Abstract
The article is an analysis of the sound and musical space created for the brazilian animation The boy and the World (2013), produced by Alê Abreu. In the narrative, imagery and sound styles, the animation deals with the representation of ideas and symbols in a unique way, bringing a sound environment rich in experiments, which deserves a critical look in order to bring important contributions to this field of study. Animation is a space where all sound must be recreated, so it opens a rich field for investigation.
In the methodology, we highlight some frames of the object, bringing an analysis of the relationships between image and sound. We understand that sound has its narrative particularities, with elements intrinsic to its field of research, reinforcing the importance of its own study and the relevance in relation to image production. For this, a support was sought mainly in the theories of Michel Chion and Angel Rodriguez, where we can highlight contributions to the knowledge of these correlations.
The sound is far from being redundant in relation to the image, in fact, it completes and transcends the narrative, providing a more complete experience (Rodriguez 2006, 276). Therefore, we understand that a well developed sound environment built for the animation allows particularities and identity to the narrative artistic object.
Keywords: Art, Cinema, Animation, Music, Sound
1. Introdução
Pretende-se com este artigo, trazer uma reflexão sobre os elementos sonoros presentes na animação brasileira, O Menino e o Mundo, do diretor e autor, Alê Abreu. Faremos uma jornada através da viagem deste Menino, porém, não se tem a pretensão de um aprofundamento técnico de todo o filme, pois o espaço deste trabalho não faria jus a uma análise desta plenitude. No entanto, buscaremos dar o máximo de atenção aos recortes previamente destacados para exemplificar e dar voz de forma geral aos elementos que fazem parte do ambiente sonoro desta animação.
Começaremos com uma introdução e sinopse do filme, fazendo com que o leitor possa ter uma ideia geral da narrativa, trazendo um contexto específico e em seguida buscaremos uma elucidação sobre conceitos e teorias que servirão de substrato para algumas reflexões sobre os elementos sonoros que compõem o objeto fílmico.
Após a apresentação desse embasamento teórico e metodológico, faremos uma breve análise dos elementos sonoros presentes na animação, tentando expor os entrelaçamentos das rupturas dos momentos narrativos do momento descrito e as relações entre imagem e som presentes nestes recortes escolhidos.
O campo simbólico é do ponto de vista de uma criança (como se o desenho tivesse sido feito por ela mesma), a diegese mostra a trajetória do Menino e o mundo que ele explora através do seu olhar, e das surpresas e descobertas embaladas por musica, sons que compartilham uma narrativa independente, com suas próprias especificidades, singularidades que vamos acompanhar nestas reflexões.
Assim, levantaremos a hipótese de uma união narrativa da qual a imagem e som são dependentes. Embora o som tenha sua própria trajetória e esta merece ser pontuada a luz das teorias vigentes. Seguiremos com a conclusão, fazendo um acolhimento ou não das relações estabelecidas entre o objeto e as teorias escolhidas para análise.
2. O objeto: relações sonoras e imagéticas
Dirigido pelo diretor e ilustrador brasileiro, Alê Abreu, O Menino e o Mundo, 2013, é um filme de animação, feito de forma quase artesanal, com técnicas tradicionais de pintura e colagem e que conta a história de um menino que vivia no campo com sua família. Ao observar seu pai partir para cidade em busca de condições melhores de trabalho, o Menino decide segui-lo iniciando uma jornada de descobertas, perdas, alegrias e tristezas. E todos estes afetos estão embalados por cores, sons e músicas que nos transportam para seu mundo.
Quando o Menino sai à procura do seu pai, ele encontra um lugar muito diferente da colorida realidade que ele vivia no campo com sua família, pois mesmo eles sendo muito pobres, o Menino permanecia em sua bolha de proteção. Conforme ele observa as cidades escuras, cheias de poluição visual e de pessoas cansadas, tristes e deprimidas (representadas por diversas técnicas de desenho e colagem) ele toma conhecimento desta nova realidade (figuras 1 e 2).
Figura 1 – o Menino e sua vida no campo
Figura 2 - o Menino observa a caótica cidade
Nesta jornada, ele também encontra música e cultura, trazendo a alegria e a cor novamente em meio a estes momentos obscuros. Assimilamos que as cores e a música acompanham o estado de humor do Menino e representam este estado simbolicamente. A cultura e o som são representados com muita cor e agito, transmitindo a alegria e a esperança. A música está presente nas transformações da personagem, simbolizando um aspecto narrativo contundente.
