Abstract
This paper analyzes the process of creating, producing and broadcasting a children’s animation trilogy on social issues related to the pandemic of the new coronavirus, reflecting the potential of what Francis WOLFF (2005) calls “opaque images”. Starting from Paul WELLS’s (2013) notion of development animation - according to which the oscillation between the abstract and the representative and between the experimental and the narrative can be fruitful for the audiovisual language - our analysis is centered on technical diversity and plastic possibilities that were established in the production of the titles “Social Detachment e affectivity”, “Food and Immunity” and “Quarantine’s Rap” carried out by the experimentation group in animation of the Audiovisual Extension Project of the Federal University of Espírito Santo. In this process, the transdisciplinary work in the areas of design, music and cinema addressed issues related to the pandemic of the new coronavirus to address contemporary social reality, treating the image as an imaginative capacity and technical expression. In this way, the 2D animation technique proved to be a fundamental tool for reflection on the modeling of the real in the current context of the flow of iconophagic images (BAITELLO, 2014) in relation to the human will to express movement through the art(s).
Keywords: Animation, Opaque images, Children content, Coronavirus, Laboratorial production.
Introdução
Este trabalho analisa o processo de criação, produção e veiculação de uma trilogia de animação infantil sobre questões sociais relativas à pandemia do novo coronavírus, tendo como norte reflexivo a potencialidade do que Francis WOLFF (2005) chama de “imagens opacas”. Partindo da noção de Paul WELLS (2013) sobre development animation – segundo a qual a oscilação entre o abstrato e o representativo e entre o experimental e o narrativo pode ser profícua para a linguagem audiovisual – nossa análise é centrada na diversidade técnica e de possibilidades plásticas que se instauraram na produção dos títulos Distanciamento e afetividade, Alimentação e Imunidade e Rap da quarentena realizados pelo grupo de experimentação em animação do Projeto de Extensão Núcleo de Produção Audiovisual Janela da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Neste processo, o trabalho transdisciplinar das áreas do design, da música e do cinema abordou questões relativas à pandemia do novo coronavírus para tratar a realidade social contemporânea, tratando a imagem como capacidade imaginativa e expressão técnica. Nesse sentido, a técnica de animação 2D se mostrou como ferramenta fundamental para a reflexão sobre a modelagem do real no atual contexto do fluxo de imagens iconofágicas (BAITELLO, 2014) em relação à vontade humana de expressar o movimento através da(s) arte(s).
Para o autor, é urgente que se pense no consumo patológico de imagens, um consumo imobilizante que não permite que a imagem nos mobilize politicamente em relação ao que é humano na mesma medida em que não humaniza informações vitais para nós como sujeitos e grupos sociais. Segundo ele, a reprodutibilidade inflacionada levou à uma visibilidade tão intensa que esvaziou a potência reveladora das imagens, ou seja: os signos se tornaram obsoletos. Esse abuso cometido contra o olhar é também um ataque contra a permanência dos signos e sua função culturalmente agregadora.
Ora, conferir sobrevida implica desafiar e negar a morte. Desafiar e negar a morte pressupõem uma convivência com o medo, implica viver sob o signo do medo.. assim, imagens são, por natureza, fóbicas. Evocam e atualizam o medo primordial da morte, uma vez que elas foram feitas para vencer a morte. O medo da morte é o que nos conduz a emprestar a vida e a longa vida aos símbolos. Pois é em sua longa vida que prorrogamos e prolongamos a nossa própria vida, simbolicamente. (IBIDEM: p.24)
Porém, no contexto do descontrole do valor de exposição, as imagens são devoradas por outras imagens, num processo iconofágico alimentado por uma “gula” imagética. Citando Walter Benjamin, o autor aponta que a utopia da distribuição do conhecimento pela “politização estética” foi substituída pela grandiloquência fascista da “estetização da política” (p.20). É essa potência das imagens que buscamos resgatar na produção da trilogia de filmes de animação experimental para a expectorialidade infantil. Uma trajetória construída no LabVídeo da UFES pelo projeto de extensão carinhosamente apelidado de “Janela”.
Devorar imagens ou decifrá-las?
Imersos em um incontável número de imagens, constatamos que o fluxo audiovisual de nossa época se intensificou no contexto da pandemia do novo coronavírus. Por um lado, a produção e o compartilhamento de conteúdos chamados de “fake news” apontam para as consequências graves do consumo desordenado de imagens: a crise nos sistemas de crenças leva os sujeitos a consumirem informações que provocam adoecimento e até morte. No Brasil, isto se verifica no negacionismo de boa parte da população em relação às orientações e alertas feitos por infectologistas nacionais e internacionais e pela Organização Mundial da saúde (OMS): a recusa ao uso de máscaras de proteção em locais públicos e nas interações sociais; a insistência em participar de eventos nos quais há a aglomeração de pessoas em ambientes fechados e em lugares abertos; o consumo indiscriminado de medicamentos ineficazes para a prevenção da covid-19; e a falta de um pacto social nacional referente à imunização pelas vacinas são exemplos.
