“This is America”: An aesthetic video and social activist

“This is America”: Um Videoclipe estético e ativista social

Claudio Fontan1

Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil

Denise Azevedo Duarte Guimarães2

Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil

Abstract

In this text, we present an analysis of the videoclip “This is America” and its signage, including its artistic, aesthetic processes and its media relationship, making a brief historical contextualization of its poetics and technological evolution. We understand the body of the actor / rapper Glover as a kind of activist that develops his work as a new type of cultural agent, more aware of his role of artist and political activist, a kind of a new star system of the contemporary world within Cyberculture. We also investigate how the videoclip manages to articulate sound, imagery and performance aiming to achieve a status of leader and meaning producer. Departing from the theoretical conceptions of Jacques Rancière, Gilles Deleuze, Michel Chion, Arlindo Machado and Denise Azevedo Duarte Guimarães, among others, we focus on the aesthetic analysis of the videoclip and its relations with sociocultural contexts. “This is America” is an intelligent, social and political music video, acting against racism and media’s indifference to the topic.

Keywords: Videoclip, Racism, Cyberspace, Aesthetics, Communication.

Introdução

Neste artigo pretendemos desenvolver considerações acerca do videoclipe e de como ele é um exemplo atualizado de texto poético que repercute uma visão de mundo e, ao mesmo tempo, é capaz de proporcionar uma experiência estética a quem assiste; e verificar, por meio da análise deste produto híbrido e paradoxal – nosso corpus This is America –, o possível trânsito e as inter-relações entre as esferas artística e comunicacional na configuração de um novo ativismo social.

A abordagem do problema de pesquisa consiste em entender o videoclipe enquanto texto artístico e estético, sua signagem videográfica/ videoclipe, uma (re)criação ou (re)configuração de novas poéticas audiovisuais. E como se dá está articulação sonora, imagética e performática na qualidade de fio condutor e produtor de sentido. A partir de concepções teóricas de Jacques Rancière, Gilles Deleuze, Michel Chion, Arlindo Machado, Denise Azevedo Duarte Guimarães entre outros focando na análise estética do videoclipe e suas relações com os contextos socioculturais onde está inserido, e quais são os padrões perceptivos na construção das subjetividades e estéticas e as contribuições deste como objeto de arte de transformação social.

Esta investigação toma como objeto de análise o videoclipe This is America (Hiro Murai, 2018)3, performado pelo ator/rapper Donald Glover, e a interpretação de seus códigos comunicacionais e informacionais.

O videoclipe, quanto signagem necessita que se avaliem, em suas entrelinhas, a intertextualidade e seus traços estilísticos. Para entendermos sua contribuição e exploração, e assim revelar seus possíveis significados como textos não-verbais de potência latente na sociedade contemporânea.

Cabe mencionar que o termo/neologismo “signagem”, foi cunhado por Pignatari (1984), em lugar de linguagem, para se referir aos fenômenos não-verbais nas diferentes formas de Arte. (PIGNATARI, 1984).

Adotamos o conceito de hibridação de Raymond Bellour (1997), como a mistura de meios e de formas de representações, tais como cinema, vídeo, música, dança, entre outras. Bellour articula esta ideia à denominação entre-imagens, por entender a hibridação – a mescla de meios – como um espaço-tempo de passagem, de intervalo em potencial ampliando as redes de criação, pelas fissuras ou esgarçamento de fronteiras limítrofes entre os diferentes tipos de linguagens.

Denise Azevedo Duarte Guimarães, em sua obra Comunicação tecnoestética nas mídias audiovisuais (2007), por sua vez, afirma que o entre-lugar proposto por Bellour, pode ser visto como um amálgama de imagens encadeadas que “é tecido a partir da conjunção, de uma justaposição ilimitada e de uma propagação de relações intersticiais, que ampliam o espaço da mídia e da arte, nos diferentes suportes oferecidos pelas tecnologias mais recentes” (GUIMARÃES, 2007, p. 14).

