Capítulo I – Cinema – Arte

Violated cartographies. Aesthetic and political representations in the construction of the Shattered World Museum

Cartografias violadas. Representações estéticas e políticas na construção do Museu de um Mundo Estilhaçado

Monica Rodrigues Klemz

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil

Doris Kosminsky

Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Brasil

Elianne Ivo Barroso

Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil

Abstract

This article investigates, as reference indexes, the audiovisual works Todo mapa tem um discurso, 2014, by Francine Albernaz and Thaís Inácio, Your father was born a 100 years old, and so was the Nakba, 2017, by Razan Alsalah, and Nunca é noite no mapa, 2016, by Ernesto de Carvalho, and analyzes their artistic process from a cartographic and counter-cartographic point of view in the use of artistic data mapping to the project Museu de um Mundo Estilhaçado (Shattered World Museum) that is under research, in the Master of Creative Media at UFRJ, Brazil, and it is related to the production of an immersive installation that deals with the removal of Vila Autódromo, in Jacarepaguá, Rio de Janeiro, and the use of georeferenced and geospatial images to address social and political issues.

Keywords: Cartography, Art, Audiovisual, Immersive, Georeferencing

Introdução

Na instalação Museu de um Mundo Estilhaçado, o sujeito imerge em um mundo findo, como uma consciência, em uma constelação de estilhaços de memória, de um espaço destruído por um poder constituído e à revelia de parte de seus moradores. A experiência é realizada com imagens aéreas de georreferenciamento e imagens geoespaciais, de mídias locativas como o do Google Street, Maps, Earth e do Earth Engine, que permitem a localização geográfica, física, social, demográfica e econômica. Através desse ponto de vista zenital, novas produções de sentido emergem e podem gerar valor, significância e intersubjetividade na análise de um tema cuja cartografia, a Remoção da Vila Autódromo (figuras 1,2,3,4), comunidade constituída em Jacarepaguá, Rio de Janeiro, Brasil, resgata e valoriza a memória social do local.

Figura 1 - Imagem no Google Earth que evidenciam a remoção da Vila Autódromo.

Figura 2 - Imagem no Google Earth que evidenciam a remoção da Vila Autódromo.

Figura 3 - Imagem no Google Earth que evidenciam a remoção da Vila Autódrom.

Figura 4 - Imagem no Google Earth que evidenciam a remoção da Vila Autódromo.

Dentro do seu processo criativo, o Museu de um Mundo Estilhaçado, ao perceber o desafio de introjetar a remoção de uma comunidade na cidade do Rio de Janeiro, propõe a utilização, como material e método, a análise audiovisual de imagens de georreferenciamento dos três filmes que serão discutidos neste artigo como possibilidades no uso da ferramenta de georreferenciamento para mais do que contar uma história, ter a potência de evidenciar os processos de territorialidade, desterritorialização e reterritorialização (Castro 2009, 31-42) e provocar reflexões sobre o tema por parte do usufruidor da experiência, de uma perspectiva diferente.

Sobre Cartografias

Segundo o International Cartographic Association (ICA-ACI), o mapa é uma “representação visual abstrata do geo-ambiente” e a cartografia, “uma ciência, arte e tecnologia de realização e uso de mapas” (ICA-ACI 1999, 4), estendendo possibilidades dos seres humanos entenderem e pensarem espaços de forma estratégica. Uma cartografia é composta de pontos, traços, linhas retas e curvas que indicam quantidades, qualidades, intensidades e estabelecem fronteiras. Estrutura estriada de latitudes e longitudes. Já foram os ventos e as constelações a guiarem o desenho do território. Vez ou outra, fulgurações, arrebatamentos, precipitações operam mutações no desenho. Epicuro, da Antiga Grécia, explica que pequenos movimentos aleatórios imprevisíveis agregam átomos (Porto 2013, 4603-4) e (trans/re) formam mundos, liberam linhas de fuga, engendram novas potências, impulsionam transbordamentos de vias e caminhos, desmaterializando certas topologias.