Por outro lado, foram as telas, em sua multiplicidade, que garantiram a interação social na necessária condição de distanciamento físico como medida fundamental de combate à pandemia. Das chamadas pessoais em vídeo através de aplicativos de mensagens ao consumo on demand de telenovelas antigas e das videoconferências profissionais aos milhões de seguidores dos influenciadores digitais, a imagem permitiu que, ao redor do planeta, idosos solitários fizessem contato com seus parentes, utopias fossem resgatadas, aulas pudessem ser ministradas e o combate à desinformação se tornasse um chamado ético. Para a pesquisa acadêmica, intensificou-se a questão: o que são e para que existem as imagens?
WOFF (2005) já nos aguçava esse questionamento. Indagando a especificidade das imagens atuais e seu poder em nossas sociedades mercantis, o autor sonda as ilusões que nossa época engendra. O que o interessa é o poder das imagens em geral sobre a humanidade, qualquer que seja o momento histórico ou civilizatório: só assim poderíamos perceber e avaliar as singularidades das ilusões engendradas pela imagem.
A princípio, a onipresença das imagens na vida atual teria diminuído sua força, seu impacto. Saturado de expressões, o mundo passou a se apresentar a partir de um realismo mimético cuja intensidade é cada vez maior, o que faz com que o hipernaturalismo gere uma atmosfera de irrealidade. Nesta nova dinâmica social, o individual e o irrepetível manifestam-se como uma junção de signos e testemunhos. Isso produz uma espécie de racionalidade sem falhas e uma perfeição desrealizante e indiferenciadora que reduz o outro ao mesmo. Tida como real(ização), a imagem não pode mais imaginar (BAUDRILLARD: 1996).
A tecnologia, então, parece ser a alternativa mortífera à ilusão, “solucionado” o mundo pela simulação técnica e pela profusão de imagens. Visualizada em vez de olhada, vida passa a ser comandada por uma forma de existência criada pelo mercado: a do bios midiático (SODRÉ: 2001), uma nova forma de vida à forma de vida dos três bios aristotélicos (forma de vida do conhecimento, forma de vida da política e forma de vida dos prazeres). Ressaltando as habilidades técnicas do homem, essa nova forma de vida vincula-se a uma consciência tecnológica que faz com que, no campo social, as relações tenham que passar pelas tecnologias.
Nessa conjuntura, o comum é produzido por tecnologias de distribuição de informações e por organizações de mídia num espaço sem território, isto é, sem a predominância de marcações humanas ou simbólicas. (...) O ‘comum’ [grifo do autor] é ampliado por computação, telecomunicações e mídia, aumentando a exterioridade técnica do homem e reduzindo a dimensão do simbólico e da linguagem. (SODRÉ: 2006).
Rápida, sintética e dada a maniqueísmos, a mídia se constitui como ágora do imaginário popular. Mesmo com a segmentação, a especialização e a customização promovidas pela produção hipertextual e o consumo dos gadgets, muitos referenciais coletivos tendem a ser simplificados em nome da apreensão do real. A escolha subjetiva entre as ofertas do mundo parece não ser mais necessária, uma vez que todos os eventos do mundo já estão disponíveis e hierarquizados.
Isso nos aponta para o que diz BAUDRILLARD (1996), quando o autor afirma que a vida se tornou um ritual ordinário da transparência. Para ele, a liquidação do referencial pelo virtual, a eliminação do outro, a eliminação das singularidades e a nossa própria eliminação são as cenas de um crime perfeito: a morte do sujeito e o fim do social. A perplexidade provocada pelo outro é banida por uma sociabilidade marcada pelo sacrifício de dados considerados irrelevantes, e isto se dá por meio da busca pré-programada que exibe e hierarquiza velozmente a convencionalidade de símbolos-chaves. O indivíduo contemporâneo constrói uma identidade como um manto de Penélope em um processo através do qual uma evocação (e não uma analogia) contínua deixa de ser feita pela ilusão vital (subjetiva, interpretativa) e sim pela ocorrência hierarquizada. Artificial e totalitariamente catalogado, o mundo é rememorado através de chaves de acesso socializadas pela mídia – uma codificação que vai esvanecendo a interpretação subjetiva do que nos é externo em nome da conversação barulhenta. E o homem, na qualidade de produtor de sentido que o escreve e inscreve, é eliminado.