Partindo desta atmosfera, observamos o equilíbrio entre som e imagem necessários para que a experiência imersiva do filme seja substancial e que atinja a emoção e a comunicação que é desejada a sua audiência (figura 3).
Figura 3 - O som corresponde as bolinhas que saem da flauta, este ícone imagético acompanha o menino por toda a narrativa, assim como o som que ele representa.
3. Embasamento teórico e metodologia
Para iniciarmos nossa própria jornada através dos sons do mundo do Menino, buscaremos (principalmente) na leitura de Ángel Rodríguez, autor do livro “A dimensão sonora da linguagem audiovisual”, o colchão teórico que está apoiado em análises da percepção do ser humano numa abordagem antropogenética e também na semiótica, estudo da linguagem e dos signos. Assim, buscaremos no contexto cultural do emissor, um ponto de partida para as análises desses códigos da comunicação audiovisual e se eles possuem signos com alcances universais, podendo desta forma atingir diversos públicos.
Faremos uma reflexão do som como forma de expressão (não é um estudo sob a perspectiva técnica ou sobre a história do áudio no cinema de animação), mas sim como ele suscita significados e complementa a imagem no ambiente da comunicação, trazendo o áudio como parte integrante do sistema global da percepção (Rodríguez 2006, 276).
O autor ainda sinaliza a relação imagem e som, destacando que “no contexto audiovisual, o som não enriquece a imagem, mas modifica a percepção global do receptor”, (Rodriguez 2006, 276), deste modo, buscaremos refletir sobre esta disputa da soberania da imagem em relação ao som e por ele ser visto, por alguns teóricos, como algo secundário.
Serão adicionados textos e artigos sobre assuntos periféricos e relacionados a estas análises, assim como consulta ao próprio objeto, que será posto de forma empírica. Neste contexto, observamos os seguintes elementos sonoros: o ambiente, efeitos, músicas, vozes e sincronia.
3.1 Uma página em branco - reflexões
A animação surgiu como ambiente de experimentação sonora que possibilitou diversos alcances em relação ao Cinema em geral. Na animação, todo o ambiente sonoro é recriado, como uma página em branco pronta para ser preenchida. Desta forma, para que os sons sejam percebidos pela audiência sem parecer algum barulho desconexo é importante uma sincronia entre som e imagem, a síncrese1.
O Menino e Mundo é uma animação que não possui falas (ao menos entendíveis), algo até comum no mundo da animação, porém esta característica parece oferecer uma experiência de imersão diferenciada, quando apreciamos a diegese.
Pela formação original do autor em Artes Plásticas e a afinidade com o meio musical, o filme nos traz uma experiência visual e sonora que potencializa a narrativa. Fortalecidas pelos poucos diálogos existentes e que ainda são em português invertido, a narrativa e a musicalidade ficam ainda mais evidentes:
A narrativa com cores e som conjugados traz um sentimento nostálgico da infância e do estado natural das coisas. Logo no início do filme, mergulhamos numa experiência sensorial indescritível, quando caímos junto com o Menino no meio das árvores e depois num lago com peixes. Além do forte colorido feito com as mais diversas texturas e técnicas de desenho, somos acompanhados pela sonoridade de Naná Vasconcelos, que nos remete ao som das árvores e das águas. Os perigos que essa criança enfrenta no início do filme, estão na ordem do crescimento natural, dos tombos, galos na testa e arranhões no joelho, que todos nós ganhamos na primeira infância. (Mogadouro 2014, 163)
Segundo o autor2, o início desse projeto deu-se após uma viagem para pesquisa e conhecimento sobre a história do continente latino-americano, realizada por causa de outra produção em que estava trabalhando. Percorreu diversos países estudando a história e a música, levando consigo um caderno que virou seu diário de anotações e também registros visuais e assim nasceu o processo criativo do filme. Alê conta que as imagens vinham primeiro e que o roteiro foi sendo delineado posteriormente, sendo esses momentos aleatórios sem uma ordem específica. O Menino e o Mundo é uma animação que conta a história sob a perspectiva de uma criança, o que agrega qualquer público e facilita sua distribuição mundialmente.
Ainda sobre esta perspectiva, a história vai se revelando e conta com um conjunto de signos (imagens e sons) e referências que mostram os problemas sociais latinos e também questões intrínsecas à vida pessoal do personagem. Porém, embora identifiquemos prontamente a realidade brasileira ali mostrada, todas essas questões também podem ser vistas de forma universal.
