Female Archetypal Regency: A Character Building Method

Regência arquetípica feminina: Método de construção de personagem

Hemilly Nascimento

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Mônica Stein

Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Abstract

This paper discusses the construction of one of the parameters of the method of female psyche creation for characters of the The Rotfather transmedia narrative universe, developed by students of the research group G2E [Education and Entertainment Group] of the Federal University of Santa Catarina. The creation method is based on the archetypal reasoning of Jungian theory and aims to direct the creative process of multidimensional, complex and narratively coherent characters through a composition tool combining female archetypes of Greek goddesses. In addition to the purpose of psychological construction, this research aims to improve the representation of women for social validation with their target audience.

Keywords: Archetypes, Female Representativeness, Character Creation, Greek Goddesses, G2E [Entertainment and Educational Group].

Introdução

Uma grande parte das referências, discursos e informações culturais são transmitidos hoje por veículos midiáticos, que cresceram em importância nos últimos tempos (Felipe 2006). A influência desses veículos sobre a construção dos artefatos culturais de um indivíduo, torna-se ainda mais significativa quando surge através de narrativas ficcionais que reproduzem a sociedade. É essa verossimilhança que a mídia usa para induzir o espectador a pensar que a narrativa corresponde, de certa forma, à realidade (Gross 1991), aplicando-se também a forma como são vistos os grupos sociais nela representados (Melo 2017). Portanto, é notória a responsabilidade social que o entretenimento baseado em narrativa carrega em sua simbologia, tanto na construção do universo quanto na concepção de seus personagens.

Quando se fala exclusivamente sobre o processo de criação de personagens femininos, onde a conduta social daquela narrativa se referência a sociedade patriarcal, o assunto torna-se ainda mais sério.

A representação do feminino na sociedade é historicamente dominado pela objetificação do olhar masculino. Para escapar desses estereótipos machistas, enraizados na sociedade, deve-se começar pela mudança do ponto de vista representado nas narrativas. E indo mais além, quando se trata da criação dos personagens femininos em universos transmídia de entretenimento, deve-se elevar mais ainda a complexidade destes pontos de vistas e processos, uma vez que uma narrativa se fragmenta e se estende complementarmente por distintas mídias, como quadrinhos, filmes, animação, livros, entre outros.

Dada a importância da questão, o presente artigo busca aprofundar um método de criação de personagens femininos descrito em artigo prévio a este, que consta em edição anual anterior a esta do AVANCA | CINEMA 2020 (Nascimento e Stein 2019), de modo a permitir reflexões e ações conclusivas de orientação ao processo criativo inicial, dentro da complexidade de uma narrativa transmidiática.

Porque criar personagens complexos?

Na área dos conteúdos narrativos transmidiáticos, muitas pesquisas associam a complexidade dos personagens como um dos fatores de grande responsabilidade pelo sucesso comercial do universo ficcional. Uma delas, desenvolvidas por Green e Brock (2000) define a imersão do público (transportation) como uma fusão que integra atenção, imaginação e sentimentos experimentados pelo indivíduo durante o processo de transporte para dentro de uma determinada história. Eles apontam como um dos três possíveis modos de influência no “transportation”, o vínculo emocional criado entre espectador e os personagens de uma narrativa. Esses personagens parecem tão reais em suas crenças e motivações, que ganham a forma arquetípica de amigo, aliado, e companheiro de aventura do espectador.

É através desse nível de relacionamento profundo do espectador com os personagens de um universo ficcional, que altera-se a maneira de conviver em sociedade, onde cria-se uma cultura participativa responsável pelo engajamento do público. A busca do consumidor por uma maneira de interagir, participar e pertencer àquele universo, torna-o parte da difusão consumidora, denominado fã, como defendido por Jenkins:

(...) Não se torna um fã apenas por assistir regularmente um determinado programa, mas por traduzir essa experiência em algum tipo de atividade cultural, por compartilhar ideias e impressões sobre o programa com os amigos, por ingressar em uma comunidade de fãs que compartilham interesses em comum. Para os fãs, é natural que o consumo deflagre a produção, a leitura gere a escrita, a cultura do espectador se torne cultura participativa
(Jenkins 2006, 41).

É esse consumo fidelizado pelos “laços afetivos” do espectador com os personagens da narrativa transmidiática que justificam a importância da construção de personagens elaborados. Outra razão plausível para a alta exigência na qualidade de criação de personagens é a própria essência transmídia, como explanado por Rosa:

O escopo das narrativas transmidiáticas traz, ainda, outro desafio na construção de personagens: todos eles possuem chances de protagonismo, ou seja, um personagem secundário em uma história poderá ser protagonista de outra e vice-versa. Isto acarreta que virtualmente nenhum personagem poderá ser pensado de maneira superficial (Rosa 2018, 25).

Porque criar personagens Femininos complexos?

Quando se criam personagens de maneira genérica, automaticamente cria-se do ponto de vista masculino para o masculino. É algo intrínseco. Esta-se sempre subjugando o outro sexo pelo ponto de vista masculino (Lacan 1938). Essa mudança do meio de observar e representar o feminino não é fácil. Ao longo da história, muitos estudiosos chegaram a se referir a mulher como um ser incompleto, inferior em relação ao homem, concebendo tal diferença como natural, universal e invariável (Fuentes 2009). É notável uma mudança urgente nas estruturas narrativas do falar e ser mulher.

Além do compromisso social, uma representatividade feminina plausível é concomitantemente responsável pelo aprofundamento dos “laços afetivos” entre espectador-personagem, resultando em um melhor desempenho comercial, como dissertado por Schwantes, apud Nascimento e Stein (2019):

Saindo do mérito da importância em si da representatividade para a validação de um indivíduo, um fato que não pode ser esquecido é que toda representação tem como intuito principal um público-alvo que irá recebê-la e aboná-la ou não) em sua concepção (SCHWANTES, 2006. Representar algo é tornar compreensível sua identificação por outrem. Dito isto, do ponto de vista mercadológico, onde é imprescindível a cativação do público-alvo na narrativa transmidiática, é necessário a sensibilidade de enxergar com os olhos do outro, indo além das aparências superficiais estereotipadas, para conseguir a identificação por empatia com os personagens.

Arquétipos e psique feminina

Os personagens são resumidamente constituídos por três dimensões da manifestação que compõem o indivíduo real: a dimensão Física, a Social e a Psicológica (Maciel 2009, 75). Para a formação da dimensão psicológica, a personagem deve possuir um conjunto de características que irá orientar sua personalidade: um nome, passado, origem, um conjunto de valores e crenças, sonhos, medos, entre outras (Rosa 2018, 33-35). Logo, essa personalidade necessita ser construída de maneira coerente para que suas ações narrativas confluam ao conjunto de valores pré-estabelecidos. Assim a personagem possuirá maior chance de se tornar crível ao espectador, resultando, consequentemente, na construção idealizada dos “laços afetivos” de espectador-personagem, que influi no desempenho comercial.

É necessário que esse conjunto de características, utilizadas na construção de personalidade da personagem, esteja embasada em um modelo psicológico que seja inteligível a qualquer pessoa, de qualquer parte do mundo, independentemente da cultura; algo que seja comum a todo ser humano. Essa parte da psique do indivíduo foi definida por Jung (1987) como Inconsciente Coletivo - a camada mais profunda da psique vivenciada pelos sonhos, fantasias e experiência humana universal - onde se encontram os arquétipos. Estes por sua vez, são a forma imaterial com que os fenômenos psíquicos tendem a se organizar. São estruturas gerais inatas que carregam o conceito herdado de nossos ancestrais, associados às experiências universais, como nascimento e morte, por exemplo. Em 1999, Jung estabeleceu uma ponte entre o arquétipo e o mito (Gomes 2017, 37), parafraseando os gregos “que há um deus ou deusa no âmago de todo complexo”:

(...) São os denominados arquétipos ou dominantes e os dominadores, os deuses, isto é, configurações das leis dominantes e dos princípios que se repetem com regularidade a medida que se sucedem as figurações, as quais são continuamente revividas pela alma (Gomes 2017, 37).