Em relação aos suportes que ancoram o videoclipe como produto multimidiático disponível ao leitor/usuário, destaco a plataforma YouTube como ponto de convergência e acessibilidade irrestrita.

Nessa pesquisa, também estamos levado em consideração as questões complexas sobre as possíveis funções e categorizações estéticas dos videoclipes em suas configurações, ora mais artísticas, ora mais comunicacionais. E neste contexto, o corpo dançante e performativo do ator/rapper Donald Glover, é ressignificado sendo este fio condutor e o centro das atenções.

O vídeoclipe, dirigido pelo japonês Hiro Murai, gerou uma enorme polêmica internacional, atingindo 85 milhões de visualizações em uma semana. Mesmo que possa parecer bizarro à primeira vista, o vídeo narra as discriminações raciais com forte teor de brutalidade e crítica social, principalmente nas cenas de assassinatos a sangue frio e na ironia dos versos do rap.

Vários autores e críticos nomearam a música e seu vídeo um hino contemporâneo antirracismo, pela reflexão feroz sobre o modo como os Estados Unidos tratam a sua população negra, assim como se repete por todo mundo.

This is America”, produz, reproduz e se espalha de forma maciça e veloz, através das redes sociais e pela internet, tornando se discurso (comentário) social e político inteligente e provocador acerca do modo como os negros são reduzidos aos mesmos e frequentes estereótipos de violência ou de mera diversão (música, dança) pela Branquitude4, suas opressões e discriminações raciais são apagadas, colocadas em segundo plano pela mídia em geral.

O videoclipe embora possa parecer bizarro, como muitas vezes é citado e nomeado desta forma em comentários e críticas na internet, narra várias destas discriminações raciais em isotopias, repetidas em diversos clips anteriores inclusive alguns de Murai, que geram uma construção de plano de sentidos, e a reprodução da crítica ao racismo por seus criadores, na forma de imagens e sombras, uma panorâmica do caos e da violência, onde eles resolvem destacar e focar alguns pontos ou fatos, uma verdadeira potência como imagem aberta – em devir – deste videoclipe poético e performático.

This is America”, torna possível uma mudança no leitor/usuário, e com esse desconforto causado pelo videoclipe, que se traduz em views, compartilhamentos, vídeos para desvendar significados ocultos no videoclipe e inúmeras parodias ao redor do mundo. Produzindo uma rede de diferentes olhares e pontos de vistas, afinal a realidade é subjetiva e mediada pelas construções de discursos de cultura, e vai sendo decodificada pelo leitor/usuário através de um filtro subjetivo, onde cada um tem uma percepção e uma experiência diferente, neste contato mediada pelo discurso e a signagem do videoclipe em questão e como esse produto midiático pode expandir a visão deste leitor/usuário, tornando seus criadores principalmente Glover em uma espécie de ativista, que entende seu trabalho como um novo tipo de ator/rapper mais consciente de seu papel como agente cultural, artista, ativista político, uma espécie de novo star system do mundo contemporâneo dentro da Cibercultura.

Videoclipe: signagem do discurso estético construído

Michel Chion é um pensador francês, ele fala que a música e imagens são inseparáveis, que não tem uma ordem ou hierarquia, quando vemos ou ouvimos, no audiovisual (entendemos aqui o videoclipe) usando os termos academicamente juntos ouvir/ver.

As percepções sonora e visual são de natureza muito mais díspares do que se imagina. Se não se tem senão uma ligeira estranheza disso é porque, no contrato audiovisual, estas percepções se influenciam mutuamente e emprestam uma a outra, por contaminação ou projeção, suas propriedades respectivas (CHION, 1990, p. 20).

