Virtual Monuments: A Collaborative Fulldome format audiovisual project

Monumentos Virtuais: projeto audiovisual colaborativo para formato fulldome

Andreia Machado Oliveira

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Matheus Moreno dos Santos Camargo

Universidade Federal de Santa Maria, Brasil

Luyanda Zindela

Durban University of Technology, África do Sul

Abstract

This article presents the “Virtual Monuments” project that explores alternative modes of video production and projection, investigating other media, formats and practices. Our fulldome project is a collaborative interdisciplinary project jointly produced by the Federal University of Santa Maria/Labinter (Santa Maria, Brazil), Durban University of Technology/ Interdisciplinary Lab (Durban, South Africa) and the Federal University of Ceará (Fortaleza, Brazil). The aim of this project is to use the planetariums or different surfaces in these cities as sites for the projection of digital monuments collaboratively produced and shared between the three participating cities. Monuments are usually considered structures that occupy public spaces as cultural symbols commemorating important figures, events or elements of a culture´s heritage. Monuments can also be seen as sites where power can either be enforced or contested. The Virtual Monuments project was produced jointly as an experiment in multi-sited, collaborative, interdisciplinary creation between the three participating institutions in order to expand our understanding of the dynamic collaborative processes of ideation, creation, production, participation exhibition and reception. Each site contributed and participated in the creation of the others’ artworks, each one sharing their creativity and know-how to collectively realize these monuments as a tentative siting of dissolution of hierarchies and power structures within institutional creative environments. The project has been showcased in international events such as “Understanding Visual Music - UVM” at the Galileo Galilei Planetarium of Buenos Aires, “DIGIFEST” at Durban University of Technology, and “EFEMERA” at the UFSM Planetarium in Brasil.

Keywords: Art, Cinema, Audiovisual Project, Fulldome format, Virtual Monuments.

Introdução

O projeto “Monumentos Virtuais” explora modos alternativos de produção e apresentação audiovisual, voltado a exibições de cinema ampliado, investiga outras práticas, mídias e formatos expositivos. Este projeto interdisciplinar, entre as áreas de arte e tecnologia, foi desenvolvido de modo colaborativo entre os laboratórios: LabInter1 da UFSM (Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, Brasil); Interdisciplinary Lab da DUT (Durban University of Technology, Durban, Africa do Sul); e #IR da UFC (Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, Brasil).

Fomentamos portanto neste, a utilização e transgressão de imagens e sons das três cidades: Santa Maria, Fortaleza e Durban. Exibindo este trabalho em espaços expositivos destas cidades, visando também a circulação deste por outros locais.

“Monumentos Virtuais” é uma poética audiovisual que visa ampliar a compreensão dos processos interdisciplinares e colaborativos de concepção, produção, participação, recepção e exposição de obras audiovisuais, apontando à ampliação dos formatos e suportes cinematográficos.

Cada equipe local contribuiu com a geração de registros e na produção audiovisual, dividindo via plataformas de compartilhamento online sua criatividade e conhecimento para produzir coletivamente esses monumentos virtuais, como um experimento de dissolução das hierarquias e estruturas de poder institucionalizadas.

O projeto foi apresentado em eventos nacionais e internacionais, como: “DIGIFEST” na Universidade Durban de Tecnologia da África do Sul, “EFEMERA Imagem”2 no Planetário da UFSM no Brasil e “UVM - Understanding Visual Music” no Planetário Galilei Galilei de Buenos Aires.

No LabInter, pesquisamos processos generativos em ambientes digitais, associados a linguagens analógicas e digitais, para a criação de trabalhos audiovisuais. Essas produções são exibidas anualmente no evento “EFEMERA Imagem”3, bem como são enviadas para outras mostras audiovisuais nacionais e internacionais. Neste âmbito, discutimos como a modificação dos métodos de criação alteram o lugar e o papel do artista contemporâneo, produzindo deslocamentos nos circuitos expositivos tradicionais.

