The movement of things: Jodie Mack and the looping experimental animations

O movimento das coisas: Jodie Mack e as animações experimentais em looping

Wilson Oliveira Filho1

UNESA, RJ, Brasil

Gabriel Linhares Falcão2

UNESA, RJ, Brasil

Francisco Malta3

UNESA, RJ, Brasil

Abstract

Since 2003, the english experimental director Jodie Mack has used primordial resources of cinema to produce cinematically powerful and entertaining works. With looping as the main artifice, her films explore different speeds, textures, colors, cuts, reflections, compositions and points of view. In movies like “Dusty Stacks of Mom: The Poster Project” (2013) and “The Grand Bizarre” (2018), the musical background is a constant. In the first, the director makes a rock opera adapting The Dark Side of The Moon to record the fall of the poster market, transforming the cultural products accumulated in her mother’s store into discard and consequently into raw material for her abstractions. The second is a roadmovie that moves around the raw material, mainly fabrics, tapestry pieces and maps that move around accompanied by music. Her movies stand out in contemporary experimental cinema for the uniqueness of having fun; experimentation is a great joke. Our aim is to analyze how Mack’s works dialogue with the looping of Eadweard Muybridge and Étienne-Jules Marey’s pre-cinema, with Stan Brakhage’s experimental provocations that encourage the exploration of movement, colors, textures and with animated GIFs. Despite the cinema’s proximity to GIF, it is not an easy task to point out names in contemporary cinema that relate to GIFs. Mack’s films are one of the few that can be seen as a series of GIFs and possibly the only one that, through a range of visual stimuli, manages to create movies as GIFs.

Keywords: Jodie Mack, Gif, Looping, Cinema experimental contemporâneo, Stan Brakhage.

“ E então temos o “no começo”, o “era uma vez”... ou o próprio conceito da obra de arte como “criação”

(Stan Brakhage)

Introdução

Em 2003, Jodie Mack lançou seu primeiro filme e desde então já realizou cerca de 20 filmes de variadas durações e firmou-se como um dos principais nomes do cinema experimental contemporâneo e da animação. Sua criatividade é hiperativa e sua matéria-prima pode ser qualquer coisa. Um papel pode ser rabiscado, rasgado, amaçado, amaçado novamente e novamente… Quando se interroga sobre o loop Mieke Bal observa que “cada momento que o giro de qualquer número termina eu digo a mim mesmo: “Mais uma vez”. E é invariavelmente durante uma dessas repetições que eu fico sensibilizado, por ver repetidamente, pela teatralidade do que acontece na(s) tela(s) em relação com o que é narrado” (BAL,2009, 167). Por meio desta metamorfose compulsiva da repetição, da série que para Deleuze (1969) já é por si só multiserial, a matéria trilha o caminho de seu fim iminente, o descarte e seus reusos. Descarte, que para Mack, significa dar vida. O nascimento das coisas acontece após o fim destas. Muito próprio dessa cultura do loop é como ressignificar os descartes, Mack é mais uma das seguidoras do que o Dj Spooky chamou de “filme como objeto achado”.

Quando pensamos os movimentos das coisas no trabalho de Mack temos claro, destarte a ideia de que os objetos que servem como suportes ou mídia tipificados por Flusser em dois tipos, os “objetos duros” e as “vibrações do ar” se tornam centrais para notar que tal “estratégia para a elaboração da memória cultural, embora primitiva se preservou em parte até os nossos dias”. (FLUSSER, 1998, p.179).