Todos recebem o mesmo tipo de informação, não importa onde esteja. Ora, nessa situação, todo diálogo se torna redundante. Já que todos disporão de informações idênticas, nada haverá a ser autenticamente dialogado. Nenhuma troca de informação é possível. Os diálogos telematizados não são conversações, mas conversas fiadas. (FLUSSER: 2008, p. 113)
Telematizada, a experiência passa a ser tematizada pelas telas: propostas pelo “à distância” (significado de “tele”), os modos da experiência socializada como que assumem um tom de discurso indireto livre. A analogia com esta estrutura reprodutiva da enunciação se dá por sua caracterização como forma que faz com que narrador e personagem coincidam. Emerge daí uma fala uníssona que pode se caracterizar como discurso velado, mímico, cênico, revivido ou representado que “pressupõe duas condições: a absoluta liberdade sintática do escritor (fator gramatical) e a sua completa adesão à vida do personagem (fator estético)” (VITA apud CUNHA: 2013, p.656). Sem ter que se preocupar com as regras combinatórias que permitem a expressividade, a consciência tecnológica se dá em uma sociedade de indivíduos cujas experiências são prescritas pelas possibilidades de visualização oferecidas pelas telas tradicionais e pelas telas dos gadgets.
Os problemas técnicos da telemática não são interessantes para quem estiver interessado no impacto existencial e social desses ‘gadgets’ [grifo do autor] todos (...). O que caracteriza a revolução cultural atual é precisamente o fato que os participantes da cultura ignoram o interior das “caixas pretas” que manejam. (...) Os problemas técnicos da nova cultura podem ser desprezados e relegados a especialistas: eles resolverão todos os problemas, formulados precisamente de maneira a poderem ser resolvidos. O desprezo pela técnica que sustenta a nova situação cultural está inscrito no seu programa. (FLUSSER: 2008, p. 108-9)
Como o que importa não é a estrutura dos suportes técnicos mas sim a estrutura que emerge das relações com eles, infere-se o questionamento sobre como o universo das imagens técnicas, atrelado ao intrínseco desaparecer dos meios e instituições tradicionais, engendrará a tessitura do social. Nesse sentido, é importante assinalar que a programação, neste universo, guarda analogias com as ideias de agendamento da vida midiatizada e da espetacularização a ela associada. Fazer tudo sob a forma de imagens e viver através das imagens não significa, necessariamente, atuar sobre elas nem por meio delas em nome da comunicação: em relação à imagem, é preciso agir através dela, penetrando sua superficialidade de código para que nela haja a inscrição de algo comum e não apenas generalizante (FLUSSER: 2009).
Sob uma perspectiva apocalíptica extrema, o aparato técnico, social e midiático que engole o homo sapiens e o homo faber nos daria a ver que SARTORI (2001) chama de homo videns, para o qual a imagem é “uma substituição que derruba a relação entre o ver e o entender” (p.22). Mais que isso, a primazia da imagem levaria a um ver sem entender e teria como um de seus poucos aspectos positivos o entretenimento que oferece ao homo ludens. WOLFF (2005) concorda: “a imagem é irracional” (p. 25), ele diz. SARTORI (2001) não só difere radicalmente a imagem da escrita como também afirma a supremacia desta sobre a primeira e inviabiliza o pensar engendrado pela percepção dos sentidos. Ele aponta a importância de a imagem ser um o apagamento dos conceitos, que são produzidos exclusivamente pela escrita do texto e atribuidores de sentido ao que é visto.
Imagens opacas
A ilusão imaginária apontada por WOLFF (2005) é, paradoxalmente, a crença de que as imagens não são imagens e a crença de que elas são produzidas por aquilo que elas reproduzem. Se a imagem começa a partir do momento em que não vemos mais aquilo que imediatamente é dado no suporte material, mas sim outra coisa que não é dada por esse suporte, ela é representação e produz certos aspectos da aparência visível. O autor assinala que para melhor representar é preciso não se assemelhar tanto, apesar de haver um vínculo direto entre representante e representado.
Mestra da ausência, a imagem a evoca de três formas: sobre o que está acidentalmente ausente; sobre o que está irreversivelmente ausente; e sobre o que está absolutamente ausente - aquilo que nunca pode, que jamais poderia e que jamais poderá estar presente porque é ausente deste mundo. Segundo esta última característica, a imagem tem o poder ou a pretensão de representar aquele que não pode absolutamente estar presente. Ela tem o poder de representar o invisível: esta é, de acordo com WOLFF (idem), a maior ambição da imagem, sua maior ilusão. No caso anterior a esse (o do irreversivelmente ausente), a imagem é também possibilidade de dar vida dos mortos: ela produz ilusão. O mecanismo da imagem é, então, encarnar, animar.
É preciso diferenciar o poder real das imagens e a ilusão imaginária que esse poder engendra. Para WOLFF (Ibidem), a ilusão não consiste em crer que as imagens se confundem com a realidade: a ilusão está em achar que é o próprio ausente que se apresenta na imagem; está em olharmos a imagem e não a vermos; está na transparência que só nos deixa ver o que está ausente e que não nos permite ver a imagem deste ausente. A imagem transparente é a que não se deixa ver como imagem.
Em que condições uma imagem pode se tornar opaca e deixar de criar a ilusão imaginária?