Jung influenciou grandes obras como Myth of Analysis (1972), de James Hillman, e The New Politheism (1974) de David Miller, que defendem com afinco uma psicologia baseada na pluralidade dos mitos e arquétipos (Woolger e Woolger, 2007). Os mitos, para as sociedades primitivas, eram o alicerce da cultura e vida social, ou seja, aquela sociedade interpretava o mundo “mitologicamente” a partir das imagens arquetípicas que eram formadas da sua relação com ele (Neumann, 1998). A psicóloga Renata Menezes (2003), em seu estudo junguiano sobre a feminilidade reprimida, também dissertou:

Adorar uma divindade masculina e feminina expressa uma forma de enxergar o mundo, um sistema existencial de valores nos quais um gênero arquetípico prevalece sobre o outro quanto a importância psicológica, tornando-se determinantes tanto para homens e mulheres de como ser, agir e pensar no mundo (Menezes 2003 apud Whitmont 1991, 45).

Portanto, os mitos antigos representam instrumentos de interpretação, uma psicologia altamente sofisticada que nos permitem examinar o feminino. Dentre os inúmeros mitos disponíveis, seis deusas gregas se destacaram como expressões psicológicas para compor seis tipos de complexo de personalidade feminina (Woolger e Woolger 2007) - Atena, Ártemis, Afrodite, Perséfone, Deméter e Hera, organizadas resumidamente por sua notoriedade:

Figura 1: Deusas Gregas, Whitmont, 1991.

Essas seis deusas, quando analisadas como figuras arquetípicas, permitiram tornar-se elegíveis para a base de sustentação da construção psicológica de personagens femininos do método idealizado por Nascimento e Stein (2019), por conta do nível de complexidade que se adequava as necessidades de sistemas transmídia.

É necessário esclarecer que o significado do “feminino” aqui empregado é no no sentido de gênero arquetípico presente no inconsciente do homem e da mulher, anima e animus, que pertence a todo o espectro social, segundo Emma Jung (1999). Isso permitiu que o método de construção de personagens femininos desenvolvido por Nascimento e Stein (2019), englobasse o gênero feminino, cis e trans, e masculino enquanto psicologia social das narrativas.

O aprofundamento no método de construção dos personagens femininos de Nascimento e Stein (2019)

Por se tratar de um processo metodológico criativo bastante subjetivo, utilizou-se a discussão sobre a vasta abordagem bibliografia sobre criação de personagens discutida por Rosa (2018), que deixou claro que não existe certo ou errado na criação de personagens, mas sim, maneiras que funcionam melhor para cada escritor(a).

Tentando ir além das orientações básicas de concepção e respeitando o processo pessoal de criação, o estudo detalhado do método de Nascimento e Stein (2019), no que tange ao feminino, dispos-se como propósito ao aperfeiçoamento da representação feminina a fim de servir como guia para as ações das personagens em universos que possuíssem grande complexidade narrativa, como é o caso das narrativas transmídia. Dentro dessa lógica, se criou uma ficha introdutória com a análise resumida das características de “Comportamento e Opinião das Deusas”, estruturado em categorias com temáticas associadas ao feminino e ao patriarcado – na primeira versão do método estas informações estavam apenas dispostas em uma tabela com descrições resumidas de cada deusa. Tendo em vista que este artigo se propõem a detalhar o método, é importante que cada ficha criada seja colocada aqui:

ATENA
Deusa das artes, da sabedoria, da inteligência, da guerra e da justiça.
A maternidade: Não é muito maternal. Quando escolhe esse caminho, estará menos interessada na fase de bebê. Ela desfruta da capacidade de uma criança mais velha em falar de maneira inteligente, de modo que possa se envolver com seu(sua) filho(a) em relação a aprendizado, objetivos, projetos e realizações.
Os relacionamentos amorosos: Inconsciência sexual, sem a necessidade do complemento masculino, pois já possui uma forte energia arquetípica masculina. Não se deixa levar pelo romance, mas é emocionalmente hipersensível.
O casamento: Significa parceria, ajudando o(a) companheiro(a) a crescer e alcançar sucesso. Têm pouco ciúme pois seu casamento pode ser visto como um bom acordo comercial. Pode sentir-se pressionada para casar e ter filhos.
A sociedade patriarcal: Atena é filha do patriarcado e muitas vezes renega a sua sensibilidade feminina em favor de valores da sociedade. Ela pode defender e promover respeitosamente o mundo patriarcal autoritário e hierárquico como status OU, emancipando a si mesma, matará o pai (simbolicamente) para tornar-se completamente ela mesma, derrubando corporações, colonialismo, supressão do princípio feminino, etc.
O estereótipo feminino: Tende a omitir traços femininos associados a delicadeza e vulnerabilidade.
O sucesso profissional: Busca a realização profissional, sendo bem sucedida na educação, na cultura intelectual, na justiça social e política. Ela tende a trabalhar em áreas que faz as coisas acontecerem, editorando revistas, dirigindo departamentos de universidades, dirigindo empresas, etc. Também pode ser uma personalidade política e grande executiva. Ela se sente confortável em campos dominados por homens.
Como vê as pessoas: Suas preocupações são o mundo. Tende a ser sensível às relações humanas. Possui a capacidade de ajudar a tornar os grupos coesos. Adora estar no meio dos homens e sempre está produzindo entre eles. Sendo assim, esse arquétipo tem menos convívio com o sexo feminino, ou seja, tende a possuir poucas amigas mulheres.
Como é vista: Está sempre em evidência, pois é prática, extrovertida e atuante. Quando machucada, irá afugentar com selvageria todos aqueles que poderiam ajudá-la, pois jamais desarma suas defesas. A maioria dos homens têm medo/receio dela, pois acham que não estão a altura de seu intelecto e da sua coragem.
ÁRTEMIS
Deusa da caça, das crias e dos animais não domesticados.
A maternidade: Não é muito maternal, mas se escolher esse caminho, ela provavelmente protegerá ferozmente o bem-estar de seus filhos, ao mesmo tempo em que lhes dará bastante liberdade para vivenciar suas próprias experiências.
Os relacionamentos amorosos: Ela tende ao distanciamento emocional, com dificuldade em confiar no outro. Seu verdadeiro relacionamento é consigo mesma.
O casamento: Solteira convicta. É desinteressada por natureza pelo papel de esposa ou pelos valores da sociedade convencional.
A sociedade patriarcal: Não se encaixa no estereótipo do feminino patriarcal, o que pode levá-la a uma reclusão psicológica e, às vezes, uma exclusão literal da sociedade. Possui repúdio pelos valores e formas adotadas pela sociedade convencional.
O estereótipo feminino: Seu amor à liberdade a torna difícil de ser aceita como mãe, esposa ou profissional. Repudia valores que são ligados a aparência e aos estereótipos femininos de comportamento domesticado.
O sucesso profissional: Normalmente escolhe seu campo de trabalho como resultado de sua paixão – esportista, bióloga, veterinária, geóloga, defensora do meio ambiente ou outras profissões solitárias.
Como vê as pessoas: Prefere a companhia de mulheres que compartilham seu senso de presença de si mesmo e auto-suficiência.
Como é vista: Conhecida por afastar os homens, não se destaca muito no mundo moderno. A cidade não é “sua praia”. Apaixonada pela natureza, quando ela se encontra no meio urbano, é tímida e reservada.
AFRODITE
Deusa do do amor, da sexualidade e da beleza.
A maternidade: Não é muito maternal. Caso escolha ser mãe, pode demonstrar seu amor de maneira superficial, exercendo seu valores e gostos pessoais, como no ato de vestir bem os filhos, por exemplo. Normalmente, são boas mães, sempre incentivando os filhos com seu entusiasmo nato.
Os relacionamentos amorosos: Ela é atraída pela energia arquetípica masculina, a capacidade de sucesso e a criatividade, e sente-se confortável com múltiplos relacionamentos. Valoriza as experiências emocionais, indo além dos desejos físicas. Quando apaixonada, motiva seus(suas) parceiros(as) a concretizar seus sonhos e objetivos. Sua personalidade é orientada para o relacionamento, mas possui a qualidade da independência emocional.
Ao casamento: Não é atraída por laços relacionais permanentes e normalmente não dá a mínima para as exigências sociais de um “bom casamento”.
A sociedade patriarcal: O peso da sociedade patriarcal sempre recai sobre a mulher-afrodite que arrisca tudo por uma paixão, porém ela não se submete ao patriarcado. Conhece e aceita o seu desejo, sua sexualidade e não se deixa dominar.
O estereótipo feminino: Pode comprar os valores sociais de “beleza”, como um aspecto valioso.
O sucesso profissional: Torna-se uma excelente profissional quando se envolvem emocionalmente com sua profissão. Gosta de trabalhar com moda e estética, cercada pelo belo. Tende a atuar com modelagem, coaching, show business, cosmetologia, artes, design de moda ou de interiores, etc.
Como vê as pessoas: Tende a julgar pela aparência, mas pode se apaixonar pela beleza da alma ao invés da beleza física.
Como é vista: Chama atenção de maneira natural e autêntica, sem que seja necessário fazer esforço. É uma beleza interior, que vem de dentro para fora. Podem ser atraentes, mas não necessariamente belas. Sua liberdade sexual normalmente não é tolerada por mulheres tradicionais, pois ameaça a própria estrutura da sociedade patriarcal: o casamento. Suas características normalmente são distorcidas pela sociedade, sendo a ela atribuída o estereótipo de puta/vagabunda.
PERSÉFONE
Deusa da primavera, das flores, das ervas, frutos e perfumes. Devido ao seu sequestro pelo Hades, deus dos mortos, ao submundo, tornou-se também a deusa do mundo avernal, do ocultismo e tudo relacionado ao sobrenatural.
A maternidade: Insegura, não sente-se autentica como mãe. Se conseguir superar os obstáculos internos e escolher tornar-se mãe, estará conectada a seus filhos de maneira intuitiva e psíquica, menos focada na fisicalidade, alimentando a imaginação e a capacidade de brincar.
Os relacionamentos amorosos: É mais atraída pela natureza espiritual do que pela fisicalidade de seu(sua) parceiro(a). Tem tendência a atrair para si companheiros(as) destrutivos(as). Fugindo desse cenário, podem optar por companheiros(as) mais jovens, com fraca energia arquetípica masculina, a quem poderão amar maternalmente.
O casamento: Possui uma forte tendência a sexualidade adormecida e comporta-se de maneira passiva e submissa em relação ao cônjuge. Para ela o casamento representa morte: A morte da ligação com a sua mãe e de sua imaturidade enquanto mulher.
A sociedade patriarcal: Meiga e feminina, ela faz de tudo para se adaptar. Aos desejos da sociedade patriarcal, é como uma tela em branco onde se pinta como quer, se submetendo a relacionamentos abusivos.
O estereótipo feminino: Não tem forte opinião. Ela responde às necessidades dos outros, tem dificuldade em dizer “não” e em reconhecer e afirmar seus próprios limites.
O sucesso profissional: Como profissionais não são exatamente dedicadas: são inconstantes e indecisas, mas quando se identificam na função serão extremamente competentes, principalmente no campo psicológico e espiritual. Pode ser encontrada trabalhando como curandeira, terapeuta, astróloga, escritora , fotógrafa, música, médica, jardineira, etc.
Como vê as pessoas: incompreendida e alienada da sociedade convencional, acha engraçada e divertida toda a loucura humana.
Como é vista: modesta e discreta, atrai as pessoas com sua simpatia e jeito de ser agradável. Esta mulher é considerada excêntrica ou alienígena para muitos. Indecisa, é guiada pelo relacionamento muito próximo com sua mãe.
DEMETER
Deusa da colheita, da agricultura e da fertilidade.
A maternidade: Ela possui em sua natureza a essência da maternidade, sendo mais do que uma mãe biológica. Pois não é o fato de ter filhos que a faz mãe, mas sua atitude, sua maneira instintiva de cuidar de tudo que é pueril, pequeno, carente e sem defesa. No entanto, pode ser destruidora quando impede a independência do filho e o seu subseqüente desenvolvimento da personalidade.
Os relacionamentos amorosos: Busca uma pessoa pela segurança que pode lhe oferecer e não pelo companheirismo intelectual ou sexual. Tende a se relacionar com pessoas imaturas, egocentradas ou até sociopatas.
O casamento: Não é tão importante, pois vê o casamento como uma estabilidade para atingir seu objetivo: A maternidade. Mas, se possível e/ou necessário, pode tornar-se mãe solteira, dispensando a opção do casamento.
A sociedade patriarcal: Não se incomoda muito com a sociedade patriarcal, ao menos que reflita de maneira negativa em sua(s) filha(s).
O estereótipo feminino: Sente-se confortável exercendo o papel da boa mãe e esposa, mulher dedicada e cuidadora. Esses estereótipos não lhe incomodam, pelo contrário.
O sucesso profissional: Pode ser atraída para qualquer profissão de ajuda: enfermagem, ensino (especialmente crianças), gastronomia, jardinagem, costura, etc.
Como vê as pessoas: Vê o status social como irrelevante e possui amizades com pessoas de diferentes classes sociais. Não considera outras mulheres como adversárias ou alguém para competir.
Como é vista: Apesar de introvertida, ela não é isolada. É vista como parte importante da comunidade, pela sua característica cuidadora.
HERA
Deusa da governança e do matrimônio
A maternidade: Terá filhos, mas não por desejos maternais e sim porque faz parte dos casamentos tradicionais. Possui padrões exigentes em relação a seus filhos – muitas vezes em um estilo excessivamente disciplinado. Ela é uma mãe mais do tipo governante, que impõe, do que uma educadora, que ensina.
Os relacionamentos amorosos: Busca uma pessoa altamente bem sucedida e poderosa como companheiro(a) – alguém que compartilhará seu poder e status com ela. Pode ficar comprometida com um relacionamento ou casamento conturbado, em que sofre com as infidelidades do(a) companheiro(a). Possui uma sexualidade passiva.
O casamento: considera o casamento muito importante para sua vida, como um meio de autopreenchimento. Tradicional em seus valores, ela busca o prestígio social e o governo matriarcal por meio do casamento. Na infidelidade do(a) companheiro(a), ela reage com pura raiva vingativa, mas dificilmente pedirá o divórcio.
A sociedade patriarcal: Conservadora, mantém os valores patriarcais, mas no cenário familiar é a matriarca.
O estereótipo feminino: Muito respeitada socialmente por ter uma postura dentro dos estereótipos de uma mulher madura. Ela normalmente possui valores conservadores.
O sucesso profissional: Pode sacrificar sua própria carreira para alcançar o status sólido, respeitado e prestigiado de sua família. Atua como chefe de comitês de planejamento, diretoria, reuniões de clube de campo, organizações de caridade, banquetes para arrecadação de fundos, etc.
Como vê as pessoas: Tendem a julgar os outros e valorizar a posição social. Não têm amizades femininas próximas – suas amigas são, como ela é, parte de um casal. Vive para a sociedade, mas despreza as pessoas, principalmente, as mulheres solteiras ou divorciadas.
Como é vista: Pode ser vista por uns como a mulher ideal, respeitável e honrada, por outros, como uma mulher sem identidade e princípios, que se submete ao patriarcado.

Tabela 1: Fichas de Comportamento e Opinião das Deuas Gregas.

Com as fichas de comportamento e opinião concluídas, foi estruturado adicionalmente uma aplicação para esses dados e, na sequência, uma organização em três (03) categorias, por ordem lógica de criação:

  1. A primeira categoria: trata do processo de identificação dos arquétipos da personagem, ou seja, é o reconhecimento da deusa dominante e a assimilação de outra(s), que atuará(ão) secundariamente.Uma deusa deve ser a regente e a(s) outra(s) complementar(es).
  2. A segunda categoria: refere-se a triagem do tipo de Neurose Arquetípica na personagem como reflexo do recalcamento histórico do feminino.
  3. A terceira categoria: ocupa-se da construção de uma ferramenta que auxilie na organização e consultoria das mudanças arquetípicas sofridas pela personagem ao longo de sua vida narrativa – “O Mapa de Composição Arquetípica”.

