AVANCA | CINEMA

The meaning of blue color in the film Bleu, by Kieslowski

O significado da cor azul no filme Bleu de Kieslowski

Raquel de Araujo Roble

Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil

Abstract

The objective of this study is to analyze the significance of the color blue in the film “Liberty is Blue”, by the Polish director and screenwriter Krzysztof Kieslowski and the imagetic result reached through the interface between cinema and arts. This is the first film of the Three Colors Trilogy.
In order to develop this analysis, semiotic concepts will be used, for the understanding of image as icon and color as symbol. The methodology consists in selecting images to analyze the meaning of the blue color in certain moments of the work where color gains relevance. The theoretical from of reference includes concepts of Charles Sandres Peirce, Lucia Santaella and Luciana Martha Silveira.

Keywords: Blue color, Semiotic, Kieslowski, Cinema, Arts.

Introdução e Contextualização

A cor está intimamente ligada à arte desde Platão. Estudos iniciados pelos gregos compilaram várias teorias e promoveram experiências sobre seu uso. Foi Leonardo da Vinci, entretanto, que desenvolveu estudos sobre as causas e efeitos naturais da luz e da cor. No final do século XVII e inicio do século XVIII, Isaac Newton criou o primeiro círculo cromático. Com o uso de um prisma, o físico inglês fez a decomposição da luz solar em vários tons para criar um espectro de cores.

Um século depois, o escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe criou sua versão do círculo cromático que se fundamentava no efeito psicológico das cores, onde o vermelho e o laranja eram positivas e o verde e o azul assumiam propriedades mais inquietantes.

Segundo Pedrosa no livro: Da cor à cor inexistente:

Cor quente é a designação genérica empregada para definir as cores em que predominam o vermelho e o amarelo. Cor fria por oposição designa as cores em cuja composição predomina o azul. (PEDROSA, 2013, p.22)

A mais completa e variada classificação geral das imagens e dos signos foi estabelecida por Charles Sanders Peirce (1839-1914), cientista e lógico, que desenvolveu a teoria da semiótica, disciplina que compõe uma ampla arquitetura filosófica concebida como ciência, que fundamenta todo o pensamento para a compreensão do mundo que nos rodeia.

Como menciona Arlindo Machado, autor do livro O olho, a visão e a imagem: revisão crítica:

Essa teoria só faz sentido sob uma perspectiva lógica. Ela é do domínio da cognição humana e existe para dar ao pensamento, à reflexão sobre o mundo uma amplitude, uma elasticidade que não existia antes da lógica clássica, restrita apenas à consideracão de natureza simbólica. A função principal da classificação peirceana dos signos é a expansão do pensamentos, a abertura da percepção de fenômenos que até então estavam fora do âmbito das preocupações filosóficas e da ciência. (Machado, 2018,p30)

Os signos são classificados em três categorias: quando o fenômeno em si está ligado a qualquer coisa, tem uma semelhança ou analogia com o objeto ao qual representa, por exemplo, uma fotografia ou uma estátua, é chamado ícone. Quando o fenômeno for um fato, uma força, o signo mantém uma relação direta com o referente, por exemplo o chão molhado pode ser um indício de que choveu, então será chamado de índice. E quando o fenômeno passa a ser estudado, quando for uma lei, uma convenção, por exemplo, as palavras escritas ou faladas, será chamado de símbolo.

Segundo Santaella e Nöth no livro Imagem: Cognição, Semiótica, Mídia

O mundo das imagens se divide em dois domínios. O primeiro é o domínio das imagens como representações visuais: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens cinematográficas, televisivas, holo e infográficas pertencem a esse domínio.(…) E o segundo é o domínio imaterial das imagens na nossa mente. (SANTAELLA, NÖTH, 1997, p15)

Se, no primeiro domínio, imagens são signos que representam o mundo que vivemos e que está ao nosso redor e é visto e entendido por nossos olhos, no segundo domínio, as imagens são constituídas por nossa imaginação e aparecem como: visões, fantasias, esquemas, modelos e representações mentais. Não há como separá-los, pois não há imagens como representações visuais que não tenham surgido primeiramente de imagens que estivessem na mente de quem as criou. Por outro lado, as imagens mentais sempre terão, em uma representação visual, o mundo concreto. Ainda segundo Santaella e Nöth: “As imagens podem ser observadas tanto na qualidade de signos que representam aspectos do mundo visualizando em si mesmas , como figuras puras e abstratas ou formas coloridas”.

