens the doors of her “home” and presents her whole world experience. As a way of applying the discussion in education, the exercise “photography of the invisible” performed in a school environment will also be presented. What relationship does this invisible person have with social reality? How does it establish itself with the real world and represent it through the invisible? Questions that will guide the text.

Keywords: Cinema, Invisible, photography, outfield, social reality

Introdução

Como tornar invisível o que é produzido para ser visível? A fotografia nasce para ser vista e reproduzir a realidade de forma fidedigna, sem interferência do artista. Se torna um lugar de memória e de mediação histórica na medida que seu extracampo, ou seja, o que não está visível na foto reconstrói o momento do ato de fotografar, do olhar do fotógrafo e o motivo da sua produção e exposição. Através do filme Cordilheira de Amoras II e o exercício da fotografia do invisível, o artigo problematiza e torna visível a invisibilidade social por de trás das imagens. O exercício da fotografia do invisível é um exercício realizado na disciplina de audiovisual da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Fiocruz/EPSJV) (Albuquerque 2020)

O filme invisível

Como ser invisível em um mundo que levou o visível ao extremo, causando cegueira? Pensar a realidade no diálogo entre o visível e o invisível possibilita a libertação para uma produção de uma realidade sensível. Então o que é sensível e invisível no curta “Cordilheira de amoras II”? A câmera? O shopping? A cultura indígena dos Guarani Kaiowá? O imaginário de uma índia?

Do ponto de vista das estratégias de produção de imagens, a diretora Jamille Fortunato retratou com sua câmera de celular uma realidade sensível através de uma natureza invisível. A diretora oferece “um olhar outro, que nos interpela, e coloca em questão o próprio modo como construímos a relação entre quem olha e quem é olhado, entre quem filma e quem é filmado” (Brasil 2016)

A construção do mundo imaginário pela índia Kaiowá nos leva para “além de qualquer possibilidade material para um lugar mais interessante e melhor”, segundo (Braga 2015). Todo seu imaginário é a replicação de um mundo urbano de adultos como shopping, salão de beleza, televisões, conto de fadas europeu de Chapeuzinho Vermelho e Os três porquinhos. “E é desse registro que o curta nos coloca nesta relação de identificação/estranhamento, dessa menina que vive dia a dia a perda de sua cultura original.” (Braga 2015)

A apropriação simbólica da índia é demonstrada através de um extracampo invisível no curta que amplia o seu sentido de “vasto conjunto que prolonga o enquadramento” (Abreu 2015). A relação entre o que é enquadrado e seu extracampo, nesse caso, é dado para além da imagem e do seu reenquadramento, pois o filme permite estabelecer através da experiência do imaginário da índia Carine questões sociais e históricas.

Não mais recebemos passivamente um amontoado de imagens com sentido explícito e organizado; exige-se que sejamos capazes de confeccionar imagens mentalmente e construir um todo narrativo que o cineasta opta por nos oferecer de forma desconexa. (Abreu 2015)

O conceito de extracampo imaginário parte da diferença entre o que é objetivo e subjetivo apontado por (Deleuze 1990)

A diferença entre o objetivo e o subjetivo tem valor apenas provisório e relativo, do ponto de vista da imagem ótico-sonora. O mais subjetivo, o subjetivismo cúmplice de Rivette, é perfeitamente objetivo, já que ele cria o real pela força da descrição visual. E, inversamente, o mais objetivo, o objetivismo crítico de Godard, já era completamente subjetivo, pois substituía pela descrição visual o objeto real, e fazia com que ela entrasse ‘no interior’ da pessoa ou do objeto. Tanto de um lado quanto de outro, a descrição tende para um ponto de indiscernibilidade do real e do imaginário.

Para o autor (Brasil 2016)

Entre o invisível e o visível, a relação é indicial e intensiva: nós não “vemos” imagens dos xapiripë, mas podemos notar sua ação sobre o corpo do xamã (como o vento que, ao atravessar a vela de um barco, se torna visível em sua invisibilidade e confere ao barco algo de seu poder).