Essas três categorias, detalhadas a seguir, são de caráter qualitativo (e não quantitativo), e ficam subjugadas a capacidade de reflexão dos criadores das personagens. Recomenda-se, metodologicamente, a aplicação dos Arquétipos Femininos, posteriormente às construções básicas da(s) personagem(ns), servindo como um aprofundamento para construções mais complexas do feminino. Seguem abaixo as categorias detalhadas:

Categoria 1: identificação dos arquétipos

A partir da mitologia enquanto ciência que estuda mitos e lendas, foi organizado de maneira sucinta, em fichas visuais, os seis arquétipos femininos das seis deusas gregas, observando a ficha de comportamento e opinião desenvolvida anteriormente. A estrutura foi baseada no arranjo do perfil dos 12 arquétipos comuns junguiano, no ensaio virtual do psicoterapeuta Carl Golden (2020):

ATENA, A guerreira da cidade
Arquétipo feminino do pensamento lógico
Energia: Mental, Extrovertida.
Conhecida como: A companheira dos Heróis.
Lema: “Tudo o que você consegue fazer, eu consigo fazer melhor”.
Desejo central: Desenvolver o raciocínio lógico e intelectual.
Objetivo: Busca a realização profissional e o poder social.
Orientação: À ciência, tecnologia e aos movimentos políticos e sociais.
Maior medo: Demonstrar fragilidade.
Estratégia: Lutar com afinco pelas causas que acredita.
Habilidade: Planejamento e execução. Também possui a capacidade de ajudar a tornar grupos coesos.
Fraqueza: Fragilidade Emocional
Qualidades: Prática, desinibida, racional, justa, corajosa, independente, resiliente, de forte opinião e segura de si.
Defeitos: Fria, calculista, intimidadora, negligente com a saúde física e emocional. Possui um gênio impetuoso.
ARTEMIS, A guerreira da floresta
Arquétipo feminino da individualidade
Energia: Física, Introvertida.
Conhecida como: A mulher selvagem.
Lema: “Sei cuidar de mim mesma”.
Desejo central: Liberdade para dirigir sua própria vida de uma maneira que lhe dê realização pessoal.
Objetivo: Dedica-se à proteção do meio ambiente, aos estilos de vida alternativos e às comunidades de mulheres.
Orientação: À cultura física, aos esportes e à vida naturalista ao ar livre.
Maior medo: Perder sua liberdade/independência.
Estratégia: Manter visões feministas e engajamento com outras mulheres.
Habilidade: Capacidade de se concentrar, estabelecer metas e alcançá-las.
Fraqueza: Seu temperamento explosivo.
Qualidades: Independente, forte, autônoma, enérgica, prática, atlética, aventureira e forte Inteligência emocional.
Defeitos: Fria, reclusa, antipática, negligência as suas necessidades sociais.
AFRODITE, A Deusa do amor carnal
Arquétipo feminino da beleza e do amor
Energia: Física, Extrovertida.
Conhecida como: A amante livre.
Lema: “A vida é curta demais para não se permitir”
Desejo central: Viver a vida intensamente.
Objetivo: A Busca por conexões emocionais e experiências físicas.
Orientação: Aos aspectos da vida íntima e das relações pessoais.
Maior medo: Ver-se presa em relacionamentos permanentes.
Estratégia: Utiliza seu equilíbrio psicológico para garantir a independência emocional nos seus relacionamentos.
Habilidade: Alta capacidade de comunicação verbal e corporal, beleza interior e forte psicológico. Capacidade de transformar algo ordinário em extraordinário, enxergando o potencial oculto.
Fraqueza: Sua impulsividade tende a colocá-la em situações perigosas.
Qualidades: Criatividade, Inteligência artística, Sensibilidade, Sensualidade, Charme, empatia e autoconfiança.
Defeitos: extremista, individualista e egocêntrica.
PERSÉFONE, A rainha dos mortos
Arquétipo feminino do poder criativo
Energia: Mental, Introvertida.
Conhecida como: A feiticeira / A bruxa
Lema: “A intuição é a luz do caminho”
Desejo central: Encontrar a sua subjetividade e força interior.
Objetivo: Autoconhecimento.
Orientação: Ao mundo interior e tudo que se relaciona com fenômenos psíquicos, paranormais e místicos.
Maior medo: Seu lado sombrio e pensamentos obscuros.
Estratégia: Contato com poderes transpessoais superiores da psique para lhe guiar em momentos conturbados.
Habilidade: Grande poder criativo, forte Intuição e personalidade mediúnica.
Fraqueza: Poder de ação reduzido e dificuldade em explicar seu raciocínio, pois sua percepção é intuitiva.
Qualidades: Criatividade, receptividade, empatia, otimismo, bom-humor, quando madura torna-se visionária e acertava.
Defeitos: Possuem fortes tendências para a mentira e manipulação. Na imaturidade da personalidade, torna-se Indecisa, dependente, passiva, infantil e inerte.
DEMÉTER, A deusa do amor materno
Arquétipo feminino da maternidade
Energia: Mental, Introvertida.
Conhecida como: A grande mãe
Lema: “Eu sei o que é melhor para você”
Desejo central: Cuidar do outro, de tudo que é pueril, pequeno, carente e sem defesa.
Objetivo: busca satisfação através da gravidez e da maternidade – ou uma via paralela que forneça alimento (psicologicamente, espiritualmente).
Orientação: À maternidade e tudo que se relaciona às funções reprodutivas.
Maior medo: A independência do filho(a), o fim da licença maternidade e tudo que possa impedi-la de curtir a maternidade.
Estratégia: Promover a dependência.
Habilidade: Capacidade de compartilhar sua generosidade e sabedoria com os outros.
Fraqueza: Excesso de doação, esquecendo-se de si mesma. Dificuldade em dizer não.
Qualidade: Paciente, tolerante, empática, generosa, perseverante, prática e calorosa.
Defeitos: Teimosa, condescendente, possessiva, controladora e mania de reprimir a própria da raiva.
HERA, A Rainha dos céus
Arquétipo feminino da governança
Energia: Física, Extrovertida.
Conhecida como: A grande mulher.
Lema: “Eu posso tudo, menos desistir”.
Desejo central: Conquistar o poder no mundo patriarcal.
Objetivo: Se firmar socialmente por meio do casamento e/ou da formação de uma família de prestígio.
Orientação: Ao casamento, ao poder e todas as funções públicas que uma mulher exerce liderança.
Maior medo: O divórcio ou viuvez.
Estratégia: Utilizar sua força intensamente poderosa de persistência e persuasão, para a alegria ou para a dor.
Habilidade: Afinidade natural com poder e governança. Forte capacidade de fidelidade e persistência.
Fraqueza: Vício à perfeição.
Qualidade: Completa, forte, autoconfiante, fiel, cuidadora, poderosa, estrategista e focada.
Defeito: Ciumenta, vingativa, ambiciosa, arrogante, preconceituosa e crítica.

Tabela 02 - Ficha dos Seis Arquétipos Femininos.

Os Seis Arquétipos Femininos facilitam a compreensão das cargas arquetípicas que poderão compor uma personagem. Como essas deusas representam facetas da psique feminina fragmentada pela sociedade, o complexo arquetípico da personagem não deve ser composto por apenas uma, mas pela associação das deusas acima (Woolger e Woolger 2007). Orienta-se então, que a personalidade seja criada a partir combinação de dois ou mais arquétipos: o regente e o(s) secundário(s). O arquétipo regente é aquele que irá predominar na psique da personagem, servindo de base para a maioria de suas ações narrativas. Já o(s) secundário(s) dará(ão) profundidade à personagem, devido ao acréscimo de camada(s) (faceta(s)) psicológica(s) que induz(em) à elaboração de um novo equilíbrio entre os arquétipos. “Quanto mais conflitante, contraditória, diversificada, mais interessante e completa estará a personagem” (Pedroso 2017).

Preliminarmente, a escolha do arquétipo feminino regente deve atuar em equilíbrio com o perfil básico da personagem previamente criada. Caso a personagem ainda não possua um perfil básico, enfatiza-se que este deva ser elaborado de antemão antes de aplicar o método de Nascimento e Stein (2019), pois seu objetivo visa o aprofundamento da psique feminina enquanto reflexo social.

Para encontrar o arquétipo feminino regente/dominante na personagem, precisa-se conhecer o tipo de personalidade básica que a mesma possui. Carl G. Jung (2012) identificou e classificou os tipos de personalidade básica da essência humana. Rosa (2018) disserta sobre esse processo de classificação junguiano, e que foi utilizado como referência para a associação com os seis arquétipos femininos das deusas. Isso possibilitou uma identificação do arquétipo feminino de forma mais assertiva, equilibrando-se com a personalidade básica pré-existente na personagem.

Jung (1987) descreve os tipos psicológicos como sendo fruto da combinação de duas categorias: os tipos gerais de atitude e os tipos funcionais. Os tipos gerais de atitude, se dividem pela dicotomia Introversão e Extroversão; Os tipos funcionais, se dividem pela dicotomia Racional e Irracional, que por sua vez são subdivididas em quatro funções psíquicas, correspondentes a maneira como o indivíduo se relaciona com o mundo externo e interno, respectivamente: pensamento e sentimento (racionais), sensação e intuição (irracionais).

