Photographed stories

Histórias Fotografadas

Sandra Regina Nunes Chaves

Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP, São Paulo, Brasil

Faculdade de Tecnologia do Estado de São Paulo – FATEC/COTIA, São Paulo, Brasil

Universidade de São Paulo - DIVERSITAS (Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos), São Paulo, Brasil

Abstract

Histories of life and the recovery of personal images bring us to Charles Baudelaire’s reflection on the artist as “a man of the crowd and the world. The association made by the French poet refers to the way of thinking of the “present” time as an essential material for recording and immortalizing a particular time and cultural history. “The world’s man and” are related to the common man and the daily heroisms not found in the pages - and screens - of a mass industry that annihilates singularities. Enrapturated by this conception one can think of everyday history and present history. History of those who are alienated from it.
The project “Photographed History, Shared History” is a blog-album of the daily life of residents of Cotia, centered on history fragments of photographs chosen and narrated by the central characters of the moment captured by them. The blog contains part of texts transcribed and “transcriados” by the Communication and Expression students of the Business Management and Industrial Production Management courses at Fatec Cotia. With this exercise, not only these residents but their interviewers became memory builders. Sherazades provoking the desire to hear, read and see the characters that - once again taking Baudelaire - allow a portrait of Modernity.
Coinciding with this proposal, “Memories that do not fade - despite the Alzheimer”, photographic exhibition that brings together memories of people from the city with the disease.
This communication intends to present these projects, analyzing these memories and the importance of narrating.

Keywords: Histories of life, Cultural History, Photographed History, Photograph.

Baudelaire, em o Pintor da Vida Moderna1, apresenta o artista “moderno” como homem da multidão e homem do mundo, cujo papel seria o de registrar e imortalizar uma determinada época e a sua história cultural. Registrar o cotidiano do homem comum, seus “heroísmos” cotidianos e a modernidade.

As palavras do poeta francês e sua concepção sobre o papel da arte acompanham-me na minha trajetória acadêmica e nos meus passeios pelas Artes, pela Literatura e pela História. Passaram a acompanhar-me também em meus encontros com a Etnografia Audiovisual e com a História Oral. A concepção baudelariana para o papel do artista e a sua função de registro da “modernidade” amplia-se para a reflexão sobre a história cotidiana e a história do tempo presente. História dos que pertencem à história e acabam por ser alijados dela.

Não se apresenta como nova a parceria entre oralidade, literatura e história. Narrar o passado e as experiências culturais preserva a história e a memória de uma determinada sociedade. Apesar da crença na escrita, a oralidade faz-se relevante para a construção do tempo presente.

Para o Paul Thompson, a História Oral constitui-se como uma interpretação da história, das sociedades, das experiências sociais e da cultura, tendo a fala por centralidade. A centralidade na fala converte a escuta em método histórico, já que se trata de uma escuta que aciona a voz daquele que se expressa.

Dessa forma, “a construção de narrativas históricas pela oralidade provoca um deslocamento do produtor da narrativa, pois o que ouve, e consequentemente escreve, torna-se um interlocutor, um produtor de conhecimento que primeiro escutou passivamente para assumir depois seu lugar de narrador. Assim como aquele que fala inicialmente participa da experiência como um narrador, como alguém elaborador de sua própria fala e organizador de seus pensamentos.”2

Da (con)vivência com a História Oral, a Literatura e as Artes Visuais, germinou um álbum-blog do cotidiano de moradores da cidade de Cotia: História Fotografada, História (Com)Partilhada.3

História Fotografada, História (Com)Partilhada tem por proposta reviver e reavivar a memória local, com as histórias de pessoas comuns, em sua grandiosidade cotidiana, a partir de fragmentos deslocados da história de fotografias escolhidas pelos seus personagens centrais. Esses fragmentos são trechos selecionados das narrativas transcritas e transcriadas pelos alunos de Gestão da Produção Industrial e, agora, mais especificamente, pelos de Gestão Empresarial da Fatec Cotia.

Como professora de Língua Portuguesa, sempre experimentei – e tentei - ensinar a construir textos e a norma culta de uma forma mais “agradável”. Isso, porém, sempre se faz um desafio!!! Se a escrita pressupõe consciência de linguagem, a trajetória de ensino-aprendizagem deveria ser norteada por essa premissa.