As imagens são signos icônicos, definidas por Arlindo Machado: ”Como tudo aquilo que está no mundo, tem uma presença material, recebe luz, se oferece aos olhos e é entendido por eles.”

A ação da luz no órgão da visão, ao atingir o córtex na parte posterior do cérebro, provoca a sensação de cor, logo, a luz é o estímulo e a sensação é a cor. As propriedades física estudam a luz e a visão, apoiadas pela fisiologia que demonstra que a luz, ao atravessar a pupila e o cristalino, é decomposta em três grupos de comprimento de ondas que caraterizam as cores-luz: vermelho, verde e azul. O resultado dessa decomposição e das suas infinitas possibilidades é transmitido pelo nervo óptico ao córtex occipital, onde se processa a sensação cromática.

Análise da cor no filme Bleu

O homem sempre viveu o mito do amor. Para muitos, amar significa renunciar a liberdade.(Krzysztof Kieslowski)

Em A Liberdade é Azul, nome adotado no Brasil, para Bleu (1993), objeto desse estudo, o primeiro filme da Trilogia das Cores, o roteiro apresenta a história de Julie (Juliette Binoche), que após um trágico acidente, em que morrem o marido e a filha, e uma tentativa fracassada de suicídio, para superar o sofrimento pela perda de sua família, livra-se de tudo que lhe prende ao passado.

Historicamente a cor carrega significados e é o principal elemento simbólico das bandeiras que representam os países. Dois momentos marcantes da história política e social aconteceram nos anos 90: o bicentenário da Revolução Francesa e a criação da União Européia. Para celebrar esses acontecimentos, França, Polônia e Suíça, se uniram para co-produzir um grande projeto cinematográfico.

Krzysztof Kieslowski, cineasta polonês, formado pela Escola de Teatro e Cinema de Lodz, foi o escolhido para criar e dirigir este projeto, denominado a Trilogia das Cores: Bleu (1993), Blanc (1994) e Rouge (1994), uma homenagem às três cores da bandeira francesa.

O objetivo deste trabalho é analisar as imagens do filme A Liberdade é Azul , a fim de refletir sobre o significado da cor azul na obra. Para essa análise serão utilizados estudos da semiótica, a partir da compreensão da imagem como signo icônico e da cor como símbolo. A metodologia consiste em isolar uma imagem e analisar o significado da cor azul de um determinado momento da obra em que a cor ganhou destaque.

O cinema contemporâneo nos ajuda a refletir sobre o mundo que nos rodeia, e Kieslowski, com seu cinema pleno de cor e significados, nos aproxima ainda mais das expressões artísticas, seja pela explosão visual na utilização das cores saturadas, ou no respiro das cores neutras, que tornam o filme significativo em termos de cores.

Figura 1 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

Uma das imagens mais significativas do uso da cor azul. “The Blue Boy” (1770, Thomas Gainsborough), é um retrato de corpo inteiro, pintado a óleo, do filho de um rico mercador. Na obra, o jovem pousa usando roupas azuis. Na época, o uso da cor foi inovador, porque o azul era tido como uma cor que estragava os retratos.

No filme, ao assistir pela televisão o funeral das duas pessoas que mais amava, Julie perde qualquer interesse pelo mundo externo por meio de um isolamento total, desfazendo-se de todos os bens, das partituras, das anotações, dos brinquedos. Até mesmo o sobrenome de seu marido é abandonado, resta apenas um móbile de cristais azuis. Ao pendurá-lo em seu novo e modesto apartamento, os raios de sol o refletem em seus olhos e os faz brilhar.