Também baseando-se nesta teoria desenvolvida por Jung, a psicóloga estadunidense Katharine Briggs e sua filha (Myers e Briggs 2019) acrescentaram outro par de função psíquica, correspondente às preferência do indivíduo: as funções de julgamento (racional) e percepção (irracional), resultando nas seguintes variáveis:

Introversão (I) x Extroversão (E)
Sensação (S) x Intuição (N)
Pensamento (T) x Sentimento (F)
Julgamento (J) x Percepção (P)

Tabela 03 – Preferências/tipos de indivíduo (Myers e Briggs 2019)

A partir dessas variáveis, Rosa (2018) organizou uma tabela de resumo prático para facilitar a identificação das variáveis dominantes em personagens:

EXTROVERSÃO - Alguém que se energiza através da interação com as outras pessoas. INTROVERSÃO - Alguém que precisa de um tempo sozinho para recuperar as energias.
SENSAÇÃO - Alguém que percebe o mundo através dos seus cinco sentidos INTUIÇÃO - Alguém que percebe o mundo através de conexões simbólicas e abstratas.
PENSAMENTO (Thinking) - Alguém que toma decisões baseadas em fatos em e outros critérios objetivos. SENTIMENTO (Feeling) - Alguém que toma decisões baseadas em seus valores e gostos pessoais.
JULGAMENTO - Alguém que planeja antes de fazer as coisas. PERCEPÇÃO - Alguém que deixa suas opções em aberto para adaptar-se caso necessário.

Tabela 04 - Variáveis dominantes em personagens (Rosa, 2018).

As possibilidades de combinações geraram dezesseis tipos de personalidades, feito pela seleção de uma variável de cada par dicotômico:

INTJ INFJ ISTJ ISTP
NTP INFP ISFJ ISFP
ENTJ ENFJ ESTJ ESTP
ENTP ENFP ESFJ ESFP

Tabela 04 - Dezesseis tipos de personalidades (Rosa, 2018)

De acordo com isso, o processo de catalogação dos seis arquétipos femininos, segundo seus respectivos tipos gerais de atitude e sua função psíquica fixa (julgamento e percepção), deixando as outras quatro funções psíquicas variáveis (sensação e intuição, pensamento e sentimento), para gerar combinações, geraram as seguintes possibilidades de personalidade básica:

Os Arquétipos Feminino ATENAS ÁRTEMIS AFRODITE PERSÉFONE DEMÉTER HERA
Os tipos gerais de atitude Extroversão Introversão Extroversão Introversão Introversão Extroversão
Tipo de energia Mental Física Física Mental Mental Física
Função psíquica
Julgamento (racional) x percepção (irracional)
Julgamento Percepção Percepção Percepção Julgamento Julgamento
As dezesseis personalidades ESFJ, ENFJ, ESTJ, ENTJ ISFP, INTP, ISTP, INTP ESFP, ENTP, ESTP, ENTP ISFP, INTP, ISTP, INTP ISFJ, INFJ, ISTJ, INTJ ESFJ, ENFJ, ESTJ, ENTJ

Tabela 05 - Arquétipos femininos e suas respectivas possibilidades de personalidade básica

Dessa maneira, tornou-se possível encontrar o arquétipo feminino dominante, tendo como referência o arquétipo junguiano das dezesseis personalidades - que é geralmente utilizado nas definições básicas da ficha de personagem, garantindo coesão à dimensão feminina -, para posteriormente, encontrar-se o(s) Arquétipo(s) Secundário(s): Complementar(es) ou de Oposto(s).

É facultativo a quantidade de arquétipos secundários empregados em uma personagem. Por uma questão de descrição do método neste artigo, delimitou-se como transcrição metodológica apresentar-se apenas duas possibilidades para exemplicicá-lo.

Salienta-se que a seleção de apenas um arquétipo secundário, permite dar à personagem uma complementação ou oposição através da interação com o arquétipo regente; a seleção de dois arquétipos secundários permite compor uma Díade, dando à personagem uma complementação ou oposição a partir da interação entre eles, não atuando diretamente no arquétipo regente/dominante.

A complexidade da personagem pode ser determinada pela maneira com que o(s) arquétipo(s) secundário(s) irá(irão), ou não, interagir no arquétipo regente, possibilitando um variado leque de combinações. É Importante atentar-se ao processo escolhido, pois isso influenciará no tipo de Neurose que a personagem poderá desenvolver narrativamente, que será dissertado mais adiante, na Categoria 2.

O processo de criação dos arquétipos secundários foi construído a partir de estudos anteriores sobre os tipos de personalidade e o comportamento humano. Estudando como cada arquétipo feminino se configura e a maneira como interagem, foi construído todo um processo lógico, organizados em cinco passos:

Passo 1: É necessário decidir se irá-se selecionar um arquétipo secundário, ou se irá-se construir uma díade arquetípica. É uma escolha bastante subjetiva. O(a) criador(a) deve refletir de antemão sobre o tipo de personalidade que pretende construir e o tipo de alteração que deseja no arquétipo regente, considerando o modo e a intensidade.

Se for selecionado um (01) arquétipo como o secundário, ele pode interagir com o arquétipo regente de maneira a “expandir” suas características “pela soma”, ou pode “atenuar” suas características “pela sobreposição”.

Se forem escolhidos dois (02) arquétipos para criar uma díade, então eles irão interagir entre si, expandindo ou sobrepondo suas características e, só depois, esse conjunto resultante irá somar-se ao arquétipo regente. Ou seja, a díade sempre irá somar novas características ao regente.

Tabela 06: Regência e subregência arquetípica.

Passo 2: É necessário saber qual personalidade se deseja criar pela interação entre secundário (ou díade) e o arquétipo regente, e de que maneira ela acontece:

- se uma personalidade madura, bem resolvida: os arquétipos interagem pela soma, através da complementação, acrescentando novas características, expandindo sua área de atuação, aprofundando os atributos;

- se uma personalidade fragmentada, com bastante conflito interno: os arquétipos atuam pela diferença, interação de opostos, contrastando as características, sobrepondo atributos, criando a contradição.

Cada um desses tipos de interação acima ocorrem de maneiras distintas, subdividindo-se. Para facilitar a compreensão, as definições foram organizadas na tabela abaixo:

Interação por soma (complementação) Interação por diferença (sobreposição)
Complementação expansiva Complementação imersiva Sobreposição por contradição Sobreposição por contraste
O arquétipo secundário ou a díade, por possuírem características distintas, ampliam a área psíquica de atuação. Assim os atributos do arquétipo regente serão complementados quantitativamente, expandindo-se. Durante a interação de soma, o arquétipo secundário ou a díade que possuírem características idênticas, ocorrerá a intensificação de seus atributos pela reafirmação desses valores. Assim a complementação será qualitativa ao aprofundar-se numa característica dominante. Os arquétipos envolvidos nesse tipo de interação que possuírem características necessariamente opostas, farão com que os atributos pleiteiem entre em si pelo domínio arquetípico, resultando numa contradição interna para a personagem. Se as características dos arquétipos não forem de forças opostas, mas possuam alguma diferença, os seus atributos servirão de contraste mutuamente, destacando as diferenças sem necessariamente contradizê-las.

Tabela 07: Tabela de interações arquetítipicas.

Passo 3: Depois de definido os tipos de interações, se por complementação ou sobreposição, e compreensão sobre a forma como acontecem, começa-se a elencar o(s) arquétipo(s). Porém, como identificar a maneira e a intensidade com que um par de arquétipos femininos pode atuar? Para a resposta dessa pergunta, foi organizada uma tabela com as duas variáveis psicológicas fixadas nos arquétipos anteriormente:

- os tipos gerais de atitude: a dicotomia introversão x extroversão;

- os tipos funcionais: a dicotomia racional x irracional, aqui aplicada pela função psíquica dominante no arquétipo, julgamento e percepção.

