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O Fascínio do Cinema na Arte Pública: entre a Ficção e a Realidade

José Pedro Regatão

Escola Superior de Educação de Lisboa / Instituto Politécnico de Lisboa, Portugal

Abstract

Public art is one of the most relevant artistic manifestations in urban spaces, by the way it interacts with the public and relates to the surrounding environment. Today it is possible to observe a set of artistic interventions that are inspired, directly or indirectly, in the cinema, giving special importance to its aesthetic and cultural dimension. This text intends to analyze and to reflect critically on a set of works of public art dedicated to the cinematographic art and its main protagonists. From the commemorative sculpture that deals with the history of the seventh art, to the sculptural installation that celebrates a character or an actor.

Keywords: Public Art, Contemporary Art, Cinema, Art Studies

Introdução

A cidade contemporânea apresenta hoje uma grande diversidade de manifestações artísticas, desde a escultura ao grafiti, que interpelam o espetador no seu quotidiano, proporcionando novos modos de fruição estética. O monumento escultórico tradicional que outrora dominava o espaço urbano, fundado a partir de conceções estéticas associadas ao culto heroico e com uma função quase exclusivamente comemorativa, sofreu transformações profundas. Nos dias de hoje, a arte pública representa um movimento de negação das representações tradicionais, embora por vezes persistam alguns elementos clássicos, propondo um novo ideário formal baseado nas expressões artísticas contemporâneas.

A arte pública entendida enquanto expressão artística desenvolvida no espaço público é, muitas vezes, responsável pela transformação da própria paisagem citadina, contribuindo para a sua reorganização, uma vez que se constitui como marca territorial na construção do próprio tecido urbano.

Este texto pretende analisar a arte pública do séc. XXI que homenageia ou faz referência à arte cinematográfica, em toda a sua dimensão artística e cultural, com o objetivo de identificar um conjunto de obras e compreender a sua forma e função. Esta análise implica o estudo da obra no seu contexto específico, ligado às características físicas do local e à sua história, bem como a interpretação das problemáticas que cada intervenção artística apresenta à luz da teoria da arte pública.

Atualmente, é possível observar, um pouco por todo o mundo, um conjunto de arte pública que aborda o cinema em diversas perspetivas, quer na aceção mais direta e literal, por meio de elementos visuais com alusões unívocas ao tema, quer na sua dimensão simbólica e/ou metafórica. Deste modo pretende-se conhecer as várias dimensões da arte pública, desde a sua conceção, à instalação e, respetiva, receção por parte da comunidade.

Arte Pública

Após os artistas terem reivindicado o esgotamento do monumento tradicional comemorativo, principalmente durante a segunda metade do século XX, começaram a desenvolver novas propostas estéticas que passaram por uma escultura auto-referencial, sem a convencional estrutura narrativa, representação figurativa/alegórica e hierarquização visual. Neste sentido, o objeto escultórico não só perdeu a sua vocação monumentalizante, como adotou novos discursos formais e processos operativos, indo ao encontro da pesquisa visual desenvolvida pelos principais movimentos artísticos que surgiram no decurso dos séculos XX e XXI.

Neste sentido, a arte pública é hoje um campo reconhecido pela história de arte e teoria da arte, reunindo um corpo teórico relevante no campo dos estudos artísticos. Entendida enquanto expressão artística que se inscreve e manifesta no espaço público, ou que se relaciona com o mesmo, tira partido das qualidades físicas e percetivas do contexto onde é inserida, bem como da relação com o espetador.

Ao contrário do chamado espaço privado, controlado e restritivo, o espaço público, é entendido como um espaço de livre acesso a todos os indivíduos, sem qualquer restrição de caráter social, cultural, política ou económica, para além do que é regulamentado pelo poder político. Este é o local por excelência da vivência social, lugar de encontro e de interação humana, mas também, palco privilegiado de manifestações sociais, de revoluções e disputas de poder. Como refere Henri Lefebvre “O espaço é morfologia social: é a experiência da vida que forma a si próprio, é um organismo vivo (…)”1, por isso mesmo, é interdependente das práticas sociais que nele ocorrem. Dito isto, é possível dizer que o espaço não é algo inerte, mas envolve a presença de um sujeito, é construído para este, através da inter-relação que estabelece com o seu meio envolvente e do próprio movimento que produz.

Na perspetiva morfológica, corresponde a um espaço não edificado, uma espécie de vazio urbano, sendo a estrutura original da praça, por tradição, o espaço por excelência das cidades ocidentais.