Figura 2 - The Blue Boy (1770)

O azul foi uma cor que sempre desagradou e ao mesmo tempo sempre fascinou o homem. Para Pedrosa, no livro Da cor à cor inexistente: “ O azul é a mais profunda das cores, o olhar o penetra, sem encontrar obstáculo e se perde no infinito. É a própria cor do infinito e dos mistérios da alma.” É a mais escura das cores primárias tendo por isso uma analogia com o preto, sendo utilizada como sombra na pintura.

Por se tratar da cor azul, a escolha de Gainsborough ganhou destaque tornando-se o nome da obra, O Menino Azul, e também, seu retrato mais famoso e elogiado por mostrar uma criança numa pose tão digna, que simboliza a passagem da infância para a fase a adulta. Isso é transmitido tanto pela escolha das roupas, como pela pose aristocrática do menino.

Pelos estudos de percepção, sabe-se que a cor está ligada ao objeto na construção de significados e para estudar essa construção simbólica da cor e seus efeitos perceptivos deve-se considerar a construção cultural social e coletiva, a materialização dos significados e os eleitos psicológicos da cor. Conforme Luciana Martha Silveira em seu livro: Introdução à teoria da cor

O que dá qualidade e significado aos símbolos é a sua utilização, por exemplo, na cultura ocidental, a cor preta simboliza luto. A materialização desses significados se dá na materialização de objetos coloridos, em contos , lendas, no cinema entre outros. Cada cor tem sua história marcada por hábitos e significados e é isso que a torna possível de classificação. (SILVEIRA, 2015,p.120)

No que se refere aos conceitos do estudo dos signos, a análise da imagem destacada integra a categoria da composição simbólica da imagem, a personagem diante do cenário, isso porque Julie interage com móbile de cristais azuis. A imagem analisada compreende o signo icônico pois a imagem estabelece uma relação de semelhança com seu objeto. A imagem representa a personagem e a cenografia (móbile de cristais azuis) por similaridade e estabelece uma relação entre duas coisas entre o representado (atriz e cenografia) e seu representante (a imagem como signo icônico). Ao se observar o aspecto estético da imagem, é possível perceber a cor azul em evidência. Há vários tons de azuis que permeiam todo o filme, A liberdade é azul, objeto desse estudo, em ínfimos detalhes. O azul nessa obra se faz presente no cenário, no enquadramento, na plano e na iluminação representando, entre outras coisas, o luto da personagem. Estas são as características da linguagem cinematográfica de Kieslowski, onde, por meio de uma narrativa que acolhe o acaso e de personagens que interagem com pouco diálogo , as imagens são inseridas abusando da utilização da cor.

A palavra cor tanto designa a sensação cromática, como o estímulo que a provoca. As cores que percebemos são produzidas pela luz. Segundo Pedrosa no livro: Da cor à cor inexistente:

A tríade primária, referente a esses estímulos, é constituída pelo vermelho, pelo verde e pelo azul. Em uma mistura equilibrada, tomando duas a duas, essas cores produzem as cores secundárias: magenta, proveniente da mistura do vermelho com o azul. O amarelo, mistura do vermelho com o verde e o ciano, uma mistura do verde com o azul. A mistura proporcional das três cores-luz produz, em síntese, o branco. (PEDROSA, 2002, p.30)

O símbolo, como já foi dito antes, é todo o signo que fora convencionado, conforma explica Lucia Santaella no Livro Arte e Cultura : Equívocos do Elitismo, “ nesse contexto o signo extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto.”

Segundo Santaella no livro Semiótica Aplicada: “Se o fundamento do símbolo é uma lei, então o símbolo está plenamente habilitado para representar aquilo que a lei prescreve que ele represente.” O ícone, por sua vez, mantêm uma relação de proximidade sensorial ou emotiva com seu referente.