Analisar Jodie Mack como unicamente uma animadora abstrata seria tão restritivo quanto chamar Stan Brakhage do mesmo. A animação é o meio cerne dos filmes da diretora, mas a mesma está disposta a flexibilizar a forma a ponto de abandonar o artesanato e simplesmente filmar o real, ou encontrar animações dentro deste. Seja por meio de luzes, reflexos, objetos brilhantes, artifícios em movimento, dentre outras experimentações. Em uma entrevista com Elena Duque para a Revista Lumière, Mack é interrogada sobre a diferença formal de seus curtas “Glistening Thrills”, “New Fancy Foils” e como as animações são distintas em ritmos e velocidades a ponto de alcançar o abandono da técnica por adotar planos longos, contemplativos, que não convém as normalidades da animação:

Glistening Thrills têm três partes, e duas delas não são animadas. Uma parte é feita ao filmar o material brilhante que cai em câmera lenta, e a outra é um grupo de exposições duplas do móvel em rotação. E se, de acordo com minhas ideias, elas se expandirem, a animação diminuirá, como no caso de Jan Svankmajer, por exemplo, que fez longas-metragens com apenas algumas partes animadas. Às vezes, acho que experimentar coisas fora da animação é uma maneira de destacar a animação. (MACK, 2014)

Mack chama de “filmes de flicker de tecidos” seus curtas que lidam diretamente com efeito estroboscópico e tecidos. Porém, esse efeito é marca registrada da diretora que não se limita apenas a filmes com este material, estando presente em praticamente todos os seus filmes.

Você deve estar falando sobre New Fancy Foils, que tem muitos momentos que nem são animados. Meu objetivo com esse filme é expandir a duração da visualização no que chamo de “filmes de flicker de tecido”, filmes estroboscópicos nos quais me preocupava que eles fossem rápidos demais para o espectador apreciar o material e passar tempo com ele. Em New Fancy Foils, decidi desacelerar um pouco para poder ver o material com calma, já que o filme também tem muito texto. Dessa forma, as pessoas têm tempo para ler o texto e simplesmente recriar o material. No final, a peça retorna à minha técnica usual de animação estroboscópica, mas senti que tinha que começar em um ritmo mais lento (MACK, 2014)

O som divide seus filmes em duas ramificações: os mudos e os que adotam trilhas musicais. Nos filmes musicados, a imagem é como um corpo dançante que segue seus próprios ritmos resgatando em um certo sentido a sinestésica formulação de Abel Gance de que o “cinema é música da luz” ou nos filmes gráficos de Hans Richter e sua ideia de filme enquanto ritmo de imagens. A criatividade frenética da experimentação visual não acompanha as músicas, firmando sua independência e tornando a trilha sonora um elemento de fundo. Nos mudos, toda atenção fica para o visual, enaltecendo diferentes texturas e formas e como essas reagem a diferentes velocidades de montagem. Mack costuma utilizar o termo “contemplativo”. A variação de velocidades permite não só a contemplação dos ritmos, mas também de tudo que está na imagem, desde a imagem em si quando utiliza velocidades lentas, quanto da sobreposição das imagens na retina em velocidades mais rápidas criando mistos entre as abstrações. Já dizia Brakhage: “Ver é fixar… contemplar.” (1983, 341). Na mesma entrevista, Elena Duque pergunta “Então você acha que esse contraste pode ajudar a animação a ser mais impressionante?”:

Talvez, ou simplesmente permita que ocorram variações ao longo da mesma peça, como resultado do meu processo de animação, algumas podem parecer muito espasmódicas ou rápidas. Além disso, como você cria um momento contemplativo na animação? Às vezes é complicado. Talvez minha resposta para isso agora seja apenas desacelerar um pouco e não encorajar. Ou fazer algo que é quase “fingir” a animação em certo sentido, como quando você joga coisas em uma cena que parece fora de foco ... É quase um retorno à técnica tradicional de filmar, em oposição à animação pura. (MACK, 2014)

Existe nos filmes de Mack, um anseio pelo retorno à gênese do cinema; questões até pré-cinematográficas no sentido do balizamento dos inúmeros procedimentos mecânicos, ópticos, visuais e expressivos que envolvem a produção de imagens” fazendo da história do pré-cinema como o entendimento das práticas que sujeitam a imagem aos artifícios” (BENEDETTI, 2018, 23). A própria animação põe em cheque a linha tênue entre a animação e o simples ato de filmar o real, mas sim como algo que se pauta pelo artificial. Já que qualquer filmagem tem como unidade a divisão em frames por segundo, seria possível “fingir a animação” como identifica a realizadora? O real por si só já não é animado pela máquina? A busca pelas repostas dessas perguntas parecem ser o motor criativo de Mack. Perguntas que levam a outras tornando natural a hiperatividade do pensamento e da forma. A única reposta possível e concreta é a experimentação, mesmo essa nunca sendo satisfatória.