A arte pública distingue-se da obra de arte apresentada em museus e galerias, pelo modo como se integra e participa no quotidiano físico e social das cidades, em vez do espaço formal e sacralizado das instituições artísticas. Por isso, inscreve-se no mundo real, estabelecendo um diálogo com o quotidiano físico e social, em oposição a uma arte idealista centrada no culto do herói e da consagração pública.

Se outrora, o espaço público era entendido como mero cenário para a escultura, sobretudo quando se pensa no monumento escultórico tradicional, o espaço envolvente passou a ganhar maior protagonismo, não só como material plástico, mas também como elemento gerador da própria construção formal da obra. Este é hoje considerado um elemento essencial para a experiência estética e fruitiva do espetador.

Para caracterizar a arte pública, é essencial falar-se do conceito site-specific, no qual se defende a ideia que as obras “deverão ser concebidas especificamente para um determinado lugar”, tendo em conta as “características físicas, históricas e ambientais do espaço”2. Com efeito, as intervenções artísticas deverão estabelecer uma estreita ligação com esse espaço, de forma a criar um sentido de pertença com o lugar. Para Lucy Lippard, a arte site-specific deverá “(…) ter uma ligação orgânica com o seu lugar (…)” e ser encarada como um objeto que faz parte do quotidiano do espectador3.

Outro importante aspeto a considerar, quando se aborda este conceito, é a proximidade entre a arte e o observador, na medida em que deixa de ser entendido enquanto discurso “unilateral” para passar a ser “(…) vista como uma forma de diálogo entre o artista e o público (…)”4. Neste sentido, o espetador passa de uma posição meramente contemplativa, para assumir um papel participativo na interpretação da própria obra, sendo, muitas vezes, convocado como parte integrante da mesma. De acordo com Rancière, a pura contemplação, enquanto noção tradicional de fruição, é substituída pela “emancipação” e interação ativa do espetador5.

Na verdade, a relação entre a obra e o espetador, é encarada como a força motriz da própria arte pública, uma vez que os artistas começaram a dirigir as suas intervenções para a exploração das potencialidades físico-perceptivas da obra, transformando o espectador no seu principal protagonista. Por conseguinte, são várias as obras que se definem em função do movimento, descoberta e interação direta do observador, construindo parte do seu significado a partir desse diálogo particular entre o sujeito e a obra.

Celebração do primeiro cinema local

A primeira sala de cinema foi criada pelos irmãos Lumière, no dia 21 de março de 1899, em Ciotat, no Sul de França. Nesta sala foi exibido, pela primeira vez, um conjunto de filmes experimentais da autoria dos Lumière, para uma audiência de cerca de 250 espetadores, que viria a alcançar um grande sucesso na localidade. Segundo relatos da época, a exibição de “A chegada de um comboio à estação de Ciotat”, que capta a mera entrada do comboio na estação desta cidade francesa, provocou a surpresa e os gritos de pânico dos espetadores que, ao fugir para o fundo da sala, procuraram escapar ao eventual atropelamento do comboio6. O cómico impacto provocado pela ilusão do cinema ficaria registado em filme.

O surgimento de uma sala de cinema numa localidade não só nos remete para os primórdios do cinema, como está impregnada de um conjunto de emoções e sensações de vários tipos, que deriva do primeiro contato com a arte cinematográfica. Grande parte das primeiras salas de cinema permanente, viriam a surgir na Europa no início do séc. XX, usufruindo de grande popularidade na região. Para assinalar esse fato, algumas localidades ergueram esculturas públicas.

São exemplo disso o “Kyoto as the Birthplace of Movies” no templo Shinnyo-Do (2008) em Kyoto e o “Monumento ao Primeiro Cinema e seu Fundador” (2014), da autoria de D. J. Kalashyan e Burika, instalado na cidade Novosibirsk, na Rússia.

“Kyoto as the Birthplace of Movies” celebra a primeira projeção cinematográfica ocorrida nesta cidade, levado a cabo pelo realizador Shoko Makino, no templo construído no século X. Ao contrário dos monumentos tradicionais de caracter figurativo que predominam nas ruas e parques desta cidade japonesa, esta escultura construída em granito e alumínio propõe uma linguagem abstrato-geométrica, composta por dois volumes escultóricos articulados entre si. A única referência ao universo do cinema e, mais concretamente, ao projetor cinematográfico é sugerido através da forma de um óculo cravado na superfície do volume escultórico. Apesar de ser uma peça pouco arrojada em termos formais, na medida em que se eleva a partir de um pedestal, destaca-se a harmonia que estabelece com a natureza e a própria arquitetura do templo.