O signo icônico tem uma analogia com o objeto que representa e se reporta a ele por similaridade. Santaella explica que o “ícone só pode sugerir ou evocar algo porque a qualidade que ele exibe se assemelha a uma outra qualidade.”

O fenômeno cromático corporifica a imagem através dos objetos de cena. Assim é possível fazer uma cadeia associativa de semelhança entre o personagem e a cenografia definindo o caráter de iconicidade da imagem. Nesse trabalho, a semiótica busca compreender as relações entre os signos. O símbolo representado por meio da cor azul pode sugerir várias significações. De acordo com o “Dicionário das cores do nosso tempo”, de Michel Pastoreau (1997), um dos principais dicionários da cor utilizados no mundo todo, inclusive por profissionais de design, pode-se relacionar cada uma das cores do espectro aos seus simbolismos ocidentais mais gerais. O azul, cor do longínquo, do sonho, causa sensação de segurança.

É possível identificar essa sensação no filme onde a personagem quer se libertar de todo o seu passado e de seu sofrimento, quer restringir seu mundo, fechá-lo sobre si mesma, para sentir-se segura e livre.

De acordo com o que afirmou Kieślowski, em uma entrevista de divulgação de Bleu, a liberdade sobre a qual o filme trata é emocional, individual, uma liberdade profunda, liberdade da vida.

Há relações entre os três filmes que compõem a Trilogia das Cores, Bleu, Blanc e Rouge, que não ocorrem em um sentido linear, do primeiro para o segundo filme e desse para o terceiro. Elas circulam, inclusive, trazendo um novo significado para os filmes. Segundo Kieślowski, “os filmes se prolongam uns nos outros: ―você precisa ver o terceiro filme, Rouge, para saber que Blanc teve um final feliz.”

Ilustrando as palavras de Kieślowski, o sentido de um filme não se encerra nele próprio. O Bleu e o Blanc têm cada um, o seu próprio término, mas ganham um segundo final, no naufrágio, ocorrido ao fim de Rouge.

É importante destacar que os três filmes, apesar de fazerem parte de uma trilogia, tendo o mesmo diretor, também responsável pelo roteiro, tem, cada um, sua natureza, sendo que a montagem de um deles, inclusive, foi feita, deliberadamente na Polônia, enquanto os outros dois foram montados na França, para preservar suas identidades.

De acordo com França, no livro Cinema em Bleu, Blanc e Rouge:

Cada narrativa possui sua tonalidade própria e seu ritmo particular, mas a questão é que elas não se fecham sobre si mesmas e não podem ser pensadas senão como parte de um todo – que também não se fecha. Vista isoladamente, cada uma ficaria privada de seus outros dois complementos, o que conduziria a uma apreensão periférica e questionável. (FRANÇA, 1996, p. 60)

Apesar da preocupação em dotar cada um dos filmes com uma identidade própria, há algumas características comuns entre eles, como por exemplo, as cenas iniciais com uma mesma estética, mostrando o aspecto tecnológico visto de um ângulo abaixo do nível do olhar. No Blanc, são mostradas as esteiras de um aeroporto e, em Rouge, os cabos de comunicação subterrâneos.

Segundo Kieślowski, no instante em que o espectador vê esses elementos, ele ainda não tem como saber para que servem, mas depois irá compreender esses signos, pois eles se mostram importantes para cada filme: haverá o acidente no caso do Bleu, em uma viagem para Polônia quando o protagonista, imigrante, viajará dentro de uma mala, em Rouge um personagem, o juiz, faz escutas telefônicas de seus vizinhos.

Figura 3 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

A cena inicial de Bleu, assim como em muitas do filme, em um tom azulado, mostra, em um enquadramento fechado, a parte inferior de um carro, tendo em primeiro plano, o tambor do óleo do freio, enquanto o asfalto da estrada, passa em alta velocidade, no segundo plano.

