Abstract
Ian, a Scottish variation of the name John and which means God is gracious, is a short film made by Abel Goldbard in 2018. The theme of this film addresses to inclusive education and the way how society understandings the citizens with difference. Inclusive education and the elimination of social and architectural barriers has been the slogan of different governments and municipalities over the past few years. The way in which social and cultural barriers have been eliminated in the classroom, through the presence of students with difference, leads to behavioral changes and acceptance of difference as other ways of existing and making us think about life and moral issues. Thus, Ian (2018), is a lesson in strength and life for young people and a way to elucidate schools how to address this issue for a more inclusive education. The film, deliberately without dialogues, excels in the speech of images and sounds, in what concerns the transmission of its message.
In this sense, and from this short animation film, we intend to clarify how the shapes, images, and rhythmic patterns (not only of sound but also of images) contribute to the creation of sound and visual elements loaded with meaning and dramatic intensity. These elements can be precious to elucidate the way we must exercise responsible citizenship rights in childhood.
Keywords: Sound, Image, Education, Disability, Citizenship.
Introdução
O Indivíduo encontra-se aprisionado, e quantas vezes refém, do meio e das coações sociais que o cingem. Os valores que o definem, encontram-se continuamente sujeitos a pressões decorrentes dos muros que erige, bem como das opções que toma em função das situações que o cercam. A formação e educação que recebe neste contexto são importantes na orientação, aquisição e transformação dos valores da pessoa humana, e de si mesmo, em particular. Em outro, o homem se expressa arte delineando-se numa forma e num conteúdo expresso arte, mas ainda, como forma de resistência. Neste sentido, transforma e transforma-se por esta via a si e à sociedade, por meio de ações artísticas e culturais que o delineiam, informam e metamorfoseiam, alertando-nos para a realidade do mundo que nos circunda. A forma como o artista capta, reflete, aponta, alerta e consciencializa a todos para aquilo que acha o mais importante, de modo a alertar, agir e modificar a maneira de ser e pensar do outro, muitas vezes alterando o conjunto de valores daqueles que o circundam, permite-lhe idear uma panóplia de obras e ações criativas e artísticas que se mostram irrepetíveis e potenciadoras de saber e mudança. Neste contexto, a arte mostra-se um veículo de transmissão de valores e educação, conduzindo a pessoa a uma contínua interrogação de si, e a uma progressiva transformação do seu modo de pensar e indagar o mundo, levando-a a se adaptar a ele, sobrevivendo.
Cremos que a arte, e em particular a música aliada à imagem no objeto fílmico, pode constituir-se um veículo de educação e transformação. Outorgando a ocasião de efetuarmos uma interrogação constante daquilo que nos rodeia, conduz o homem na concretização de um mundo mais fraterno, inclusivo e igualitário. Educar para a cidadania é um desafio que se coloca a todos, mormente ao educador e ao pensador/artista. Desta forma, pretendemos questionar a forma como a arte pode ser considerada um agente de transformação e mudança, e como o indivíduo se verte nos valores da liberdade e do respeito pelo outro, através da criação artística. Para isso analisaremos um projeto onde a música e o texto se tocam, concorrendo para a abordagem de conteúdos e valores tão importantes para a sociedade, a arte e a educação, como sejam a fraternidade, a liberdade e a igualdade, mas também aqueles que norteiam uma cidadania mais ativa, atuante e proficiente.
A educação inclusiva e a eliminação de barreiras sociais e arquitetónicas vem sendo lema dos diferentes governos e autarquias ao longo dos últimos anos. A forma como se tem vindo a eliminar as barreiras sociais e culturais em sala de aula, mediante a presença de alunos portadores de diferença, leva a alteração de comportamentos e à aceitação da diferença como outras formas de existir e de nos fazer pensar sobre a vida e as questões morais.