Apesar das incursões pelas veredas das Artes, da Literatura e da História, foi em outro espaço que reconheci a fotografia e a narrativa como ferramentas para o ensino da língua: Melgaço - na convergência de um castelo, um museu e um Festival de Cinema. Um Festival cujas atividades me levaram a histórias absolutamente singulares, seja pelas exposições fotográficas, seja pelos filmes, seja pelas experiências apresentadas no Fora de Campo.4

A linguagem visual tem uma força imensa na contemporaneidade e a relação entre palavra e imagem pode dar-se de maneiras diversas. Associado a isso - e à experiência com história oral, rememorei o quanto o narrar e o escutar eram gestos humanos muito significativos. E o quanto a narração se faz uma tipologia textual tão presente no cotidiano das pessoas.

Grupos, instituições e movimentos sociais vêm descobrindo a importância e o valor de “contarem” a sua história. Thompson valoriza a oralidade como forma ativa e cidadã da construção da memória, pois contar é compartilhar, e compartilhar é construir possibilidades de consolidar poderes individuais e coletivos de ação, reação e superação de situações de opressão, miséria, desrespeito ou submissão. (MORAES, NUNES, 2016, p. 956)

Desloquei os procedimentos utilizados na construção de Bancos de Histórias de Vida5 para a sala de aula, visando estimular a consciência da linguagem.

Cabe aos alunos eleger alguém da cidade de Cotia e solicitar que escolham uma fotografia para narrar a sua história, contar onde ela se deu, que tempo era aquele, quem eram aquelas pessoas, como era a cidade naquele momento, como era ela naquele contexto.

A utilização de narrativas de pessoas próximas aos alunos possibilitaria, então, não só o exercício da construção textual e da norma culta, mas também a construção de memória e ensinamentos de pessoas anônimas com o compartilhamento de suas experiências de vida, suas potencialidades, sua cultura, e as positividades dos grupos populares.

A história da fotografia deveria ser gravada, com qualquer aparelho de celular, com imagem e voz, ou apenas a voz, transcrita e transcriada.

Com essa atividade, objetiva-se trabalhar a norma padrão e a linguagem popular, níveis de linguagem e variações linguísticas, oralidade e escrita. Mas, se pretende, também, recuperar a ideia de narração para além dos gêneros literários, apresentando o conceito de Épica como território do homem comum, pelas histórias das pessoas que habita(va)m a cidade de Cotia.

A recuperação do conceito de narrar sempre remete ao belíssimo “O narrador”, de Walter Benjamin. (BENJAMIN, 1987) Nesse texto, conta-nos que o narrador apesar de familiar para nós, perdeu, de fato, seu sentido primeiro e que a experiência de narrar “está em vias de extinção” (BENJAMIN, 1987, p. 197).

Benjamin reflete sobre a raridade de pessoas que narram devidamente, e o quão constrangedor se torna um encontro quando se pede, em um grupo, para alguém narrar alguma coisa. “É como se estivéssemos privados de uma faculdade que nos parecia segura e inalienável: a faculdade de intercambiar experiências.” (BENJAMIN, 1987, p. 198)

Essa estranheza é externada pelos alunos quando se explica o projeto História Fotografada, História (Com)Partilhada:

- Contar a história de uma foto de uma pessoa qualquer? Mas na minha família e onde eu moro não tem ninguém com histórias interessantes. Ninguém gosta de contar.

A noção de “interessante” parece ligar-se a um estilo de vida e um conceito de heroísmo cunhados nas telas de uma indústria cultural estandardizadora e aniquiladora das singularidades.

Para Benjamin, a experiência vivenciada, e passada de pessoa a pessoa, sempre foi a fonte a que recorreram todos os narradores. E ao deslocar-se da oralidade para a escrita, as narrativas melhores sempre foram as que quase não se distinguiam das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos.

Ao solicitar o exercício de escuta da vivência de um outro pretendia retomar a importância do contar-escutar histórias, pois essas evocam reminiscências.

