Technique of making adobe in a craft workshop using documentary video: an example in Portugal and another in Brazil

Técnica de fabricação de adobe em oficina artesanal a partir de vídeo documental: um exemplo em Portugal e outro no Brasil

Cíntia Mariza do Amaral Moreira

Universidade Santa Úrsula, MPGTQAC, Brasil

Ana Carolina de Gouvêa Dantas Motta

Universidade Santa Úrsula, MPGTQAC, Brasil

Mário Elian

Universidade Santa Úrsula, Brasil

Thaís Yamamoto

Universidade Santa Úrsula, MPGTQAC, Brasil

Força Aérea Brasileira, Brasil

Antônio Frederico Moreira Lasalvia

Universidade do Porto, Portugal

Abstract

The use of vernacular “adobe” construction persists in Portugal and Brazil. The objective of this work is to relate two adobe manufacturing workshops, present in the you tube films: “Taipa” (João Bernardino, 2013) and “Vernacular techniques, preservation and sustainability: a case study of the adobe technique in the Victorian district Veloso (Bichinho), Prados, Minas Gerais” (Ribeiro, 2013). The workshops maintain the adobe manufacturing technique, updating it to the present day. After identifying the videos and presenting references about adobe in Portugal and Brazil, a brief description and analysis of the workshops was made. We take as a background the concept of “body technique” by Marcel Mauss (2003).

Keywords: Art history, Architecture history, Earthen architecture studies, Adobe, Sustainability.

1. Inicial

O uso da construção vernácula “adobe” persiste em Portugal e no Brasil. O objetivo deste trabalho é relacionar duas oficinas de fabricação de adobe, presentes nos filmes do you tube: “Taipa” (João Bernardino, 2013) e “Técnicas vernaculares, preservação e sustentabilidade: um estudo de caso da técnica de adobe no distrito de Vitoriano Veloso (Bichinho), Prados, Minas Gerais” (Ribeiro, 2013). As oficinas utilizam a técnica de fabrico do adobe, atualizando-a para os dias atuais. Após identificar os vídeos e apresentar referências sobre o adobe em Portugal e no Brasil, foi feita uma breve descrição e análise das oficinas. Tomamos como pano de fundo a noção de “técnica do corpo” de Mauss (2003).

Este trabalho insere-se no “Projeto de Pesquisa Ambiente Construído, Arquitetura, Arte e Design”, MPGTQAC, Curso de Arquitetura e Urbanismo USU e dá continuidade aos textos já apresentados em AVANCA sobre arquitetura da terra: MOREIRA; Guizzo, 2016, MOREIRA, 2018 e MOREIRA; GUARANYS; YAMAMOTO; PERKLES; MOREIRA LASALVIA, 2019.

Uma das oficinas apresentadas está localizada em Portugal, outra no Brasil. Uma oficina está em local fechado, a outra em local aberto. Esta situação contrastante nos levou a aproximá-las. Com isto tentar entender um pouco melhor a técnica, a despeito das diferenças entre uma e outra situações. Ambas estão inseridas em lugares em que o adobe faz parte da cultura local.

Para nós a técnica vernácula do adobe está relacionada ao corpo. No sentido de técnica do corpo sobre a qual nos fala o antropólogo Marcel Mauss (Mauss, 2003), no trabalho “As técnicas do corpo”, em texto publicado pela primeira vez em 1935.

“Aqui intervem a noção muito importante em psicologia e em sociologia, de destreza. Mas, em francês temos apenas um termo ruim, ‘habile’, que traduz mal a palavra latina ‘habilis’, bem melhor para designar as pessoas que têm o senso da adaptação de seus movimentos bem coordenados a objetivos, que têm hábitos, que ‘sabem como fazer’. (Mauss, 2003, p.411)

E o autor prossegue:

É a noção inglesa de ‘craft’, de ‘clever’ (destreza, presença de espírito e hábito), é a habilidade em alguma coisa. Mais uma vez, estamos claramente no domínio técnico.(idem)

2. Uma palavra sobre documento de YouTube

Tomar material do You Tube como documento fílmico de pesquisa, tem circunstâncias que precisam ser consideradas. Vamos esboçar algumas, para colaborar com a reflexão. A desejável neutralidade da coleta de dados em ambiente natural sofrerá a interferência de uma pauta de perguntas prévias, já alinhavadas com o entrevistador, a do roteiro que vai se criando antes, durante e depois das tomadas do filme, e a da montagem do filme, que agregará informações visuais de diferentes tipos, com a inclusão de falas de um eventual narrador ou telas com texto explicativo de imagens.