O videoclipe vem sendo formado em seu percurso histórico na organização e articulação da imagem e do som. Arlindo Machado diz:

Na verdade, o videoclipe torna sensível ao que nunca prestamos atenção antes: a unidade indecomponível do som com a imagem no vídeo, que nos permite falar verdadeiramente e com toda propriedade de um meio audiovisual. O cinema nasceu mudo e teve de esperar trinta anos para ganhar o som sincronizado, enquanto a televisão e o vídeo já nasceram sonoros. O cinema mudo é uma arte completa em si mesma e tão eloquente quanto qualquer outra, enquanto não se sabe bem no que poderia resultar uma televisão muda (MACHADO, 1995, p. 173).

Também destacamos que o videoclipe é composto de uma signagem criativa que constantemente (re)inventa seus formatos, atendendo a expectativas multimídiaticas e não se restringido apenas a divulgação da proposta estética ou da mensagem do cantor ou sua performance presencial. O videoclipe conta uma história através desta junção hibrida, (música e som) construindo um discurso próprio e uma poética.

O vídeo (videoclipe) é um produto midiático e cultural que sempre caminha entre estas duas esferas muitas vezes contraditórias a artística e a midiática (Philippe Dubois 2004). Neste aspecto sua natureza como meio de representação, desde seu surgimento nos anos 80, está atrelada aos artefatos tecnológicos que propiciaram a sua disposição enquanto objeto audiovisual. O termo ‘clip’ é derivado de clipping ou recorte, uma técnica criada para fazer colagens de imagens para produção de narrativas lineares ou não lineares destinadas a divulgar os hits musicais da época, e eram feitos de forma rápida e instantânea normalmente com imagens frenéticas. (SOARES, 2004).

Foi com a criação da MTV uma televisão voltada ao jovem e ao lançamento de produtos das indústrias fonográfica e cinematográfica, que o videoclipe teve seu auge. Denise Guimarães afirma que:

O videoclipe se popularizou, em grande parte devido à ação da MTV, que institucionalizou o formato, como obra que mistura de forma livre e criativa, o som e as imagens em movimento, num processo narrativo ligado às letras das músicas veiculadas (GUIMARÃES, 2007, p. 122).

A MTV se transformou numa grande indústria de criação de videoclipes até 2006, quando os tirou da programação por causa da retirada financeira por parte das grandes gravadoras que não queriam mais pagar as contas milionárias de sua criação, mas durante quase três décadas evolui tecnologicamente, contribuindo e contaminando-se com o cenário audiovisual principalmente pela intensa hibridação de formatos, dispositivos, gêneros e técnicas de pós-edição.

Com os avanços da internet e com orçamentos bem mais enxutos o videoclipe migrou para plataformas dentro do ciberespaço, com fruição rápida e mais dinâmicas, as músicas são feitas no formato para chamar atenção ao álbum do artista e acelerar as vendas streming e também os links nas redes sociais principalmente Facebook e Instagram são onde os artistas se conectam com seus seguidores e fãs.

O videoclipe, como produto midiático e artístico, cria uma junção de ciência, arte e comunicação. Hibrido (música e som), ele conta uma história, cria sua estética e sua própria poética. Desde seu surgimento, se aproximou de movimentos como a Videoarte ou Cinema Experimental, flertou com vários artistas e principalmente diretores de cinema. Nestas junções entre artistas icônicos mais os videoclipes, sempre trouxe grandes momentos para o audiovisual e para a história mundial, mexendo nas esferas sociais.

A música com a imagem, mais o grupo musical, divulga, em última instância, ‘vende’ a sua obra/produto musical e cria uma rede com seus fãs de comunicação e interação. Assim produzindo diferentes universos e poéticas, alterando e sendo alterado neste contato.

Cabe ressaltar que nesta busca os artistas e diretores dos vídeos desenvolveram a sofisticação de inúmeros recursos plásticos, inserções gráficas, sobreposições, escalas cromáticas, que na concepção de Guimarães (2007, p. 123-124), são

Intervenções criativas efetuadas por softwares que definem as marcas típicas do videoclipe”. Sobretudo enquanto audiovisualidade tecnoestética. Assim sendo um meio que sempre esteve aberto a experimentação e ao novo.