A imagem opaca mostra alguma coisa ao mesmo tempo em que se mostra como representação dessa coisa: mostra o que representa e também mostra que representa. Aqui, uma imagem é sempre a intenção em relação a alguma coisa, é vontade de incidir, é objetivo. Codificar algo em imagem é a busca de ultrapassar as distâncias monádicas em nome do vínculo que é a comunicação. Por isso, não ver que imagens são fabricadas e não perceber este trabalho de produção é não enxergar as imagens como imagens. É, portanto, na opacidade que operam as deformações criativas. E isto se dá dando na produção como no consumo das imagens. Enxergar a realidade através de sua representação é pensar, questionar, co-produzir, alterar: é com-figurar. Instaura-se, assim, a necessidade de indisciplinar as cenas nas quais a transparência das imagens nos coloca em contato com o mundo e com os outros.
Em um mundo cuja segunda natureza é ser codificado, é a imagem que dá à realidade o poder de criá-la. Isso equivale a dizer que não é a imagem que “inventa” a estrutura da representação: é a trama que emerge entre realidade e imaginação que dará a ver como as representações em imagens são estruturadas e estruturam vínculos, sociabilidades, significância, comunicação. Juntamente com ela, há o código verbal, que estrutura as representações textuais. Ambos são, para FLUSSER, “truques” que o homem inventou para acumular informações adquiridas (2009 B: p. 93).
Texto e imagem seriam, assim, a magia que emerge dos truques inventados pelo homem? A pergunta, evidentemente, é retórica. Mas ela nos sensibiliza a pensar em como as vinculações que caracterizam a comunicação são, em verdade, tramas que nos colocam em relação. Inventamos “truques” (códigos) para que possamos viver o outro e ser experimentados por ele: a magia está na intersubjetividade deste processo que é o que nos liberta da condição solitária essencial. A produção do vínculo que se dá (ou não) pelos processos de codificação deve, por isso, ser o equilíbrio entre discurso e diálogo ou entre sintática e semântica ou entre forma e mensagem.
Mostrar, ao mesmo tempo, a realidade representada e a realidade da representação: esse é, segundo WOFF (2005) o destino que desejamos a todas as imagens. Mais importante que termos menos imagens ou mais imagens seria, então, termos menos imagens transparentes (que pretendem mostrar o real enquanto se escondem) e mais imagens opacas. Importante é perceber o quanto podemos nos compreender como humanos quando nossa própria humanidade produz sua desmaterialização pela mera informação.
É preciso construir olhares.
Da opacidade das imagens à animação experimental
As provocações acerca do que podem e não podem as imagens, apresentadas por Woff (2005) e discutidas acima, se conectam diretamente com a definição de Wells (1998) sobre os diversos moldes de uma obra de animação, em especial quando tratamos da opacidade da imagem e do cinema experimental de animação, ou seja, daquelas que são e declaram que são. Das que não se escondem na transparência, das que se mostram enquanto imagens e animação, das que, ao ocuparem espaço de representação, nitidamente revelam a ausência daquilo que elas representam.
Para fins de tornar evidente o que aqui se pretende, recorreremos a Wells (1998) para expormos os contrapontos entre animação ortodoxa e animação experimental, atravessando também o conceito de developmental animation, que se localiza no espaço de transição entre uma e outra definição. Para Wells (1998), a animação ortodoxa é aquela produzida de modo semelhante ao processo de fabricação fordista, onde há um molde e uma execução de tarefas esvaziadas de qualquer marca de autoria por partes dos artistas e animadores, cuja única função, neste processo, é a réplica perfeita, exata e simétrica de um produto dentro da linha de produção. É essa a lógica, por exemplo, dos estúdios Disney e do modelo seriado de animação presentes nos canais multinacionais de televisão. Para além do modo de fazer, um pilar central que caracteriza o modelo ortodoxo de animação é sua redenção ao discurso dominante de representação das imagens, é sua pretensão de, mesmo na impossibilidade de ser, reproduzir o realismo do cinema de live-action, da figura humana, seja em seus traços estéticos ou na movimentação/articulação de suas personagens.
Como antítese do modelo ortodoxo, Wells (1998) elabora uma proposta para definição do modelo experimental de animação. Para ele, diferente do modelo ortodoxo, a animação experimental “abarca um grande número de estilos e abordagens que inevitavelmente se cruzam com o que se pode chamar por vanguarda ou filmes de arte.” (p. 42-28). Dessa forma, enquanto o modelo ortodoxo pretende aproximar-se da imagem “real”, a animação experimental flerta com as artes plásticas e em toda sua gama de subjetividade evidencia a si mesma declarando sua opacidade.
No entanto, ao elaborar uma proposta para a clara definição do que ele chama de animação ortodoxa e animação experimental, Wells (1998) elenca características que são próprias a cada uma dessas proposições e, ao fazer isso, traz à tona o conceito de developmental animation, que se localiza, como apontado anteriormente, no percurso entre as outras duas formas. É, então, no confronto entre uma e outra proposição que se desenvolve o processo de criação de uma obra de animação, negociando entre os conceitos opositores as características que de uma e de outra proposta irá se utilizar.