Todas estas ações tornam o vídeo uma fala qualificada pela equipe de filmagem. Eventualmente distante de uma neutralidade do ambiente natural. No entanto, aquilo que está à mostra na apresentação de uma técnica, possui um valor intrínseco de resgate do como fazer. Ou pelo menos apresenta uma parte deste segredo.

3. Dois vídeos em diálogo

O primeiro, um vídeo português, “Terra Crua”, de João Bernardino. Disponibilizado no YouTube em 2013, 27.54 min.

O vídeo trata de arquitetura da terra em Portugal e apresenta variada informação que merece ser confrontada com outras fontes posteriormente. De interesse para a nossa comunicação o intervalo de cerca de 4 min que inicia em 22.20 min e finda em 26.08 min do filme. Trata da fabricação artesanal do adobe na Oficina do Sr Antônio, possivelmente na região de Mértola.

O trecho documenta o trabalho do Sr Antônio Paulo, em oficina própria. O narrador comenta que os nomes dos profissionais existentes que ainda dominam a técnica do adobe “passam de boca em boca”. Possivelmente foi este boca-a-boca que permitiu à equipe de filmagem, chegar ao Sr. Antônio Paulo.

O telheiro, local de fabrico, possivelmente tem o nome Ugaio. O nome por nós audível no vídeo, merece ser checado posteriormente. Antônio Paulo “se dedica à fabricação artesanal do tijolo burro, e quando lhe pedem, também produz os velhos adobes” reportou o narrador.

As imagens documentam várias etapas da fabricação. O vídeo apresenta o trabalho do Sr Antônio Paulo auxiliado por um ajudante. Nos mostra um dia de trabalho na oficina, revelando etapas do trabalho.

O artesão refere que aprendeu a técnica com o pai: “esse sempre foi o negócio do meu pai e desde pequeno eu vinha para aqui para trabalhar, entre aspas, porque isto, quando se é pequeno, isso era praticamente uma brincadeira, uma disposição infantil. [Já] havia algumas tarefas [que realizava] àquela altura”.

O segundo, um vídeo brasileiro, “Técnicas vernaculares, preservação e sustentabilidade: um estudo de caso da técnica de adobe no distrito de Vitoriano Veloso (Bichinho)”, Prados, Minas Gerais, de Jaqueline Leite Ribeiro do Vale. Disponibilizado no YouTube em 2013, 7.35 min.

O vídeo contextualiza a produção de adobe na região de Bichinho,” localizado entre as cidades históricas de Prados e Tiradentes” (tela do vídeo).

Faz referência à chegada da Oficina de Agosto no local, como detonadora do incentivo ao resgate da cultura do adobe, antes existente mas por alguns anos pouco valorizada.

Menciona, no momento dos depoimentos, ali existirem três produtores locais de adobe artesanal: Sr Antenor, com 60 anos, que relata ter aprendido a técnica com o pai; o filho dele, Sr. Fernando que trabalha com o adobe há 10 anos; e o Sr Luiz dedicado ao trabalho com o adobe há 8 anos como principal fonte de renda.

A parte que apresenta o fabrico do adobe na Oficina do Sr Luiz, está presente no intervalo do vídeo de cerca de 2 min que inicia em 4:48 min e finda em 6:08 min do vídeo.

4. Sobre o adobe em Portugal e no Brasil

O adobe constitui uma técnica milenar de arquitetura da terra historicamente utilizada em Portugal e no Brasil. Existe notícia do uso do adobe nos dois países, nos séculos XVIII, XIX e XX.

Dois trabalhos podem ajudar o pesquisador interessado em aprofundar o estudo sobre o adobe ao longo dos tempos em Portugal e no Brasil.

A tese de doutorado A cultura construtiva do Adobe em Portugal (Fernandes, 2013) apresentou “o estudo da arquitetura, do material e dos sistemas construtivos em adobe no território português” (p.03). Deu relevo às habitações fruto desta cultura construtiva. A pesquisa apresentou também as práticas construtivas do adobe na atualidade, em Portugal, alcançando exemplos de construções vernáculas de um lado, e planificadas, de outro. Além das fontes documentais e bibliográficas, a pesquisa realizou também levantamento e observação de campo, bem como análises laboratoriais.