Tal projeto trata sobre a questão dos métodos de criação e pesquisa colaborativa, que integram artes visuais, música e mídias emergentes, na geração e interação entre imagens e sons. Incentiva-se a experimentação de novos métodos de produção e exibição de imagens, problematizando as tecnologias emergentes e os formatos das produções audiovisuais, em projeções fulldome4 nas cúpulas de planetários, telas panorâmicas e vídeo mapping de fachadas arquitetônicas. Questionamos assim, os espaços de arte contemporânea e os contornos expositivos.

A associação entre arte e tecnologia é essencial para pensarmos a produção de um cinema ampliado, com novas possibilidades de exibição. Desde sua origem, o cinema vem expandindo seus formatos, representações e agregado novas tecnologias que alteram também a participação de seu público. Na atualidade, entendemos que um cinema ampliado pode romper com narrativas lineares tradicionais, associando a tecnologia envolvida, o espaço e a imagem de exibição, ampliando sua percepção e fruição.

Abordamos o cinema num contexto amplo, atravessando questões técnicas e artísticas. Visa-se a expansão das linguagens e métodos cinematográficos, produzindo um cinema integrado às artes contemporâneas com o uso de tecnologias emergentes. Nesta perspectiva, a obra audiovisual “Monumentos Virtuais”, pretende causar a desconstrução das narrativas tradicionais e a revisão das relações entre cinema, público e local expositivo.

“Monumentos Virtuais” dá continuidade à outras duas propostas desenvolvidas anteriormente. A primeira é a obra “Cosmografias fulldome”, desenvolvida durante um ano no projeto “UVM 2015-2016 (Understanding Visual Music)”, organizado pelo Prof. Dr. Ricardo Dal Farra, que engloba pesquisas sobre música visual voltadas para fulldome, apresentadas no Planetário Galileo Galilei de Buenos Aires, e em outros locais pelo mundo.

A segunda proposta, “Same Same, but different”, consiste em uma vídeo instalação interativa, uma vídeo projeção e uma proposta QRcode em arte e tecnologia, desenvolvida em numa parceria colaborativa do LabInter da UFSM com o Interdisciplinary Lab da DUT (Durban University of Tecnhology, África do Sul), sendo exibida no evento internacional “ISEA Durban 2018”.

Desenvolvimento

Esse projeto consiste nas inter-relações entre as dimensões processuais e sistêmicas. A metodologia de pesquisa em artes visuais que norteia este trabalho, implica na conjunção de problematizações teóricas e experimentações poéticas, já que “toda obra contém em si mesma a sua dimensão teórica” (Rey in Brites e Tessler 2002, 127).

Considera-se, também, o aspecto híbrido da pesquisa, como comenta Rey:

A instauração da obra pressupõe, em muitos casos, operações técnicas e teóricas bastante complexas, abrindo margem considerável a cruzamentos e hibridismos tanto de conhecimentos quanto de procedimentos, tecnologias, matérias, materiais e objetos, algumas vezes, inusitados (Rey in Brites e Tessler 2002, p. 125).

As etapas da pesquisa consistem na realização de encontros semanais com o grupo de participantes deste projeto, e com a análise de textos e produções em Arte e Tecnologia, voltadas ao estudo de ambientes imersivos e interfaces interativas, bem como de projection art.

O projeto gira em torno da criação de um diálogo cultural e de intercâmbio de produções entre as três cidades (Santa Maria, Fortaleza e Durban), tendo o objetivo de transformar espaços expositivos (fachadas de edificações e interior de cúpulas de planetários) em locais de reflexão sobre as estruturas invisíveis e virtuais presentes em cada uma das cidades, e que não necessariamente precisam ser monumentos edificados. Ao retirar visões centralizadas dos espaços culturais, buscamos criar espaços imersivos e sensíveis, onde figuras, eventos, costumes e símbolos sejam deslocados do cotidiano.

Entendemos que monumentos, geralmente, são estruturas físicas que ocupam espaços públicos, impondo seu poder como símbolos coletivos de figuras legitimadas, eventos ou elementos do patrimônio de uma cultura. Deste modo, vislumbramos que através desse projeto, possamos problematizar estes locais, contestando seu poder e reescrevendo suas memórias constantemente.

