Abstract
The realization of human aptitude for linguistics construction was a decisive step for the legitimization of sign language. The possibility of registration of this visio-spacial language - provided by cinema - was a huge contribution to the dissemination of deaf culture. The early years of the cinematographic industry, marked by silent films, provided total inclusion to these minorities. The setback happens with the introduction of sound and since then deaf culture is poorly represented in cinematography. Portugal has a very limited number of productions (only four) with characteristics of accessibility: descriptive subtitling for the deaf and deafened, and/or translated into sign language. Portuguese law only regulates the television operators not covering film production companies. The low volume of deaf cinema production and the poor circulation of these films lead to the proposal of a Portuguese Film Festival of Deaf Cinema.
Keywords: Mute Cinema, Deaf Cinema, Portuguese Sign Language, Bilingual Schools for the Deaf.
FONOCENTRISMO
A instituição da fala como veículo primordial para a compreensão - teoria predominante no pensamento ocidental - remota ao século XVIII, embora constasse já nos escritos de Immanuel Kant. Kant descreveu as palavras como o melhor meio para significar conceitos, e que “sem a fala não seria possível alcançar mais do que um análogo da razão. Que o surdo nunca chegará aos conceitos gerais porque os sinais de que ele precisará para tanto nunca serão capazes de representar uma generalidade”2 (Bubniak, 2016). Partindo do etnocentrismo3 para explicar o fenómeno de fonocentrismo4, compreendemos que o último se apoia no sistema “s’entendre-parler”5, propondo a linguagem como um fenómeno intimamente ligado ao som.
Filósofos como Jacques Derrida ou Saussure, questionam tais teorias denunciando-as como falsas limitações da linguagem, onde a escrita e outros meios de comunicação não-verbais são inferiorizados (Hebeche, 2016) sendo que não é a linguagem falada que é natural ao homem mas sim a sua aptidão para construir uma língua (Costa, 2017).
Contudo, a realidade do fonocentrismo demonstrou-se nos violentos tratamentos de que crianças surdas foram vítimas, em tentativas de estudo da patologia e erradicação da condição. Nas escolas de surdos a comunicação por sinais era vista como uma abordagem imaginativa penalizada com castigos físicos por contrariar a pedagogia do oralismo6. Esta foi a realidade até que o pesquisador americano William Stokoe7 concluiu nos seus estudos que o gesto podia ser decomposto em unidades mínimas. Desta forma - e combinando configuração, movimento e ponto de articulação das mãos8 - poderia criar-se um padrão sintático complexo e idêntico a qualquer outra língua.
Configurações das mãos conforme Stokoe.
Este marco permitiu a conquista de direitos civis para a comunidade surda, servindo de base para outras propostas de línguas de sinais à escala internacional.
O registo da língua de sinais possibilitado pela invenção do cinema foi outro importante marco. As primeiras anotações dão conta da produção de 12 filmes em 35mm (1910-1921) com a participação de vários contadores de histórias surdos, um projeto financiado pela Associação Nacional de Surdos Americana (Shuchman, 1999).
CINEMA MUDO
O cinema nasceu mudo e a preto e branco, fruto dos avanços tecnológicos que permitiram a captação e reprodução de imagens em movimento. As circunstâncias que aparentemente delimitaram as possibilidades, foram geradoras das primeiras técnicas que marcaram a história do cinema. Durante 30 anos os filmes mudos exploraram a teatralidade como meio para o entendimento do enredo, sobretudo através da pantomima9. A criação e ilusão de perspetivas, a edição de sequências de planos, a inserção de letreiros escritos e a música ao vivo - complementavam a comunicação imagética sem interromper a ação.
A utilização de letreiros, em particular, surgiu da necessidade de suplementar a ação com alguma explicação visual, sendo estes descritos como processos secundários de narração. Dividem-se nas categorias de: letreiros de continuidade, informações inevitavelmente escritas que indicam maioritariamente espaço e tempo; e letreiros de diálogo, que introduzem de forma visível as falas dos personagens.
“City Lights”, um filme de Charles Chaplin.
No cinema mudo, os intertítulos são utilizados para pontuar a pantomima não podendo ser comparados à legendagem dos filmes falados que apenas têm funções de tradução (não sendo legitimadas pelos criadores da obra). As palavras escritas assumem no cinema mudo funções descritivas, narrativas, plásticas e discursivas, interpelando de forma direta o espetador, numa espécie de diálogo secreto entre este e o filme (Aragão, 2006).