Dentre exemplos de “fingir a animação” podemos destacar de “The Grand Bizarre” (2018): 1- Panos dispostos na areia à beira do mar para que sejam animados pelo movimento natural das ondas que batem na costa. (Figura 1) 2- Um espelho em movimento pendurado por uma corda emitindo reflexos aleatórios diante da câmera. (Figura 2) 3- Bicicletas levemente suspensa enquanto suas rodas estão em movimento mesmo acima do chão. (Figura 3) 4- Tapetes pendurados em varais balançando ao vento. (Figura 4)

Figuras 1, 2 e 3 acima – Imagens de “The Grand Bizarre” (2018)

Figura 4 – Imagem de “The Grand Bizarre” (2018)

Os exemplos 1, 2 e 3 se encaixam em uma animação espontânea do real que surge por meio de um processo de disposição organizada das coisas. Os elementos são dispostos no enquadramento visando a reação que sofrerão de fenômenos naturais como o vento e o movimento do ar (que também podem ser eventualmente falseados). Mack não filma a erosão, mas utiliza a natureza em suas animações como se a filmasse. E o exemplo 4 também se encaixa junto aos outros, porém, no filme, Mack anima os tapetes filmando os em diferentes posições por causa do vento. Neste caso, a reação do objeto ao fenômeno permite a intervenção da diretora na criação de um movimento não natural. No caso da roda da bicicleta, por exemplo, a intervenção de Mack fracionaria o movimento natural circular, ocultando-o do quadro em vez de criar uma animação impossível como os tapetes se mexendo no varal.

The Grand Bizarre e a complexa animação experimental

“The Grand Bizarre” é até agora o tour de force de Mack em termos de criatividade, esforço e complexidade de feitura das animações. Seu filme mais conflituoso com os atos da criação e experimentação, pois todas as estas parecem espontâneas, processados intuitivamente sem qualquer resquício de ideias pré-estabelecidas, mas que esbanja preparo e experiência com sua câmera 16mm (que já carrega todo o risco da filmagem em película consigo). A única delimitação que o filme parece roteirizar previamente são os seis países de filmagem, porém existe a possibilidade de até isso ter surgido com o momento. No filme, a cineasta cria movimentos com tapetes e tecidos que mudam de cor, desenho e tamanho energicamente enquanto passeiam pelos países. A animação é o motor que faz os objetos se moverem. Objetos estes que não se resumem apenas aos citados, mas mapas, livros, escritos simbólicos, globos, livros, catálogos, enciclopédias, desenhos geométricos e o que mais for possível à imaginação e à mão entram na brincadeira.

Tecidos se mostram como elementos culturais de expressão tão potentes quanto os diferentes símbolos que aparecem. Letras e ideogramas de diferentes vocabulários e escritas juntam-se a animação relacionando as manufaturas filmadas à potência expressiva e comunicativa. “The Grad Bizarre” não é apenas um road-movie por tecidos, mas sim pela cultura, que se manifesta em todo elemento do real. Objetos manufaturados revelam a manufatura presente no mundo. Seja pela mão do homem, seja pela própria natureza. Os tecidos são o ponto focal da mise-en-place de Mack. Sua presença em constante mutação tem força centrípeta ao revelar os movimentos que preenchem o plano e possivelmente passariam despercebidos aos olhos. A luz que se move escurecendo o espaço, os reflexos de cristais que estampam a parede, os pássaros que voam em grupo, o mar e suas ondas em cadeias. Posteriormente mapas, globos, livros e outros artifícios cumprirão o mesmo papel dos tecidos. O road-movie de “The Grand Bizarre” não filma personagens percorrendo avenidas, mas sim elementos culturais que habitam e percorrem as paisagens, sejam sozinhos ou sejam com a ajuda de automóveis. Tecidos posam em motos estáticas e em trens, carros e barcos em movimento que aparecem estáticos para a câmera que filma de dentro dos automóveis.