A produção poética de “Monumentos Virtuais” foi desenvolvida de modo colaborativo, durante o período de 2018 a 2019, por membros do LabInter, e membros de grupos de pesquisa parceiros da UFSM e de outas instituições, como o Interdisciplinary Lab da DUT (Durban University of Technology, África do Sul) e do #IR da UFC (Universidade Federal do Ceará Fortaleza, Brasil)5. Almejamos assim, promover cooperações em redes de pesquisa e criação entre instituições nacionais e internacionais, em nível da graduação e pós-graduação.

As equipes que desenvolveram esse trabalho foram: LabInter/UFSM/Brasil - Andreia Machado Oliveira, Barbara Almeida, Camila Santos, Calixto Bento, Evaristo do Nascimento, Fabio Almeida, Jonas Louzada, Jonathan Ferreira, Luiz Augusto Alvim, Matheus Moreno Camargo, Natália Faria, Vanessa Fredrich, Wiiliam Sena Santana; #IR/UFC/Brasil - Milena Szafir; e Lab/DUT/África do Sul - Luyanda Zindela, Niresh Singh e Tasneem Seedat.

Durante o período de dezembro de 2018 a novembro de 2019, organizamos na UFSM workshops de softwares diversos e outras ações, como o “I e II Encontro de Pesquisa - Propostas Artísticas para Fulldome”, que contou com a colaboração da Profa. Dra. Milena Szafir da UFC (Universidade Federal do Ceara, Brasil) e do Ms. Luyanda Zindela da DUT (Durban University of Technology, Africa do Sul). Durante 2019 foi apresentado os resultados em eventos de arte e tecnologia.

Todo o período que envolveu o processo de produção do audiovisual, o planetário da UFSM disponibilizou o espaço para testes durante a pesquisa. Os testes foram essenciais para entendermos como as imagens e os áudios produzidos no computador se modificavam no domo do planetário, bem como a posição dos espectadores alteravam relações dimensionais das mesmas.

A narrativa do audiovisual “Monumentos Virtuais” (tem 4:30 minutos de duração) pode ser dividida em dois momentos principais. Este, inicia com linhas circulares que se entrecruzam e se deslocam e intercruzam no espaço côncavo do domo do planetário, logo estas linhas transformam-se em sequencias de vídeos das três cidades, apresentando cenas do comércio informal, explorando e questionando, pondo em cheque e relacionando a centralidade desta estrutura física, monumental e arquitetônica com a do poder (duração 2:15 minutos). Os vídeos são editados e montados, buscando certa adequação para uma visão de 360º, para movimentos ao longo do diâmetro do dome do planetário, para movimentos de proximidade e distanciamento da cúpula e do público.

No segundo momento, surgem três “globos” (esferas) com vídeos dos locais do cotidiano das três cidades, um para Durban (vídeos de ruas e pontos de transportes coletivos), outro para Santa Maria (vídeos de estradas entre árvores e morros) e outro “globo” para Fortaleza (vídeos de dunas e praias). Estes “globos” se entrecruzam, tendo sua dimensão e temporalidade distorcida (duração 2:15 minutos).

Figura 1 - Frames digitais da obra audiovisual “Monumentos Virtuais”, formato para exibição fulldome.

Também foram utilizadas animações, desenvolvidas com a técnica de rotoscopia, em que o desenho digital é feito sobre quadros de frames do vídeo (com o software Adobe Photoshop CS6 e uma mesa digitalizadora para produção do desenho digital). Realizamos também, na produção audiovisual o estudo dos softwares de construção de ambientes imersivos e interação entre imagem e áudio (Touch Designer), de edição de imagens e animação de vídeos (Adobe After Effects).

Inicialmente “Monumentos Virtuais” foi produzido para formato fulldome, contudo quando este projeto foi repensado e adaptado para uma tela panorâmica, composta de modo horizontal em 360º, percebemos que o público teve uma maior liberdade de visualização, pois podia se deslocar imerso no espaço expositivo, o que não acontece em planetários com projeções em suas cúpulas, pois todos se encontram sentados em cadeiras olhando para cima.

Este formato, posteriormente, foi utilizado também para um vídeo mapping, devido à dimensão da fachada em que este foi projetado.

Figura 2 - Frames digitais da obra audiovisual “Monumentos Virtuais”, formato para exibição em tela panorâmica de 360 graus e vídeo mapping.