Os interlúdios respondiam diretamente às nossas questões: poderíamos supor ou imaginar o que está acontecendo num diálogo entre os personagens através de gestos e reações, porém somente as palavras escritas nos diriam se nossas hipóteses eram as verdadeiras. (Gardies, 1993, p.116)
A comunicação estabelecia-se assim através de um único canal, o visual (ainda que o complemento musical lhe acrescente intensidade). O diálogo mudo é um género típico deste período cinematográfico e que ficou mundialmente consagrado através dos personagens interpretados por Charles Chaplin. O ator e realizador foi um entusiasta das técnicas de expressão corporal, hábil na exploração da universalidade dos gestos.
O período do cinema mudo foi a época de ouro da inclusão pois surdos e não-surdos estavam em pé de igualdade tanto na assistência como na profissão, enquanto atores, já que competências de comunicação não-verbal eram valorizadas. Foi o caso de Granville Redmond, pintor e artista surdo-mudo10. Redmond viveu num contexto familiar que lhe permitiu frequentar a respeitada Escola de Surdos da Califórnia onde aprendeu a língua dos sinais e se formou em pintura impressionista. Mais tarde recebeu uma bolsa para integrar a California School of Design onde desenvolveu práticas de comunicação corporais, não só por se relacionar diariamente com não-surdos, mas também pela frequência em atividades teatrais. Anos depois, envolto no contexto da Primeira Guerra Mundial, e apesar de todo o sucesso conquistado, Redmond viu-se forçado a alterar o percurso por conta da precariedade da época. Talentoso mímico e comunicador viu no cinema uma extensão natural da sua personalidade tendo procurado Chaplin, que com 28 anos já registava uma carreira mundial.
Granville Redmound e Charles Chaplin.
O relacionamento entre os dois foi mutuamente benéfico e duradouro, sendo que Chaplin admirava a beleza da condição de Redmond, que permitia que o pintor/ator experienciasse a tranquilidade dentro do silêncio. É possível observar no filme de Chaplin “A Dog’s Life”, influências desta relação na utilização da língua dos sinais para representar as palavras “bebé” e “criança”. Mesmo depois da introdução do som no cinema (1927), Chaplin continuou a produzir filmes mudos pois acreditava que o cinema era uma arte pantomímica.
INCLUSÃO E ACESSIBILIDADE NO CINEMA PARA SURDOS
A heterogeneidade é um dos fatores responsáveis pela diversidade social que constitui a riqueza de uma sociedade. Embora demarcada por contrastes, assistimos a uma tendência de padronização social e a uma renegação da diferença. A acessibilidade dentro da urbe estabeleceu-se para o “homem-padrão em detrimento do homem-real”11 (Costa, 2017). Para contrariar o instituído surge o Design Universal que concilia variáveis como acessibilidade, usabilidade, tecnologia assistiva e ergonomia, para preparar os espaços e objetos. Todavia, a barreira atitudinal é em muitos casos maior entrave do que o próprio acesso, fruto do desconhecimento da população no trato para com as pessoas com deficiência.
Por melhores que sejam os recursos tecnológicos, materiais e logísticos, eles não serão suficientes se não houver uma mudança de conceção sobre o que, e quem é o ser humano. (Schneider, 2012, p. 40).
Sete Princípios do Design Universal.
Integrando os direitos humanos12 a cultura revela-se indispensável na formação, servindo de alavanca para que o indivíduo se apoie nos conhecimentos adquiridos para experimentar o mundo, numa lógica inacabada de autoconhecimento. A pobreza cultural é considerada por alguns autores, a base das outras dimensões da pobreza (Costa, 2017). Sem identidade e sem autonomia, o indivíduo vê-se privado da sua liberdade para comunicar e exercer a sua cidadania.
O marketing, sendo uma das vias primordiais de acesso à cultura, expande-se por meio das tecnologias na sua versão 4.0 e coloca no seu epicentro a conectividade. O autor do termo, Philip Kotler, caracteriza a conectividade como facilitadora de mudanças ao nível das estruturas de poder (tornando-as menos verticais e mais horizontais), elimina barreiras físicas e geográficas (tornando o social inclusivo), e estabelece redes onde as decisões individuais são influências pelos comportamentos e opiniões das comunidades digitais (Kotler, Kartajaya, & Steiawan, 2017).