“A reminiscência funda a cadeia da tradição. Que transmite o acontecimento de geração em geração. Ela corresponde à musa épica no sentido mais amplo. Ela inclui todas as variedades da forma épica. Entre elas, encontra-se em primeiro lugar a encarnada pelo narrador. Ela tece a rede que em última instância todas as histórias constituem entre si. Uma se articula na outra, como demonstraram todos os outros narradores, principalmente os orientais. (...) Quem escuta uma história está em companhia do narrador; mesmo quem a lê partilha dessa companhia. (BENJAMIN, 1987, p. 211)”

Tendo esse trecho de Benjamin por referência, a tarefa era exposta e as entrevistas iniciavam. Após essa etapa, as entrevistas eram transcritas e, posteriormente, transcriadas.

A transcrição pressupunha a fidelidade absoluta à oralidade e ordem do exposto na entrevista. A transcriação seria a etapa em que a reflexão sobre a narração e a linguagem escrita estaria presente.

Na passagem da “oralidade” para a escrita, corrigia-se os erros de língua portuguesa, tirava-se os vícios de linguagem, paragrafava-se e reorganizava-se o discurso, sem que a coloquialidade se perdesse e que se alterasse a fala daquele orador.

A transcriação propiciava uma consciência maior da estrutura semântica e sintática do discurso escrito, como também das diferenças que há entre oralidade e escrita.

O termo transcriação, cunhado por Haroldo de Campos para definir suas traduções, foi emprestado por José Carlos Sebe Mehy (2011), para a História Oral.

O contexto da concepção poética haroldiana pressupõe a interferência do tradutor, sem abandonar, porém, a essência original do signo estético. Ou seja, qualquer abandono deve expressar o desejo de fidelidade ao texto primeiro. O empréstimo de Mehy deve-se a sua concepção da escrita da história como uma escrita que se apropria de procedimentos romanescos, estabelecendo um diálogo constante com a Literatura, ainda que Mehy demarque bastante que “Literatura é Literatura e História, História”.

Mas por que fotografia no Curso de Comunicação e Expressão e por que escolhida pelos moradores da cidade de Cotia?

Nesse universo de selfies, facebook, instagram, a fotografia torna-se uma linguagem permissora para a reflexão sobre as narrativas que ali se condensam e os diálogos estabelecidos com a Língua e com a Literatura.

Mário de Andrade, com o seu fotar, aponta para dois aspectos de suas fotografias: a de registro de um real e a de experimentação estética. Ambos, coincidiam com a sua proposta – e dos modernistas como um todo – de expandir os limites da criação para outras linguagens, suportes, apropriando-se de procedimentos e conhecimentos provindos de outras áreas do saber e das artes. (NUNES, 2018)

A escolha pela Fotografia deu-se também pelo que representa essa linguagem:

“Elas representam pequenos fragmentos que indicam os diferentes modos de vida dos atores sociais, a forma como compreendem o mundo, suas representações, o imaginário e as cenas muito próximas de seu cotidiano. As imagens parecem mais sedutoras do que a realidade, permitem ao observador fazer viagens por lugares nunca dantes imagináveis e descobrem o próprio mundo.” (CANABARRO, 2005, p. 23)

Citando Le Goff, Canabarro observa que a fotografia “revoluciona a memória”, por multiplica-la e democratiza-la, dando-lhe uma precisão e verdade permissora da guarda da memória do tempo e da evolução da sociedade.(CANABARRO, 2005, p. 25) Pelas imagens fotográficas, vê-se os atores sociais colocados em cena, em diversas situações de atuação, o que permite o conhecimento dos cenários em que as atividades cotidianas desenvolvem-se.

Dessa reflexão enfatizo sua qualidade de suporte para a memória coletiva de um grupo, registrando cenas de um tempo continuum perenizadas no ato fotográfico, que se transportam para outras temporalidades, mesclando passado-presente. (CANABARRO, 2005, p. 26; NUNES, 2018)

Canabarro retoma em seu texto a reflexão de Maria Inez Turazzi, em “Uma cultura fotográfica”, sobre o quanto “a fotografia foi e ainda é um recurso visual importante e eficaz para formação do sentimento de identidade, tanto individual quanto coletiva. Igualmente, é também um dos meios que materializa a ‘visão de si, para si e para o outro’ e uma visão do outro e de nossas diferenças.” (CANABARRO, 2005, p. 37)

A construção de narrativas, por meio das fotografias, permitia, não só exercitar o mecanismo da língua, mas também perceber um valor significativo imortalizado por uma imagem, muitas vezes “apagado” por uma indústria cultural impositora de estilos estandardizados de vivências. Permitia mostrar como registravam um heroísmo de uma ordem outra.