Nestas animações audiovisuais, as imagens exploram a visualidade do som e a musicalidade do que se vê, sincronizando a mutação dos padrões visuais com elementos sonoros, a luz dinâmica das imagens projetadas com a estrutura material arquitetônica, gerando novas percepções espaço-temporais. Assim, o domo côncavo da arquitetura dos planetários apresenta-se como uma hipersuperfície onde é possível vivenciar associações das imagens audiovisuais digitais com o espaço físico sensível, compondo um espaço imersivo de experiências efêmeras.

Nossas proposições audiovisuais buscam explorar possibilidades de produção e criação dentro do formato imersivo fulldome, uma vez que imagens projetadas em uma superfície plana, como uma parede, difere muito de imagens em superfícies côncavas ou circulares. Compomos este trabalho em camadas sobrepostas: a camada de base desfaz a relação form-background com o fulldome através de um campo de profundidade espacial infinita, dentro do qual a transformação da narrativa se desenrola. Imersas neste volume ilimitado, figuras de luz interagem entre si como variações de cor e intensidade, em movimentos rotacionais que geram uma composição dinâmica de imagens efêmeras.

Este contexto, convém para se problematizar os processos criativos de imagens contemporâneas e música visual, através de experiências com processos generativos. Refletimos, imediatamente, sobre uma representação audiovisual fulldome que atualiza constantemente a arquitetura, através de eventos e reconexões do espaço/tempo, permitindo a readaptação constante também dos indivíduos, imersos nas imagens mutantes destes ambientes, intermediados pelas interfaces tecnológicas.

Na produção do áudio de “Monumentos Virtuais”, o desenho sonoro foi realizado para o espaço imersivo do planetário utilizando uma DAW (Digital Audio Workstation). O mote do trabalho foi explorado com ferramentas de espacialização do som, através de sintetizadores e diversas gravações de áudios das cidades participantes deste projeto, Augusto Alvim e Jonas Louzada realizam a composição da trilha sonora, com uma abordagem híbrida e dinâmica.

Buscamos assim, a criação de um campo sonoro que amplie o senso de imersão (por meio do software Ambisonics), pois os áudios são manipulados não só quanto às suas características tímbricas, mas também quanto às suas qualidades espaciais, permitindo que o espectador perceba a localização das fontes sonoras no ambiente de exibição.

Portanto, as experimentações sobre os modos de apresentação audiovisual de imagens animadas nas superfícies dos domos, da arquitetura dos planetários, abrem possibilidades de conexão com outros hábitats, compondo hipersuperfícies de topologias generativas.

Contextualização

Dentro da arte e tecnologia, e do cinema ampliado, abrange-se, desde a videoinstalação a experiências em vídeo mapping, projeção fulldome, grafite luminoso, facade art, web arte, led mapping e outras ações. Portanto, nos deparamos com diversas tecnologias que exploram múltiplas superfícies de apresentação, projeção, navegação e interação entre obra e público. Compondo ambientes cíbridos (híbridos de ciberespaço e espaço físico) que produzem experiências imersivas e interativas.

Existem fortes vínculos entre imersão e interatividade, que associam o corpo com as hipermídias. Como McLuhan (1967) afirma, as tecnologias são ampliações dos sentidos humanos. Logo, a imersão surge como primeira característica interativa dos ambientes. Indicando uma abertura na comunicação entre elementos, produz uma quebra da hierarquia entre indivíduos, mídias e meios, pois ambos se associam e se acoplam um ao outro.

A mídia digital é um meio onde é possível trabalhar diversas composições em prol da criação e experimentação formal. De tal modo, infinitos formatos de informações tornam-se globais, através de sua distribuição em rede. O domo é uma geometria hemisférica onde o público se conecta de modo imersivo com a imagem, pois sua superfície côncava é capaz de ligar corpo e ambiente, indo além dos fatores psicoestéticos. A cúpula é um excelente suporte para projeção de imagens, possui uma acústica primorosa, o que permite fortes experiências imersivas e a sensação de um espaço infinito ao redor.