Arquétipo feminino ATENAS ÁRTEMIS AFRODITE PERSÉFONE DEMÉTER HERA
Os tipos gerais de atitude
(Extroversão x Introversão)
Extroversão Introversão Extroversão Introversão Introversão Extroversão
Os tipos funcionais
Racionais: Julgamento
Irracionais: Percepção
Julgamento Julgamento Percepção Percepção Percepção Julgamento

Tabela 08: Variáveis psciológicas

Com esse mapeamento, buscou-se identificar o comportamento entre duplas de arquétipos femininos dentro dos tipos e subtipos de interação anteriormente definidos: pela soma (de complementação expansiva ou imersiva), e pela diferença (de sobreposição por contradição ou por contraste). Os resultados obtidos foram amplos, tornando necessário reparti-los em duas tabelas, separadas pelo objetivo:

TABELA DOS TIPO DE INTERAÇÃO: COMPLEMENTAÇÃO
Se o objetivo for a SOMA entre dois arquétipos, o secundário e o regente ou díade complementar.
Arquétipo Atena Ártemis Afrodite Perséfone Deméter Hera
Variáveis psicológicas Julgamento, extrovertida Julgamento, introvertida Percepção, extrovertida Percepção, introvertida Percepção, introvertida Julgamento, extrovertida
Atena Julgamento, extrovertida Unidimensional Equilíbrio Equilíbrio Complementaç. expansiva Complementaç. expansiva Complementaç. Imersiva
Ártemis Julgamento, introvertida Equilíbrio Unidimensional Complementaç. expansiva Equilíbrio Equilíbrio Equilíbrio
Afrodite Percepção, extrovertida Equilíbrio Complementaç. expansiva Unidimensional Equilíbrio Equilíbrio Equilíbrio
Perséfone Percepção, introvertida Complementaç. expansiva Equilíbrio Equilíbrio Unidimensional Complementaç. Imersiva Complementaç. expansiva
Deméter Percepção, introvertida Complementaç. expansiva Equilíbrio Equilíbrio Complementaç. Imersiva Unidimensional Complementaç. expansiva
Hera Julgamento, extrovertida Complementaç. Imersiva Equilíbrio Equilíbrio Complementaç. expansiva Complementaç. expansiva Unidimensional

Legenda
Complementação. Expansiva: A dupla possui características opostas, ampliando a área psíquica de atuação pela absorção dos atributos divergentes.
Complementação. Imersiva: Possui características semelhantes, aprofundando a área psíquica de atuação pela intensificação de seus atributos.
Equilíbrio: Possui ambas possibilidades, devido a leve intensidade de distinção.
Unilateral = Duplicata de um arquétipo que resulta numa uma ênfase excessiva.

TABELA DOS TIPO DE INTERAÇÃO: SOBREPOSIÇÃO
Se o objetivo for DIFERENÇA entre dois arquétipos, o secundário e o regente ou díade complementar..
Arquétipo Atena Ártemis Afrodite Perséfone Deméter Hera
Variáveis psicológicas Julgamento, extrovertida Julgamento, introvertida Percepção, extrovertida Percepção, introvertida Percepção, introvertida Julgamento, extrovertida
Atena Julgamento, extrovertida Unidimensional Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Sobreposição por contradição Sobreposição por contradição Sobreposição por contraste
Ártemis Julgamento, introvertida Sobreposição por contraste Unidimensional Sobreposição por contradição Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste
Afrodite Percepção, extrovertida Sobreposição por contraste Sobreposição por contradição Unidimensional Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste
Perséfone Percepção, introvertida Sobreposição por contradição Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Unidimensional Sobreposição por contraste Sobreposição por contradição
Deméter Percepção, introvertida Sobreposição por contradição Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Unidimensional Sobreposição por contradição
Hera Julgamento, extrovertida Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Sobreposição por contraste Sobreposição por contradição Sobreposição por contradição Unidimensional

Legenda
Sobreposição por contradição = A dupla possui características necessariamente opostas, fazendo com que os atributos pleiteiem entre em si pelo domínio arquetípico.
Sobreposição por contraste = Possui características não-opostas. Os seus atributos servirão de contraste mutuamente, destacando as diferenças sem necessariamente contradizê-las.
Unilateral = Duplicata de um arquétipo que resulta numa uma ênfase excessiva.

Tabela 09: Tabelas de Complementação e Sobreposição

Passo 4: Parte-se nesta etapa para a seleção do arquétipo secundário ou a criação da díade arquetípica. Para o processo de eleição, é necessário que o(a) criador(a) da(s) personagem(ns) tenha em mente a forma que deseja acrescentar outra camada psicológica e o resultado esperado por esse novo equilíbrio entre os arquétipos regente e secundário(s). Caso contrário, pode-se fazer uso do fluxograma abaixo, resumidamente organizado, para identificar o tipo de interação que atingirá o objetivo narrativo:

Figura 2: Fluxograma de passos criativos.

Ciente de qual tipo de interação se deseja entre os arquétipos, deve-se consultar as tabelas dos tipos de interações apresentadas anteriormente, e selecionar dentre as possibilidades de combinação a dupla arquetípica de sua preferência, segundo o objetivo do criador das personagens.

Passo 5: Com o quadro arquetípico da(s) personagem(ns) completo, sugere-se descrever detalhadamente as alterações que devam ser feitas na(s) personalidade(s) dela(s), por mais sutis que sejam. Também é interessante explicar, de maneira geral, como esse conjunto de características reflete no comportamento da personagem. Por exemplo:

a) a personagem “X” possui como arquétipo feminino regente a deusa Atena. O tipo de interação que se deseja é de soma, visando um amadurecimento da personagem, logo, dentre as opções, foi selecionado como arquétipo feminino secundário a deusa Ártemis. A carga arquetípica de Ártemis trará equilíbrio (pela soma) ao arquétipo de Atenas.

Arquétipo regente Arquétipo secundário Interpretação do resultado da interação Observações pessoais sobre a personagem X
ATENA ÁRTEMIS Atena + Artemis = "Como isso se aplica na personagem"
Arquétipo feminino do pensamento lógico
Energia: Mental, Extrovertida.
Conhecida como: A companheira dos Heróis.
Lema: “Tudo o que você consegue fazer, eu consigo fazer melhor”.
Desejo central: Desenvolver o raciocínio lógico e intelectual.
Objetivo: Busca a realização profissional e o poder social.
Orientação: À ciência, tecnologia e aos movimentos políticos e sociais.
Maior medo: Demonstrar fragilidade.
Estratégia: Lutar com afinco pelas causas que acredita.
Habilidade: Planejamento e execução. Também possui a capacidade de ajudar a tornar grupos coesos.
Fraqueza: Fragilidade Emocional
Qualidades: Prática, desinibida, racional, justa, corajosa, independente, resiliente, de forte opinião e segura de si.
Defeitos: Fria, calculista, intimidadora, negligente com a saúde física e emocional. Possui um gênio impetuoso.
Arquétipo feminino da individualidade
Energia: Física, Introvertida.
Conhecida como: A mulher selvagem.
Lema: “Sei cuidar de mim mesma”.
Desejo central: Liberdade para dirigir sua própria vida de uma maneira que lhe dê realização pessoal.
Objetivo: Dedica-se à proteção do meio ambiente, aos estilos de vida alternativos e às comunidades de mulheres.
Orientação: À cultura física, aos esportes e à vida naturalista ao ar livre.
Maior medo: Perder sua liberdade/independência.
Estratégia: Manter visões feministas e engajamento com outras mulheres.
Habilidade: Capacidade de se concentrar, estabelecer metas e alcançá-las.
Fraqueza: Seu temperamento explosivo.
Qualidades: Independente, forte, autônoma, enérgica, prática, atlética, aventureira e forte Inteligência emocional.
Defeitos: Fria, reclusa, antipática, negligência as suas necessidades sociais.
Aqui, Atena diminui a sua fraqueza (fragilidade emocional) ao ganhar a inteligência emocional de Ártemis.
Ela equilibra seu tipo de relação com os homens e com a tecnologia ao herdar as visões feministas e naturalistas. Acentua o foco, a praticidade e a persistência, em contraponto, se torna mais explosiva e agressiva. Tem seu amor pela liberdade e independência intensificados, diminuindo drasticamente sua vontade de entrar em relacionamentos amorosos.
Aqui registramos como as alterações nos atributos da personagem, expandidas e enfatizadas, refletem em seu comportamento.
Por exemplo:
Apesar de apaixonada pela vida agitada da capital, a personagem X tem o hábito de viajar para sua casa de campo, duas vezes ao mês, e apreciar a natureza, desligando todos os aparelhos eletrônicos.