Ao afirmarem que na sua casa ninguém tinha uma história importante, cabia-me responder que “ninguém morre tão pobre que não deixe alguma coisa atrás de si. Em todo caso, ele deixa reminiscência, embora nem sempre elas encontrem um herdeiro.” (BENJAMIN, 1987, p. 212) Se nem sempre as reminiscências encontram herdeiro, convenci-os a serem os herdeiros da memória local. A tornarem-se, junto com seus entrevistados, construtores da memória; Sherazades provocadoras do desejo de ver e ouvir.

Por serem escolhidas por aqueles que seriam entrevistados, as narrativas surgem com diferentes temáticas: lazer, imigração, cultura, natureza, infância, cidade, trabalho.

Após a transcriação, cabe aos entrevistadores escolher um trecho pequeno, exemplar do todo, para a disponibilização ao público.

Todas as entrevistas, na íntegra, são entregues para a viabilização de um Banco de Histórias de Vida de moradores da Cotia. Ainda são poucas as fotos encontradas no blog, mas o que ali se encontra permite conhecer o projeto.

Uma dessas fotos é a de D. Linda, escolhida por Tarrachinha, apelido de um ex-vereador de Cotia. Abaixo, reproduzo a foto e um trecho exposto no Blog:

Recolhida por: Denise Paiva, Jacqueline, Juliana Busato, Maria Josilene.
Cedida por: Tarrachinha (ex-vereador de Cotia, entrevistado).
País: Brasil - 1964.
Local: Escola Batista Cepelos.
Cidade: Cotia/SP

“Nessa foto eu tinha 12 anos e era dia dos professores. Sempre fui puxa-saco da professora; estava dando um beijo nela.

Dona Linda, hoje já falecida, era minha professora no colégio Batista Cepelos e, também, dona do único Cinema que Cotia já teve. Hoje, onde existia o cinema, existem salas comerciais, alugadas pelas irmãs dela e administradas pelo meu irmão, o Nenê.

Ao lado da professora está a Isabel, amiga de sala. Seu apelido era Tutu. Está, também, uma amiga de meu pai; uma moça que vinha lá do Sítio só para fazer permanente “quente” em seu cabelo, pois esse tipo de permanente costumava durar mais tempo.

Tinham outras moças que vinham dos sítios para a cidade só para fazer permanente, passear, mas acabavam fazendo o permanente frio porque durava menos tempo e assim poderia voltar mais vezes à cidade.”

Esse pequeno trecho sintetiza a entrevista da foto escolhida. Em sua construção visual, remete-nos à moda da década de 60 – roupas, penteados, sapatos -, e à relação de afetividade entre aluno e professor.

Como narrativa mnemônica leva-nos aos 12 anos de Tarrachinha e à cidade de Cotia desse momento histórico, informando o perfil rural da cidade: “tinham outras moças que vinham dos sítios para a cidade...”

Informa, ainda, que um tipo de permanente no cabelo das “moças” funcionava como uma possibilidade de deslocamento consentido pela família para a cidade.

Como mentora do projeto Fatec Paradiso, centrado na formação de público para cinema, fez-se bastante importante saber sobre a existência de um cinema6 de rua - algo que muitos dos alunos não sabiam -, pois permitiria que se buscasse posteriormente o perfil do público e o porquê do desaparecimento do local. Uma interpretação possível é a de que, talvez, este haja tido o mesmo destino de muitos cinemas das cidades brasileiras, substituídos por centros comerciais ou por igrejas.

As narrativas brotadas das fotos mostram aos alunos, muitas vezes, uma Cotia que não conhecem, seja no tempo presente ou passado, assim como a importância e a necessidade de valorizar a histórica local. Nessas montam-se quadros da cidade que permitem a ampliação do conhecimento e de um sentimento de pertencimento. Mas não só; algumas delas enfatizam a simplicidade de ações cotidianas, lembrando-os que a “arte” – aqui a fotografia – tem por papel tirar-nos dos automatismos cotidianos impedidores de um olhar renovado para a realidade.