Sugerindo a reformulação das teorias arquitetônicas, Perrela (1998) repensa o espaço que habitamos. Ao inserir os conceitos de complexidade e velocidade à superfície, busca superar as dicotomias existentes entre estrutura e ornamento, imagem e forma, dentro e fora. Para isso, reconsidera o termo hipersuperfície da topologia, pretendendo conectar o espaço arquitetônico ao tempo. Assim, para Perrela, a “hiperarquitetura seria a união da arquitetura da topologia com a do pixel” (Perrela apud Sperling 2003, 58), conectando forma tridimensional e imagem digital.

Com isto, o elemento arquitetônico tem sua materialidade testada ao ter sua superfície sobreposta por imagens, e tem sua mutação ativada pela presença do público, imerso ou interagindo com as imagens, potencializando as relações simbióticas e sinestésicas, que ampliam os modos de comunicação do corpo com as tecnologias. Acessando fluxos interativos recíprocos, que fazem surgir uma espacialidade informativa, sem dentro ou fora, mas habitável em imagens.

A partir destas obras de música visual, que através da imersão, destacam a conexão dos espaços físicos e virtuais, bem como a presença de imagens entre as camadas dessas múltiplas dimensões. A superfície côncava dos planetários, se tranforma numa hipersuperfície cíbrida (híbrida de espaço físico e digital), quando ativada por imagens dinâmicas visíveis pela luz de projeções. Nesse espaço imersivo, o corpo humano expande seus sentidos e percepções, através da associação de imagens e sons vibrantes (Camargo 2016).

Essa associação entre o espaço físico e ciberespaço, como reflete Peter Anders (1997), gera uma espacialidade cíbrida de conexão recíproca, o que produz fluxos comunicativos que estão constantemente se atualizando e auto regulando, compondo ambientes transmidiáticos de interação comum. Sendo assim, o espaço cíbrido pode ser entendido como a fusão de atualidade e virtualidade. Isso pode ser percebido nas imagens presenciadas em projeções imersivas e interativas, onde o evento transforma a arquitetura em fenômeno.

No que diz respeito ao termo cinema expandido, este foi conceituado inicialmente na década de 1970 por Gene Youngblood, no livro “Expanded Cinema”, e atualmente se encontra fortemente difundido. Youngblood denomina como cinema expandido a associação entre cinema, ciência e tecnologia, ressalta a relevância da arte, associada a proliferação das imagens, na expansão da percepção humana, expondo que “quando dizemos cinema expandido queremos dizer consciência expandida” (Youngblood 1970, 41). Entende o cinema expandido como processo criativo de imagens:

Cinema expandido não refere-se a filmes de computador, vídeo de fósforos, luzes atômicas ou projeções esféricas. Cinema expandido não é um filme em tudo: assim como a vida, é um processo de se tornar unidade permanente do homem histórico para manifestar a sua consciência para fora da mente, para a frente dos olhos (Youngblood 1970, 41).

Youngblood (1970) pensa a transgressão do cinema com a computação, causando uma relação espaço temporal contínua. Idealizando o cinema expandido como gerador de sensações simultâneas, pois:

Não se pode mais se especializar em uma única disciplina e espero, sinceramente, expressar uma visão clara de suas relações no ambiente. Isso é especialmente verdadeiro no caso das redes intermídia de cinema e televisão, que agora funcionam, nada mais nada menos, como o sistema nervoso da humanidade (Youngblood 1970, 41).

Neste sentido, Youngblood defende um cinema ativado pela sinestesia, que surge na sincronização dos sentidos com as imagens, fazendo emergir da mente sensações que ampliam a visualidade. Pondera um cinema expandido que é sinestésico, e ao mesmo tempo subjetivo e objetivo.

Desta maneira, o cinema ampliado que vislumbramos, visa abrir possibilidades de criação, de modo interativo, ou não, incorporando o inesperado. Produzindo outras cinematografias e possibilidades de composições, entre imagem, som, espaço e tempo, permitindo novos sentidos e consciências ao público.

Nesta perspectiva, “Monumentos Virtuais” pode ser entendido e experienciado como um contra-monumento compartilhado. Já que, este projeto busca transformar os espaços expositivos das cidades participantes em locais comemorativos onde são compartilhados monumentos virtuais colaborativos e interativos. Este projeto interdisciplinar se baseia na definição ampla de monumentos de Marschall (2009).