A proposição de Wells (1998) contrapõe a animação ortodoxa da experimental. Para Wells, o ponto de transição entre esses dois modelos é mais recorrente do que uma obra puramente ortodoxa ou puramente experimental. A partir disso e das proposições de de Wolff (2005), entendemos que a classificação de obras ortodoxas ou experimentais de animação se dá por por suas estéticas e textualidades e também por suas pretensões de transparência ou opacidade das imagens.
A criança enquanto público-alvo ativo e multiplicador
Durante um certo período de tempo, a criança foi vista por partes dos estudiosos como uma audiência passiva e inerte frente aos conteúdos a ela direcionados nas telas com as quais tinha contato e, em especial, na televisão. Essa perspectiva, no entanto, foi esvaziada de sentido quando novos estudos não só passaram a entender as espectatorialidades infantis como ativas, dentro do processo de recepção, mas também como negociadoras de sentido a partir de usos e apropriações dos textos por elas consumidos.
As crianças selecionam certas coisas de uma ampla gama de conteúdo disponível e interpretam os textos de mídia de uma maneira particular. Eles fazem uso de algumas coisas oferecidas pelos textos de mídia que eles escolheram e interpretam esses textos através da lente de sua vida cotidiana. O conteúdo selecionado e interpretado pode se tornar parte de sua auto representação, comunicação, fantasias, visão de mundo e assim por diante. (GOTZ, 2014, p.2)
Trazendo para o centro da discussão a relação das crianças diante de obras de animação, Pereira & Peruzzo (2020, p. 8) apontam que, neste processo de recepção, a criança não é “um mero receptáculo diante do arcabouço de imagens e sons produzidos pelas animações, mas um ser crítico e criativo que transita entre seu mundo real e o imaginário e internaliza, imita, dramatiza e aprende.”. Indo além de tais apontamentos, entendemos que a criança ao interagir e apropriar-se de tais textualidades as incorporam e as dividem com os demais sujeitos que cerceiam suas vivências – mães, pais, tias, avós, primas, primos e amigos. Desta forma, a criança torna-se um potente agente multiplicador dentro de uma rede de comunicação, seja ela física, como o espaço escolar e/ou residencial, ou virtual, como as redes sociais nas quais compartilham suas experiências.
Desse modo, além de pensar o consumo de desenhos e de outras animações pela criança como uma modalidade de entretenimento, no âmbito do lar, nas escolas e nas salas de cinema, cabe reconhecer seu potencial desencadeador de processos comunicativos e de geração de conhecimento, além dos valores formativos e informativos embutidos nos enredos dos audiovisuais. (PEREIRA; PERUZZO, 2020, p.10).
A partir de tal constatação, decidimos mirar na criança como público-alvo da ação, internamente chamada por Coronavídeo, que teve por objetivo central a sensibilização e formação científica e social do público infantil diante da pandemia do novo coronavírus (SARs-Cov-2). Para tanto, decidimos também realizar recortes fragmentários a partir das faixas etárias por entendermos que a comunicação com a criança deve respeitar suas distintas capacidades de identificação, associação e negociação dos textos que a elas se dirigem de acordo com suas vivências e experiências. Dessa forma, surgiram as personagens Duda, uma criança de oito anos de idade, sem gênero definido; Anahí, uma garota indígena, com dez anos de idade, bastante conectada com as tecnologias digitais e formas de comunicar; e Zeca, o MC Cuida, um garoto negro, com doze anos de idade e talento musical aguçado, que através da música compartilha com seu público uma mensagem acerca do genocídio da população negra pelo Estado brasileiro no contexto da pandemia do coronavírus.
Ação Coravídeo – Ano 0: processo de criação e trabalho colaborativo na experimentação laboratorial
Na segunda quinzena do mês de abril de 2020, ocorreu a primeira reunião do grupo que, naquele momento, era constituído por dois docentes, dois técnicos e dois discentes do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo. Nesta primeira reunião, nossos esforços se voltaram para uma compreensão coletiva sobre a situação na qual nos encontrávamos e ali iniciamos uma discussão sobre os impactos da pandemia na vida cotidiana da população no curto e longo prazo. Ainda era, então, limitado o conhecimento acerca do novo coronavírus e suas mutações e variantes só se tornariam públicas, em território brasileiro, no segundo semestre daquele ano.
Ainda na primeira reunião, decidimos coletivamente pela manutenção de uma rotina de encontros semanais, que alternaram-se entre as quartas e sextas-feiras. Em nosso segundo encontro, já pensamos na criança como público-alvo de nossa ção e entendemos que, devido às dinâmicas do trabalho remoto, a animação seria a técnica a ser utilizada, já que não demandava que, necessariamente, estivéssemos no mesmo ambiente de trabalho. Ali, dedicamos nossa atenção a traçar temas centrais a serem abordados em nossa animação: higiene e cuidados básicos, alimentação e novas dinâmicas de afeto e comunicação. Elencados em três tópicos distintos, porém correlacionados, o trabalho se dividiria também em três vídeos. A partir disso, o artista André Ramos, aluno do curso de Cinema, bolsista do LabVídeo e integrante desta ação, foi o responsável pelo design das personagens a protagonizarem as três animações. Abaixo exibimos o primeiro rascunho das personagens pré-definidas.