O artigo O uso do adobe no Brasil: uma revisão de literatura (SANTOS e BESSA, 2020) dedicou-se a “analisar historicamente a produção do conhecimento sobre o adobe (...) [no Brasil], desde o período colonial até os dias atuais” (p. 01). Indicou ter havido aumento de publicações no país sobre a técnica nos últimos 10 anos. Referiu a ações em prol da normatização e disseminação do conhecimento sobre o adobe em espaço acadêmico, ou vinculadas à cadeia de construção civil, no âmbito da discussão sobre construções sustentáveis.

5. Uma palavra sobre os termos usados por mestres adobeiros

Tomamos como referência documental depoimento verbal, texto e imagem extraídos de apresentação de oficina de dois mestres adobeiros: Sr Antônio Paulo, dono de oficina, possivelmente nos arredores de Mértola, Portugal e presente em vídeo datado de 2013; e Sr. Luiz, dono de oficina no distrito de Vitoriano Veloso (Bichinho), Prados, Minas Gerai, Brasil, em vídeo datado de 2013.

Este procedimento trouxe imagem do fazer ou palavra de artesãos durante a realização da técnica do adobe. Estes testemunhos estão relacionados com a cultura local. Quando o adobe permanece vivo na cultura local, as designações de situações relacionadas ao desenvolvimento da técnica, estão afeitas à terminologia e práticas do local onde está localizada a oficina.

Isto nos mostrou a necessidade de aprimorar o conhecimento sobre os termos técnicos presentes na fala local. Este refinamento do entendimento das ações técnicas e designações locais sobre a técnica do adobe demandaria um estudo à parte, envolvendo paridade e distinções da língua portuguesa falada em Portugal e no Brasil, bem como o reconhecimento de falas locais em cada um dos países, o qual não caberia em nosso propósito no momento. Optamos por trazer os termos utilizados pelos mestres adobeiros, colocando em itálico os que merecem ser melhor estudados posteriormente.

6. A oficina do Sr Antônio Paulo

Tivemos contato com a Oficina do Sr Antônio Paulo a partir do vídeo “Terra Crua”: João Bernardino (2013).

A Oficina localiza-se em espaço fechado. Produz, por encomenda, peças de abobe, secas ao ar e tijolos burros maciços cozidos, para serem utilizadas com objetivo construtivo, de revestimento em paredes ou no chão.

O local possui áreas reservadas para o escritório, a guarda da argila, para o fabrico dos tijolos, para a guarda e secagem das peças, bem como forno a lenha para o cozimento.

A área reservada para o fabrico permite a moldagem da terra com formas de madeira. Cada forma permite a moldagem de 2 tijolos. O trabalho se faz sobre duas bancadas. Participam do fabrico além do Sr Antônio Paulo, dono da oficina, um ajudante.

A seguir, características do local, partir da fala do narrador do filme e do depoimento do Sr Antônio Paulo:

A argila

Aparentemente a argila em estoque é guardada fora da área de fabrico, lá permanecendo apenas a quantidade necessária pra o trabalho de uma jornada.

A guarda

“Os tijolos estão dispersos por todo o espaço. As paletes, onde secam o barro, já moldado, ocupa grande parte do telheiro, formando pilhas, quase intermináveis. Estão montados sobre espécie de carris para mais facilmente sugerir as mais diferentes fases de secagem dos tijolos”.(Narrador)

O fabrico

Junto ao escritório funciona o coração da oficina. É ali, sobre um estrado metálico, é que são moldados os adobes e o restante dos tijolos.

Os dois homens [que ali trabalham] dividem entre si as tarefas.

Antônio Paulo faz aquilo que mais gosta. Vai buscar a massa escura e úmida e coloca-a dentro das formas. Amassa um pouco o barro, molha as mãos e alisa, retirando o excesso, e depois, avança para a bancada ao lado, onde repete a mesma operação, assim, num movimento perpétuo que pode durar várias horas. (Narrador)

As tarefas

“Eu gosto muito aqui do que estou a fazer. Há outas tarefas. Como o cozer, o cantear. Eu gosto mesmo é de fazer o tijolo”. (Sr. Antônio Paulo)

A mistura

Com os adobes tudo é fácil. Começa-se tal como os outros tijolos, pela massa. Pela mistura de argila com as areias e se for o caso, ainda se juntam pedaços de cortiça ou palhas. A consistência certa é obtida sentindo o barro com as mãos. Vale a experiência”. (Narrador)

(...)