Prosseguindo na lógica da inclusão cultural e do acesso à informação, observamos no caso específico da indústria cinematográfica necessidades que vão desde a produção à distribuição e exibição. O Censos de 2001 confirmam que em Portugal foram contabilizadas cerca de 636.059 pessoas com incapacidade, 84.172 das quais com surdez13. Uma fatia considerável de potenciais consumidores, carente de produtos culturais acessíveis, com gostos e necessidades diferenciados entre si.
A Tradução Audiovisual (TAV) é a modalidade que se aplica como recurso de acessibilidade para surdos. Sendo uma prática milenar, a tradução circunscreveu-se durante muito tempo à literatura, oferecendo por isso alguma resistência (por parte dos investigadores) em reconhecer a Tradução Audiovisual no campo dos Estudos da Tradução (Alves, 2018). Difere dos outros tipos de tradução pela natureza do audiovisual: mais do que uma versão linguística é também uma interpretação cultural. Como a TAV não pode servir-se de notas de rodapé, asteriscos ou apêndices – necessita de “tradutores com competências editoriais de forma a omitir ou adicionar informação com prudência”14 (Alves, 2018). No caso dos filmes, a TAV trabalha quatro canais em simultâneo (auditivo-verbal; auditivo-não-verbal; visual-verbal; visual não-verbal), cinco códigos (verbal; literário-teatral; proxémico; cinésico; e cinematográfico) e três formas de interpretação (interlinguística, intralinguística e intersemiótica). A TAV é por isso uma tradaptação: “conjunto de estratégias que um tradutor audiovisual deve ter em atenção como a de resumir ou parafrasear, tendo em consideração o género dos filmes, o estilo do cineasta, as necessidades e expectativas dos espectadores e a multimodalidade da comunicação audiovisual” (Gambier, 2015).
É no processo de pós-produção de um filme que são inscritas as modalidades de tradução, através de recursos de acessibilidade como a Legendagem para Surdos e Ensurdecidos (LSE) e a tradução em Língua Gestual (LG). Esta variação é importante pois a surdez determina-se em diferentes graus de profundidade: surdos congénitos têm como língua materna a Língua Gestual, sendo-lhes mais natural receber informação através de um intérprete do que da leitura numa língua secundária (Filmes que Voam, 2013). A LSE é uma tradução semelhante à legendagem para ouvintes, mas que traduz também outras informações: identifica os personagens e descreve efeitos sonoros. Em Portugal as orientações para LSE encontram-se descritas no “Guia de Boas Práticas – legendagem para surdos em programas gravados” concebido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC, 2018).
Exemplo de legendagem para Surdos e Ensurdecidos.
A Língua Gestual é uma língua de modalidade gestual-visual que engloba um conjunto de elementos linguísticos manuais, corporais e faciais. Tal como nas línguas orais, existem diversas línguas gestuais e cada uma possui variantes, dialetos e regionalismos. No caso da Língua Gestual Portuguesa, a mesma tem como base a Língua Gestual Sueca e foi oficializada em 1997. Não possuindo um território geográfico definido, a língua gestual encontra no sistema educativo um ponto de referência para a construção da sua comunidade: as escolas bilingue.
Outros pontos que devem ser considerados no decorrer do processo cinematográfico e tendo em vista a inclusão são: a orçamentação dos trabalhos em pré-produção (contacto com instituições de intérpretes, preços e tempo de execução); a produção de DVD com navegação inclusiva e ativação de legendagem; a produção de materiais de divulgação com simbologia referente à presença de recursos acessíveis (para que o público possa identificar que é adequado às suas necessidades); a produção de spots publicitários com possibilidade de closed captions (legendagem oculta para internet e televisão ativada mediante intervenção do utilizador); a realização de sessões em cinema de formato aberto (sessões para surdos e cegos); e a formação do pessoal para receber pessoas com necessidades especiais, nomeadamente formação básica em língua gestual.