Figura 1 - “Kyoto as the Birthplace of Movies”,2008, Kalashyan e Yu Burika, Kyoto, Japão. Extraído de https://www.fdtimes.com/2015/11/14/birth-of-cinema-in-kyoto-1908/.

Na cidade russa Novosibirsk, observa-se uma escultura com um propósito semelhante, isto é, um tributo à construção do primeiro teatro-cinematógrafo permanente e ao seu fundador Fyodor Makhotin, pioneiro na exibição de filmes nesta cidade. Conhecido por “Makhotina”, o teatro-cinematógrafo foi projetado para receber 100 espetadores.

A escultura de autoria do escultor Jemal Kalashyan e do arquiteto Yuri Burika apresenta uma composição dinâmica marcada por um volume cilíndrico, com cerca de dois metros de altura, constituído pela representação de um conjunto de bobinas cinematográficas não alinhadas. No topo a rematar a coluna, observa-se uma câmara de filmar esculpida em pedra, cuja modernidade deriva da simplificação formal e do tratamento da superfície da peça. É curioso constatar, que o espetador é convocado a observar a câmara no ponto de vista do realizador, por meio de um óculo situado naquele objeto, ao elevar-se a partir de um pequeno degrau construído para o efeito.

No corpo da obra, surge uma placa informativa onde consta uma imagem do primeiro teatro-cinema, inaugurado em 1908, na qual se pode ler a proveniência da iniciativa, promovida pela Fundação Cultural e a União de Cinematógrafos de Novosibirsk. Estamos perante uma composição escultórica eficaz e coerente, apesar de todos os elementos visuais serem reconhecíveis, é evidente a modernidade da gramática visual usada pelo artista e pelo o arquiteto. Esta composição escultórica pretendeu comemorar um momento relevante na cultura visual da cidade, dando corpo a uma memória que permanecerá viva nos habitantes de Novosibirsk.

Figura 2 - “Monumento ao Primeiro Cinema e seu Fundador”, 2014, Jemal Kalashyan e do arquiteto Yuri Burika, Novosibirsk, Rússia. Extraído de https://lookmytrips.com/5a7a31dbff9367587e0cb0e1/pamiatnyi-znak-pervyi-kinoteatr-ff9367.

Atores e a apreensão da realidade

A homenagem a atores tem sido mais frequente durante o séc. XX e XXI, embora haja registo de inúmeros monumentos escultóricos dedicados aos principais protagonistas de peças de teatro.

“Forever Marilyn” da autoria de Seward Johnson é uma das maiores homenagens a um ícone do cinema do séc. XX, a escultura em grande escala que ascende aos oito metros de altura, foi dedicada a Marilyn Monroe. A peça executada em 2011, com clara influencia da Pop Art, representa a pose exuberante da atriz numa cena icónica do filme “O Pecado mora ao lado” (1955), realizado por Billie Wilder, na qual se observa o poético esvoaçar da saia de Marilyn ao atravessar um respirador do metropolitano em Nova Iorque. Este escultor norte-americano viria a tornar-se conhecido pelas esculturas figurativas de personagens no seu quotidiano, muitas vezes inspirado em imagens extraídas da cultura de massas, como por exemplo na foto icónica do célebre beijo entre um marinheiro e uma enfermeira em Times Square, captado pelo fotógrafo Alfred Eisenstaedt.

A controvérsia em torno de “Forever Marilyn” está relacionada, por um lado, com um certo gosto kitsch derivado da linguagem de cariz realista, e por outro lado, pela pose provocadora e ousada da figura, pois revela ao espetador, dominado por um certo espírito voyer, a roupa interior do corpo idealizado da atriz. Não será difícil imaginar a reação dos espetadores perante “Marilyn”, cuja escala se impõe na paisagem, propondo um ponto de vista original e, sobretudo, inusitado.

Ao contrário da maior parte da arte pública contemporânea, esta obra não procura estabelecer uma relação site-specific com um local concreto, pois não se conhece nenhuma relação entre a obra e o local, sendo concebida enquanto peça autónoma e independente do espaço circundante. Por essa razão, não ficou instalada permanentemente em Chicago, mas foi exposta em diversas cidades norte-americanas – Califórnia, New Jersey, Connecticut –, tendo viajado até a Austrália, onde viria a permanecer cerca de um ano.

Apesar de tudo, “Forever Marilyn” representa uma das mais marcantes homenagens a uma atriz do séc. XX, destacando-se não só pelo impacto visual que gerou em cada cidade onde foi exibida, mas sobretudo pela ousada proposta estética.

Figura 3 - “Forever Marilyn”, Seward Johnson, 2011, Chicago, E.U.A. Extraído de https://www.thevisualtraveler.net/2014/07/forever-marilyn-sculpture-marilyn.html.