...a base é a argila. Neste caso, nós misturamos ainda um pouco de areia para enfraquecer muito. Esta argila é demasiadamente forte para fazer tijolos com esta grossura, se fizéssemos com argila pura, o tijolo ia estalar, ia ficar com a trinca. Então temos que enfraquecer um pouco, para obter um bom estado. (Sr. Antônio Paulo)

A secagem

Antigamente os adobes eram colocados em esteiras para secar. Faziam-se castelos com eles, em pilhas, empilhando-se uns sobre os outros, para aproveitar o calor e as brisas do verão.(Narrador)

O Cantear

Depois de secar os adobes tem que ser canteados, ou seja, há que reparar os cantos e raspar as impurezas que se tenham colado à terra, uma operação lenta, feita um a um, com uma faca, comprida. (Narrador)

O conhecimento do mestre adobeiro e dos habitantes mais velhos da população local

Antonio Paulo não esconde seu prazer em realizar cada uma destas tarefas mas sua preferida continua ser a moldagem. O momento em que mergulha as mãos no barro. (Narrador)

(...)

Este prazer de contato com o barro primordial é partilhado pelos habitantes de Vale dos Mortos, nos arredores de Mértola. (Narrador)

O narrador menciona existirem [ainda] casas de terra na região, e complementa que em obras recentes a taipa foi sendo substituída pelo tijolo e pelo cimento. Considera, entretanto, que a terra ainda mantém o lugar de privilégio, especialmente na memória coletiva. Mais adiante no vídeo entrevista antigos moradores que construíram a própria casa com terra.

7. A oficina do Sr Luiz

Tivemos contato com a Oficina do Sr Luiz a partir do vídeo “Técnicas vernaculares, preservação e sustentabilidade: um estudo de caso da técnica de adobe no distrito de Vitoriano Veloso (Bichinho)”, Prados, Minas Gerais: Jaqueline Leite Ribeiro, 2013.

A Oficina localiza-se em espaço aberto. Produz, por encomenda, peças de abobe, secas ao ar e ao sol, para serem utilizadas com objetivo construtivo, podendo posteriormente ter ou não aplicação de revestimento.

O local, a partir do vídeo, apresenta áreas reservadas para a guarda e preparo da argila, para o fabrico dos tijolos e para a secagem das peças, em duas etapas.

A área reservada para o fabrico permite a moldagem da terra com formas de madeira. Cada forma permite a moldagem de 2 tijolos. O trabalho se faz sobre bancadas. Participam do trabalho 4 pessoas. Uma no preparo do barro, duas na moldagem, em bancadas diferentes e outra na planificação do piso que irá receber os tijolos recém desenformados.

A seguir características do local, a partir do que é visível na filmagem, nas telas escritas e nas falas de entrevistadora e depoentes.

A argila

A argila é guardada a céu aberto. Observam-se caixas de madeira, as quais estavam muito cheias no dia das tomadas da filmagem. Próximo a elas vê-se um plástico ou lona de proteção contra a chuva.

A guarda

De certo modo a guarda das peças se confunde com a secagem. Grande número de tijolos desenformados estão a secar ao chão em linhas. Outros estão assentados numa parede. Ao secarem, são guardados.

O fabrico

Participam do fabrico além o Sr Luiz, dono da oficina, três ajudantes.

A área para o fabrico dos tijolos conta com duas bancadas apropriadas.

Vê-se uma ampla área destinada para receber os tijolos no chão, na fase inicial da secagem das peças, depois de desenformadas. Há um plástico ou lona para cobri-los em caso de chuva.

Um ajudante alisa o piso com uma espécie de rodo de madeira, de modo a aplainar o piso que receberá, ao longo do dia, as demais peças recém produzidas.

Existe uma parede aparentemente construída para a secagem, que se ergue com os tijolos equilibrados e espaçados, liberando farta passagem de ar, a fim de facilitar a areação, na segunda etapa de secagem das peças.