Subjetividade dos dados cartográficos

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) alerta em sua Introdução à Cartografia que “os mapas, como meios de representação, traduzem os interesses e os objetivos de quem os propõe” (IBGE 2009, 16). Dentro da noite veloz (Gullar 2006) explicita que A vida bate e é subjetiva na sua representação:

E estamos na cidade/sob as nuvens e entre as águas azuis. /A cidade. Vista do alto/ela é fabril e imaginária, se entrega inteira/como se estivesse pronta. /Vista do alto, /com seus bairros e ruas e avenidas, a cidade/é o refúgio do homem, pertence a todos e a ninguém (Gullar 2006, 180-1).

E, os “ninguéns” acontecem, na cidade do Rio de Janeiro, de forma crônica e sistemática, através de práticas excludentes, extrativistas e colonialistas, desde a sua construção. Ecoam em ondas de consequências e de repetições de práticas políticas, na cidade do Rio de Janeiro, do início do século XX até os dias de hoje. Se não, vejamos a solicitação feita pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, através da Riotur - Empresa de Turismo Municipal do Rio de Janeiro e acatada pelo Google Maps (figura 5), quanto da retirada do termo ‘favela’ do mapa da cidade, na procura de dar invisibilidade à pobreza que assola, pelo menos, um quarto da população trabalhadora da cidade, por conta da cidade sediar a Copa do Mundo, em 2014 e a Olimpíada, em 2016, noticiada no jornal O Globo 2011 e Comitê Popular do Rio, 2013 (Nemézio e Oliveira 2016, 7).

Figura 5 - Imagens do Google Map 2013 e 2011.

Não muito diferente dos ‘desmontes’, ‘remoções’ realizados na cidade, do início à metade do século XX, por diversos governantes, a citar Pereira Passos (1902-06), Henrique Dodsworth (1941-43), Carlos Lacerda (1962-65), Negrão de Lima (1966-71) sem considerar o fator humano, com fins higienistas, urbanísticos e de especulação imobiliária (Silva 2010, 20-48). Remoção, realizada também recentemente e escopo desse trabalho, na gestão de Eduardo Paes (2009-2017), essa feita em grande escala, também por conta de grandes eventos esportivos, que transferem o foco do mundo para as cidades que o sediam e que resultaram na remoção de duas centenas de famílias da Vila Autódromo, Jacarepaguá, e que cuja reação, resultou, entre outras, na construção do Museu das Remoções, pelos moradores, como ato de resistência e memória (Sanches 2020, 5-6).

A arte contra-cartografa

Tiberghien analisa a inadequação intrínseca dos mapas e a sua utilização pela arte a partir de três perspectivas: como uma ferramenta sensível e inteligível que não só reflete dados como os fabrica; que opera o espaço através da distância entre as coisas, do vazio, e das bordas/fronteiras; como traço do deslocamento, como tempo impresso. Em resumo,

Pode-se pensar o mapa como um diagrama que desenha multiplicidades espaço-temporais, de tal modo que o mapa se torna um traçado de relações de força, um sismógrafo de intensidades, a figuração de coisas efêmeras e quase inapreensíveis. (Tiberghien 2013, 250)

Em Sob o risco do real, Comolli atenta para o fato de que “Longe da ‘ficção totalizante do todo’’, o cinema documentário tem, portanto, a chance de se ocupar das fissuras do real, daquilo que resiste, daquilo que resta, a escória, o resíduo, o excluído, a parte maldita.” (Comolli 2008, 172). Assim sendo, o documentário Todo mapa tem um discurso, 2014, realização da Rede Jovem, com roteiro, montagem e direção de Francine Albernaz e Thaís Inácio, dá visibilidade a vias e ruas, a uma área amorfa em mapas de georreferenciamento turístico, por acreditar que “toda informação tem um componente geográfico” que pode ser usado para tomada de decisão consciente. Na resenha Giramundo, lê-se:

Se os mapas oficiais não reconhecem estes territórios, mapas alternativos, feitos de forma coletiva e colaborativa, passaram a reconhecer a sua existência e as pessoas a se reconhecerem a partir disso. Com este intuito surgiu o projeto Wiki Mapa, da ONG Rede Jovem, que utilizou a tecnologia móvel de telefones celulares integrada com mapas virtuais como forma de produzir conteúdo georreferenciado (GUIMARÃES 2017, 129).