Entrevistado: Tainá (a menina da foto).
Entrevistadores: Fernanda Alves da Silva, Jordan Cruz de Sousa Bezerra, Felippe Godinho dos Santos, Emerson Felipe de Araújo

“Nós tiramos outra foto!

E sei lá! Foi uma coisa legal, porque essa imagem me desperta muitos sentimentos como a gratidão. Pra agradecermos cada dia mais o que a gente tem. Ela me remete à simplicidade também, porque demonstra que nós precisamos sempre de pouco pra ser feliz!

Nós depositamos muito, muito, nossa felicidade em coisas materiais quando na verdade temos tudo dentro de nós.”7

A percepção da importância do narrar fez com que, em 2019, desse trabalho de construção de memória coletiva, surgisse a Exposição Audiovisual das memórias de pessoas com Alzheimer: Memórias que não se apagam.

A partir da experiência do História Fotografada, um grupo de estudantes de Gestão Empresarial da Fatec Cotia escolheu montar uma exposição dos registros de “memórias” de pessoas com Alzheimer.8

Como eles mesmos observaram no folder do evento:

“Demos aos nossos protagonistas a possibilidade de registrar a sua história, ‘As memórias que não se apagam’, ainda que sejam poucas ou fragmentadas, mas que resistem.”

A exposição compunha-se por fotografias e vídeos gravados durante as entrevistas com idosos que vivem com suas famílias, em clínicas ou casas de repouso.

Como uma das alunas tinha formação em Artes Cênicas, para estimular as memórias pessoais, foram realizadas duas apresentações de Teatro de Reprise.9

Pretendia-se com as entrevistas para esse projeto “capturar” as emoções nas conversas, nas reflexões, nas lembranças e angústias pela ausência dessas.

Fotografou-se os entrevistados e gravou-se áudios das conversas a partir da música e de fotografias. A comunicação, como relataram os estudantes, nem sempre foi fácil, mas se buscou fazer do afeto o fio condutor das memórias.

O processo de transcrição e transcriação dessas entrevistas representou um desafio para o grupo, pois tiveram que lançar mão das percepções pessoais dos entrevistadores, dos relatos dos familiares e cuidadores das clínicas para preencher algumas lacunas das construções discursivas dos entrevistados.

A exposição aconteceu nos dias 14 e 15 de dezembro de 2019. Em sua abertura, apresentou-se um vídeo criado com os trechos principais das entrevistas e dos relatos de alguns dos integrantes do grupo sobre essa experiência.

Durante esses dois dias da exposição o mais elogiado pelo público foi a escolha do tema e o deslocamento do olhar para os idosos, esquecidos por muitas pessoas. Ao observar os visitantes, era comum ver pessoas emocionadas ante as fotos e os testemunhos. Houve uma pesquisa feita com o público que tinha a interrogação “Esta exposição te trouxe alguma mensagem relevante?” como mote para a reflexão sobre o exposto.

Em cada resposta, percebia-se a importância do resgate dessas lembranças e o quanto esse gesto propiciava um olhar novo para os doentes de Alzheimer:

  1. “A importância de poder saber sobre a outra face da doença.”
  2. “Recordar algumas pessoas com Alzheimer e as memórias felizes apesar da doença.”
  3. “A importância de trabalhar um tema tão delicado com leveza.”
  4. “Importância das memórias.”
  5. “Lembrança afetiva da vó.”
  6. “Não é o fim! Mesmo com a doença a pessoa ainda vive”.
  7. “Maior reflexão, a relevância da vida e o tempo que permanecemos ocupados com tarefas irrelevantes, sendo o mais importante os laços familiares e amizades.”
  8. “Não conhecia tantas pessoas com Alzheimer”.10

Como apontou-se na tabulação sobre a percepção da exposição: “Muitos se recordaram de familiares que passaram pelo Alzheimer; outros refletiram sobre a importância da vida e sobre como apesar do Alzheimer essas pessoas ainda vivem, dançam e sorriem.”

Com a proposta de recuperação das imagens e vozes de Cotia, seja em História Fotograda, História (Com)Partilhada ou em Memórias que não se apagam, estendeu-se o papel da Universidade às questões sociais e concretas, fazendo-a funcionar como instituição que cumpre sua função de formar pessoas dignas, democráticas, livres, e, acima de tudo, atentas a sua realidade e aos grupos sociais. Tornou-se possível, também, produzir e registrar memórias sociais, transformando essas memórias em materiais e produtos culturais que extrapolam os limites de uma disciplina e da sala de aula.