Monumentos são ‘instituições’ públicas através das quais narrativas selecionadas e grupos associados podem ganhar visibilidade, autoridade e legitimidade, mas também são locais de contestação onde talvez diferenças antes invisíveis possam se tornar evidentes. São loci da contemplação privada e do luto, bem como de rituais públicos de comemoração e performances encenadas de prestar homenagem, portanto (em teoria) servindo como locais da transmissão transgeneracional de memórias valorizadas (Marschall 2009, 2, tradução nossa).

Os monumentos, muitas vezes ocupam espaços públicos proeminentes e amplamente visíveis, atuando como símbolos culturais ou ostentando figuras importantes, eventos e elementos do patrimônio. Estes monumentos atuam como locais de produção, comunicação e reforço de memórias e valores coletivos, eles também podem ser vistos como locais onde o poder pode ser imposto ou contestado (Marschall 2009). Ainda,

A memória está ligada ao poder, e tanto a memória, quanto seu corolário, esquecimento, são hegemonicamente produzidos e conservados, nunca perfeitamente ou completamente, mas, no entanto, formidavelmente e poderosamente (Mitchell 2003, 443, tradução nossa).

O poder destes monumentos desempenha um papel cultural significativo na determinação de figuras, valores culturais, memórias ou narrativas.

Monumentos não são nada senão auxílios seletivos à memória: eles nos encorajam a lembrar de algumas coisas e a esquecer de outras. O processo de criação de monumentos, especialmente onde é abertamente contestado... molda a memória pública e a identidade coletiva (Ladd apud Mitchell 2003, 445, tradução nossa).

A maioria dos monumentos públicos, são locais para a disseminação de uma memória patrocinada pelo Estado, muitas vezes produzem espaços que, transformam os indivíduos, grupos, culturas, patrimônios e valores marginalizados como sem importância, invisíveis e pior ainda - esquecidos. Os monumentos tornam-se um lembrete da exclusão social e apagamento da memória pública e coletiva. Em uma direção contrária, os registros audiovisuais produzidos nas cidades de Santa Maria, Durban e Fortaleza resgatam ações simples do cotidiano, ações minoritárias que falam daqueles esquecidos ou invisíveis de lugares comuns e de acolhimento.

Nessas paisagens de memória “minoritária”, aqueles grupos que se tornaram invisíveis na paisagem, ou que foram desacreditados ou marginalizados na memorialização convencional, se opõem a leituras normativas e/ou criam locais que falam de uma interpretação diferente dos eventos históricos (Mitchell 2003, 451, tradução nossa).

O projeto “Monumentos Virtuais” busca criar memórias em que eventos, patrimônios, práticas ou figuras sociais e culturais, invisíveis, negligenciadas, desbotadas ou mesmo esquecidas possam ser visíveis, lembradas e celebradas. Como Marschall comenta, com referência a Danto:

Danto declara triunfo e celebração como características fundamentais dos monumentos, enquanto os memoriais são sobre cura e reconciliação. ‘Monumentos fazem heróis e triunfos, vitórias e conquistas, perpetuamente presentes e parte da vida. O memorial é uma delegacia especial extraída da vida, um enclave segregado onde honramos os mortos. Com monumentos nós nos honramos (Marschall 2009, 11, tradução nossa).

De acordo com Marschall, Dubow analisa as memórias como composições e afirmações, cuja essência é reflexiva e contemplativa. Entende que os monumentos são marcadores históricos, bem como estruturas que são predominantemente comemorativas e potencialmente auto engrandecedoras.

Dubow considera os memoriais como estruturas e instituições cuja essência é reflexiva e contemplativa, enquanto monumentos são marcadores históricos, bem como estruturas que são predominantemente comemorativas e potencialmente auto engrandecedoras. (Marschall 2009, 11, tradução nossa).

O trabalho audiovisual “Monumentos Virtuais” busca transformar as estruturas físicas, suportes de projeções, como dos planetários e fachadas de edificações das cidades participantes, em memoriais virtuais compartilhadas, públicas, interativas e inclusivas.