As tarefas

O trecho do vídeo que mostra a Oficina do Sr Luiz documenta o trabalho de manuseio e preparo do barro a ser enformado, o enchimento das formas, a retirada da forma e a acomodação das peças no chão no processo de desenformar o adobe.

A mistura

A mistura é preparada por um dos ajudantes. Pega a argila guardada nas caixas para este fim e aparentemente vai misturando com a mão, até o ponto.

A secagem

Aparentemente a secagem inicia no chão e é complementada com as peças acomodadas num muro.

No chão, cerca de 500 peças. À esquerda, um conjunto de adobes enfileirados em 10 linhas, com 20 peças em cada. À direita, um conjunto de adobes enfileirados em 30 linhas, com 20 peças, cada.

Do lado direito vê-se uma lona amarela, possivelmente para recobrir as peças do chão em dia de chuva.

Na extrema direita, um muro com cerca de 400 peças Aproximadamente 40 peças em linha, na carreira inferior, receberá mais 9 carreiras de peças, assentadas uma sobre a outra, com peças bem espaçadas entre si, para permitir a passagem do ar. Sobre a última carreira de peças, tábuas calçadas com pesos, a fim de melhor estruturar o muro de peças e protege-las da chuva. Ali se dá, possivelmente, a finalização da secagem e guarda do estoque.

O conhecimento dos mestres adobeiros e dos habitantes mais velhos da população local

No filme fica clara a cultura do adobe na região. O primeiro depoente, Ser Antenor, com 60 anos, menciona ter aprendido com o pai a técnica. Contou que lida com o adobe desde os 7 anos. O segundo depoente, Sr. Fernando, comentou que aprendeu, ajudando o pai Antenor.

Na oficina do Sr. Luiz vê-se um garoto ajudando no fabrico, no preparo da massa.

As oficinas de produção de adobe existentes em Bichinho têm característica familiar.

8. Semelhanças e distinções

As duas oficinas descritas produzem adobe e têm situações semelhantes e contrastantes. A destacar a inserção delas na cultura local de produção do adobe.

Em ambos os casos elas se mantém, graças à demanda local de produção de tijolos de terra. Isto garante a existência de encomendas regulares, possivelmente a serem utilizados logo em seguida em construções.

A partir de informações observadas nos vídeos, a oficina do Sr. Luiz, possivelmente, se limita a produzir o adobe para uso construtivo, enquanto a oficina do Sr. Antônio Paulo dedica-se além da produção do adobe para uso construtivo, da produção de blocos e lajotas de terra para revestimento de piso ou parede. Além do adobe moldado seco ao ar, o Sr. Antônio Paulo também produz tijolos e peças de terra cozidas.

Com relação às instalações, a oficina do Sr. Antônio Paulo funciona em local fechado e a do Sr. Luiz em local aberto. Aparentemente a oficina do Sr. Antônio Paulo ocupa uma área menor que a da oficina do Sr. Luiz. Estes dois fatos possivelmente condicionam a estratégia de trabalho de cada uma.

Ambas a oficinas segmentam a área de trabalho entre moldagem e secagem aliada à guarda.

O Sr. Antônio Paulo, em oficina localizada em galpão de mais de um piso, adota estratégia de secagem e guarda de peças em ambiente fechado e na vertical. A produção em série na oficina do Sr. Antônio Paulo faz uso de “pallets” que permitem o empilhamento das peças, durante a secagem e guarda, e de trilhos com “carris” para a circulação de cargas no interior do espaço de trabalho. Esta estratégia, embora possa retardar a secagem, permite o trabalho em qualquer estação do ano, com ou sem chuva.

O Sr. Luiz, a fim de melhor se valer do sol e da necessária areação para a secagem, depois da moldagem, desenforma as peças no chão, com piso previamente plainado, para dar início à primeira fase de secagem. Depois as transfere para um “muro”, com as peças assentadas de modo espaçado, favorecendo a necessária areação para a finalização da secagem.

9. Final

Buscamos com esta comunicação relacionar duas situações de produção de adobe, uma em Portugal e outra no Brasil, tomando dois filmes do YouTube como referência documental da técnica. Interessou-nos observar exemplos da técnica corporal e as etapas produção do adobe enraizadas na cultura local, em que pese as distinções entre países e estratégias adotadas por cada situação.