Notas Finais

1BAUDELAIRE, 2010.

2NUNES, 2018.

3https://historiafotografada.wordpress.com

4Fora de Campo denomina-se o curso ministrado como parte do Festival Internacional de Documentário de Melgaço.

5No Diversitas, Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerância e Conflitos, da USP (http://diversitas.fflch.usp.br/) encontram-se bancos de histórias de vida de presos políticos da ditadura militar, imigrantes, entre outros, como fonte para o desenvolvimento de pesquisas dos membros do Núcleo e de pesquisadores em geral. Atualmente, tenho registrado em audiovisual as histórias de vida de Gestores Culturais do Brasil e do exterior. Esses Bancos contribuem com a memória social, reconhecendo as narrativas de vida de toda e qualquer pessoa como um instrumento de memória e de ação.

6Em Cotia, na atualidade, os cinemas ficam em dois shoppings localizados na Granja Viana, cerca de 12 quilômetros da cidade de Cotia.

7 Faz-se importante apontar que em 2018 se inicia uma parceria com a Associação AO NORTE, de Portugal. Essa parceria permitiu que o trabalho com as fotografias fossem se tornando mais sistematizados, inclusive na forma de referencia-las.

8 Na trajetória da construção do projeto, Daniel Maciel, antropólogo associado ao projeto Lugar do Real, esteve no Brasil para o II MDOC São Paulo e Oficinas de Fotografia, fruto da parceria da Universidade de São Paulo e Fatec com a AO NORTE. Das várias atividades da Mostra MDOC São Paulo, houve uma Oficina com os alunos do 1º. Semestre de Gestão Empresarial, objetivando ensinar como se trabalhar com álbuns de família e a construção de uma exposição com esse material. Os responsáveis por esse projeto participaram dessa oficina, aproveitando o que foi compartilhado para a curadoria e montagem da sua exposição.

9 Em 1993, Rosane Rodrigues traz a metodologia do Playback Theatre para o Brasil, adaptando-a para o que será conhecido por Teatro de Reprise. “O Teatro de Reprise é ação sociopsicodramática, situada bem entre o teatro/arte e o psicodrama clássico, mediando um diálogo fortíssimo entre essas duas produções de sentido.” (RODRIGUES, 2011)

10 Cinquenta e duas pessoas responderam à pergunta central da exposição. Todas tinham uma linha e materializavam o sentimento ante o que foi vivenciado. Todas traziam nas entrelinhas o quanto as fotos e os testemunhos deram um grau de humanidade outro a esses doentes. Lembranças de uma avó; felicidade ao ver uma conhecida; a consciência da invisibilidade desses doentes.

Referências Bibliográficas

BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da Vida Moderna. São Paulo: Autêntica Editora, 2010.

BENJAMIN, Walter. “O narrador: considerações sobre a obra de Nikolai Leskov.” Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.

CANABARRO, Ivo. “Fotografia, história e cultura fotográfica: aproximações. Revista Estudos Ibero-Americanos. PUCRS, v. XXXI, n. 2, p. 23-39, dezembro 2005. Disponível em http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/iberoamericana/article/viewFile/1336/104. Acesso em: 15.12.2017.

MORAES, Claudia; NUNES, Sandra. “Histórias Vividas, Histórias contadas: Produção Audiovisual de Histórias de Vida e Experiências de Cidadania na Cidade de São Paulo”. Conferência Internacional de Avanca. Avanca: Edições Cine-Clube de Avanca, 2016. P. 956 a 963.

NÓBREGA, Thelma Médici. “Transcriação e hiperfidelidade”. Cadernos de Literatura em Tradução, n. 7, p. 249-255. Disponível em: <https://www.revistas.usp.br/clt/article/viewFile/49417/53490>. Acesso em: 20.12.2017.

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RODRIGUES, Rosane. “O teatro de reprise e a co-construção estética do saber. Uma reflexão da aprendizagem grupal/individual através da improvisação interativa (co-criação)”. Revista “AspaS” no. 1. Anais do Primeiro Seminário de Pesquisas em Andamento do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Universidade de São Paulo.

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