Através de uma série de depoimentos, o documentário procura ser mais uma ferramenta informacional a atravessar o senso comum na maneira de pensar/ver, ao expor, dar a conhecer, incluir espaços urbanos heterogêneos, não sistematizados. “Seguindo o princípio de que mapas produzem, e mesmo precedem, o território” (Mesquita 2012, 119-120), os mapas podem atuar como ferramentas analíticas-conceituais na compreensão de uma determinada realidade, ao (re)situar lutas e entendimentos sobre os terrenos que se habita. A linguagem utilizada, através da montagem, permite que o documentário Todo mapa tem um discurso, trace, ele mesmo, uma cartografia a partir de multitelas.

Oliveira irá discutir sobre:

A instalação de obras audiovisuais em múltiplas telas como metodologia de operação poética que conecta imagens separadas em uma multiplicidade articulada e desterritorializante, cuja força de coesão está no desenho da composição (disposição das telas/figuras espaciais) em que o espectador é convidado a recompor a sua própria montagem segundo seu deslocamento físico e/ou repertório cognitivo (Oliveira 2017, 117).

O filme se abre sobre tela preta com depoimentos em off sobre o tema do documentário para, em seguida, apresentar uma plano em preto e branco com formato panorâmico que mostra a subida de uma rua, provavelmente do ponto de vista de uma motocicleta ou de um carro em movimento. Aos poucos a imagem se torna colorida, o quadro diminui e se converte em múltiplas telas. O espectador é então convidado a construir a sua própria cartografia, unindo o que vê ao que sente, promovendo um agenciamento espacial particular que se modula, ao transformar pedaços de caminho em um todo harmônico e complexo, em que forma e conteúdo propiciam experiências espaço-sensoriais de uma geografia criada na montagem das imagens e sons a exemplo do que propõe Karen O’Rourke (2013) no livro Walking and Mapping. Inspirada pela psicogeografia e o ato de deriva dos Situacionistas, a autora do livro repertoria obras artísticas que mapeiam territórios pelo caminhar, sobrepondo aos mapas oficiais um traçado afetivo dos lugares.

No frame representado na Figura 6, acrescenta-se a tudo isso a tela do telefone móvel dentro do quadro audiovisual, gerando um movimento do olhar não só longitudinal/latitudinal, mas também um mergulho, um dobrar-se por sobre a tela maior chamando a atenção para a importância daqueles aparelhos na criação das contra-cartografias. O projeto Wiki Mapa é feito com a colaboração de jovens das comunidades que, munidos de celular, redesenham o espaço urbano incluindo endereços apartados dos mapas turísticos no georreferenciamento criado pela ONG (Organização Não Governamental).

Figura 6 - Print do documentário Todo mapa tem um discurso.

O documentário Todo mapa tem um discurso também traça a cartografia de tempos diferentes expostos simultaneamente, como evidenciado na figura 7, pontuando a importância da cartografia para o resgate memorialístico, com a presença do passado, do presente e do futuro do passado.

Figura 7 - Print do documentário Todo mapa tem um discurso.

Outro recurso técnico utilizado com o formato/borda/fronteira foi o da tela dinâmica que se expande à medida que a identificação cartográfica realizada gera sensação de pertencimento, de identidade para as pessoas que residem em locais esquecidos pelo Poder Público, como evidenciado pela figuras 8 e 9 onde, à medida que a pessoa se aproxima, a tela vai se abrindo em dimensões maiores, confirmando que “A imagem dá carne, isto é, carnação e visibilidade, a uma ausência, mediante uma diferença intransponível relativamente àquilo que é designado”. (Mondazain, 2009, 26).

Figura 8 - Prints do documentário Todo mapa tem um discurso.

Figura 9 - Prints do documentário Todo mapa tem um discurso.