A escrita dos roteiros ficou a cargo do professor Arthur Fiel, cujas pesquisas e trabalhos externos têm como principais objetos os conteúdos audiovisuais direcionados às infâncias, suas estéticas e narrativas. Assim, foram originados os textos que deram ação às personagens Duda, Anahí e Zeca, o MC Cuida. A criação dos textos e das personagens mirou a infância não como um conceito singular, mas como uma vivência plural, uma vez que o grupo entende a diversidade da infância e pluralidade das vivências infantis de nosso país, atravessadas pelas categorias de gênero, raça e classe.
A primeira personagem a ser trabalhada, Duda, é uma criança roxa, sem gênero definido, que tem seu aniversário de oito anos de idade impedido de ser realizado em espaço físico devido à pandemia do novo coronavírus. Duda, no entanto, recebe de sua avó uma chamada de vídeo lhe parabenizando pela nova idade. Esta personagem, desde sua concepção, carregou como palavra-chave o verbo afetar e ficou a seu encargo desenvolver a trama com o tema Distanciamento e Afetividade, a partir da celebração de seu aniversário através da interatividade característica de nossa contemporaneidade. Assim, para além de sua avó, Duda é surpreendida por uma chamada coletiva de suas amigas e amigos da escola, da qual sua avó também participa.
A segunda animação desenvolvida pelo grupo tem como protagonista a personagem Anahí, uma garota indígena de dez anos de idade, bastante conectada às novas mídias e dona de um canal de internet no qual compartilha pequenas doses de sua vida. Diante da pandemia, Anahí resolve compartilhar com seus seguidores pequenos ensinamentos sobre como a alimentação ajuda o corpo a se manter saudável e forte para enfrentar seus inimigos. O vídeo protagonizado por Anahí é intitulado Alimentação e Imunidade. Nele, a garota reage a interações, comentários e dúvidas de seus seguidores deixados em um outro vídeo do canal. Aqui, incorporamos a dinâmica comunicacional do Youtube como modelo a ser reproduzido, dada a presença da plataforma na vida cotidiana das crianças.
O fluxo de trabalho das animações de Duda e Anahí ocorreram de forma bastante semelhantes. Cada uma delas levou cerca de dois meses para ficarem prontas, após o início da produção – do conceito de cada obra à finalização. Apenas a terceira animação, a ser explicada adiante, teve um processo mais demorado de realização, devido às suas características próprias de linguagem e formato.
O principal elemento que diferencia o processo de criação da terceira animação, protagonizada pelo personagem Zeca, o MC Cuida, é que sua criação textual tem por base uma letra musical e não necessariamente um roteiro cinematográfico tradicional. Este trabalho diferencia-se dos demais também devido ao seu processo de criação ter sido mais demorado e maior, em termos gerais. Para sua realização, além dos membros já presentes na equipe do Coronavídeo, ingressaram no grupo o aluno de Cinema e Audiovisual Igor Barbosa, cursista do quarto período, e a mestranda em Química Ariel Velten, que desempenharam funções essenciais neste trabalho. Igor assinou a direção de arte e colagem desta animação, substituindo a aluna Marcela Mantovaneli. Ariel, que em seu mestrado trabalha com a potencialidade do uso dos audiovisuais no ensino da química, encontrou no grupo espaço para amadurecimento e aprendizado, na função de Assistente de Produção.
Para além destas duas novas inserções, o trabalho desenvolvido nesta animação também contou com o apoio de outros artistas colaboradores, Ygor Dias, estudante do curso de Artes Visuais da UFES, e Erick Augusto, estudante do curso de Artes Visuais da Universidade Federal da Bahia (UFBA), ambos homens negros, que desenvolveram ilustrações homenageando as crianças citadas na letra da música, vítimas fatais da violência policial do Estado brasileiro.
Por se tratar de um videoclipe animado e por necessitar também de uma produção musical, foram convidados a integrar esta ação membros do projeto de extensão Grupo de Experimentação Sonora da UFES, coordenado pelo professor Marcus Neves. Além dele, passaram a integrar a equipe os discentes Giuseppe Cavatti, na produção musical, e Dyone Cipriano, mulher negra que deu voz ao protagonista Zeca. Ambos trabalharam com a colaboração do técnico em audiovisual do LabVídeo, Ramon Zagoto.