A relação da narração no videoclipe com a identidade é constitutiva: não há identidade cultural que não seja um discurso montado (texto poético) e o videoclipe sempre em seu percurso buscou esta identidade, principalmente estar no presente, com um senso de personalidade artística dentro do audiovisual. Conforme explica Silva (2010), as características do texto artístico estão ligadas ao considerado poético – e este pode estar presente nos mais diversos produtos midiáticos. Portanto, ao entender o videoclipe como texto aceitamos, sobretudo, a ideia de que ele, enquanto veículo midiático, é emissário de fatias do signo poético. Sempre na busca de achar novas formas de disseminaram e posicionar os artistas no mercado da música. Que permitiu revelar seus processos artísticos e estéticos, como também suas formas de criar e de dialogar com sua audiência.

This is américa (2018) narrativa transmídia

O videoclipe, tem como ponto importante, considerando sua poética o processo de corte/fusão e montagem, responsável pela chamada elipse narrativa sua signagem sinética e metáforas em sucessão. Segundo a autora (Guimarães 2007) ele pode ser lírico-narrativo, cômico-narrativo, trágico-narrativo etc. Variadas espécies que dependem da criatividade e das inovações perseguidas por seus criadores neste meio, sempre sendo produzidos de forma singular e original na sua produção. Fazendo obras que mesmo pertencendo ao mercado midiático e cultural exploram procedimentos inovadores com sensibilidade artística, consciência crítica, em busca de grandes efeitos estéticos que o tornam também obra de Arte e não só entretenimento ou produto para vender mais música.

Guimarães fala de três tipos de videoclipes o narrativo, ícone do artista e jogo metafórico. O narrativo é aquele mais próximo do cinema, um tipo de musical de curta metragem feito para ilustrar a letra priorizando o apelo popular. O ícone do artista prioriza a apresentação do artista ou da banda musical é cheio de efeitos visuais e referências das artes visuais, construído imagens dissociadas que o afastam do da narrativa cinematográfica. Já os videoclipes que se caracterizam como jogo metafórico trabalham metaforicamente as variações sintéticas baseadas na letra da canção, tendo efeitos mais sugestivos e sutis, que o aproximam da videoarte explorando poéticas de forma crítica e inventiva.

This is America é um claro exemplo de jogo metafórico seus criadores afirmam que o vídeo foi construído de forma bastante fluida e intuitiva. Hiro Murai descreve que Glover assumiu as rédeas criativas do conceito no inicial porque, estava escrevendo a letra da música, mas depois quando ele está fechando os últimos pedaços da canção. “É como se estivéssemos brincando de batata quente com ideias — mesmo quando a gente já estava rodando”. Afirma: Hiro para a entrevista na revista ‘Variety’, ele também deixa claro na entrevista, suas referências cinematográficas para o trabalho em parceria com Glover: “a primeira delas, aqueles últimos 20 minutos de Mãe, quando o caos se espalha pela tela e tem um monte de coisas acontecendo ao redor da Jennifer Lawrence. ” E a outra é conhecida por nós brasileiros a ambientação de Cidade de Deus, do brasileiro Fernando Meirelles. Ele diz: “ No real, foi mais sobre como colocar tudo que queríamos em cada frame e descobrir então o que queríamos enfatizar e que tom queríamos atingir”, explica ele. “Foi importante misturar a luz e os elementos sombrios para dar ao público algo para digerir e, claro, para discutir também”. Mostrando aqui a preocupação dos criadores no efeito do videoclipe no Ciberespaço e na Transmídias.