Voltamos ao início, relembrando e aplicando as palavras de Marcel Mauss (2003, p.411) à técnica do adobe: Os artesãos das oficinas pesquisadas “são pessoas que têm o senso da adaptação de seus movimentos bem coordenados a objetivos, que têm hábitos, que ‘sabem como fazer’” o adobe. Aprenderam com a cultura local.

Mostram que é possível manter e atualizar esta técnica milenar que graças a eles e a outros como eles, pode se manter viva e com sorte, sobreviver aos dias de hoje.

Autores

Cíntia Mariza do Amaral Moreira é graduada em Design pela Escola Superior de Desenho Industrial, ESDI, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (1979). Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1996). Doutora em Educação, pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2004). Doutora em Artes Visuais pela Escola de Belas Artes, Universidade Federal do Rio de Janeiro (2015). Atualmente é professora da Universidade Santa Úrsula, atuando no Mestrado Profissional em Gestão do Trabalho para a Qualidade do Ambiente Construído MPGTQAC e no curso de Arquitetura da instituição. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em História da Arte, bem como nas de Design e de Educação. Tem apresentado comunicações e publicado artigos nos campos em que atua. Lider do Projeto de pesquisa: Ambiente construído, arquitetura, arte e design. Pesquisadora do Grupo IMAGINATA (EBA/UFRJ).


Ana Carolina de Gouvêa Dantas Motta é Graduada em Administração de Empresas pela PUC-Rio (2000); Mestre em Ciências Contábeis na FACC, UFRJ (2006); Doutora em Engenharia de Produção COPPE, UFRJ (2014). Professora Assistente do Mestrado Profissional em Gestão do Trabalho para a Qualidade do Ambiente Construído - MPGTQAC, Universidade Santa Úrsula - USU, onde atua na pesquisa científica e no ensino de graduação e de pós-graduação. Líder do Grupo de Pesquisa - Núcleo Interdisciplinar de Pesquisa sobre Administração, Inovação e Sustentabilidade (NIPAIS), Diretório CNPq, Certificação USU. Coordenadora do Núcleo de Trabalho de Conclusão de Curso (NTCCUSU). Tem se dedicado ao estudo de aplicação da ética na administração e nos negócios, a partir de uma perspectiva crítica e interdisciplinar, estudos organizacionais críticos e revisão de conceitos teóricos da área da administração à luz de obras originais.


Mario Elian é Arquiteto e Urbanista, UFRJ, Psicólogo e Licenciatura, USU. Mestre em Engenharia Urbana pela EP UFRJ. Orientador da Disciplina Fundamentos do Trabalho Final de Graduação e Orientador de Trabalho Final de Graduação. Atualmente é Professor da Universidade Santa Úrsula. Tem experiência na área de Arquitetura e Urbanismo. Colabora com o Projeto de pesquisa: Ambiente construído, arquitetura e arte e design.


Thaís Yamamoto é Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). Pós-graduada em Engenharia de Segurança do Trabalho pela PUC-Rio (2009). Pós-Graduada em Gestão Ambiental na UCP (2009). Mestre pelo Mestrado Profissional de Gestão do Trabalho em Ambiente Construído, da Universidade Santa Úrsula (2020). Estudante do Mestrado Profissional de Bens Culturais e Projetos Sociais no CEPEDOC, FGV (2019.1). Trabalha como arquiteta na Força Aérea Brasileira. Está vinculada ao Projeto de pesquisa: Ambiente construído, arquitetura, arte e design.


Frederico Moreira Lasalvia é estudante de Arquitetura na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Estudante de curso de Arquitetura na Universidade do Porto, Portugal. Colabora com o Projeto de pesquisa: Ambiente construído, arquitetura, arte e design.

Referências

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Filmografia

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Técnicas vernaculares, preservação e sustentabilidade: um estudo de caso da técnica de adobe no distrito de Vitoriano Veloso (Bichinho), Prados, Minas Gerais, 2013. De Jaqueline Leite Ribeiro do Vale. Edição e produção: Jaqueline Vale (jaquelinevale@gmail.com) Música: Músicas do Espinhaço (www.musicasdoespinhaco.com.br) [o vídeo integra o trabalho de dissertação de mesmo nome, da autora]. Brasil: 7.35 min. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=SCjo9GqFOD0&t=6s . Acesso em: 12.06.2020.