Através da leitura da decupagem, foi realizada a busca por imagens em três acervos públicos – pexels, unsplash e pixabay. Posterior à seleção das imagens, houve um alinhamento às noções estéticas pretendidas pelo grupo para a representação dos signos e símbolos a serem incorporados no videoclipe, a exemplo das bocas expostas nos primeiros segundos do vídeo, que representam diversas formas protesto, silenciamento e violências simbólicas em nosso país. A partir de um processo bastante dialógico, entre artistas e membros da equipe, chegamos ao resultado evidente no videoclipe, no qual a direção de arte e colagens realizadas pelo estudante Igor Barbosa, potencializam a mensagem e estética desta obra, fornecendo a ela elementos ricos em criticidade.
As animações do projeto CoronaVídeo foram concebidas em 2D, ou seja, duas dimensões, sendo elas: eixo “x” e “y” (largura e altura, respectivamente), não contendo, porém, o eixo “z”, relativo à profundidade e que é característico de uma animação em 3D.
O software de animação utilizado (nas três animações) foi o Blender, em sua versão 2.82. Este software se tonou software de código fonte aberto em 2002 e sua versão 2.82 é de fevereiro de 2020. A vantagem de utilizar os chamados “softwares livres” não se limita à gratuidade. Além de podermos utilizá-lo a custo zero, também é possível copiá-lo e modificá-lo de forma ilimitada. No contexto do trabalho remoto, poder carregar um mesmo software em vários computadores é essencial – nos softwares comerciais, só é possível fazer isto em uma única máquina. Além disso, a possibilidade de modificar o programa proporciona, no ambiente de experimentação acadêmica, inestimáveis trocas pela interdisciplinaridade – como, por exemplo, entre a Comunicação Social e a Informática.
Na animação de Zeca, o MC Cuida, a ferramenta “Boones” permitiu a criação de uma estrutura articulada para o personagem, cujos movimentos corporais frontais foram feitos quadro a quadro. Para isso, o técnico do LabVídeo, Geraldo Baldi, recobriu movimentos reais de um corpo humano andando com partes desarticuladas do corpo do personagem desenhado pelo estudante bolsista do Projeto de Extensão Núcleo de Produção Audiovisual Janela, André Ramos. Para a animação da cabeça dos personagens da segunda e da terceira animações, o áudio foi utilizado: no Blender, todos os parâmetros podem ganhar movimento de acordo com a frequência da música e o ritmo do texto dublado. O mesmo foi feito para a movimentação labial do personagem Zeca. Tendo como referência a série de animação South Park, seis movimentos bucais foram desenhados para, posteriormente, serem articulados pelo áudio. Todo este trabalho foi realizado em um fundo verde, substituído, durante a etapa de composição, pelos elementos fornecidos pela direção de arte e pelas colagens do estudante Igor Barbosa.
A composição da animação foi feita pelo técnico em audiovisual Ramon Zagoto. Ela é o resultado da combinação de múltiplas camadas de imagens, que podem ser fotos, vídeos, gráficos, letterings ou quaisquer elementos visuais digitais (neste caso, em 2D) que serão animados de forma individual e posteriormente renderizados em vídeo. A técnica de composição em camadas nos possibilitou a fragmentação do processo de produção em etapas e equipes que puderam trabalhar de forma remota e independente.
Com os principais elementos gráficos prontos, foi possível iniciar a etapa de composição, que, em um primeiro momento, resumiu-se à combinação de personagens e cenários em um único espaço-tempo (timeline sequence). Depois de animados em cut-out de acordo com o áudio-guia dos diálogos, os personagens foram então enviados ao compositor já em formato de vídeo em alta resolução com um fundo em green screen para que fossem recortados usando ferramentas de chroma-key. Dentro dos softwares de edição e composição pudemos isolar esse personagem e reajustar sua escala e posição de acordo com a chegada dos demais elementos da composição, como cenários, objetos de cena e inserções gráficas. Os cenários e objetos de cena foram criados utilizando diferentes técnicas: desenho manual, desenho digital, motion graphics, recorte e colagem de fotografias digitais e recorte de stock footage com green screen.
O estilo de animação adotado na etapa de composição foi o pose-to-pose. O princípio da animação pose-to-pose consiste na marcação de posições-chave ao longo da linha do tempo da animação (keyframes) para cada elemento em movimento, sendo que o intervalo de transição entre essas posições era completado automaticamente pelo motor de renderização do sistema.
Os softwares-base utilizados para a composição das animações foram o Première Pro e o After Effects, além de mais dois softwares auxiliares, o Photoshop e o Illustrator, todos da Adobe. A opção por estes softwares se deu pela facilidade de interconexão entre eles, o que economiza tempo de trabalho quando são necessárias alterações em arquivos gráficos produzidos fora do projeto de composição final.
Por se tratar de um projeto de animação experimental, houve muita liberdade de criação em todas as etapas, mas sobretudo na etapa de composição. Apesar de todos os vídeos terem um storyboard previamente aprovado, não estávamos completamente presos a ele, sendo a contribuição criativa dos artistas envolvidos em cada função ao longo do processo muito valiosa para a construção do resultado final.