O looping nos filmes de Mack tem um papel importantíssimo. A diretora adota-o com frequência na forma, mas esquiva-se dele no conteúdo. Por exemplo, os tapetes em várias sequências aumentam e diminuem de tamanho repetidas vezes, porém Mack recusa-se a repetir as estampas. Apesar da velocidade altíssima da animação dificultar a identificação da repetição, é dificílimo encontrar estampas repetidas, mesmo com grande esforço de busca. E em casos em que precisa trabalhar com um número limitado de opções, a diretora varia a ordem das sequências sem que essas se repitam. Este caso é visto em “Dusty Stacks of Mom: The Poster Project” (2013), que em uma cena ela utiliza cerca de 10 pôsteres de cantoras para compor a animação que ocupam o centro do plano. A repetição de lógicas é constante, mas a repetição formal não é satisfatória para Mack; seria uma falta de criatividade.

Novamente no filme de 2018, por meio da montagem rapidíssima que anima, Mack sobrepõe a feitura e o feitor. Une tecidos e mãos, tecidos e máquinas e tecidos com mãos operando máquinas. Assim como nos filmes de Robert Beavers, o objeto de estudo da abstração, são as mil possibilidades entre a mão e a imagem (em Mack, também a máquina e a imagem); um exercício literal de montagem em 16mm.

Este longa entra para a ramificação dos filmes sonoros da diretora. A imagem é acompanhada por músicas eletrônicas com sons eletrônicos e alguns sons já cativos de aparelhos e aplicativos contemporâneos, como o som de ligação de Skype, que ganha sua versão dançante. Em alguns momentos, o ritmo da animação acompanha o da montagem, mas em suma maioria a imagem é independente; reage como um dançarino amador em uma boate de música eletrônica, seguindo seu extinto e seus próprios ritmos que naturalmente se encaixam com a energia das músicas.

Em seus impulsos criativos percebe-se as raízes na felicidade, na brincadeira da criança diante do verde descrita por Brakhage. Filmar o mundo é uma grande brincadeira e se ele estiver desaminado, ela irá animá-lo. É o caso de seu segundo filme mais longo, “Dusty Stacks of Mom: The Poster Project” (2013).

Dusty Stacks of Mom: The Poster Project

“Dusty Stacks of Mom: The Poster Project” documenta a queda do mercado de pôsteres para a digitalização das imagens por meio da falência da loja de pôsteres da mãe de Jodie Mack. A diretora transforma o extenso estoque em matéria-prima para suas experimentações e o depósito um grande palco.

No início do filme, vemos pans pelos corredores do depósito e takes parados das estantes lotadas de tubos com pôsteres. Estes começam a cair no chão prenunciando o início do espetáculo. Nestes momentos, o “falseamento da animação” é mais presente; Mack utiliza planos com desfoque em movimento, além dos estáticos e pans. Enquanto isso no som, uma banda parece iniciar uma longa música de rock progressivo, com loopins e sons experimentais que prenunciam o show. O filme é uma adaptação cômica do famoso álbum Dark Side of The Moon (há um paralelismo com o nome Dusty Stacks of Mom) da banda de rock progressivo e psicodélico Pink Floyd. Com teclados que parecem computadorizados, guitarras com efeitos esquisitíssimos (como vibratos e delays, que são utilizados de maneira diferentes da versão original, como se buscassem um timbre próximo ao do teclado computadorizado), sons do depósito (como o som da mãe utilizando durex que vira a introdução de Money, ou “Mommy”) e um vocal feminino que não se esforça para alcançar as variações do original, se contentando em manter os tons e as letras (como em um karaokê). Estas últimas são alteradas e contam dados sobre a venda dos pôsteres, críticas ao consumismo, descrições do trabalho da mãe, entre outros temas relacionados.