No curta Cordilheiras de amoras II, o ponto de indiscernibilidade do real e do imaginário acontece através do imaginário da índia e o seu extracampo de uma cultura capitalista, demonstrada através de exemplos de subjetividade urbana industrial, como a casa própria, moveis, lojas etc. É importante perceber o momento do curta que a índia pega uma folha e a dobra como fosse uma espécie de guarda-chuva, ou seja, um elemento da natureza sendo apropriado para reproduzir um elemento urbano.

Da perspectiva de uma produção de imagens indígenas, a diretora estabeleceu uma relação intima da câmera com a pessoa filmada, podendo adentrar o imaginário ela. Segundo o autor (Benardet 2004)

Em “Um dia na aldeia”, um homem pesca uma traíra. A câmera mostra o peixe dentro da água, a lança o atinge, a câmera segue o movimento do pescador que traz a presa para a margem. Num outro plano, um menino caça um gafanhoto. Ele está num barco, a câmera também. Delicadamente ele aproxima o barco da margem, deposita o remo, estica o braço em direção ao inseto, o pega, volta à sua posição inicial e mostra a presa. A câmera acompanha os movimentos do menino, corrige em direção ao gafanhoto e volta à sua posição. Vistos no quadro do seminário Formação do Olhar de 2003 em São Paulo, estes planos me encantaram. O que eles têm de tão especial? Há uma relação íntima entre a câmera e a pessoa filmada. A câmera tem que seguir os movimentos do menino, ela também tem que se movimentar delicadamente para não afugentar o gafanhoto, tem que seguir o movimento do pescador que retira a traíra do igarapé.

O autor escreveu esse texto para o projeto “Vídeo nas Aldeias” tem como um de seus objetivos a formação de realizadores indígenas. O Projeto dá suporte técnico e financeiro para a produção e difusão dos vídeos entre os povos indígenas, permitindo que essas comunidades fortaleçam manifestações culturais e escolham histórias que desejam narrar e conservar tanto para as futuras gerações quanto para outros povos - indígenas e não indígenas.

Sendo assim, o visível e o invisível se alternam no percurso que a câmera realiza no curta, ou seja, o invisível sempre está no quadro e se torna visível através de objetos e ações da índia. Ao mesmo, o contexto no qual se está inserido não permite ver, em um primeiro momento, a cultura original dos Guarani Kaiowá.

Abrindo a casa

O curta “Cordilheira de amoras II” é um filme produzido em 2015 por Jamille Fortunato na vila indígena de Amambai, no Mato Grosso do Sul. Sua personagem principal, a indiazinha Guarani Kaiowá Carine Martines, abre as portas da sua “casa” e apresenta toda sua experiência de mundo. O autor (Aumont 1993) que discute a relação da imagem com a realidade elabora a seguinte pergunta: “Que relação ela estabelece com o mundo real – ou seja: como ela o representa? ”.

No curta Cordilheira de Amoras II esta relação e representação são produzidas no seu extracampo imaginário, social e histórico. No cinema, o extracampo apresenta tudo o que não foi enquadrado pela lente da câmera, no entanto “não seria assim o prolongamento invisível do campo, mas sua parte intrínseca, que age em seu interior também como dimensão visível: trata-se, porém, de uma visibilidade que cabe ao percurso do filme ir nos propondo e ensinando a ver” (Brasil 2016, 138)

O povo guarani Kaiowá, representado no curta pela índia Carine, sofrem historicamente com genocídio de sua população . Segundo (Braga 2015)

os Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul vivem um cotidiano de guerra civil. Nos últimos dez anos, as degradantes condições de vida e o confronto entre índios e grandes proprietários de terra se tornaram tão dramáticas que a taxa de assassinatos de Kaiowás, ultrapassa qualquer estatística de países em guerra e é 495% maior que a média brasileira. A cada seis dias, um jovem Kaiowá Guarani se suicida. E esse são dados oficiais.