A tomada inicial é um prenúncio do que está para acontecer. Logo em seguida o carro pára e em uma repetição do enquadramento, aparece o tambor de óleo pingando.

O Acidente ocorre logo em seguida, em uma curva, quando o carro bate frontalmente em uma árvore. Neste momento um cachorro cruza correndo a estrada.

Figura 4 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

Este cachorro é um dos signos indiciais com relação a outro filme da trilogia. O mesmo cachorro, ao ser atropelado, em Rouge, provoca o encontro entre os dois personagens principais.

Figura 5 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

Figura 6 – Bleu, 1993 (recorte da autora)

Nos três filmes há uma cena, com personagens diferentes, vivendo a mesma situação. Acontece em segundo plano, tendo diferentes reações dos protagonistas com relação à cena.

Em Blanc, uma senhoar idosa caminha com dificuldade até um posto de coleta de reciclável. Apesar da dificuldade em descartar a garrafa, não recebe ajuda do protagonista, um imigrante ilegal, pois este se vê na perspectiva de não receber ajuda, pois passará a noite na rua. Segundo Latek , tem-se ai uma expressão de Igualdade.

A mesma cena se repete para a protagonista de Rouge, neste caso, representando a Fraternidade, quando a senhora idosa recebe ajuda.

Em Bleu, na cena da pessoa idosa, que precisa de ajuda, Julie, sentada num banco de praça, com os olhos fechados, está alheia ao mundo e não percebe a situação.

Este momento de desligamento do mundo à sua volta, representa a liberdade da personagem. Isto é destacado esteticamente pelo rarefação da cena, que atinge um branco total, simbolizando o alívio momentâneo.

Segundo Deleuze em Cinema1- A imagem-movimento:

O máximo de rarefação parece ser com o conjunto vazio, quando a tela fica inteiramente negra ou branca. (…) Mas em ambos os extremos, rarefação ou saturação, o quadro no ensina assim que a imagem não se dá apenas a ver. Ela é tão legível quanto visível. O quadro tem essa função implícita de registrar informações não apenas sonoras, mais visuais. (DELEUZE, 2018, p.30)

Figura 7 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

Figura 8 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

Em uma cena casual, onde Julie está no café que ela frequenta com regularidade, distraída, tomando sorvete com café, escuta, vindo de um flautista na rua, acordes de uma música que a faz reconectar com a sinfonia inacabada, que estava sendo composta por seu marido. Novamente ocorre uma rarefação ao extremo, agora, preenchendo totalmente a tela de preto, evidenciando a sua perda.

Em um outro momento, quando Julie ao abandonar sua casa, após se desfazer de tudo, sai caminhando carregando consigo apenas um objeto, um lustre azul, que pertencia ao quarto azul de sua filha. Não por acaso, na caixa de papelão que contém o lustre, está impresso a palavra Blanco, que além de ser o nome da marca do vinho da caixa, é o nome do próximo filme da trilogia.

Figura 9 - Blue, 1993 (recorte da autora)

Julie, ao chegar em uma feira de rua, ainda carregando a caixa, passa por duas pessoas que levam nas mãos, buquês de flores, vermelhas e brancas. Estas cores nos remetem aos outros dois filmes da trilogia, Rouge e Blanc individual, uma liberdade profunda, liberdade da vida.

Muitas cenas ocorrem no cenário da piscina, mas em momentos diferentes. Isto evidencia a importância do signo da piscina.

Esses signos não são acasos, coincidências, mas evidências das relações entre os filmes. Ainda com base nos princípios da semiótica, quando o fenômeno for um fato, quando o signo mantém uma relação direta com o referente, e então é chamado de índice.

De acordo com que afirmou Kieslowsky, em uma entrevista de divulgação de Bleu, a liberdade sobre a qual o filme trata é emocional, individual, uma liberdade profunda, liberdade da vida.

Figura 10 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

Muitas cenas ocorrem no cenário da piscina, mas em momentos diferentes. Isto evidencia a importância do signo da piscina.