No estoque há diversos pôsteres de cinema (clássico hollywoodiano, Nouvelle Vague, cults de locadora, …), estrelas de cinema (Bruce Lee, Al Pacino, Humphrey Bogart, …), bandas (boybands, hard rock, cantoras pop, …), esportes, modelos, sexy symbols, desenhos animados, paisagens (os com menor demanda), entre vários outros. As três personalidades mais vendidas são o Al Pacino de “Scarface” (Brian De Palma, 1983), Bob Marley e Che Guevara. Esta tríade se torna matéria-prima para uma das abstrações mais longas devido ao excesso de material no estoque, e o único elemento que une estes homens tão díspares é o fumo (que em alguns momentos se torna elemento comum para match-cuts).

Não só pela música, que é sim um indicativo, “Dusty Stacks of Mom: The Poster Project” é o filme mais psicodélico de Mack. Suas abstrações explodindo cores e movimentos centrípetos e centrífugos a partir do centro dos planos são comuns em seus filmes, mas neste, a introdução de pessoas famosas no conjunto, cruza a memória cultural com a psicodelia tornando o filme não só um grande estudo, mas também um sonho coletivo com estrelas em um vórtex inusitado de “coisas” (tudo o que estiver ao alcance da mão e da criatividade de Mack). Parece para nós se tratar de um filme hiperestético ou pensando uma audição todo inclusiva (MCLUHAN, 2002) que emerge nos gifs animados por exemplo mesmo sem sons. Pois esses estão sendo complementados por nós como no pré-cinema e no cinema de atrações. (GUNNING, 1994).

Após alguns minutos apresentando o local e os produtos, a mãe surge, com a boca aberta, como se cantasse a adaptação de The Great Gig in the Sky que toca ao fundo. Mack anima diversos takes da mãe boquiaberta para encaixar com o som a voz de Clare Torry que acompanha os teclados como se fosse um instrumento. Utiliza também imagens de outras cantoras famosas para sobrepor à música. A expressão facial da mãe é triste e desanimada como se reagisse à queda do mercado em que trabalha. Mack precisa animá-la. Após a aparição da mãe, todo o filme gira em torno dela. Luzes psicodélicas de festas caseiras pairam pelas paredes do depósito, reflexos de cristais, sombras dançantes nas paredes (provavelmente da mãe), faixas transparentes que desenham sua textura na sombra, prismas transformando luz em arco-íris (como na capa do álbum da banda Pink Floyd); o show está pronto para ela.

O trabalho da mãe vira então protagonista. Extensos catálogos e contas tornam-se abstração em animações rapidíssimas. Processos de embalagem de pôsteres e entrega por automóveis são ensaiados por animações até que a mãe brinque com os processos repetidos em tela, largando o ritual trabalhístico. O trabalho da mãe se une ao trabalho de Mack e as duas se divertem juntas.

Pôsteres com imagens da mãe e pessoas utilizando máscaras de palito com o rosto dela surgem. Ela é animada por Mack como se cantasse, como se tocasse guitarra, bateria, contrabaixo e saxofone (todos feitos de pôsteres e matéria-prima local) para uma plateia de mãos feitas com pôsteres, multiplicadas com suas sombras nas paredes. Seu rosto é introduzido em diversos pôsteres clássicos, passando da introdução de sua imagem no centro do triângulo de Dark Side of The Moon à sua imagem no centro da lua de “Le Voyage Dans la Lune” (1902) de Georges Méliès. Se o papel de Mack em “The Grand Bizarre” se assemelha ao pré-cinema de Eadweard Muybridge e Étienne-Jules Marey ao trabalhar com pequenos loopings para criar movimentos na fronteira entre animação e real, aqui o trabalho da diretora se assemelha ao de Georges Méliès, que por meio de processos primordiais de “falseamento” consegue ir à lua sem sair do estúdio (no caso de Mack, ir ao lado escuro da lua sem sair do depósito).