Cinema

Um dos motivos iconográficos mais populares da arte pública dedicada à arte cinematográfica no séc. XXI, são as bobinas fílmicas e a película cinematográfica, elementos simbólicos de uma arte que congrega a luz e o movimento. Na verdade, estes objetos combinam um conjunto de significados possíveis, que podem abranger desde o conceito de imagem-movimento criado por Deleuze, até ao conceito de montagem cinematográfica. As bobinas não podem ser entendidas como meros suportes da película, são muito mais do que isso, como refere Hugo Olim “aquilo que vemos projetado na tela é apenas uma parte de um todo contido na película” existem informações que nunca são reveladas7. Pois existe um grande número de informações (anotações, som, entre outras) que permanecem escondidas.

Para homenagear a obra de James Whale (1889-1957), nascido em Dudley (Inglaterra), conhecido realizador de filmes de terror como “Frankstein” (1931), “O Homem Invisível” (1933) e “A Noiva de Frankstein” (1935), foi erguida uma escultura em 2001 da autoria do escultor inglês Charles Haddcock. Instalada num parque dessa cidade, a escultura em ferro, assente sobre um pedestal em cimento que reproduz um conjunto de bobinas empilhadas, apresenta uma pelicula cinematográfica de grandes dimensões com 23 fotogramas. Na superfície de cada fotograma, foram gravadas as imagens dos filmes mais emblemáticos do realizador, divulgando a sua cinematografia junto do público8.

Figura 4 - “Tribute to James Whale”, 2009, Charles Haddcock, Dudley, Inglaterra. Foto de Tony Hisgett. Extraído de https://www.flickr.com/photos/hisgett/3896048775/

Uma composição escultórica muito similar, pode ser vista no “Monumento ao Cine”, de José Carralero instalado em 2003, em Léon. A escultura em aço cortene, com cerca de 10 metros de comprimento, também reproduz uma película cinematográfica, na qual é possível observar um conjunto de 12 fotogramas, selecionados pelo artista, que marcaram a história do cinema no séc. XX9. A forma escultórica que ascende a 8,5 metros de altura, é apoiada diretamente na rotunda principal de Fonterraba, ocupando um lugar de destaque na malha urbana desta cidade espanhola. A obra representa uma película cinematográfica, intercalada por fotogramas opacos e transparentes, nos quais se observam imagens de filmes que marcaram a história do cinema. Este elemento dinâmico, apela ao interesse e espírito de descoberta do observador que poderá tentar desvendar os títulos dos filmes selecionados pelo artista10.

Por vezes, as obras instaladas em rotundas comprometem a experiência estética do observador tornando-se inacessíveis, mas neste caso verifica-se a existência de uma boa relação visual com o espaço envolvente. Aliás, a obra foi desde o início projetada para ser observada à distância, permitindo uma rápida apreensão do espetador automobilizado. No entanto, certos detalhes visuais – a transparência de determinados frames –, apelam a uma experiência estética de proximidade, exigindo uma observação mais atenta.

Figura 5 - “Monumento el Cine”, José Carralero, 2003, Léon, Espanha. Foto de Pablo Gómez. Extraído de http://www.esculturaurbana.com/paginas/carj001.htm.

Um Cinema não convencional

Durante o Estado Novo, os cineclubes tiveram uma grande importância na divulgação do cinema proibido pelo regime e, por conseguinte, na resistência política à ditadura. Apesar deste movimento se iniciar em 1948 em Lisboa e ter tido continuidade noutras cidades do país, só em 1958 é que a cidade de Guimarães vê nascer o seu primeiro cineclube 11.

Inspirado no importante legado desenvolvido por esta associação naquela cidade, foi criado o “Centípede Cinema”, no âmbito das celebrações da Capital Europeia da Cultura em 2012. Esta intervenção de arte pública efémera, foi desenvolvida pela Escola de Arquitetura de Bartlett (Inglaterra) em parceria com a artista polaca Marysia Lewandowska e o coletivo de designers NEON. A obra que é fruto de uma relação estreita entre a escultura e a arquitetura, consistiu na criação de uma sala de cinema não convencional, com 16 aberturas ou bocais, a partir dos quais é possível ocupar e conhecer o interior deste corpo volumétrico. Toda a estrutura foi pensada para despertar o interesse dos transeuntes e apelar à sua participação, tornando-se num “espaço habitável”.