Se, por um lado, o documentário Todo mapa tem um discurso cria na tela a sua própria cartografia, certos filmes “invadem’’, entram dentro do mapa para sublinhar as mudanças acontecidas a partir de um determinado evento. É o caso do filme Your father was born a 100 years old, and so was the Nakba, 2017, da palestina Razan Alsalah, que entra no Google Street View, encarnando a sua avó, através dos fragmentos de lembrança do pai da cineasta, ambos refugiados palestinos que não puderam voltar a sua terra natal – e, a possibilidade de alguma conexão, da cineasta, também neta e filha, com o lugar e as memórias do passado de sua família, através do Google Streetview.O filme usa a poética do glitch “borrando” o deslocamento de algumas imagens e a estética do apagamento para contar através de uma história pessoal, a perda, a injustiça e a distância de tantos refugiados arrancados, por imposição, de sua terra. Dentre os recursos de montagem utilizados, podemos observar a sobreposição de imagem, evidenciando tempos distintos que se confrontam (Figura 10), criando fantasmagorias (Figura 11).

Figura 10 - Print do filme Your father was born 100 years old, and so was the Nakba.

Figura 11 - Print do filme Your father was born 100 years old, and so was the Nakba.

O filme mostra, através de uma janela embaçada, que acompanha e baila, quase numa perambulação, o que a cineasta percebe, para onde sua atenção está voltada, suas curiosidades, imaginação, dúvidas e aborrecimentos (Figura 12). Às vezes, essa sobreposição é tênue e as imagens acabam se confundindo na percepção do espectador e não se sabe ao certo o que pertence a cada uma das camadas. Em outros casos, uma das imagens surge dentro de um quadro definido encobrindo o outro. O procedimento lembra o conceito de fotogenia de Jean Epstein que usava o recurso da sobreposição e outros efeitos visuais para obter uma imagem fugidia e registrar o devir das paisagens e rostos. Aqui a realizadora parece buscar o devir das lembranças.

Figura 12 - Print do filme Your father was born 100 years old, and so was the Nakba.

Na última cena do filme, a desconstrução é total, ocorre um cindir de mundos (Figura 13) que aparece com um horizonte desencaixado na cena e a delimitação do quadro, a sua margem, corrompida. Não se sabe se esta cisão foi voluntariamente feita na imagem como uma rasgadura ou se é a representação de dois tempos diferentes. A cineasta utiliza a linguagem cinematográfica para informar sobre o apartamento de seu povo da Palestina, mas também traçar uma poética das lembranças assim como aguçar o olhar do espectador para todo e qualquer êxodo compulsivo.O filme é revestido de sensorialidades e traz à tona questionamentos sobre deslocamentos, fronteiras, apagamentos e suas reverberações: o non-site, do artista Robert Smithson, que Flam vê como um “deslocamento das margens geográficas, psicológicas e sociais para um centro” (Flam 1996, 18). A cineasta acrescenta um logos, pathos e ethos a um mundo complexo, evocativo, possível.

Figura 13 - Print do filme Your father was born 100 years old, and so was the Nakba.

Já em Nunca é noite no mapa, 2016, de Ernesto de Carvalho, o próprio cineasta se encontra dentro do mapa-olho e é ele que vai questionar, de forma ensaística através de uma narração em primeira pessoa, a ‘imparcialidade’ da lei, com demonstrações de operações policiais no meio da rua, numa sequência de quatro flagrantes congelados no mapa e mostrados nas figuras 14 a 17.

Figura 14 - Print de uma sequência documentário Nunca é Noite no mapa.

Figura 15 - Print de uma sequência documentário Nunca é Noite no mapa.

Figura 16 - Print de uma sequência documentário Nunca é Noite no mapa.

Figura 17 - Print de uma sequência documentário Nunca é Noite no mapa.

No mesmo documentário, Ernesto de Carvalho vai colher, no mapa, o processo de gentrificação ocorrido em dois anos (2011-2013-2015), de duas formas diferentes, com uma visão mais panorâmica (Figuras 18 a 20) e com um plano mais próximo, tendo uma casa como personagem que resiste, agoniza, arruína-se, num traçado (Figs 21 a 24) que aos poucos se apaga do cenário urbano.