O filme em uma primeira análise apresenta o imaginário de uma criança no quintal de sua casa e amplia a dimensão quando se estabelece as relações e questões históricas de sua filmagem. O presente trabalho tem como objetivo ser um dispositivo de discussão da temática e assim como o cinema, não pretende abordar todos os modos de ver, trazendo a problematização como forma de olhar o outro passa a entender a si próprio.

Ampliado a forma do invisível, o “exercício da fotografia do invisível” potencializa a problemática na medida que a característica principal da fotografia é revelar, então como representar o invisível em algo revelado? Esse texto tem como objetivo potencializar essa discussão e demonstrar a partir do filme “Cordilheiras de amoras” a relação do que é exposto e o que é invisível no extracampo da criação.

A índia Carine expressa seu desejo de voltar para casa antiga através da sua amiga invisível Francielle mas a resposta relatada através da fala da mãe é que a casa “já tem outro dono”. Como não podem voltar para sua antiga casa, Carine resolve construir sua própria casa através de tijolos comprado pela família. O importante observar é a construção da casa imaginária feita a partir da representação da sua experiência de mundo ocidental, urbano e capitalista.

Figura 1 - Imagem do filme “Cordilheira de Amoras II da diretora Jamilie Fortunato – Casa de Tijolo

No começo do filme, a índia Carine exibe uma fotografia invisível de suas colegas e também de sua família. Essas fotos estão em isopor sujo e velho, localizados em cima de um conjunto de tijolos. O invisível está também na construção simbólica de uma casa que possui fotos de familiares e amigos em uma estante.

Figura 2 - Imagem do filme “Cordilheira de Amoras II da diretora Jamilie Fortunato – Foto invisível dos amigos e familiares

A casa de tijolos possui televisão e computador que na realidade são cds, caixas de sabão em pó que foram jogados no lixo. Nesse momento não se sabe o que eles estão vendo no computador ou na televisão, simplesmente pegam o controle e ligam.

Figura 3 - Imagem do filme “Cordilheira de Amoras II da diretora Jamilie Fortunato – Computador imaginário

Figura 4 - Imagem do filme “Cordilheira de Amoras II da diretora Jamilie Fortunato – Televisão imaginária

Seu imaginário construído envolve desde o desejo da casa própria, com televisão e computador até histórias em quadrinhos europeias, como a Chapeuzinho Vermelho, lidas em catálogos e revistas que vendem objetos de moda.

Figura 5 - Imagem do filme “Cordilheira de Amoras II da diretora Jamilie Fortunato – Chapeuzinho Vermelho e Lobo Mau

Além de sua casa, a índia Carine mostra o seu Shopping composto por cabelereiro, lojas, comidas, doces e Champanhe. Segundo s sua mãe “é tudo lixo” porém para ela é o “meu Shopping!”.

Figura 6 - Imagem do filme “Cordilheira de Amoras II da diretora Jamilie Fortunato – O shopping imaginário

No final do filme, Carine demonstra seu interesse de fazer um filme invisível porque tudo seria invisível, “a câmera é invisível”, porém o final do “filme é que a mal que vencia”.

A fotografia invisível

A fotografia, assim como a obra de arte, altera seu papel social, político e econômico no desenvolvimento sistema capitalista. Para (Harvey 2010) com a mudança das condições materiais dos artistas e com a possibilidade da reprodutibilidade técnica

a relação com a consciência geral do fluxo e da mudança presente em todas as obras modernistas, um fascínio pela técnica, pela velocidade e pelo movimento, pela máquina e pelo sistema fabril, bem como pela cadeia de novas mercadorias que penetravam na vida cotidiana, provocou uma ampla gama de repostas estéticas que iam da negação à especulação sobre possibilidades utópicas, passando pela imitação. (Harvey 2010, 32)

A imagem fotográfica é um fragmento do mundo real, conseqüência da experiência e cultura do fotógrafo. A imagem e o ato de fotografar são carregados de ideologias e simbologias, reflexos de uma sociedade expressados pela escolha do fragmento do real pelo fotografo e a forma estética e técnica de representar na fotografia. A fotografia é identificada como discurso, práticas do olhar e também prática pedagógica a partir da apreensão de elementos e unidades no corpus fotográfico, permitindo a aproximação à rede de significações que subsumem nosso olhar à imagem, superando, assim, a naturalização de realidade da fotografia.