O conceito de educação inclusiva surgiu associado à educação de alunos portadores de diferença, grupo de alunos com necessidades educativas especiais, e que são geralmente um grupo vulnerável à exclusão e ao insucesso. No entanto, e nos dias de hoje, o conceito é mais largo e pretende atingir todos os grupos vulneráveis e não somente aqueles portadores de deficiência. A inclusão é, assim,
um processo que visa responder à diversidade de necessidades de todos os alunos, através do incremento da sua participação na aprendizagem, na cultura e na comunidade e da redução da exclusão à educação e na educação. Envolve modificações nos conteúdos, nas abordagens, nas estruturas e nas estratégias e a convicção de que é responsabilidade do sistema educativo garantir a educação de todos os alunos (UNESCO, 2005) (Pereira 2011,7)
Neste sentido, “a escola inclusiva tem como princípio fundamental que todos os alunos devem aprender juntos, independentemente das suas dificuldades ou diferenças”. (Pereira 2011, 7) Sendo que a inclusão implica uma transformação do sistema educativo por forma a encontrar meios e formas de alcançar o sucesso de todos os seus intervenientes, revela-se um processo que reclama três fases bem distintas: a presença da criança na escola, a participação desta nas atividades escolares e a aquisição de conhecimentos que deve ser verificada pela presença do educando em sala de aula, a sua participação efetiva nas tarefas a realizar e a sua integração constante em todos os processos de aprendizagem.
Se não efetuarmos qualquer distinção entre os conceitos de inclusão e integração, podemos ver a educação regular e a educação especial como um todo que tem como objetivo oferecer um conjunto de oportunidades a todas as crianças independentemente das suas necessidades de aprendizagem. Promoveremos a inclusão do individuo portador de diferença, pela presença de indivíduos com necessidades educativas especiais (ou diferença) em sala de aula, permitindo a convivência e a interação entre todos, não havendo lugar à distinção entre pares. Nasce assim a oportunidade de a criança se tornar tolerante, de aprender a dominar as frustrações e a enfrentar de forma positiva o que é diferente. Realçamos ainda o facto de nascer a compreensão e a tolerância pelo individuo que necessita de mais tempo para ultrapassar as dificuldades ou desempenhar as tarefas que lhe são pedidas. As dificuldades do outro serão vistas como reflexão face às aprendizagens e vivências com tempos de ação diferenciados.
Os modelos de integração têm sempre em vista a resolução de um problema do ponto de vista médico. Nesse sentido, a integração visa habilitar, reabilitar, educar a pessoa para que aceite a diferença, e no caso da pessoa com deficiência que esta se sinta apta e capaz de integrar uma sociedade destinada a crianças e públicos não portadores de deficiência apesar dos esforços feitos. No entanto, e para a Escola, deveremos pensar esta tolerância, num âmbito maior, ou seja, destinado a todas as franjas da sociedade e a todas as diferenças que existem no mundo, diferenças sociais, económicas e culturais, podendo ainda abranger diferenças de género, raça ou credo religioso, o que com as movimentações de população a nível mundial faz cada vez mais sentido abordar no espaço de sala de aula.
Sendo que a escola é, e cada vez mais, um espaço plural e multicultural e onde a presença de indivíduos de diversas proveniências, nacionalidades, etnias ou portadores de capacidades e/ou incapacidades especiais, permite a mescla de culturas contribuindo para a génese de um conjunto de possibilidades criativas, formativas e educativas maior, deve responder às diferentes necessidades dos seus alunos “assegurando uma educação de qualidade a todos, através de um currículo apropriado e de modificações organizacionais” (Pereira 2011, 7).
Assim, e a cada novo ano, o professor depara-se com conjuntos de indivíduos sempre diferentes e, sobretudo, a cada momento mais desafiantes. Em outro, as condições proporcionadas no desenrolar da sua atividade formativa e educativa vão permitindo e possibilitando uma educação inclusiva e participativa. Quando portadores de alguma doença ou incapacidade, o desafio torna-se ainda mais complexo. Como integrar, como fazer despertar o sentimento de pertença a um espaço, uma turma, uma ação que, as mais das vezes, não integra nem inclui.