Outro ponto importante é o percurso performativo e de ação de Glover como também dos corpos dançantes que concebem narrativas espaço-temporais. Tais narrativas expõem o corpo, na tela, em movimentos fragmentados e não-linearizados. Esses corpos em movimentos resinificados acabam por instituir um novo estatuto, um entre-lugar em que o fazer dança e video, não podem mais ser pensados de forma arbitrária e em separado, mas como um processo de recriação conjunta dentro da poética do videoclipe.

Antoine de Baecque (2009) propõem a ideia de uma suposta narração aplicada diretamente às imagens de corpos dançantes na tela. O gênero não funciona através da linearidade da história, mas graças a uma narração dos corpos, seus movimentos, onde os fragmentos fazem a confrontação e são entendidos através da percepção da audiência.

Esta heterogeneidade remete por outro lado a uma polifonia dos gêneros convocados pela encenação (a acrobacia, a mímica, o teatro, a dança, os desenhos coreográficos) que, em ritmo (tempo) da performance do ator/rapper em suas ações, aparecem nestas formas de interrupção, a pausa, o interlúdio, o tombo, de forma imagética fazem explicitamente parte do jogo e do texto da obra, assim o corpo do personagem passa por todos os momentos possíveis de uma ideia e protagoniza a narrativa.

Há aqui uma articulação hibrida: sonora e imagética e os demais elementos que aparecem na narrativa, através do corpo de Glover que é aqui o fio narrativo e condutor do videoclipe, suas danças e pausas a série de violência que comete o cuidado precioso que tem com as armas de fogo, até interromper tudo para fumar um cigarro, para relaxar e mudar o ritmo frenético insistente até então, uma pausa longa, que esvazia e silencia o clipe. Depois o ritmo tempo volta a acelerar e Glover é perseguido, fugindo correndo de pessoas brancas no escuro.

O tempo não é mais medido em termos de cronologia ou diacronia, na obra, mas sim em termos de simultaneidade e de sincronicidade, o que conduz ao raciocínio que às imagens-tempo do teórico francês Gilles Deleuze, podem aqui serem nossos pilares conceituais para a análise do videoclipe.

Para tanto adotamos suas teorias para entender a questão do timing tão importante no videoclipe. As teorias de Deleuze, que propõe uma dupla organização imagética: a imagem-movimento – instaurada a partir de uma lógica que apela para o esquema sensório-motor, que subordina o tempo, dando-lhe uma representação indireta, ou seja, mostra o tempo por meio do movimento – e a imagem-tempo – que se configura a partir da apresentação direta do tempo puro, livre do movimento, originando conceitos como a da imagem-cristal e propondo situações óticas (opsignos) e sonoras (sonsignos) puras – ao pensar o cinema, dito moderno, como criação da diferença. Para entendermos sua contribuição e exploração, e assim revelar seus possíveis significados como textos não-verbais de potência latente na sociedade contemporânea.

A mensagem é, então aqui, a de que a mídia nos distancia da verdade, e que as pessoas estão vagando sonambulas entre o caos e a violência, como o personagem de Glover em This is America, nos distraindo daquilo que realmente importa e no qual a nossa atenção deveria estar focada. Afinal a mesma sociedade que consome massivamente os produtos culturais afro-americanos, ignora e perpetua a discriminação racial.

Observamos aqui o uso da imagem-tempo nas suas três instâncias: imagem-sonho, imagem-lembrança e imagem-cristal. Destacamos que o videoclipe usa da imagem-sonho na trajetória performática de Glover. A imagem-lembrança nos eventos que nos lembram fatos reais aqui ficções, mas que nos rementem a realidade da sociedade americana racista. Já a imagem-cristal são essas mesmas imagens de fatos reais que nos espelham tais acontecimentos mas tem outra carga simbólica dentro da construção do videoclipe, poderíamos dizer que as imagens dos tais eventos supostamente reais, partem de uma imagem-lembrança, mas tornam-se imagem-cristal.