Tabela 10: Quadro arquetítipo de preenchimento de personagem com soma

Para contrapor, foi feito um segundo exemplo com a mesma personagem “X” mantendo sua composição arquetípica, mas com objetivo contrário: desejando uma personalidade com conflitos internos, aplicando-se a interação de sobreposição por contraste. Pode-se observar esse resultado na tabela abaixo:

Arquétipo regente Arquétipo secundário Interpretação do resultado da interação Observações pessoais sobre a personagem X
ATENA ÁRTEMIS Atena - Artemis = "Como isso se aplica na personagem"
Arquétipo feminino do pensamento lógico
Energia: Mental, Extrovertida.
Conhecida como: A companheira dos Heróis.
Lema: “Tudo o que você consegue fazer, eu consigo fazer melhor”.
Desejo central: Desenvolver o raciocínio lógico e intelectual.
Objetivo: Busca a realização profissional e o poder social.
Orientação: À ciência, tecnologia e aos movimentos políticos e sociais.
Maior medo: Demonstrar fragilidade.
Estratégia: Lutar com afinco pelas causas que acredita.
Habilidade: Planejamento e execução. Também possui a capacidade de ajudar a tornar grupos coesos.
Fraqueza: Fragilidade Emocional
Qualidades: Prática, desinibida, racional, justa, corajosa, independente, resiliente, de forte opinião e segura de si.
Defeitos: Fria, calculista, intimidadora, negligente com a saúde física e emocional. Possui um gênio impetuoso.
Arquétipo feminino da individualidade
Energia: Física, Introvertida.
Conhecida como: A mulher selvagem.
Lema: “Sei cuidar de mim mesma”.
Desejo central: Liberdade para dirigir sua própria vida de uma maneira que lhe dê realização pessoal.
Objetivo: Dedica-se à proteção do meio ambiente, aos estilos de vida alternativos e às comunidades de mulheres.
Orientação: À cultura física, aos esportes e à vida naturalista ao ar livre.
Maior medo: Perder sua liberdade/independência.
Estratégia: Manter visões feministas e engajamento com outras mulheres.
Habilidade: Capacidade de se concentrar, estabelecer metas e alcançá-las.
Fraqueza: Seu temperamento explosivo.
Qualidades: Independente, forte, autônoma, enérgica, prática, atlética, aventureira e forte Inteligência emocional.
Defeitos: Fria, reclusa, antipática, negligência as suas necessidades sociais.
Aqui, a racional Atena ganha a selvageria da deusa Ártemis. Ao mesmo tempo que possui um alto QI, Atena passa a cuidar mais do corpo, devido ao seu gosto pelos esportes herdado por Artemis. Essa “perfeição superficial” associados a forte independência, pode desenvolver sua arrogância e atrapalhar as suas habilidades em gerir equipes. Ou talvez, Atena possa criar/participar de uma ONG que treina mulheres a desenvolver suas habilidades de defesa pessoal contra homens mal intencionados. Apesar de amar trabalhar com um time masculino, ela adora passar seu tempo livre com amigas mulheres. Aqui registramos como as alterações nos atributos da personagem, sobrepostos, refletem de maneira contrastante em seu comportamento.
Por exemplo:
A personagem X, que se destaca naturalmente pela sua habilidade de comunicação, tende a ficar nervosa numa conversa informal com poucas pessoas, por isso ela tende a evitar amizades muito próximas. Ela possui como hobby o xadrez, a leitura e palavras cruzadas, e de vez em quando, vai assistir as lutas de MMA com as poucas amigas íntimas da faculdade.

Tabela 11: Quadro arquetípico de preenchimento de personagem com subtração/contraste

Nessa simulação, considerou-se que a personagem “X” já possui um perfil básico, sendo a aplicação dos arquétipos voltada ao aprofundamento da mesma. Na prática, a maneira como o arquétipo secundário irá complementar ou divergir do arquétipo regente, ficará subjugado à capacidade do(a) criador(a) em analisar e interpretar os arquétipos em questão. Ele(a) deverá intensificar ou subtrair características do arquétipo regente, mesclando ou alterando os atributos, já definidos nos Seis Arquétipos Femininos, conforme seu objetivo.

Categoria 2: A neurose arquetípica

Infelizmente, a repressão do feminino na sociedade, foi um longo processo histórico que aconteceu quando os atributos masculinos começaram a se separar da Deusa Mãe (totalidade psíquica do matriarcado primitivo) e passaram a se expressar como forças opostas ao feminino (Menezes, 2003). Quando surgiu a necessidade de separação por parte masculina, o seu fortalecimento se deu pela enfatização dos mitos protagonizados pela figura do herói “que vence as forças do caos e traz a ordem ao mundo”, como afirma Menezes, apud Koss (2003):

De acordo com pesquisas antropológicas, as origens da humanidade são colocadas sob o signo e a supremacia da mulher, que era identificado com a natureza, que gera, imitando a mãe terra. (...). Como se acreditava que a vida de todos os seres dependia da mãe-terra, a organização social dos povos girava em torno, principalmente, da agricultura, que estava a cargo das mulheres (Koss 2000, 54) (...) começa o desejo da supremacia do masculino no mundo dos homens. Essa transferência de poder da fêmea para os machos se refletiu, também, a medida que cada Deusa mãe foi deposta, por meio da “difamação mitológica”. Isto é, as divindades femininas foram transformadas em demônios e novos mitos são criados para justificar a supremacia dos conquistadores, validando uma ordem psicológica além da ordem social (Koss 2000, 55).

Como a figura da mulher passou a ser associada a um ser incapaz e incompleto, as mulheres que buscavam a independência do homem, pai ou marido, acabavam reprimindo seu lado feminino e enfatizando suas características masculinas (o animus), na ânsia de ser aceita socialmente (Harding, 1985). Essa busca de um objetivo, que levava o indivíduo a necessidade de repressão psicológica da sua natureza, aparece na literatura como uma das fases da Jornada da Heroína.

Figura 3: Fluxograma de passo criativos (Maureen Murdock, 1990).

A Jornada da Heroína, desenvolvida pela psicóloga Maureen Murdock (1990), inspirada nas pesquisas de seu professor Joseph Campbell, criou uma adaptação feminina do livro A Jornada do Herói (Campbell, 1990). O livro mostra que em uma das etapas dessa jornada, a Heroína abre mão de algum traço relacionado ao feminino, mas após a conquista de seu objetivo narrativo, ela se arrepende e em meio a sua frustração (Neurose) começa a sua busca por um novo equilíbrio. Essa superestimação do masculino, seguida pela repressão do inconsciente feminino (Neumann, 1995), trata-se de uma característica histórica que justifica a necessidade do estudo e aplicação da neurose em personagens femininos. A partir daí, foi desenvolvido a terceira categoria: A Neurose da Deusa e seus respectivos tipos: a neurose por ênfase e a neurose por experiência.

A) Neurose por Ênfase

Jung (1987) definiu como neurótico os indivíduos unilaterais que, para ocultar sua personalidade menos deleitável, enfatizam demasiadamente outro lado que o compõe. Para identificar se a personagem possui esse tipo de neurose, observe se ela se classifica em uma dessas situações:

  1. Quando há repressão, total ou parcial, de algum arquétipo feminino que compõe a personagem, consciente ou inconscientemente;
  2. Quando há uma ênfase, ou destaque excessivo, de alguma característica ou arquétipo, de maneira que aquela personalidade não tenha o controle racional sobre aquilo e sinta-se prejudicada;
  3. Quando a personagem é composta por arquétipos femininos repetidos.

Caso a personagem possua, em qualquer grau, a neurose por ênfase, deve-se registrar quais são, a razão e como elas afetam diretamente no comportamento. Como pontapé inicial, foi construído um resumo de características tendenciosas para o desenvolvimento desse tipo de neurose em cada arquétipo:

Atena
Maior medo: Demonstrar fragilidade
Fraqueza: Fragilidade Emocional
Defeitos: Fria, calculista, intimidadora, negligência ao corpo físico e possui um gênio impetuoso.
Neuroses: Predisposta a ansiedade generalizada.
Ártemis
Maior medo: Perder sua liberdade/independência.
Fraqueza: Seu temperamento explosivo.
Defeitos: Fria, reclusa, antipática, negligência a mente e necessidades emocionais.
Neuroses: “Ira justa” (poder primitivo de sua sede de sangue) refletido em violência física e tendência a misandria.
Afrodite
Maior medo: Ver-se presa em relacionamentos permanentes.
Fraqueza: Dificuldade em dizer não aos outros e a si mesma
Defeitos: Impulsiva, extremista, intensa.
Neurose: Quando em desequilíbrio possui baixa autoestima, a alienação do corpo e um profundo medo de intimidade. Tendência a relacionamentos abusivos e amores doentios.
Perséfone
Maior medo: Do seu lado sombrio e pensamentos obscuros
Fraqueza: Não sabem o que querem ou para onde vão. Tem dificuldade ‘explicando’ seu raciocínio, pois é uma percepção intuitiva.
Defeitos: Indecisão, passividade, inércia Possuem fortes tendências para a mentira e manipulação. Ego fragilizado, Confusão mental e Falta de assertividade.
Neurose: Tende a sofrer depressão, e quando volta-se demais para o mundo interior, pode caminhar para uma psicose ou pensamentos suicidas.
Deméter
Maior medo: A independência do filho(a), o retorno ao trabalho e tudo que impede-as de curtir a maternidade.
Fraqueza: Excesso de doação, esquecendo-se dela mesma. Dificuldade em dizer não.
Qualidade: Paciente, tolerante, generosa, perseverança, prática, calorosa.
Defeitos: Teimosa, Condescendente, repressão da raiva, possessiva, controladora.
Neurose: Predisposta à ansiedade e depressão com tendência a síndrome do ninho vazio.
Hera
Maior medo: O divórcio ou viuvez.
Fraqueza: Vício à perfeição
Defeito: Ciumenta, vingativa, ambiciosa, manipuladora, arrogante, preconceituosa, crítica, dependência financeira e emocional.
Neuroses: Tendência a uma governança ditatorial, tornando-se desequilibrada psicologicamente. Internamente agressiva, reage a perdas com raiva, e não com depressão.

Tabela 12: Tabela de neuroses das deusas.

B) A Neurose por experiência

Quando a personagem passa por uma experiência traumatizante na vida narrativa que não consegue superar, a mente tende a buscar uma maneira de suportar o sofrimento. Esse tipo de neurose que busca se defender de conflitos que não foram passíveis de sofrer total recalcamento, se classificam em três grupos de categorias pelas quais os processos de defesa se desenvolvem (Nasio, 1991) - a histeria, a obsessão e a fobia:

  1. a neurose enquanto obsessão, refere-se ao sofrimento consciente no pensamento. Nesta condição o gozo inconsciente e perigoso é deslocado para o pensamento, para o campo das ideias conscientes;
  2. a neurose enquanto fobia, refere-se ao sofrimento consciente com relação ao mundo externo. Nesse caso, o gozo inconsciente e intolerável é projetado para fora do sujeito, sendo cristalizado em algum elemento do ambiente externo, o qual passa a ser o objeto ameaçador;
  3. a neurose enquanto histeria, refere-se ao sofrimento vivido no corpo. O gozo inconsciente e doloroso é convertido em sofrimento corporal. O que antes correspondia ao investimento energético de um conteúdo inconsciente, passa a expressar-se em uma rede somática.

Logo, quando se pensa em desenvolver na personagem neuroses com base em experiências traumatizantes, recomenda-se considerar a tendência do arquétipo em questão. Por exemplo: uma personagem de arquétipo Afrodite com energia física extrovertida pode ter sofrido uma agressão sexual, e com isso desenvolver uma histeria como um sofrimento vivido no corpo ao passar a sentir dor no ato sexual. Ou poderia desenvolver uma fobia (sofrimento consciente com relação ao mundo externo) à homem, ao sexo ou a confiança em relacionamentos. Isso a impossibilitaria de ter relações, o que torna esta neurose especificamente, muito forte para o arquétipo Afrodite, uma vez que sua orientação é voltada ao relacionamento, fazendo corpo e mente divergir. O importante é o(a) criador(a) da personagem interpretar a forma como aquele arquétipo feminino converte o trauma sofrido.

Categoria 3: Mapa de composição arquetípica

Assim como seres humanos de carne e osso, a personagem também passa por altos e baixos na sua vida narrativa, dependendo das experiências e aventuras que ocorrerão no imaginário de seu(sua) criador(a). A intensidade e importância dada a essas experiências fazem com que a personagem viva uma variação na sua composição arquetípica: Às vezes a personagem vive grandes experiências narrativas que mudam a sua forma de pensar e ver o mundo, refletindo na sua psique por um certo período de tempo, como defendido por Rosa:

(...) Considerando-se o escopo do universo fictício no qual os personagens se inserem, constatou-se que alguns deles figuram em histórias em diferentes momentos de suas vidas. Portanto, verificou-se a necessidade de uma ferramenta capaz de demonstrar de maneira mais clara as nuances destes personagens em relação a momentos-chave de suas vidas, para que, futuramente, roteiristas possam trabalhá-los de maneira apropriada em suas histórias (Rosa 2018, 12).

Por conta disto, foi criada uma ferramenta visual para a categoria 3 para registrar de forma simplificada as grandes variações psicológicas da(s) personagem(ns), caso seja defnido que ocorram ao longo da(s) sua(s) vida(s) narrativa(s). Estes “mapas/ferramentas compositivos” são bastante úteis para sistemas transmídia, uma vez que estão envolvidos muitos roteiristas, de diferentes mídias e linhas temporais. Eles permitem que qualquer roteirista que for utilizar uma personagem numa trama narrativa, consiga desenvolvê-la identificando e respeitando a fase psicológica daquela cronologia, mantendo sua coerência dentro do universo transmidiático. Eis os passos da ferramenta:

Passo 1: consiste em observar se a personagem se qualifica para esta categoria 3. Deve-se refletir se há uma mudança significativa na essência da personagem, que chegue ao ponto de envolver sua composição arquetípica. Caso exista um ou mais fatos com tal peso EMOCIONAL, passa-se para para a etapa seguinte;

Passo 2: é o registro cronológico. Deve-se anotar os momentos (data, idade e/ou período de tempo) em que o(os) fato(s) ocorre(m), detalhando a origem, o motivo/justificativa e as consequências, não esquecendo de registrar a nova configuração psicológica que a personagem se encontra. Exemplo: a personagem pode mudar sua energia arquetípica ao ser promovida no trabalho e mudar de país, sobreviver a uma experiência de quase morte ou ao ter seu primeiro filho;

Passo 3: Depois de todo o registro, vem a catalogação das informações levantadas, organizada de maneira funcional. Por exemplo:

Mapa de Composição Arquetípica da personagem X
Data, idade e/ou período narrativo. Arquétipo da Deusa regente e secundário. Justificativa, a origem, e/ou a consequência.

Tabela 13: Tabela de resgitro da categoria 3.

Conclusão

O método aqui apresentado foi desenvolvido e aplicado no processo de criação de 12 (doze) personagens femininas na pesquisa teórica-prática que cria o universo transmidiático da franquia comercial The Rotfather, no grupo de pesquisa G2E [Grupo de Educação e Entretenimento] da Universidade Federal de Santa Catarina. Este projeto está em pesquisa/desenvolvimento faz 9 anos, e a franquia se estende por diversas mídias.

A sua aplicação mostrou-se promissora, não se limitando apenas a etapa de criação das personagens, mas também na criação das narrativas em que atuam as mesmas, como na História em Quadrinhos Medusa, derivada do macrouniverso. O próximo passo previsto, a curto prazo, para avaliação do método, é a análise da desenvoltura das vendas da HQ Medusa, como validação comercial com o público alvo.

Esse método de criação pode ser longo e extenso, necessitando também de treinamento da equipe de criação/roteiristas, mas os resultados obtidos em questão de qualidade, produtividade e organização mostraram-se consideralvemente eficientes. No decorrer da revisão literária para esta pesquisa, foi perceptível o redespertar da consciência feminina defendida pelas autoras e autores referenciados no artigo.

Em contraponto, percebe-se que ainda existe uma carência na representatividade de grupos sociais marginalizados, normalmente estereotipados, desenvolvido através do “olhar do outro” nas diversas mídias. Talvez um modo de transformar esta realidade seja uma construção interdisciplinar, onde a criatividade e esta, a realidade, possam criar um novo jeito de ver o mundo, uma vez que conclui-se ser imprescindível uma conscientização da representatividade e solidificação da imagem feminina e igualdade de gênero nos meios audiovisuais.

Por fim, finaliza-se dizendo que esta pesquisa, tendo sua aplicabilidade aprovada na prática de construções de personagens femininas do projeto The Rotfather, pode ser usada como uma bibliografia de apoio e complementação ao mercado de criação audiovisual, principalmente o brasileiro, onde está sendo desenvolvida. Isso reforça a importância da universidade, não apenas como um dispositivo de desenvolvimento intelectual em questões acadêmicas, mas como meio atuante na busca da ajuda e profissionalização de profissionais para empresas através do equilíbrio entre o social e o comercial.

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