Nesse sentido, e porque confrontados com o facto de que os contextos e as práticas de cada escola se têm adaptado por forma a dar resposta aos desafios que se colocam, perguntamo-nos como fazê-lo, como oferecer uma reflexão em torno da inclusão e como as artes poderiam servir os nossos intentos de forma eficaz e integradora. Inúmeros são os suportes que podemos usar, e o filme, e neste caso uma curta metragem de animação, pode ser o indutor de uma série de atividades e reflexões em sala de aula e outros espaços de atividades que nos proporcionam a oportunidade de derrubar barreiras e incluir os alunos diferentes.
De modo a fazer pensar, discutir e incluir estes fatores nas nossas reflexões, fomos levados a procurar e a propor a visualização de uma curta de animação cujo tema é o individuo portador de deficiência, educando para a inclusão. Temos consciência que não existem fórmulas nem métodos que se apliquem de forma única e eficaz, pois estamos cientes que trabalhar com este tipo de público é um desafio constante dado que não temos uma reação, mas múltiplas reações exclusivas a cada individuo.
Num tempo onde a necessidade, senão dependência, por parte dos mais jovens, da internet, das redes sociais, e da importância destes na divulgação de informação, da imagem e da visibilidade social que proporcionam, bem como da forma como estes se mostram relevantes na sua ordem comportamental, pensamos ser este ainda o veículo eficaz e eficiente para chamar a atenção para as questões debatidas. Conjuntamente, seria a maneira de perceber como este meio poderia interferir no espaço da escola, determinando novos espaços de arte e novas formas de intervenção educativa, social e cívica.
Neste sentido, o filme Ian (2018), escrito por Gastón Gorali e realizado por Abel Goldfarb e música de Pablo Borghi, serve os nossos intentos pois aborda de forma criativa a questão da educação inclusiva com ajuda do poder da imagem e a força do som. Esta curta metragem socorre-se da imagem e do som para provocar no espectador o impacto necessário para uma reflexão profunda e atenta sobre a questão da inclusão de indivíduos portadores de diferença.
Ian – uma proposta de inclusão e reflexão sobre a diferença
A exclusão germina num fenómeno multidimensional. Expressando-se num conjunto de circunstâncias que ajudam e fomentam a inadaptação, a marginalidade, a discriminação e a pobreza, será sempre fator de dissensão social. De realçar o caráter cumulativo, dinâmico e persistente do processo de exclusão, mormente a social, encerrando em si processos de reprodução geracional, ou de evolução, constituindo-se, em paralelo, causa e consequência ao nível da coesão social (Rodrigues et al. 1999). Torna-se importante para o indivíduo a sua inclusão a nível social e cultural sendo que, toda a atividade artística e cultural, bem como uma formação e educação adequadas, concorrem, de forma eficaz e acelerada, para a sua inclusão e adaptação. Através da realização de ações artísticas, sejam elas mono ou multidisciplinares, o agente social mune-se de um meio eficaz de formação, elucidação e transformação dos indivíduos e da comunidade em geral. Neste processo, consegue, em fases sucessivas, atingir toda a comunidade, contribuindo para a cessação de muros e fronteiras físicas, sociais e emocionais. Desenvolvendo a motivação e a autoestima através da concretização e participação na edificação do objeto de arte, pode o homem modificar-se, modificando a sociedade onde se integra. A presença das artes e da música como ferramentas educativas promotoras de transformação e mudança, não pode alienar-se das características dos grupos aos quais se dirige, contribuindo para a formação e transformação de valores se assim for desejável, de forma a fazer evoluir a todos e à sociedade em geral. É no respeito e na inclusão do outro e das suas características que podemos conseguir agir, motivar e atrair, para uma mudança através da realização e promoção das atividades artísticas e da obra de arte em particular. Não excluímos, incluímos. Não desintegramos, integramos. Assim, no conjunto de atitudes e valores que promovemos, e com os quais nos capacitamos, se propaga, a inserção e inclusão de grupos diversos de indivíduos, contribuindo para a inclusão social, cultural e individual (Capucha et al. 2005).