No interior desta espécie de cinema informal, foi exibido um filme constituído por 203 curtas metragens de um minuto12. A estrutura da obra destaca-se pelo seu aspeto futurista, um corpo metálico pintado de amarelo com um revestimento em cortiça, contrasta com a arquitetura envolvente da praça. Estamos perante uma obra de arte pública multi-sensorial, na medida em que propõe uma experiência visual e sonora, mas também física porque o observador pode “habitá-la” e aceder ao conteúdo exibido no seu interior. Por outro lado, é uma peça que se dirige à comunidade, na medida em que estimula o espírito de descoberta e participação ativa das pessoas, proporcionando a sua apropriação e, ao mesmo tempo, remetendo para a estética do “cinema móvel”. Neste sentido, vale a pena recordar o importante papel que o “cinema móvel” representou na divulgação do cinema no interior do país.

Figura 6 - “Centípede Cinema” de Arquitetura de Bartlett, Marysia Lewandowska e NEON. Extraído de https://www.dezeen.com/2012/10/23/centipede-cinema-by-colin-fournier-marysia-lewandowska-and-neon/

Conclusão

Olhar para a arte pública que hoje encontramos no espaço urbano é um desafio, na medida em que é um território amplo que compreende uma grande diversidade de linguagens, é importante salientar o modo como a sua forma e função evoluíram, de uma atitude celebrativa e ideológica, para uma nova consciência do seu lugar na sociedade. A estreita ligação com o espetador tornou-se no seu maior legado, através da valorização da experiência sensorial e percetiva do mesmo, mas também pela promoção de um verdadeiro diálogo com a comunidade. O espetador tornou-se no principal protagonista da arte pública, deixou de ser entendido enquanto figura estática e contemplativa, para se envolver de um modo dinâmico na construção de significado e na interpretação da obra.

Se até a segunda metade do séc. XX, a temática do monumento público tradicional se centrava em boa parte, em temas tradicionais, como a exaltação histórica de heróis, monarcas e valores estruturais da sociedade. Atualmente, observa-se o interesse pelos temas do quotidiano com uma forte relação com a comunidade. É o caso da arte cinematográfica, apesar de ser ainda uma variante com pouca expressão na arte pública, quando comparada com outras temáticas, existe a vontade de reconhecer a sua importância sócio-cultural.

As seis obras que aqui são apresentadas, de ampla proveniência geográfica, permitiram compreender o modo como a arte cinematográfica tem sido abordada no âmbito da arte pública e que tipo de linguagem visual predomina. Podemos concluir que este conjunto de obras incidiu sobre três tipos de conteúdos: os atores e os realizadores, as primeiras exibições de filmes em cinemas locais, e por fim a própria arte cinematográfica enquanto expressão artística e cultural. É importante referir que estas obras evidenciam, em alguns casos mais do que outros, a problematização de conceitos-chave essenciais: como o intervalo (Vertov)13, a imagem-movimento (Deleuze), entre muitos outros.

Verificou-se, também, que o léxico formal, é inspirado nas ferramentas e nas tecnologias específicas do cinema – câmaras de filmar, bobinas e películas – facilmente identificáveis pela comunidade, ou em cenas que se tornaram icónicas na história do cinema e que foram protagonizadas por atores célebres. Neste sentido, é possível considerar a existência de um conjunto de motivos visuais que prevalecem nas homenagens dedicadas à arte cinematográfica, capazes de estruturar e gerar formas artísticas com clara eficácia comunicacional. Porém, em dois casos concretos, foi possível observar fortes semelhanças formais entre as peças, concebidas em torno do fotograma enquanto elemento primordial da arte cinematográfica.

Importa acrescentar que em todas as obras, estiveram presentes as noções de tempo e de movimento, seja de um modo indireto com sugestões de caráter simbólico, seja de um modo direto, através de formas dinâmicas evocativas. Segundo Tarkovsky cada área artística tem a suas especificidades, mas “o cinema é único na sua dimensão temporal”14.

Notas Finais

1 Lefebvre 1991, 94.

2 Regatão 2011, 67.

3 Lippard 1997, 263.

4 Rouge 2003, 33.

5 Rancière 2010.

6 Sultanik 1986, 44.

7 Olim 2014, p. 146.

8 Noszlopy, George e Waterhouse, Fiona, 2005.

9 “Os Santos Inocentes”, “Casablanca”, “Le voyage dans la Lune”, “Un perro andaluz”, “O Grande Ditador”, “Ciudano Kane”, “400 golpes”, “King Kong”, “2001. Uma Odisseia no Espaço”, “Novencento”, “Os Pássaros” e o “o Padrinho”.

10 Ruiz 2011.

11 Salema 1978.

12 Frearson 2012.

13 Olim 2014.

14 Gianvito 2006, 77.

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