Figura 18 - Print de sequências do documentário Nunca é noite no mapa.

Figura 19 - Print de sequências do documentário Nunca é noite no mapa.

Figura 20 - Print de sequências do documentário Nunca é noite no mapa.

Figura 21 - Print de sequências do documentário Nunca é noite no mapa.

Figura 22 - Print de sequências do documentário Nunca é noite no mapa.

Figura 23 - Print de sequências do documentário Nunca é noite no mapa.

Figura 24 - Print de sequências do documentário Nunca é noite no mapa

O realizador mostra também o processo que se deu nas múltiplas remoções que ocorreram por ocasião da Olimpíada em uma montagem vertical eisensteiniana, em que apresenta uma sequência, em que aparece, primeiro, uma frase em um muro ‘vai sair quem quiser, quem não quiser fica’, assinado pelo então prefeito da cidade (figura 25), depois, uma bilheteria e em seguida, pessoas, em condição de moradores de rua, dormindo na calçada (Figura 26).

Figura 25 - Print do documentário Nunca é noite no mapa.

Figura 26 - Print do documentário Nunca é noite no mapa.

O filme termina como começa, com a presença do cineasta dentro do quadro (Figura 27), seguido de visões cada vez mais distantes até que se transformem em um território expansionista centralizador soberano, não sem mostrar que esse mapa apresenta bordas opacas. Mas, nesse ponto, o filme já deixou a sua impressão, já deixou o “impacto de mapear as ideias políticas, as práticas e as estruturas” de forma que, “as pessoas entendam o mundo e seu lugar dentro dele” (Branch, 2014). Ou, parafraseando, de novo, Gullar (2006) “Não se trata do poema e sim da fome/de vida,/o sôfrego pulsar entre constelações/e embrulhos, entre engulhos”.

Figura 27 - Retrato do cineasta feito pelo Google Street View no print do documentário.

Conclusão

As considerações feitas até aqui foram possíveis, graças a pesquisa, o estudo, a orientação e o aporte fornecido por várias disciplinas e orientadores. As reflexões advindas do compartilhamento de um manancial teórico para a análise das três obras audiovisuais apontam a subjetividade dos mapas e o quanto os traçados e as identificações dos lugares constituem uma leitura política dos espaços. A exclusão de determinadas áreas em mapas oficiais demonstram a invisibilidade de certos agentes sociais e o descaso do poder público. A contra-cartografia surge então como um movimento necessário de complexificação do tecido urbano trazendo questionamentos e dinâmica social para as cartas. No caso de Todo mapa tem um discurso, vê-se a realidade das favelas cariocas e a contrapartida de jovens que, munidos de tecnologia móvel, retratam seu cotidiano e traçam um nova cartografia na web incluindo as vielas, endereços comerciais e pontos de convívio social das comunidades periféricas. No filme Your father was born 100 years old, and so was the Nakba, são perceptíveis as múltiplas camadas que estão em jogo ao se adentrar um mapa. De como se mobilizam sensibilidades e memórias ancestrais e, em especial, diante de espaços dos quais se é afastado voluntariamente ou não. O sentimento é o mesmo ao ver Nunca é noite no mapa. O curta-metragem, ao trabalhar as crostas do tempo, denuncia a fabricação dos mapas. Demonstra também que a aparente imparcialidade das câmeras panorâmicas de mídias locativas não disfarça as marcas da injustiça social e a gentrificação voraz e predatória dos espaços urbanos. As considerações feitas aqui auxiliam a pensar o Museu de um Mundo Estilhaçado do ponto de vista conceitual já que tem como dispositivo imagens técnicas cartográficas do Rio de Janeiro e especialmente da Vila Autódromo em Jacarepaguá.

Bibliografia / webgrafia

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Filmografia

Nunca é noite no mapa. 2016. De Ernesto de Carvalho. Brasil. 6 min.

Todo mapa tem um discurso. 2014. De Francine Albernaz e Thaís Inácio. Brasil. 61 min.

Your father was born a 100 years old, and so was the Nakba. 2017. De Razan Alsalah. Palestina. 7 min.