Na terceira parte e final do filme, a diretora foca na passagem dos pôsteres para o digital ao som de uma adaptação de Us and Them. Um estoque de imagens pode ser acessado em navegadores de pesquisa com um clique. Primeiro ocorre uma abstração do trabalho da mãe em que os produtos viram progressivamente descarte (Us). Segundo ocorre uma abstração das imagens computadorizadas em que páginas de navegadores de pesquisa apresentam um excessivo movimento visual de imagens similares (and Them). Por exemplo, abas de pesquisa intercalam grupos de imagens da capa do álbum de Pink Floyd, um movimento parecido com o que Mack faz com os catálogos da mãe, porém, agora, todos têm acesso à catálogos digitalmente. Toda essa passagem é realizada por meio da animação, assim como grande parte do filme descrita acima, que apesar de conter muito conteúdo, é representada por meio de animações experimentais com variados ritmos e ideias criativas de composição e criação, como qualquer outro filme da diretora.

Nas experimentações com imagens digitais, Mack expande a passagem da digitalização para além dos pôsteres. Pinturas e xilogravuras de Vincent Van Gogh, Katsushika Hokusai e Salvador Dalí são agora vistas na tela do computador. Se por algum momento da história o pôster simbolizou a democratização da obra de arte a qualquer lar, agora toda história das artes visuais se encontra numa única tela como uma obra fluída. Luzes de festas e animações com projetores são intercaladas com imagens computadorizadas do Google de Dark Side of The Moon. A passagem dos shows para boates. Da banda ao DJ. O Grito de Edvard Munch se transforma na famosa figura do grito de The Wall do Pink Floyd, O Nascimento de Vênus de Sandro Botticelli se transforma no Nascimento de gatinhos filhotes, quadros de mulheres nuas se agrupam transformando-se em outra famosa gravura com 5 mulheres nuas de costas com pinturas corporais de capas de álbuns do Pink Floyd.

Como dito anteriormente, todo descarte para Mack é um nascimento ou um renascimento. A loja de sua mãe vira uma completa abstração de lixo e papéis amassados cheios de vida. Sua mãe renasce. Termina quebrando a guitarra de pôsteres no chão com toda a felicidade enquanto trituradores jogam restos picotados de seus produtos para o alto. Nem um desastre familiar derruba a comicidade e o alto astral da animadora em uma sociedade que preconizou Beatriz Sarlo que nos faz sermos “livremente sonhados pelas capas de revistas, pelos cartazes, pela publicidade pela moda: cada um de nós encontra um fio que promete conduzir a algo profundamente pessoal, nessa trama tecida com desejos absolutamente comuns”. (SARLO, 2006, 25)

“The Dusty Stacks of Mom: The Poster Project” teve sua estreia no Festival Internacional de Cinema de Rotterdam e sua exibição foi em cinema expandido com o filme projetado e um show ao vivo cantado por Jodie Mack acompanhada por uma trilha sonora gravada por nove pessoas.

Jodie Mack e Stan Brakhage: Uma aproximação como conclusão

Se por um lado poderíamos tentar à guisa de conclusão aproximar os trabalhos de Brakhage com Mack através de uma nova prática como a glitch art, por outro temos um caminho mais fácil através do gif animado. Ambos os artistas parecem em sua obra lidar com essa imagem gráfica intercambiada e em loop. Com a ideia do cineasta como “cientista do design” como designou Yougblood em Expanded Cinema (1970). O gif essa extensão para imagens leves com movimento criada nos anos 1980 permite salvar arquivos visuais no computador sem muito peso para a memória das máquinas, mas com muito peso para nossas memórias. Assim como os filmes de Jodie Mack um apelo a memória do cinema a memória em sua relação com os que marcam uma sociedade ultramidiática e altamente pautada pela experimentação.