A imagem fotográfica é uma visão de mundo segundo as relações sociais constituídas a partir de uma ideologia, de um sistema econômico, político e cultural, da tecnologia, do próprio fotógrafo e do seu leitor.

Como outras produções sociais, a fotografia é altamente ideologizada. São inerentes a ela concepções de mundo, pontos de vista de classe, grupos, famílias, indivíduos, de culturas. É inócuo tentar avaliar seu grau de objetividade ou subjetividade, salvo em função de afirmações específicas às quais a fotografia acrescenta informação. Como o olhar humano, ela é profundamente afetada pelo desejo, pelo inconsciente que direciona sem se mostrar (Ciavatta 2002, 46)

Com o processo de industrialização e desenvolvimento do capitalismo, as máquinas alteram o seu papel social, político, econômico e cultural. Há um fascinio pela velocidade e pelo movimento, pelo controle do tempo, pela máquina e pelo sistema fabril, bem como pela cadeia de novas mercadorias que penetravam na vida cotidiana, provocando uma ampla gama de repostas estéticas que iam da negação à especulação sobre possibilidades utópicas, passando pela imitação.

(Benjamin 1994) entende que a fotografia revela mais do que o olho quis retratar devido à existência de instrumentos auxiliares como a ampliação e a velocidade. “A natureza que fala a câmera é distinta da que fala o olho; distinta, sobretudo porque, graças a ela, um espaço constituído inconscientemente substitui o espaço constituído pela consciência humana” (Benjamin 1994, 94). A foto é uma imagem mágica que trabalha o consciente do fotógrafo e também um espaço de inconsciência do real.

O real demonstrado pela técnica da câmera lenta, ampliação e pelo tempo estático, uma exatidão de uma fração de segundo que é revelado na foto.

Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos (Benjamin 1994, 94)

A fotografia é incapaz de compreender o contexto em que está inserida, ou seja, acaba cedendo a uma moda e a seu valor de venda. Porém se a criatividade da fotografia “é o reclame ou a associação, sua contrapartida legítima é o desmascaramento ou a construção” (Benjamin 1994, 106), ou seja, uma fotografia construtiva a serviço também do conhecimento.

Quanto mais se propaga a crise da atual ordem social, quanto mais os momentos individuais dessa ordem se contrapõe entre si, rigidamente, numa oposição morta, tanto mais a criatividade – no fundo, por sua própria essência, mera variante, cujo pai é o espírito de contradição e cuja mãe é a imitação – se afirma como fetiche, cujos traços só devem a vida à alternância das modas (Benjamin 1994, 106)

O processo de urbanização e de industrialização transformaram a cidade e o campo, em “janelas” para produção de imagens em massa. Devido aos avanços tecnológicos, o tempo de retirar a foto diminuiu assim como o peso da máquina fotográfica permitindo que o fotografo andasse pelas cidades e campos, transformando-as em imagem.

A interpretação da imagem fotográfica assim como sua produção pelo fotógrafo irá depender de uma abordagem cultural e uma leitura de mundo de acordo com sua experiência cultural, isto é, uma representação daquilo que está ausente, mas presente no objeto fotográfico. O ato do fotografo demonstra sua consciência de classe relacionada com sua experiência em um momento histórico determinado.

A competência do autor corresponde à do leitor, porque é a competência de quem olha que fornece significados à imagem. Essa compreensão se dá a partir de regras culturais, que fornecem a garantia de que a leitura de imagem não se limite a um sujeito individual, mas que acima de tudo seja coletiva (Ciavatta 2002, 54)

Quando esta percepção da realidade é alcançada, a foto deixa de ser somente uma imagem, transformando o espectador em ativo, interpretativo e crítico da realidade.