O destaque aqui, para uma reflexão sobre a narrativa sonora deste filme, dá-se pela forma que foi construído o espaço sonoro para tal, elevando o som ao mesmo status da imagem, complementando-a, trazendo representações e sensações no processo de significação dentro do filme.
Quem assina a direção musical e trilha sonora do filme são: Ruben Feffer e Gustavo Kurlat, com participações especiais de Naná Vasconcelos, Barbatuques e GEM- Grupo Experimental de Música e o Rapper Emicida com Adriana Barbosa, com a música Aos Olhos De Uma Criança, no trecho a seguir:
Saudades de pá, pai, quanto tempo faz, a esmo / Não é que esse mundo é grande mesmo / A melodia dela, no coração, tema / Não perdi seu retrato / Tipo Adoniran em Iracema / São lágrimas no escuro e solidão / Quando o vazio é mais do que devia ser / Lembro da minha mão na sua mão / E os olhos enchem de água sem querer / Aos olhos de uma criança / Menino, mundo, mundo, menino (Emicida, 2013)
Para alguns autores, o som é tratado de forma secundária dentro de uma análise fílmica, o que é um equívoco. O som enriquece a imagem para criar uma impressão definitiva na experiência imediata que alguém tem de que aquela informação (sonora) vem naturalmente do que é visto (Fonteles 2014, 33). O som pode chegar a estimular nosso sistema perceptivo e sensorial com a mesma força e a presença da imagem. (Balsebre 2004, 21).
De fato, os sons apresentados podem depender de um conhecimento prévio do receptor caso seja necessário, todavia existem elementos que são universais, há sempre algo que todos vão perceber e também vão existir elementos da percepção de cada receptor, não é novidade que em face de qualquer estímulo estético ou narrativo os receptores tem sensações diferentes, mas também é sabido que uma parte dessas sensações coincide (Rodriguez 2006). Existem elementos que são universais ao nosso entendimento e a forma que se expressam despertam sentimentos similares.
Todo cineasta fala de seus próprios fantasmas em seus filmes, mas nem todos esses fantasmas são vistos na sala de projeção; cada espectador descobre uns ou outros na escuridão do cinema, mas há sempre alguns deles que são vistos por todo o público, por todos os públicos de todas as salas. Esses são os universais. (Rodríguez 2006, 8)
Partindo dos critérios e dos elementos elencados anteriormente, selecionamos os momentos do filme que demonstram os destaques comentados anteriormente e elaboramos algumas análises a seguir:
Figura 4 – Grupo de foliões em uma manifestação popular
Como a animação é um espaço onde todo o ambiente sonoro deve ser recriado, abre-se um campo rico para experimentações. Em praticamente todas as cenas destacadas acima e no filme como um todo, há a presença de batuques, ruídos naturais, ruídos de objetos que podemos classificar como signos sonoros motivados ou foley3, são formas sonoras vinculadas fisicamente a fonte de vibrações que as produz, e nos indicam a existência ou a presença dessa fonte (Fonteles 2006, 48), também classificado como som In, e quando não identificamos sua origem, chamamos de som Out (Chion 2008). Na figura 4, por exemplo, podemos observar este sincronismo com os objetos musicais presentes e criados para a cena.
Podemos destacar a construção do sentido sonoro que foi elaborado para O Menino e o Mundo, criado pelos Sound Designers que assinam a trilha sonora do filme, os autores Ruben Feffer e Gustavo Kurlat, nos transportam para criar sentido dentro destas lacunas deixadas pela falta de diálogo. Na cena representada pela figura 1, observamos o som das árvores provocados pelos ventos, das águas, dos animais e do Menino correndo. Nos sentimos envolvidos por estas sensações e, embora a imagem seja bastante simbólica (sem compromisso com uma floresta realista) – fato que acompanha toda a animação – os signos visuais e sonoros nos transportam para dentro deste mundo do Menino e nós o reconhecemos. Estas músicas, sons e sensações foram produzidas pelo músico Naná Vasconcelos.
No contexto audiovisual, a forma sonora de um determinado objeto pode ser utilizada para simular o próprio objeto ou para explicar o estado de ânimo de um personagem (Rodríguez 2006), também o classifica como som Off. O som da flauta (figuras 3 e 4) parece ser a célula rítmica4 de todo o filme, ela é o som do pai do Menino, ele a guarda numa semente e depois dentro de uma latinha, ela simboliza a lembrança, o amor, a saudade pelo pai, ou seja, os sentimentos da criança. Um importante elemento narrativo sonoro que acompanha toda a trajetória do Menino. Assim também, em um segundo plano, a voz de Naná Vasconcelos e os sons elaborados pelo grupo Barbatuques e GEM- Grupo Experimental de Música parecem simbolizar as relações do Menino com o mundo.