O gif se situa nessa relação entre arte e cinema ou da “possibilidade de um cinema que é simultaneamente o mesmo, mas é também outro, como em um deslocamento que cria uma tensão entre o cinema dominante e seus desvios” (PARENTE, 2013, 27)

No texto de Jordan Cronk para Film Comment, “The Decade in Experimental Film”, o crítico faz um pequeno panorama do cinema experimental entre o ano de 2010 e 2019, reservando um lugar especial para Jodie Mack e “The Grand Bizarre” e comenta as mudanças curatoriais para cinema do estilo.

Para a animadora norte-americana Jodie Mack (The Grand Bizarre), sem dúvida a mais excitante artista de imagens em movimento que se destacou nos últimos dez anos, essas tendências de curadoria são de ambos os lados. “Por um lado”, diz ela, “estou emocionada por os curadores estarem olhando para cineastas mais jovens de várias origens. Por outro lado, o “gosto” e a natureza de elite do filme experimental são contra-intuitivos para o verdadeiro desenvolvimento social que buscamos. Então ainda há trabalho a fazer. (CRONK, 2020)

Jodie Mack busca a fuga da “natureza de elite do filme experimental” por considera-los contra-intuitivos. Um dos principais exemplos disso é a o destaque de Mack pelo astral de seus filmes, já que grande parte do mercado experimental (um termo já possível pois cada vez mais apresenta suas tendências e demandas) leva seus filmes e o processos à uma seriedade hermética, por vezes até considerada iluminista, e pelo grande número de cineastas experimentais que atribuem signos de opressão, depressão, solidão entre outros relacionados a seus filmes. A diretora aponta uma libertação da intuição e inevitavelmente se aproxima mais ainda de Stan Brakhage. Mesmo fugindo de uma “natureza elite do cinema experimental” é impossível renegar as origens. Se hoje há uma padronização de filmes não é por culpa da gênese, mas sim do processo natural de inspiração que recorta as ideias do inspirador e o afasta com o tempo da posição de inspiração, dando lugar aos inspirados. Hoje existem milhares de filmes pintados à mão, mas poucos que tenham Stan Brakhage como influência direta; são pouquíssimos os que experimentam em prol de uma ontologia da visão e do ato de experimentar. E Mack se enquadra dentre as pouquíssimas. Que faz da gênese um processo de revolução. Seus filmes, antes de qualquer conteúdo possível, abordam a experimentação pura. Seus curtas experimentam dentro de delimitações específicas, seja o material utilizado, seja por um modelo formal a ser seguido, entre outras experimentações. E seu longa “The Grand Bizarre” assume todo o risco possível da experimentação; é seu trabalho mais confrontoso em relação a ontologia da experimentação.

Assim como os longas de Brakhage feitos no final dos anos 80 e início dos anos 90 (como a série “Visions in Meditation” e “A Child’s Garden and the Serious Sea”), The Grand Bizarre é um filme que se constrói pelo processo de experimentação. Em que a diretora vai de confronto ao real, experimentando o que a intuição trazer, fazendo do filme uma jornada de auto-conhecimento dele mesmo. “Hoje, são poucos os que dão um sentido mais profundo ao processo de percepção e que transformam seus ideais em experiências cinematográficas, em busca de uma nova linguagem possibilitada pela imagem em movimento.”. (BRAKHAGE, 1983, 343).

Logicamente, o cinema de Jodie Mack já possui seus traços. Estes que fazem parte de um longo processo de auto-conhecimento. O que não significa experimentar menos, ou cair em uma padronização. Mas sim uma experiência maior em lidar com o olhar infantil de quem está prestes a descobrir o mundo (o que é completamente diferente de um amadorismo). O próprio Brakhage teve fases que dividem sua carreira e nem por isso deixou de ser um experimentador livre. Por exemplo, nos filmes feitos no período citado acima, ele já não utilizava determinados artefatos externos à câmera que distorciam a imagem, como no início de sua carreira. Até porque, os longas citados são filmes feitos fora de casa, às vezes até dentro de carros (road-movies experimentais também), logo muitos materiais que estariam ao alcance de Stan em casa não estavam durante o processo destes filmes.