Como outras linguagens, a fotografia expressa a compreensão pelo olhar, os modos de ver, as relações. Se a imagem acompanha a vida humana como representação da realidade, como memória e expressão da cultura de um povo, de uma época, garantia de uma visão do passado, hoje, com a comunicação informatizada, ela nos desafia a compreendê-la em novas temporalidades, como mediação complexa dos processos educativos (Ciavatta 2002)

Benjamin (1994) pontua questões pertinentes ainda hoje sobre o futuro da sociedade e o uso da fotografia. “O analfabeto do futuro não será quem não sabe escrever, e sim que não sabe fotografar. Mas um fotógrafo que não sabe ler suas próprias imagens não é pior que um analfabeto? Não se tornará a legenda a parte mais essencial da fotografia?” (Benjamin 1994, 107)

Exercício da fotografia do invisível

Como é construído o invisível no em um mundo visível? A forma crítica de olhar a realidade pode ser vista tanto na foto trajetória quanto no exercício da fotografia do invisível. O que é invisível nesse trajeto e no cotidiano? Essa invisibilidade é estimulada pelo próprio sistema ou ficamos cegos diante do nosso cotidiano?

No livro “Ensaio sobre a Cegueira”, José Saramago narra uma epidemia de cegueira branca que se espalha por uma cidade, causando um grande colapso na vida das pessoas e abalando as estruturas sociais. Talvez a cegueira proporcionada pelo próprio sistema capitalista é induzida como forma ideológica de tornar visível somente o que pode ser controlado e tornado em mercadoria.

Por que foi que cegámos, não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, queres que te diga o que penso, diz, penso que não cegámos, penso que estamos cegos, cegos que veem, cegos que, vendo, não veem (Saramago 1995, 310)

O que não é visto se torna visível na medida que a fotografia já nasce para ser vista. A reprodução técnica possui mais autonomia que a manual porque o autêntico e a autoridade do original não é preservada. Por exemplo, a fotografia permite, com método de ampliação, oferecer possibilidades de apreensão do real que escapam à visão natural, além da possibilidade de levar a cópia do original até o espectador.

A fotografia é uma imagem mágica que trabalha o consciente do fotógrafo e também um espaço de inconsciência do real. “A natureza que fala à câmara não é a mesma que fala ao olhar; é outra, especialmente porque substitui a um espaço trabalhado conscientemente pelo homem, um espaço que ele percorre inconscientemente” (Benjamin 1994, 94). Real demonstrado pela técnica da câmera lenta e ampliação, uma exatidão de uma fração de segundo que é revelado na foto.

Apesar de toda a perícia do fotógrafo e de tudo o que existe de planejado em seu comportamento, o observador sente a necessidade irresistível de procurar nessa imagem a pequena centelha do acaso, do aqui e agora, com a qual a realidade chamuscou a imagem, de procurar o lugar imperceptível em que o futuro se aninha ainda hoje em minutos únicos (Benjamin 1994, 94)

A fotografia do invisível é revelada nas fotos através do olhar do indivíduo e também dos acasos seja da fotografia ou da deriva. Podemos ver através dessas três fotos , como o invisível é representado, porém somente com uma intertextualidade é possível percebê-lo.

Figura 7 – Fotografia do Invisível – Aluna Bruna Pereira e a foto do invisível social

A foto revela um invisível social e político onde um morador de rua dorme embaixo da frase “despertar da consciência”. Algo que é visto todo dia, porém ainda se encontra invisível.

Figura 8 – Fotografia do Invisível – Foto da aluna Evellyn Amorim e o invisivel na sala de aula

A segunda foto mostra uma sala de aula vazia, onde o conceito de invisibilidade é demonstrado na ausência. Alguns alunos retratam a ausência através da morte de alguém próximo ou de algo que não está ali. A última representa uma aluna que possui o direito da gratuidade no transporte público, mas é invisível diante do motorista que não para, na grande maioria das vezes, para ela poder retorna para casa, ou seja, um direito que não é respeitado.