Figura 5 – O Menino conversa com os pais, em Português invertido
Figura 6 – A chegada do Menino na favela e/ou comunidade
Os diálogos reproduzidos na figura 5, são em português invertido, o que não compromete o entendimento de que há muito amor e saudades ali representados entre o Menino e seus pais.
As falas dos personagens, articuladas em português invertido, terão uma presença tátil em sintonia com os grafismos visuais, significando a partir de vibrações e entonações. (Uchôa 2018, 6)
Embalado pela música autoral do Rapper Emicida, o exemplo da figura 6, vemos um menino cansado e ainda impressionado com a cidade, barulhenta, cinzenta e cheia de novos estímulos e muito diferente do campo do qual ele saiu, nessa cena a música do Rapper está instrumental e o refrão cantado em Português invertido. No entanto, no final da animação, nos créditos finais, a canção retorna, mas agora com a letra compreensível, e entendemos que ela resume a jornada e o que ele vivenciou através do seu olhar de menino.
Figura 7 – Maquinas se aproximam para o confronto
No conflito final, destacado na figura 7, o Menino se vê no meio de um embate entre um exército da cidade e seus cidadãos, representados num grupo de foliões, que transmitem a cultura e a alegria através da música. Neste embate, os dois se transformam em pássaros e um deles saiu ferido, o pássaro da cultura. As bolinhas que simbolizam o som vão sumindo e descem por um ralo. A cidade é tomada por um silêncio. A música para por alguns momentos, aqui o silêncio é participativo e angustiante.
A potência narrativa e a abordagem musical experimental, são dualidades não somente no conflito que estamos estudando, mas em outros traços presentes na diegese. Permitindo interfaces entre o popular e o tradicional.
O menino e o mundo parece retomar o trajeto campo-cidade, sob os ecos da visão sociológica presente em tais obras. Enquanto construção ideológica, recoloca o migrante/operário seduzido, em suas dificuldades de inserção num cotidiano desumanizante. Entre as imagens finais, há enxertos de Iracema, uma transa amazônica (1974), denunciando as práticas predatórias da natureza pela civilização industrializada, e também, recolocando o desenvolvimento econômico. (Uchôa 2018, 3)
O enxerto dos filmes Iracema, uma Transa Amazônica (1974), de Jorge Bodansky e Orlando Senna (um dos fundadores da Escola de San Antonio de Los Baños, em Cuba) e também ABC da Greve e Ecologia, cineasta Leon Hirszman, mencionados por Uchôa, reforçam as metáforas visuais e sonoras sobre as dicotomias presentes na animação, os embates cultura versus cultura estrangeira, ditadura, devastação da natureza e os embates campo-cidade (Uchôa 2018, 3 ) em uma distopia, trazem através das imagens dos filmes/ documentários o reforço desta ideia específica do filme. Funcionam como um elemento narrativo para chamar atenção, trabalhados de forma similar ao estilo Found-footage5. Todo este recorte da animação está amparada pelo som e voz de Naná Vasconcelos.
4 - Atos de um musical
Caminhando pela narrativa do autor, permite-nos atestar um sistema marcado por rupturas, que a referida animação está cercada por uma visão infantil transformadora. Esta por sua vez, nos aproxima de um olhar poético pasoliniano, momentos de afirmação de um estilo indireto livre, onde sentimos a percepção das personagens pulsantes (Uchôa 2018, 6). Colaborando para a narrativa principal, metamorfoses amparadas por sons, cores e temperaturas fluídas para uma única reverberação, corroborando ao tema principal.
A aventura do Menino no seu percurso campo-cidade, sua jornada transformadora dialogam com o ambiente sonoro criado ao longo da narrativa, seguindo um ritmo dentro do estilo próprio da animação. Suas reiteradas aparições permitem pensar no filme como uma espécie de musical, contendo uma narrativa geral permeada por pequenas atrações, nas quais o regime narrativo sofre modificações, que incluem uma presença mais demarcada da música (Uchôa 2018, 7).
Estes entrelaçamentos ditados pelo ritmo musical e as reiteradas aparições permitem pensar no filme como uma espécie de musical, contendo uma narrativa geral permeada por pequenas atrações, que incluem uma presença mais demarcada da música. São pequenos segmentos, nos quais há uma mudança na importância das relações entre imagem e som (Chion 2008).