Ian – o filme
Educar a partir das artes encaminha os intervenientes no processo educativo a abordagens diversas, mormente aquelas realizadas sobre os seus problemas pessoais, sociais e culturais, problemas esses que resultam da confluência num mesmo espaço institucional – a escola -, de diversos povos, etnias, culturas e religiões.
Através da obra de arte, e do filme em particular, temos a possibilidade não só de fruir o objeto estético, mas ainda de refletir sobre os problemas nele edificados. Neste sentido, Ian, variação escocesa do nome João e que significa Deus é gracioso, é uma curta metragem do realizador Abel Goldbarb cuja temática aborda a educação inclusiva e a forma como a sociedade vê o cidadão portador de diferença (Ian 2018). Esta curta metragem é uma lição de força e de vida para os mais jovens e uma forma de mostrar nas escolas como abordar esta questão e fomentar uma educação mais inclusiva. O filme, deliberadamente sem falas, prima pelo discurso das imagens e dos sons. No que respeita a transmissão da sua mensagem é um belo exemplo do poder da obra de arte no derrube de barreiras ao entendimento mútuo e à inclusão. De uma força extraordinária, o filme começa com uma visão do céu azul (sinal de infinito e de esperança) e cai lentamente para o cenário que nos contará toda a história de Ian (o parque de jogos infantis/recreio de uma escola). A música que o acompanha junta, em graus conjuntos e no intervalo de terceira (número perfeito) num movimento ascendente e depois voltando ao som inicial em movimento descendente e igualmente em terceira, (definindo a quinta do acorde), todo o universo de sons que serão usados ao longo da música. Assim, e depois de nos apresentar o acorde inicial, a peça desenvolve-se recorrendo sempre a graus conjuntos e intervalos de terceira, progredindo nas distintas direções quais passos dados pelo nosso protagonista no vasto percurso que nos é apresentado ao longo das imagens que comportam este filme.
O intervalo de segunda (graus conjuntos) descreve os pequenos passos de Ian e o esforço que este faz para se juntar aos colegas no pátio da escola. Numa primeira fase, o autor socorre-se do piano solo para transmitir a alegria, a calma e o prazer do convívio entre pares. Depois desta apresentação, surge o primeiro turbilhão de emoções (0:50) descritas na música e nas imagens, com a mudança nos intervalos usados e nas durações, muito mais curtas e rápidas, e com a junção das cordas da orquestra, numa tensão crescente e numa densidade muito maior de sons e de cores presente na variedade de instrumentos usados e no número de linhas da orquestra. A junção das cordas da orquestra acontece num momento muito preciso do filme que é quando o Ian revela os primeiros problemas motores e o copo lhe cai da mão quando este se encontra sentado no banco do recreio com os colegas (1:14). Há ainda que fazer menção à desintegração da imagem e ao aparecimento do vento que o envia para a cadeira de rodas através da rede de arame que circunda o espaço onde se encontram (1:18). Esta sequência de imagens faz-nos pensar que o discurso se encontra feito segundo a técnica de flashback, pois a ele se recorre mais tarde para exacerbar o discurso das imagens e dos sons.
A imagem surge-nos a negro (2:10) o que nos remete para o corte e respiração num reforço intencional da mensagem que se transmite. Recomeçam (2:13), as mesmas imagens e brincadeiras. Todas as dificuldades de Ian para se integrar nas brincadeiras dos amigos são reforçadas pela desintegração da imagem e o vento que sopra de forma violenta e se torna um obstáculo à sua reunião com o grupo (2:48). De notar ainda que, e do ponto de vista musical, este discurso é sempre sublinhado pelas cordas que se juntam ao piano intensificando a mensagem a transmitir.