O videoclipe acentua a sensação angustiante do tempo e da vertigem, que se traduz por reações sensório-motoras impactantes e incontroláveis como explica Deleuze:

[...] entre a realidade do meio e da ação, não é mais um prolongamento motor que se estabelece, é antes, uma relação onírica, por intermédio dos órgãos dos sentidos, libertos (Deleuze, 2007, p. 13).

Donald Glover quer quebrar os limites que a sociedade branca construiu para ele. Com This is America afirma que não vai aceitar o racismo disfarçado de elogio, o preconceito escondido na admiração e a segregação que, de uma forma ou de outra, continua pautando o seu país, mostrando como a mídia trata com banalidade a discriminação racial causando na audiência um desconforto através da imagens do corpo do ator/rapper de seus movimentos corporais e dos movimentos câmera

[…] se a banalidade cotidiana tem tanta importância, é porque, submetida a esquemas sensório-motores automáticos e já construídos, ela é ainda mais capaz, à menor perturbação do equilíbrio entre a excitação e a resposta […], de escapar subitamente às leis desse esquematismo e de se revelar a si mesma numa nudez, crueza e brutalidade visuais e sonoras que a tornam insuperável, dando-lhe o aspecto de sonho ou de pesadelo (Deleuze, 2007, p. 12).

Assim entendemos que o videoclipe não se encerra em si, mas continua se resinificando de forma aberta na audiência, ganhando inúmeros outros significados e até novos formatos se multiplicando dentro do ciberespaço caracterizando-o em um videoclipe Transmídia.

This is américa (2018) “um hino contemporâneo antirracismo”

This is America rompe os limites que a sociedade branca construiu, o lugar onde só cabe diversão e entretenimento para artistas como Donald Glover. A interpretação dos códigos comunicacionais e informacionais, as múltiplas mensagens do videoclipe não se esgotam na música ou no vídeo eles adentram ao ciberespaço tornando um símbolo do ativismo de artistas que querem fazer uma resistência contra o racismo.

Analisando sua intertextualidade e seus traços estilísticos, o clipe ecoa no público: a interpretação e a reação de quem assiste é também uma forma de contar esta história, de responder a tudo que Gambino transmite para quem o escuta e assiste. Assim, tornando, This is America, uma pesada critica a indiferença, para muitos, o significado não fica claro à primeira vista. É necessário prestar atenção nos detalhes, nas pistas que vão sendo deixadas em segundo plano aos fatos propositalmente levantados e polemizados tanto reais como fixionais. Exemplos como o cavalo branco do apocalipse ou o descaso de como o corpo negro morto é tratado no clipe.

Enquanto o olhar da audiência está fixado nos bailarinos, no ritmo e na alegria dos movimentos, distraído com o ruído e agitação, não repara em tudo que está acontecendo em simultâneo. Por trás da imagem passada pela mídia, que reduz a cultura negra a entretenimento e diversão, estão sendo escondidas e minimizadas todas as formas de violência que a comunidade negra sofre.

A dança e sua inclusão no videoclipe, realmente é um ponto importante para análise afinal as pessoas negras são submetidas a maltrato cotidianos que se normalizaram, e mesmo assim continuam a dançar, como se estivessem felizes ou despreocupadas. No ‘clipe’ aqueles adolescentes uniformizados representam a comunidade negra como um coro dançante que refletem as estruturas ou movimentos sócias. (RANCIÈRE, 2009).

A verdade é que a postura e o modo de dançar e se movimentar de Glover remetem a Thomas Rice, o Jim Crow original sua dança remete à dança dos espetáculos de Menestréis que satirizavam as pessoas negras, que deu nome à lei de segregação nos Estados Unidos no período de1876 a 1965 com vasto sofrimento da população negra. Mas é até hoje, tanto as pessoas feridas quanto as que ferem, muitas vezes passam por cima da brutalidade, e o fazem por meio da dança. É obviamente um clipe crítico à indiferença. Vemos pessoas negras e fiéis assassinados, depois fazemos uma pausa e voltamos a dançar.