Em observação à realidade portuguesa constatamos que as soluções para a inclusão e acessibilidade no cinema existem, mas são dependentes do investimento das produtoras cinematográficas, de protocolos e incentivos entre as entidades estaduais competentes, e da obrigatoriedade exigida pela legislação nacional. No caso português tais deliberações estão contempladas no documento 5/OUT-TV/2009 da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC, 2009), que se dirige à oferta do serviço público de televisão (RTP1, RTP2, RTP3, RTP Açores e RTP Madeira) e aos operadores privados (SIC, TVI, CMTV, Porto Canal, SIC Notícias e TVI24) deixando por regular outras distribuidoras de conteúdos audiovisuais. Este documento prevê um cumprimento gradual - devido às restrições técnicas do mercado - de “oito horas de programas de ficção ou documentários especificamente destinada a pessoas com deficiência auditiva” e de “três horas de programas de natureza informativa, educativa, cultural, recreativa ou religiosa por meio da Língua Gestual Portuguesa (...)”. No relatório de análise à implementação do plano plurianual da ERC, a mesma entidade constatou que as recomendações foram seguidas na generalidade pelas operadoras, identificando melhorias a realizar no âmbito da qualidade e uniformidade da tradaptação, tendo a mesma desenvolvido um guia de boas práticas para a legendagem para surdos e ensurdecidos (Neves, 2019).
CINEMA SURDO
A representação do surdo no cinema bem como as suas práticas sociais são temas pouco vistos na indústria cinematográfica. A divulgação da cultura surda sob a perspetiva do próprio indivíduo, considerando a sua narrativa, é uma abordagem de extrema relevância para a representação das minorias e para a compreensão dos fenómenos sociais. Perspetivando a arte como gerador de mudança de atitudes e comportamentos, serve o cinema de ponte para a empatia entre surdos e não surdos. Depois de um passado marcado por uma abordagem deficiente ao surdo, pretende-se agora uma visão mais ampliada dos desafios humanos, onde a surdez é encarada apenas como diferença cultural e linguística.
O Cinema Surdo caracteriza-se pelo registo de histórias da comunidade surda e com a participação de sujeitos surdos. A língua primordial destas produções é a língua gestual (ou de sinais). Diferencia-se da linguagem gestual pois não procura apenas que o outro veja o objeto, mas sim que veja o símbolo convencionado para o objeto (Sousa, 2015). Por outra parte aproxima-se da linguagem cinematográfica na medida em que os “sinalizadores fluentes são cineastas cotidianos” (Bubniak, 2016, p.392) e a língua dos sinais – quando vista pela lente gramatical cinematográfica – apresenta uma relação constante de close-ups, planos distantes, movimentos de câmera e técnicas de edição (Bubniak & Santos, 2017).
Se num primeiro momento os temas abordados em tela vitimizavam o personagem, é com a produção de “Children of a Lesser God”15 que o surdo encontra o protagonismo justo. Outras produções se seguiram, destaque para o filme “The Tribe”16 um dos mais marcantes e representativos filmes da cultura surda que conseguiu a atenção internacional. Este filme tem a particularidade de ser interpretado unicamente em Língua Gestual Ucraniana e não dispor de qualquer legendagem/tradução. O aparente obstáculo linguístico é desmontado pela comunhão entre uma narrativa altamente expressiva, um elenco exclusivo de surdos e uma composição imagética com influências no Cinema Mudo. O filme reflete a perspetiva do surdo não padronizado: um ser capaz de chegar onde quiser, inclusive capaz de maldade e violência como qualquer humano.
Frame retirado do filme “The Tribe” (2014), realizado por Myroslav Slaboshpytsky.
Numa pesquisa simples em motor de busca, encontram-se pouco mais de 30 resultados de filmes com estreia comercial, de produção/realização surda17. Em Portugal encontramos apenas quatro títulos de produções acessíveis18 sendo que apenas três abordam a cultura surda, e uma edição única de um Festival de Cinema Acessível19.