Existe assim o retorno constante à imagem de Ian na cadeira de rodas do lado de fora do recreio (3:37), e que se intensifica de forma clara (4:05) quando a mãe o afasta do local e se ouve pela primeira vez, e única, o som das rodas que se deslocam calma e pausadamente pelo empedrado do passeio. A tensão que se cria guia o nosso herói para o clímax de emoções e o confronto de sua mãe com o pesar que sente perante a situação. Ian trava o andamento da cadeira de rodas e a conduz ele mesmo para a rede no sentido de se reunir aos colegas. As cordas e a percussão (ainda não usada) intensificam o discurso pois que o reforçam em intensidade e emoção. É a luta contra a diferença e o esforço da inclusão. Esse esforço conseguido quando atravessa a rede e se junta aos colegas no recreio reagrupando todas as partes do seu corpo, reconstruindo-se. É também aí que se ouve o esforço de Ian na respiração profunda e ofegante que revela também a luta que trava consigo mesmo e com a doença.
De referir, no entanto, que todo este esforço e toda esta força que nasce na revolta, lhe trazem marcas que se encontram presentes nas cicatrizes do seu corpo (5:05). Estas resultam do esforço que efetua para se juntar e reerguer junto dos colegas, esfoço esse que é de novo posto à prova quando o vento o arrasta impiedoso para fora do recreio, pondo à prova a sua resiliência bem como a sua aceitação por parte dos colegas e amigos. É neste ponto que se dá a viragem em toda a história. Os colegas o socorrem no último fôlego e o puxam para dentro da escola num clímax de som e na imagem que se desfaz depois que estes passam a rede para o lado de fora se desintegrando também (5:54). E todos se reerguem do lado de fora do recreio e a barreira se desfaz, assim com se desfaz a rede que separa o interior e o exterior do pátio onde Ian se detinha na cadeira de rodas (6:38).
Ouve-se a música inicial. Desaparece a barreira, a rede, reunindo todos no recreio numa mensagem de união e de caminhada conjunta para o futuro que se desenha em frente do seu olhar. E a história se conta neste processo de procura e de encontro de seres que se juntam sem ver a diferença, mas a unidade dos seus corações.
Num discurso destinado aos mais jovens, este filme explica de forma simples, mas clara, o que é a inclusão e os problemas e obstáculos que o indivíduo portador de deficiência tem numa sociedade que não se encontra delineada para este público.
Conclusão
A educação não-formal, presente em projetos onde as artes surgem no combate/prevenção de problemas sociais, passíveis de exclusão social, como por exemplo as dependências, a criminalidade, a prostituição, a solidão, a violência e a diferença, prenunciam uma forma de complementar a educação formal, e revelam algumas das mais-valias decorrentes de experiências de educação informal. Cabe, assim, aos criadores e educadores, aos cineastas e a todos os que podem intervir de forma a ultrapassar o défice de participação e intervenção cívica dos indivíduos nos dias de hoje, a realização de projetos e atividades artísticas que incluam as suas diferentes vertentes, nomeadamente a imagem e a música.
Para isso, em muito contribuirá a implementação de estratégias de intervenção por forma a atuar no sentido de aglomerar, não fomentando a divergência e a dissensão entre pares, potenciando o trabalho colaborativo nas diversas áreas de intervenção, do saber e fazer artístico.