Figura 9 – Fotografia do Invisível – Laura Cardoso – A própria invisibilidade diante os direitos

O invisível passa a ser apreendido de diversas maneiras e a fotografia passa ser a mediadora daqueles indivíduos e sua experiência com a realidade.

A fotografia como recriação da realidade, como simulacro que é e não é, ao mesmo tempo, o objeto real, a fotografia no que mostra e no que dissimula, como conhecimento dissociado da experiência que redefine a própria realidade. (Ciavatta 2002, 16)

Entender a fotografia como mediação histórica de um processo social complexo produzido historicamente e “síntese de múltiplas determinações” é concebê-la como parte de uma memória coletiva que possibilita a apreensão da realidade social em sua totalidade, visto que totalidade “é um conjunto de fatos articulados ou o contexto de um objeto com suas múltiplas relações ou, ainda, um todo estruturado que se desenvolve e se cria como produção social do homem” (Ciavatta 2002, 132)

A mediação é a visão historicizada do objeto singular, ou seja, da fotografia, buscando contextualizá-la dentro de um espaço e tempo histórico cujas “determinações histórico-sociais que permitem a apreensão do objeto à luz das determinações mais gerais”. (Ciavatta 2002, 136). Entender o processo de representação da realidade em imagens fotográficas a partir do pressuposto de construção de sentido é apreender das práticas sociais mediadas pelas imagens na sociedade capitalista.

Extracampo e o invisível

Na linguagem cinematográfica, a definição do conceito de extracampo é realizada na relação dialética com tudo aquilo que foi enquadrado. O Dicionário de Imagem (Weschenfelder 2020, 172) conceitua “fora de campo” como tudo o que “não aparece na imagem e pode ser imaginariamente situado à esquerda, à direita, em baixo, em cima, à frente e atrás do campo’, já o ‘fora de quadro’ é o espaço reservado à elaboração da obra, à equipe técnica e a produção do filme. ” Algo que não é visto, ou seja, em um primeiro momento o extracampo é algo invisível diante dos olhos do espectador, porém com os rastros deixados pelo plano, é possível estabelecer e reencontrar os seus contextos não visíveis, em um primeiro momento.

A invisibilidade possibilita leituras, às vezes, diferenciadas do próprio objetivo da imagem. No filme Cordilheira de Amoras, o enquadramento é em uma indiazinha que cria em seu quintal, através da sua imaginação, uma realidade de uma cultura da cidade e não representativa da sua cultura. Em uma análise do plano das imagens, o que pode ser visto é somente uma menina com uma capacidade de imaginação e criação do seu próprio mundo. Mas o que está invisível nessas imagens? Qual o seu extracampo?

A busca pacífica da etnia Guarani-kaiowá por suas terras ancestrais em Mato Grosso do Sul tornou-se em um ambiente de luta e briga com latifundiários que ameaçam de morte líderes indígenas, como forma de expulsá-los da terra. (Guarani-kaiowá: “estrangeiros em nosso próprio país”) Os índios são mortos por pistoleiros contratados pelos latifundiários, na frente das crianças e jovens como forma de amedrontar a etnia.(Retomadas Guarani Kaiowá acumulam ataques recentes com destruição, feridos e morte) A luta (Em vídeo de ataque, indígenas Guarani Kaiowá acusam Força Nacional de atirar contra retomada) mobilizada pelos Guarani-kaiowá tem como objetivo a sua não extinção e a manutenção de sua cultura diante da apropriação das suas terras pelos latifundiários.

A imagem mostra o quintal de uma casa em construção que pode significar que a família acabou de chegar de alguma mudança. Essa mudança teria sido feita porque a família foi expulsa e estão agora nesse novo lugar? A imagem não revela, pois, o seu recorte é a imaginação da menina. O extracampo, nesse caso, só pode ser visto com reportagens da época que mostram o massacre sofrido pelos índios. O estabelecimento da relação dialética do campo com o extracampo permite criar outros significados para além do que as imagens aparentes revelam.