Em uma sequência neste cenário, ao término de treino, a piscina é invadida por um bando de meninas com roupas de banho brancas e bóias vermelhas. Esta imagem é uma outra referência icônica para a personagem, pois as meninas lembram, na semelhança, sua filha e também, um signo indicial, pois as cores das roupas remetem o espectador aos outros dois filmes da trilogia.

Em uma outra cena Julie está sozinha, como de costume, a iluminação é refletida no azul da água e ao sair, ocorre nitidamente o choque da lembrança. Este sentimento é demonstrado pelo tom de azul do ambiente, que é intensificado e ao mesmo tempo, pela presença da música, que entra abruptamente em um acorde com volume alto. Enquanto isso, a protagonista mergulha novamente e tapa os ouvidos, um signo evidente da lembrança, de como ela é provocada e do desejo de fugir dela.

Figura 11 - Bleu, 1993 (recorte da autora)

O símbolo, como já foi dito antes, é todo o signo que fora convencionado, conforme explica Lucia Santaella no Livro Arte e Cultura : Equívocos do Elitismo, “ nesse contexto o signo extrai seu poder de representação porque é portador de uma lei que, por convenção ou pacto coletivo, determina que aquele signo represente seu objeto.”

A cor é um signo simbólico, não aplicada somente com intenção estética, mas utilizada para associar o comportamento dos personagens aos acontecimentos, demonstrando através da teoria das cores, seus sentimentos ao longo do filme.

Conclusão

A ciência e a arte desenvolvidas no Renascimento, para representar a tridimensionalidade no desenho e na pintura, utilizavam técnicas sugerindo a ilusão de textura ou dimensão que pareciam reais graças ao uso de perspectiva, luz e sombra. O cinema, que é, em sua concepção, uma sequência de imagens projetadas, consegue, parado ou em movimento, sintetizar perfeitamente esta ilusão.

Apesar de terem linguagens próprias, a arte e o cinema têm a idéia em comum, de projetar algo e exercem uma mesma relação entre a comunicação e o espectador.

A arte por meio da cor, utilizando a composição, deve transmitir estética e formalmente a informação ao público. O cinema contempla os três aspectos da imagem: a realidade tridimensional construída fisicamente, o espaço tridimensional capturado pela câmera e a imagem projetada no dispositivo. Para o espectador, não é possível selecionar a realidade da imagem que lhe interessa, pois tudo o que é projetado na tela tem uma presença rigorosamente igual. O entendimento do espectador é possível, pois nas diversas formas de comunicação, existem os mesmos códigos visuais, isto não significa que cada espectador não tenha sua própria percepção.

De acordo com Gibson.J, […] no livro Perception of the visual world:

A percepção que temos do mundo pode ser dividida em duas partes, a do mundo físico e a do mundo ao qual damos significados.

A construção das linguagens, do cinema tem os mesmos princípios visuais já propostos pela pintura e mais tarde pela fotografia, por serem a representação do cotidiano e do espaço real, aplicadas em um espaço plástico, que é a superfície da imagem. Nas duas linguagens, que aparentemente soam distintas, o espectador está diante de uma superfície plana onde existe a composição estética e a relação de seus componentes, luminosidade, contraste, elementos gráficos e outros.

O claro e o escuro são relevantes para a percepção do ambiente de tal forma que a representação monocromática da realidade é plenamente aceitável nas artes visuais. Os tons de cinza usados na fotografia e no cinema são substitutos monocromáticos e representam um mundo que não existe, um mundo visual que é aceito pela percepção.

Na grande massa de informações visuais presente por toda parte de modo desordenado, caótico e contínuo, o cinema procura transmitir informações e o sucesso disso depende da exatidão, da objetividade dos sinais e da ausência de ruídos.