This is América é exemplo de um grande texto poético que repercute a visão de mundo de seus criadores, enquanto proporciona uma experiência estética e reveladora a quem assiste um contato com o racismo e toda segregação que ainda hoje atinge a sociedade. E é reveladora por ser um recorte do tempo, do espaço, do visível e do invisível, da palavra e do ruído do jogo político, um papel que a arte e os artistas conscientes do seu papel de ativistas do seu tempo assumem na sociedade. Como afirma Jacques Rancière:

Definem modelos de palavras ou de ação, mas também regimes de intensidade sensível. Traçam mapas do visível, trajetórias entre o visível e o dizível, relações entre modos do ser, modos do fazer e modos do dizer (RANCIÈRE, 2009, p. 59).

Conclusão

This is America” sendo este videoclipe hibrido que articula imagem e som. Num possível trânsito e com inter-relações entre as esferas artística e comunicacional na configuração de um novo ativismo social. Toda sua signagem necessitou uma grande avaliação de cada parte das inúmeras referencias colocadas por seus criadores, as intertextualidades e seus traços estilísticos. Para entendermos sua contribuição e exploração, e assim revelar seus possíveis significados como textos não-verbais poéticos de potência latente na sociedade contemporânea.

This is America”, é um produto Transmídia que produz, reproduz e se espalha de forma maciça e veloz, através das redes sociais e pela internet, virando uma espécie de hino contra o racismo como afirmam inúmeros críticos em seus comentários a respeito de todo o alvoroço que o videoclipe causou. Uma manifestação social e político inteligente e provocadora acerca do modo como os negros são tratados com indiferença e são reduzidos aos mesmos e frequentes estereótipos de violência ou de mera diversão (música, dança) pela Branquitude, suas opressões e discriminações raciais são apagadas, colocadas em segundo plano pela mídia em geral.

Donald Glover em sua parceria com Hiro Murai nos brinda com um jogo metafórico explorando poéticas de forma crítica e inventiva. Dando uma mostra de sua genialidade nos dando uma tela que a audiência pode acabar de preencher. Usando símbolos que nos deixam múltiplas interpretações. Um videoclipe que nos faz um rombo no estomago, incomoda, que se traduz em views, compartilhamentos, vídeos para desvendar significados ocultos no videoclipe e inúmeras parodias ao redor do mundo. Tornando seus criadores principalmente Glover numa espécie de ativista, que entende seu trabalho como um novo tipo de ator/rapper mais consciente de seu papel como agente cultural, artista, ativista político, uma espécie de novo star system do mundo contemporâneo dentro da Cibercultura.

Notas Finais

1Apoio: PROSUP/CAPES

2Dr.ª

3This is america é uma música performada pelo Ator/ Rapper estadunidense Childish Gambino alter ego de Donald Glover. A canção foi produzida e escrita por Glover e Ludwig Göransson. O videoclipe foi dirigido pelo diretor Hiro Murai. A faixa trata de violência policial e armada, massacres nos EUA e racismo, e foi lançada de surpresa, e se tornou a 31ª faixa a estrear no topo da Billboard Hot 100, a primeira faixa nº 1 de Childish Gambino. A música ainda traz vocais de Young Thug, Slim Jxmmi, BlocBoy JB, 21 Savage e Quavo. Disponível na plataforma youtube (Vevo), o videoclipe já alcançou mais de 636,630,433 milhões de visualizações. Para maiores informações, consultar os endereços: https://pt.wikipedia.org/wiki/This_Is_America e https://www.youtube.com/watch?v=VYOjWnS4cMY

4A branquitude refere-se à identidade racial branca, a branquitude se constrói. A branquitude é um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, objetivo, isto é, materiais palpáveis que colaboram para construção social e reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e racismo. (Hernani Francisco da Silva 2011) em definições sobre a branquitude. https://www.geledes.org.br/definicoes-sobre-branquitude/

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