1944 | Dog Trouble |
1952 | Mandy |
1962 | O Milagre de Anne Sullivan |
1971 | Land of Silence and Darkness |
1972 | Fuzz |
1975 | Deafula |
1985 | Love Is Never Silent |
1986 | Children of a Lesser God |
1989 | Cegos, Surdos e Loucos |
Cidade das Tristezas | |
Adada | |
1992 | Les Pays dos Sourds |
1993 | Gestos de Amor |
1996 | A Música e o Silêncio |
Mr. Holland’s Opus | |
1997 | Amy |
1998 | Country of the Deaf |
2000 | Som e Fúria |
2002 | Ser e Ter |
2004 | Touch the Sound |
Dear Frankie | |
2005 | Black |
2007 | Hear and Now |
2010 | Hamill |
See What I’m Saying: The Deaf Entertainers Documentary |
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Nenette | |
2012 | Mea Maxima Culpa: Silence in the House of God |
2014 | A linguagem do coração |
A Família Bélier | |
The Tribe | |
2016 | A Voz do Silêncio: Koe no Katachi |
2017 | The Silent Child |
2018 | Sweet Nothing in My Ear |
Lista de alguns filmes internacionais de Cinema Surdo
Verificando-se a problemática do baixo volume de produção cinematográfica de Cinema Surdo, e consequentemente a fraca circulação dos conteúdos existentes, surge a proposta de um Festival de Cinema Surdo Português para colmatar as questões apresentadas. O festival dirige-se às escolas bilingue, associações de surdos, instituições com práticas de Língua Gestual Portuguesa (LGP) e estudantes do Ensino Superior nos cursos de LGP. É-lhes proposto a produção de metragens nas categorias de Animação, Ficção e Documentário com correspondência a pelo menos um dos seguintes critérios: utilizar a Língua Gestual como língua principal ou abordar a cultura surda. Em qualquer uma das escolhas os filmes deverão ser legendados de acordo com a necessidade (no caso de o filme ser em LGP legendar em Língua Portuguesa e vice-versa). O festival desdobra-se num ciclo de exibição de filmes a competição - aberto à comunidade - com premiação dos melhores trabalhos nas diversas categorias.
Exemplo de design de logótipo para Festival de Cinema Surdo Português.
Como resultados do evento, sugere-se a organização de um ciclo de cinema itinerante nas escolas regulares em parceria com o Plano Nacional de Cinema; a inscrição dos melhores filmes em festivais de cinema internacionais; e a introdução dos mesmos no circuito de programação dos cineclubes portugueses.
METODOLOGIA
Tendo em conta a proposta de um Festival de Cinema Surdo Português com o objetivo de aumentar a produção cinematográfica sobre a cultura surda e/ou com recursos de acessibilidade para públicos diversos, levanta-se a necessidade de aferir junto das escolas bilingue mais informações sobre as suas práticas audiovisuais em contexto de aprendizagem; práticas de consumo culturais e cinematográficas; e conhecimentos sobre produções inclusivas e acessíveis. Desta forma o planeamento do evento poderá ser feito de acordo com a realidade e necessidades do seu público-alvo.
Foi feita uma sondagem preliminar junto das 17 Escolas de Referência para a Educação Bilingue em Portugal, através de questionário online do qual resultaram 24 respostas. Dessas 24, duas afirmam ter menos de 25 anos, seis entre 26-40 anos, oito entre 41-54 e oito mais de 65. Nenhuma a lecionar no ensino secundário, duas estão no ensino pré-escolar, seis no ensino primário e seis no ensino básico, três no ensino especial, quatro intérpretes, cinco terapeutas, e uma afeta à biblioteca escolar. A média é de 20 anos de serviço.
Escolas de Referência para a Educação Bilingue em Portugal.
Quanto à utilização de recursos audiovisuais em contexto escolar 95% respondeu que utiliza com muita frequência. Identifica recursos como vídeos (70%), jogos (37%), aplicações (58%) e filmes (41%). Quanto ao mais utilizado destaque para os jogos (41%) seguido de filmes (37%). Quanto à origem destes recursos educativos, o Youtube é um dos mais utilizados (70%), também consta o arquivo RTP (16%), materiais da DGE (29%), e materiais desenvolvidos pelos próprios (55%).
No caso particular da cinematografia, 58% dos participantes conhece menos de cinco produções com recursos de acessibilidade e 50% não conhece nenhum filme interpretado em língua gestual. Mais de 60% não conhece as produções “Atrás das Nuvens” de Jorge Queiroga; “Gesto” de António Borges Correia; “The Tribe” de Myroslav Slaboshpytskiy ou “Children of a Lesser God” de James Leeds. Quanto à utilização de filmes da época do cinema mudo mais de 60% das respostas são negativas. Quanto a práticas de produção audiovisual a resposta mantém-se maioritariamente negativa com percentagem de 87%. As três únicas respostas positivas classificam como muito importante a produção cinematográfica para a aprendizagem, indicando a animação como género preferencial seguido do documentário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os dados preliminares obtidos por auscultação ao alvo afeto, sugerem uma abertura de campo de investigação na área cinematográfica, dedicada à cultura surda. Em particular, integrando as escolas como estudo de caso no sentido de fomentar estratégias pedagógicas com recurso ao cinema. A premissa de aproximação cultural entre surdos e não-surdos vai ao encontro do Objetivo para o Desenvolvimento Sustentável nº.10 - REDUZIR AS DESIGUALDADES que até 2030 prevê “empoderar e promover a inclusão social, económica e política de todos, independentemente da idade, género, deficiência, raça, etnia, origem, religião, condição económica ou outra”20.