Novos monumentos e estátuas são necessários para ‘contar o outro lado da história’; expor histórias suprimidas e preservar narrativas do passado previamente escritas fora do registro histórico oficial; combater interpretações tendenciosas disseminadas através da paisagem simbólica existente; para celebrar a identidade e as conquistas dos grupos sociais anteriormente marginalizados (Marschall 2009, 2, tradução nossa).

Considerando que monumentos públicos tradicionais (físicos) e sítios memoriais muitas vezes buscam fixar permanentemente a memória através do poder e são imponentes, os contra-monumentos e memoriais digitais criados através deste projeto buscam ser fluidos, maleáveis, inclusivos e imersivos.

Projetos coletivos de resistência à produção de memória normativa incluem aqueles que se recusam a aderir ao roteiro da história no formato do poder dominante. São memórias que fogem às práticas regulatórias do Estado e/ou do mercado, com indivíduos e grupos formando práticas “contrárias” associadas a monumentos dominantes, ou criando seus próprios locais de luto ou celebração (Mitchell 2003, 451, tradução nossa).

Os contra-monumentos trazidos à tona em “Monumentos Virtuais” reforçam as memórias coletivas, colaborativas e compartilhadas, projetando estas nas cúpulas de planetários e fachadas de arquiteturas de espaços urbanos públicos, transformando-os em locais reflexivos e contemplativos.

Conclusão

A proposta artística audiovisual “Monumentos Virtuais” foi exibida em eventos na UFSM, bem como apresentada em eventos internacionais, durante o segundo semestre de 2019.

Este projeto visa reforçar uma iniciativa de colaboração artística e interdisciplinar, entre países em desenvolvimento do Hemisfério Sul: Brasil e África do Sul, que enfrentam desafios culturais e socioeconômicos semelhantes. Concebendo contra-monumentos que são criados e compartilhados de forma colaborativa pelas universidades participantes.

“Monumentos Virtuais”, em uma versão para projeção 360º, participou do “DIGIFEST - Digital Arts & Design Festival 2019”, na DUT (Durban University of Technology, África do Sul), em setembro de 2019. Sendo denominado neste evento como “Shared Virtual Monuments”.

Nessa ocasião, a equipe da África do Sul fez experimentos de projeção com uma tela panorâmica (em 360º) na “DIGIFEST”, em Durban. Visando ativar espaços expositivos alternativos, temos apresentado trabalhos sobre o resultado do projeto em congressos e conferências nacionais e internacionais.

Figura 3 - Apresentação do trabalho “Monumentos Virtuais”, como “Shared Virtual Monuments”, na “DIGIFEST”, setembro de 2019. Durban, África do Sul. Instituição promotora: University’s City Campus.

O trabalho também foi apresentado no evento “EFEMERA Imagem – Exibição Internacional AudioVisual FullDome”, realizado nos dias 30 e 31 de outubro de 2019. Este evento promove obras em formato fulldome, produzidas com tecnologias diversas, para exibições em projeções audiovisuais imersivas no ambiente de arquiteturas de planetários e domos. Problematizando também outros formatos e os espaços expositivos da arte contemporânea.

Figura 4 - Mostra “EFEMERA Imagem - Exibição Audiovisual Internacional Fulldome”. Realizada em outubro de 2019 no Planetário da UFSM. Integrando a mostra “LabInter Arte - Memória – Tecnologia 2019”.

“Monumentos Virtuais” também foi convidado para participar no evento “Conciertos de Música Visual en Fulldome – UVM 2019” realizado no Planetário Galileu Galilei, no âmbito do “Festival Noviembre Electrónico”, nos dias 21 a 28 de novembro de 2019, em Buenos Aires, Argentina. O projeto “UVM (Understanding Visual Music)” é organizado pelo Dr. Ricardo Dal Farra, diretor do Centro de Experimentación e Investigación en Artes Electrónicas (CEIARTE) da Universidad Nacional de Tres de Febrero.

Figura 5 - Apresentação da obra “Monumentos Virtuais”, no evento “Conciertos de Música Visual en Fulldome – UVM 2019”, realizado no Planetário Galileu Galilei, no âmbito do “Festival Noviembre Electrónico”, nos dias 21 a 28 de novembro de 2019. Buenos Aires, Argentina.