Os filmes de Mack mais similares às pinturas manuais de Brakhage e os processos de edição desses filmes são os dois curtas da série de Wasteland: “Wasteland No. 1: Ardent, Verdant” (2018) e “Wasteland No. 2: Hardy, Hearty” (2019). O primeiro opera com planos estáticos, chapados e sem movimentação interna, a única movimentação é a luz que revela pelas sombras em movimento que a superfície chapada na realidade é tridimensional e que não eram fotos. Esta escolha de trabalhar com planos estáticos permite uma rápida associação com os fotogramas pintados de Brakhage, em que todo o ritmo e movimento são produtos da montagem. O segundo em vez de planos totalmente estáticos trabalha com planos chapados de verduras, raízes, flores e gelo ensopados, criando um leve movimento interno nos planos em flicker pelo movimento inevitável da água.

Na estética da repetição, no experimentalismo que as metáforas da visão tecem através do movimento incessante das coisas que se tornam outras, Mack, como pensamos ao longo dessas linhas, parece remixar Brakhage. Na era do remixibalidade técnica, estendendo Benjamin, o cinema animado, musical e expandido de Jodie Mack nos leva a entender o enigmático desfecho do texto Metáforas da visão do gênio experimental:

Meu sonho é com a câmera misteriosa, capaz de reperesentar graficamente a forma de um objeto depois de ele ter sido remivido do espao do registro fotográfico... o “absoluto realismo” do cinema é uma não realizada, logo potencial, magia (BRAKHAGE, 1983, 352).

Magia, movimento... em loop. Pelos gifs o cinema vira metáfora do fragmento.

Notas Finais

1Professor e Pesquisador do Programa Pesquisa Produtividade na Universidade Estácio de Sá (UNESA). Coordenador do curso de Fotografia na mesma instituição. Doutor em Memória Social e artista multimídia no DUO2x4.

2Graduando do último período do curso de Cinema e Audiovisual na UNESA. Bolsista de Iniciação científica na mesma instituição

3Professor e Pesquisador do Programa Pesquisa Produtividade na Universidade Estácio de Sá (UNESA). Coordenador do curso de Cinema e Audiovisual na mesma instituição. Doutorando em Literatura Comparada – UERJ - e roteirista.

Referências

BAL, Mieke. 2009 Setting the stage: The subjective mise en scène. In: DOUGLAS, Stan; EAMON, Christopher (eds.). Art of projection. Ostfieldern: Hatje Cantz.

BENEDETTI, Raimo. 2018. Entre pássaros e cavalos: marey, Muybridge e o pré-cinema. São Paulo: Sesi editora.

BRAKHAGE, Stan. 1983. Metáforas da Visão. In: XAVIER, Ismail (org.) A experiência do cinema. Rio de Janeiro: Graal.

CRONK, Jodie, 2020. The Decade in Experimental Film. Disponível em: https://www.filmcomment.com/blog/the-decade-in-experimental-film-2010s-james-benning-jodie-mack-lucien-castaing-taylor-and-verena-paravel/

DELEUZE, Gilles. 1969. Logique du sens. Paris: Les Éditions de Minuit.

FLUSSER, Vilém. 1998. Ficções filosóficas. São Paulo: Edusp.

GUNNING, Tom. 1994. A grande novidade do cinema das origens. Revista Imagens, São Paulo: Editora da Unicamp, n.º 2.

MACK, Jodie Interview. 2014. Elena Duque - Jodie Mack. Popular Abstractions. Diponível em: http://www.elumiere.net/exclusivo_web/rotterdam14/01_web/05_rotterdam14.php

MCLUHAN, Marshall. 2002. Os meios de comunicação como extensões do homem: Understanding media. São Paulo: Cultrix.

PARENTE, André. 2013. Cinemáticos. Rio de Janeiro: +2 Editora.

SARLO, Beatriz. 2006. Cenas da vida pós-moderna: intelectuais, arte e vídeocultura na Argentina. 4 ed. Rio de Janeiro: Editora UFRJ.

YOUNGBLOOD, Gene. 1970. Expanded cinema. New York: E.P. Dulkton & Co.