5 - Considerações finais
A animação lida com especificidades, e com certeza a parte sonora nos leva a grandes reflexões. Pensemos, por exemplo, no papel fundamental do som na comunicação emocional. Este é o destaque em O Menino e o Mundo, a música canta as emoções, o estado do humor e o reflexo das descobertas do Menino em relação ao mundo que ele está descobrindo.
Há momentos de alegrias, tristezas, saudades, surpresa, resiliência e amor. Todos estes sentimentos embalados por uma trilha sonora que participa no mesmo equilíbrio das imagens para trazer essas sensações o papel do som na narração visual não é, de modo nenhum, o de um acompanhamento redundante. Michel Chion afirma que a associação do som com a imagem produz uma percepção completamente diferente daquela que cada um deles produz separadamente (Rodriguez 2006, 14).
Reforço a premissa defendida ao longo do texto, que o som e a imagem trazem a experiência completa e entendemos que o cuidado do ambiente sonoro construído para aquela sequência de imagem, possibilita particularidades e identidade ao objeto artístico. Mesmo sendo possível ouvir o som sem a imagem, quando assistimos juntos compreendemos que há uma ligação das imagens e do som no campo abstrato. Assim, entendemos que um não poderia ser completo sem o outro, quando claramente, foram concebidos e projetados para estarem unidos. E muitas vezes, o som eleva os sentidos, referenciando a Chion em texto para a Revista SescTV, o pesquisador Eduardo S. S. Mendes destaca:
Há outras características da trilha sonora na relação audiovisual que foram estabelecidas com o passar dos anos. Uma dessas características foi expandir o uso de sons ambientes para além da continuidade tempo/espaço já apresentada. Pelos timbres dos sons escolhidos na sua composição e pelo ritmo que seus elementos apresentam, essa sonoridade costumeiramente relegada a um segundo plano de escuta e quase imperceptível ao espectador pode conduzir a percepção da imagem, acelerando ou retardando sua leitura; gerando sensações de amplitude ou confinamento; criando tensões ou relaxamentos. (Mendes 2016, 13)
Alê Abreu nos trouxe uma experiência imersiva no mundo do Menino, como se estivéssemos vendo através do seu olhar e assim, também trouxe suas próprias vivências para a audiência do seu filme. Os autores possuem esse poder de escolha e ajudam a formar o imaginário do espectador. Sobre isso Peter Hunt destaca:
Pode-se dizer piamente que não deveríamos limitar as crianças; mas, da mesma forma, para não as limitar, precisamos de certa avaliação sobre aquilo para que as estamos liberando”. (Hunt 2010, 243)
Podemos acrescentar que não apenas o público infantil, mas sim, para o geral. Uma boa história pode ser contada das mais variadas formas, e a maneira simbólica e aparentemente simples (mas na realidade muito complexa) em O Menino e o Mundo, demonstra esta habilidade com maestria. O campo simbólico de uma criança (como se o desenho tivesse sido feito por ela mesma) narra a trajetória do Menino e o mundo que ele explora através do seu olhar, e das surpresas e descobertas de uma realidade muito diferente em que tudo começou.
Agradecimentos
Agradecemos à CAPES, ao Programa de Pós-Graduação em Artes, e à Pró-Reitoria de Extensão da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) pelo auxílio concedido para inscrição desta comunicação na Conferência Internacional de Avanca 2021 por meio da verba PROEX.
Notas Finais
1O conceito síncrese, difundido pelo pesquisador, músico e compositor francês, Michel Chion, trata-se da coincidência temporal entre um elemento visual e um sonoro, fazendo com que nosso sistema sensorial os perceba como um elemento único.
2Autor Alê Abreu comenta sobre seu diário de viagem em entrevista em seu blog pessoal.
3Os efeitos sonoros podem ser divididos em ambientes, ruídos, efeitos especiais e ruídos de sala, também conhecidos como foley (Fonteles 2006, 48).
4Em música, uma célula pode ser definida como “o menor elemento constitutivo da ideia musical. Compõe-se de uma sucessão de dois ou mais valores musicais, para o caso de uma célula rítmica, e/ou um intervalo, para o caso de uma célula melódica.
5Found-footage (ou filmes perdidos no Brasil), é um estilo de cinema que ficou mais popular com os filmes de terror, principalmente com a Bruxa de Blair e Atividade Paranormal, “trata-se de filmes documentais realizados a partir de imagens de arquivo” (Altafini 2012, 5).
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