Uma índia em um quintal de uma casa que está sendo construída demonstra primeiramente algo estranho e incomodo porque simbolicamente essa casa não é típica da sua cultura, contudo, na relação com a “imagem” das reportagens é possível produzir uma leitura que a família daquela índia foi expulsa do seu território e está se instalando naquele ambiente. Os elementos dos tijolos simbolizam que é recente essa mudança e a família está em processo de adaptação ao novo lugar. A contradição do “novo” ambiente da índia é reforçada pelas referencias imaginadas por ela. Toda imaginação dela é composta pela cultura da cidade e influência europeia e americana de casa.

O espaço enquadrado pela câmera permite uma mobilidade diante da representação da imaginação da índia. Um olhar visível diante da invisibilidade da representação das imagens. Através do olhar da diretora Jamille Fortunato e sua cumplicidade com a índia Carine Martines produziram imagens de uma cultura que sofre um genocídio histórico de sua população. Não sabemos o porquê a antiga casa tem agora outro dono e como foi esse processo, porém podemos entender a partir da história, como a imposição cultural e percepção de mundo estabeleceram nessa população indígena. As imagens ganham força na relação da fala da índia com seus objetos, sua casa, e o invisível se torna visível na medida em que o curta observa um cotidiano de uma criança no quintal de sua casa real e seu imaginário construído.

Olhar para o invisível é ir para além do que as imagens estão mostrando, seja o seu extracampo sonoro, imaginário, social ou histórico permite a visibilidade de questões que são dispositivos para uma problemática mais ampla. Talvez a proposta da índia “vamos fazer um filme invisível” seja nessa direção em uma outra análise, fazendo com o que o “mal não vença no final” e a questão seja maior divulgada e defendida com a ajuda do cinema. O quintal como metáfora do mundo, invisível na imagem, porém visível na relação com a sociedade que ela foi produzida. Apesar do filme ser produzido em 2015 e algumas reportagens de 2019, mostram o conflito permanece historicamente. Desde a década de 1990 os índios habitam lugares diversos por serem expulsos de sua terra de origem.

Conclusão

O que se torna visível quando olhamos para uma imagem? Como a imagem cinematográfica se relaciona com o que está fora dela? A sua aparência revela o que está diante dos nossos olhos, porém esconde as suas relações invisíveis fora dela. A perda cultural da indiazinha explicita na sua capacidade criativa e representativa sobre o mundo real urbano dos adultos com shoppings, salão de beleza, computador e televisão. O conto de fadas é europeu com Chapeuzinho Vermelho e Os três porquinhos. O estranhamento proporcionado pelo extracampo invisível nos coloca diante de uma relação de identificação ao mesmo tempo de estranhamento.

O exercício da Fotografia do Invisível aproxima o aluno ao extracampo fotográfico e sua relação de representação e denúncia. O invisível, em grande parte, está relacionado diretamente ao social e sua invisibilidade, o que não vimos quando passamos na rua, por exemplo. Na invisibilidade do povo Guarani-Kaiowá, desde dos anos 1990 habitam a beira da estrada BR-163, estrada longitudinal que liga o Rio Grande do Sul ao Pará, atravessando celeiros do agronegócio.

A sua invisibilidade é a mesma da foto retirada pelo aluno, em um contexto urbano, de pessoas a margem da sociedade. Se torna visível em um filme que representa uma imaginação de uma índia fora do seu contexto cultural e com uma imaginação reprodutora de uma cultura que não é sua de origem. O estranhamento dessas imagens acaba sendo um dispositivo para a busca do seu extracampo social, permitindo ao encontro do significado não aparente das imagens. É necessário que o invisível se torna visível na medida que o contexto social necessite. Um filme ou uma foto que mostra uma invisibilidade através do seu extracampo social permite que aquela imagem, síntese de múltiplas relações, sociais e culturais, represente a realidade e permita uma visibilidade dos fatos. O interessante que a fotografia do invisível, a própria invisibilidade está visível na foto.Sua aparencia é esconde mas ao mesmo tempo revela o seu objetivo.

Referências

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