Nas questões de regulamentação da produção cinematográfica que ainda se encontram por definir em território português, sugere-se a intervenção do Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), “instituto público integrado na administração indireta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, tutelado pelo Secretário de Estado da Cultura, que tem por missão apoiar o desenvolvimento das atividades cinematográficas e audiovisuais”21, para que este tome a posição de incluir a LSE e tradaptação no contexto dos apoios que presta, incentivando os criadores a contemplar as práticas de acessibilidade, e criando uma rotina na indústria cinematográfica portuguesa.
Notas finais
1Projeto financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (PD/BD/150441/2019)
2MIRZOEFF, Nicholas. Silent Poetry: Deafness, Sign and Visual Culture in Modern France. New Jersey: Princeton University Press, 1995.
3Etnocentrismo: visão ou forma de pensamento de quem crê na supremacia do seu grupo étnico ou da sua nacionalidade. Fonte: PRIBERAM.
4Fonocentrismo: conceito que estabelece que sons e fala são superiores ou mais naturais do que a linguagem escrita ou outro tipo de comunicação não-verbal. Fonte: PRIBERAM.
5“Ouvir-se-falar”.
6Oralismo: método pedagógico cujo o objetivo é ensinar linguagem oral a pessoas com deficiência auditiva tornando-os surdos oralizantes.
7Dr. William C. Stokoe, Jr. (1919 - 2000) trabalhou como professor e chefe do departamento de inglês, na Universidade Gallaudet – a primeira para surdos do mundo. Publicou o livro “Estrutura da Língua de Sinais” (1965) onde descreve o modelo de escrita para a língua de sinais (atualmente nomeada de notação Stokoe). Fonte: WIKIPÉDIA.
8Quirologia: quiro = mão e logia = estudo; o estudo ou conhecimento adquirido através das mãos.
9Arte de exprimir pensamentos e sentimentos através de gestos. Fonte: PRIBERAM.
10Granville contraiu escarlatina aos dois anos tendo perdido a audição sem chegar a desenvolver habilidade linguística suficiente para usar o aparelho fonador.
11Lippo, H. (2012). Para um conceito de Acessibilidade. In H. Lippo (Org.). Sociologia da Acessibilidade e Reconhecimento Político das Diferenças. (pp. 75). Canoas: Editora Ulbra.
12Artigo 27.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: “Toda a pessoa tem o direito de tomar parte livremente na vida cultural da comunidade, de fruir as artes e de participar no progresso científico e nos benefícios que deste resultam”.
13PORDATA – Base de Dados Portugal Contemporâneo <https://www.pordata.pt/DB/Portugal/Ambiente+de+Consulta/Tabela>
14Luyken, G.-M. e Herbst, T. (1991). Overcoming language barriers in television: dubbing and subtitling for the European audience. Düsseldorf: European Institute for the Media.
15Realizado por Randa Haines em 1986. Vencedor de um Óscar e outras 5 premiações. Fonte: IMDB
16Realizado por Myroslav Slaboshpytskyi em 2014. Vencedor de 31 galardões (4 deles em Cannes) e nomeado para outros 23 prémios em festivais de cinema. Fonte: IMDB
17Apêndice nº 1
18“Atrás das Nuvens” (2007) um filme realizado por Jorge Queiroga com legendagem em língua gestual; “Gesto” (2011) um filme documental realizado por António Borges Correia em língua gestual; “Verso da Fala” (2015) um documentário realizado por Adriana Ventura e Carlos Lopes com legendagem em língua gestual; “Acende a Luz Para Eu Te Ouvir” (2016) uma série documental sobre Língua Gestual Portuguesa realizada por Marcelo Lavandoski.
19Organizado pela Comissão do Mestrado de Tradução da Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Bragança, em parceria com o Cine-Clube de Avanca.
20<https://www.unric.org/pt/ods-link-menu/31979-objetivo-10-reducao-das-desigualdades>
21<https://ica-ip.pt/pt/o-ica/quem-somos/apresentacao/>
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