Assim, e da análise deste filme podemos retirar elementos que suportam e sustentam as nossas intenções primeiras. A Educação Inclusiva, presente nas escolas e pretendida pela Direção Geral de Educação, visa a integração da criança portadora de diferença nos espaços de atividades e sala de aula por forma a permitir o acesso à educação e a convivência e socialização com crianças não portadores de qualquer diferença. Ora, esta pretensão da Direção Geral de Educação implica que a Escola faça um esforço suplementar na forma como gere espaços e metodologias de aprendizagem, assim como a verificação das aprendizagens e a sua consolidação. A verdadeira Educação Inclusiva prevê que o aluno diferente não sinta obstáculos à sua integração e que o aluno ordinário não veja o aluno portador de necessidades educativas especiais ou deficiência como um elemento diferente presente no seu espaço de atividades ou sala de aula. Ora esta diferença anula-se no convívio, na pertença, na aceitação e na participação de todos nas atividades. A forma como o fazemos e a forma como lidamos com a situação diverge de docente para docente e de aluno para aluno, sendo que os meios audiovisuais e as artes em particular têm um papel essencial na anulação dessas diferenças e dessas barreiras. No caso das expressões artísticas, área de conteúdo presente nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar e nos Programas e Metas Curriculares para o Ensino Básico, a abordagem de certos conteúdos nomeadamente os visuais e os musicais, poderão ser realizados a partir de filmes, nomeadamente a partir de filmes de animação. Ian (2018) apareceu-nos como uma oportunidade de abordar esta questão em sala de aula dada a presença de alunos portadores de mobilidade reduzida, o que fez com que imediatamente este filme fosse o indutor de toda uma discussão em torno de temáticas essenciais na sociedade contemporânea. A diferença presente não só nas questões ligadas à diferença física, psicológica e mental (necessidades educativas especiais) mas a todas as diferenças presentes no mundo, foram discutidas e abordadas como veículo de suporte e aprendizagem de um ponto importante do programa que são os valores de cidadania e de responsabilidade social.
Neste sentido, e mais uma vez, a narrativa do filme nos leva a pensar e a repensar estas questões, sendo que da sua discussão nasce a possibilidade de integração de todos em espaços de atividades sem qualquer oposição. Da mesma forma, a ausência de diálogos permite que o filme seja visto e compreendido na força das imagens sublinhadas pelo som. Este som, comportando diferentes texturas e densidades, diferentes instrumentações e orquestrações, outorga ao seu autor a possibilidade única de dizer pelo som o que não é dito por palavras. Todos, assim, acedem à mensagem que o filme carrega e à força que esta tem num tempo onde a diferença e a coabitação de diferentes povos, raças e etnias levam ao surgimento de opções políticas e religiosas sectárias e promotoras de ódios e dissensões. Ora, este filme promove precisamente a união e o derrube de barreiras entre os povos, entre os elementos que compõem a sociedade, numa interajuda constante com vista ao sucesso de todos. Surge uma moralidade na mensagem que nos é dada pelo discurso das imagens, pela força da narrativa e pelos ritmos impostos pelos sons. Uma moralidade que apela à união para a supressão das dificuldades e para a superação da segregação que poderá surgir pelo medo da diferença e o desconhecimento do outro e das situações. É o apelo ao conhecimento universal, à aceitação, à partilha de saberes e à reunião de todos os povos independentemente da sua raça, credo ou religião. Um filme cuja mensagem não poderia ser mais atual face às migrações de povos e à constante movimentação de pessoas e bens numa sociedade mutante e perene fruto da velocidade a que a vida decorre sem direito a reflexões e paragens para apreciar o que é belo na natureza, na sociedade e no ser humano quando catapultado para o bem e para a harmonia das relações.
A promoção do trabalho colaborativo em grupos multiculturais e heterogéneos, permite o desenvolvimento do respeito e da aceitação mútuas de forma a aportar ao objeto artístico.
Referências bibliográficas
Capucha, L. et al. (2005). Formulação de propostas de concepção estratégica das intervenções operacionais do domínio da inclusão social. Relatório final. ISCTE.
Pereira, Filomena. 2011. Educação Inclusiva e Educação Especial, Indicadores-chave para o desenvolvimento das escolas: um guia para diretores, Direcção-Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular, Editora Cercica, Estoril.
Rodrigues, E. V., Samagaio, F., Ferreira, H., Mendes, M.M. & Januário, S.. (1999). A pobreza e a exclusão social: conceitos e políticas sociais em Portugal. Porto, Universidade do Porto. Faculdade de Letras. Disponível em:http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/1468.pdf (consultado em maio de 2016).
Filmografia
Ian. 2018. De Abel Goldfarb. https://www.youtube.com/watch?v=fVUTtKvbha4 (acedido em 2 de outubro de 2020).