O trabalho ainda foi convidado para participar no evento no “Campus Open Mapping V.1” (organizado por Wagner Bento, com apoio do LabInter – Laboratório Interdisciplinar Interativo, do GAD – Grupo de Arte e Design, ambos do PPGART - Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da UFSM). A exibição ocorreu na Biblioteca Central da UFSM, no dia 13 de dezembro de 2019.

Figura 6 - Apresentação de “Monumentos Virtuais” no “Campus Open Mapping V.1”. Na Biblioteca Central da UFSM. No dia 13 de dezembro de 2019.

Ao inserirmos o meio tecnológico das projeções no meio urbano, provocamos o surgimento de um outro meio associado, entre meios e corpos (Oliveira, 2010). O artista multimídia Rafael Lozano-Hemmer, ao realizar projeções em espaços urbanos, nos fala de uma arquitetura relacional: “a expressividade espacial tem outro aspecto: o relacional” (Delanda 2007, 99, tradução nossa).

A arquitetura relacional coloca um giro tecnológico na maneira que nós lemos e interagimos com as narrativas culturais incorporadas das construções e espaços públicos, os desfamiliarizando e os transformando por quebrar os usos intencionais dos espaços e seus padrões de comportamento (Salter 2010, 339, tradução nossa).

Como no video mapping, onde um modelo computacional gera projeções integradas a superfícies arquitetônicas, ampliando e ressaltando detalhes do espaço que compõe a obra, permitindo que estes pontos sejam também dados para interação. Produzindo imagens com efeitos visuais que transformam a arquitetura, como novas representações inusitadas e dinâmicas.

Logo, “Monumentos Virtuais” experimenta, a partir de um cinema ampliado, tecnologias emergentes e softwares que possibilitam compartilhamentos e exibições de imagens e áudios. Expandindo o cinema para fora dos formatos tradicionais, faz-se também a utilização do remix em sua produção.

A remixagem é presente nas expressões artísticas digitais, sendo explorada como apropriação, reprodução, participação, interferência e combinação de dados, por artistas que produzem audiovisuais e cinema ampliado. A exibição audiovisual cria um evento que integra programação de dados em ambientes diversos e espaços públicos.

Estas imagens dinâmicas alteram a conformação do espaço, do público e do artista, integrando estes num evento cinematográfico, onde as informações e memórias são liberadas, tornando a imersão e a interação um componente inevitável. A casualidade das imagens surge conectadas a fatores que vão além da visualidade, como o som e as tecnologias emergentes.

Da mesma forma, por serem apresentações que acontecem em espaços e tempos distintos, estas nunca repetem o mesmo formato, gerando sempre novas experiências.

Logo, o cinema ampliado que vislumbramos, nas exibições da obra “Monumentos Virtuais”, tanto em formato fulldome como em 360º e em vídeo mapping, podem ser entendidas como um diálogo atual entre tecnologia e poética. Pois, nas exibições realizadas, os vídeos e as animações audiovisuais tomam conta do espaço arquitetônico, subvertendo-o a cada segundo.

Notas Finais

1LabInter - Laboratório Interdisciplinar Interativo, Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Coordenado pela Prof.a Dr.a Andreia Machado Oliveira. Grupo de Pesquisa e Criação InterArtec/CNPpq. Site: https://www.ufsm.br/laboratorios/labinter/

2“EFEMERA Imagem - Exibição AudioVisual Internacional Fulldome”, é uma mostra anual que acontece no planetário da UFSM, desde 2016, organizada pelo LabInter, com curadoria de Matheus Moreno e Andreia Oliveira. Este faz parte do projeto “EFEMERA - Exibições Fulldome e Experiências em Mídias Emergentes e Realidade Aumentada”, de autoria de Matheus Moreno.

3Organização e curadoria de Matheus Moreno dos Santos Camargo e Andreia Machado Oliveira.

4Fulldome - Tecnologia de projeção de vídeo para arquiteturas em domo ou cúpula, como de planetários.

5Em 2020, estamos dado segmento a este projeto, continuando com a parceria do Interdisciplinary Lab da DUT (Durban University of Technology, África Do Sul), e agregando a parceria com o Prof. Dr. Cristiano Figueiró da UFBA (Universidade Federal da Bahia, Brasil).

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