A linguagem visual, para que seja eficiente, deve ter uma leitura quase universal. O simples fato de exibir uma imagem, entretanto, não significa que haja comunicação na mensagem, para isso o cineasta deverá utilizar corretamente método, linguagem e materiais, que somados, transmitirão a mensagem. Segundo Lúcia Santaella,

Cinema é a imagem sonora. Ao assistir um filme, observa-se o enredo, o conjunto e a narrativa que se desenvolve com som e imagem. Ao ver um filme, no entanto, o objeto é a imagem, o espaço visual. (SANTAELLA, 2005,p.)

Um filme é a somatória de elementos narrativos, sonoros e visuais, baseados no roteiro, com um resultado estético. O roteiro, que por mais que descreva a idéia da história em sua complexidade, não o faz em sua totalidade poética. As imagens do filme, ao serem projetadas na tela, completam um processo que antes era puramente mental.

Estudos mostram que percebemos o mundo através das sensações e da percepção que formamos através delas. A percepção é, portanto, a combinação, a análise e a síntese das diferentes sensações.

A compreensão do processo de significação da cor também exige o estudo da teoria dos signos. As cores exercem papel importante em relação à questão psicológica. As reações variam de acordo com cada cor e com as associações pelas quais as cores são responsáveis e a isso chamamos de fenômenos cromáticos. As cores podem ser usadas para acalmar ou excitar, estimular, decidir, afirmar ou negar, curar, alegrar ou entristecer. Segundo Pedrosa no livro Da cor a cor inexistente:

Por ser a mais escura das três cores primárias, o azul tem analogia com o preto. O azul é a mais profunda das cores, o olhar o penetra sem encontrar obstáculos e se perde no infinito. Ë a própria cor do infinito e do mistério da alma. (PEDROSA , 2013, p.126)

O cinema, assim como outras artes, dá espaço para as interpretações individuais sobre as imagens projetadas que proporcionarão diferentes experiências visuais e sonoras, pois apesar de baseado em roteiro previamente definido e interpretado pelo diretor, nem sempre as imagens serão literais e objetivas, deixando de contar tudo e permitindo que a magia da linguagem do cinema deixe perceber o subjetivo.

A vontade de expressar é inerente ao ser humano e ter acesso ao conhecimento da linguagem visual amplia os horizontes e proporciona liberdade ao ato de criar e construir imagens. O cinema se diferencia das outras manifestações artísticas, ao apresentar uma sequência de imagens, criando uma narrativa que se desenvolve no tempo, no espaço e na percepção de quem o assiste.

Bibliografia

FRANÇA, Andréa. Cinema em Azul, Branco e Vermelho: A trilogia de Kieslowski. Rio de Janeiro: Sette Letras,1996.

GIBSON, J.J. Perception of the visual world. Connecticut: Greenwood Publishers, 1974.

PEDROSA, Israel. Da cor à cor Inexistente. Rio de Janeiro. Senac, 2009.

PEIRCE, Charles S. Semiótica.São Paulo: Perspectiva, 2019.

SANTAELLA, Lucia . Arte & Cultura: Equivocos do Elitismo. São Paulo: Unimep, 1982.

SANTAELLA, Lucia . Semiotica Aplicada . São Paulo: Thomson, 2005.

SANTAELLA, Lucia . NÖTH, Winfried. Imagem: Cognição, semiótica, mídia . São Paulo: Ilumuras, 1998.

SILVEIRA, Luciana Martha. Introdução à teoria da cor. Curitiba: UFPR, 2015

Filmografia

BLEU - A LIBERDADE É AZUL. Direção de KRZYSZTOF KIESLOWSKI. FRANÇA, POLôNIA, SUIÇA, 1983.

BLANC - A IGUALDADE É BRANCA. Direção de KRZYSZTOF KIESLOWSKI. FRANÇA, POLÔNIA, SUIÇA, 1983.

ROUGE - A FRATERNIDADE É VERMELHA. Direção de KRZYSZTOF KIESLOWSKI. FRANÇA, POLÔNIA, SUIÇA, 1984.