Devido ao modo de trabalho do nosso grupo e suas próprias categorias socioculturais, atingir em massa o público-alvo, durante a finalização de cada episódio da ação, se mostrou um grande desafio. Diante disso, após a finalização do último vídeo, Cuidado e Alteridade – Rap da quarentena, e sua veiculação na live de lançamento das ações do Labvídeo, disponível no canal do grupo de extensão, decidimos submeter os três vídeos no festival de Cinema Infantil É Tudo Criança, sediado no Estado de Minas Gerais e que neste ano, como boa parte dos eventos de exibição cinematográfica do Brasil e do mundo, ocorrerá de forma remota. Assim, durante o período de realização do festival, de 7 a 11 de junho de 2021, estará disponível no site do evento a Mostra Especial Janela Animada, com os três vídeos realizados pelo grupo durante o ano zero da pandemia. Com a possibilidade das atividades remotas, o festival que antes tinha público estimado em cerca de 2 mil crianças, estima que em 2021 possa atingir um público cinco vezes maior que isso.
Conclusão
Produzir uma trilogia de animação experimental para o público infantil durante o primeiro ano da pandemia do novo coronavírus foi, antes de tudo, um intenso exercício de fazer re-existir. Foi a tentativa de resistir a uma das maiores pestes da história da humanidade através do que nos caracteriza como humanos: a produção de sentido através de imagens e sons. Evitando radicalmente a transparência das representações, fizemos de nossas telas nossas frentes de batalha, dialogando, escrevendo, desenhando, recortando, colando, animando, compondo, dublando. Com-figurando. Foi também a tentativa de fazer existir novas formas acadêmicas, institucionais e afetivas. Evitando radicalmente a proximidade física, fizemos de nossas telas uma interface que não permitiu mascarar o que a universidade pública, gratuita e de excelência do Brasil tem de mais forte, resistente e belo: sua capacidade de pensar. Nos com-formamos.
Se, muito longe de ser mera fantasia de impossibilidades, a utopia é a capacidade de imaginar mundos possíveis como forma de ação durante períodos de crise, nossa proposta, nosso percurso e o resultado de nosso trabalho de equipe são essencialmente utópicos. No Brasil que dissemina imagens transparentes que remetem diretamente a ilusões como o negacionismo científico, a prevenção ineficaz e a (até a submissão deste texto) naturalização de mais de 370 mil mortos e quase 14 milhões de casos de infecção pelo novo coronavírus, a utopia é uma questão ética.
Trazida para o campo da estética audiovisual, nossa opção foi, portanto, a de produzir re-existências para os que, já vulneráveis, tornam-se mais suscetíveis à crise em curso: os que desafiam a normatividade de gênero, os que são dizimados por serem os verdadeiros donos de nossa terra e os que sempre foram alvos da violência intrínseca a um país que não superou seu imaginário e sua conduta coloniais. Para que re-existissem, os encarnamos em imagens opacas, subvertendo o crime perfeito baudrillardiano ao nos lançarmos no compromisso ético e estético da representação escandalosamente intencional.
Em nosso horizonte utópico, a construção de olhares. Olhares que, em nossa concepção, se restringiram ao “público-alvo infantil” mas também se voltaram para nossa própria condição de sujeitos da experimentação. Com-figurar foi, assim, animar em laboratório nossas propostas de fuga da transparência ordinária do mundo; foi a experiência telematizada (à distância) de atuar sobre as imagens e por meio delas que renovou o sentido extensionista (extra-muros) da universidade pública brasileira. Penetrando a superficialidade de código das imagens, escrevemos e nos inscrevemos nelas: eticamente, institucionalmente, criativamente.
Se, como afirma WOLFF (2005), os defeitos da imagem são também sua potência, foi na irracionalidade de sua transparência que buscamos a ressignificação – Ação Coronavídeo é como nos batizamos. Se a imagem é o apagamento dos conceitos, a imagem opaca é, ela própria, seu entendimento como imagem. Para nós, foi traço, colagem, bit, frame, malha, ferramenta, texto escrito, som, voz. Foi intenção de mostrar (gênero, povos indígenas e corpos negros) ao mesmo tempo em que se mostrava – fabricar imagens é autoria e sermos autores é sermos chamados à responsabilidade. A nossa, foi com-partilhada. E segue: durante o ano de 2021, a Ação Coronavídeo do projeto de extensão Núcleo de Produção Audiovisual Janela da Universidade Federal do Espírito Santo investe em um (já em pré-produção) curta-metragem de animação, que contará com membros do ano 0 e agregará voluntários externos de design e técnica em vídeo, além de vinte estudantes de graduação e pós-graduação da universidade.
Opaca, utópica e experimental, a trilogia de animação que realizamos e sobre a qual refletimos é também exposição. Exposição ao ser crítico e criativo que melhor transita entre o real e o imaginário: a criança, “público-alvo” que melhor nos convida a indisciplinar as cenas no contexto em que a transparência das imagens podes ser tanto ilusão coletiva como sobrevivência social.
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