Abstract
The aim of this paper is to analyse the cinematographic resource of exploring the city and its urban landscape as a film character. Our proposal is provoking a reflection on how this personage, the city, can highlight cultural, political and ideological issues as well as how the city perception can be changed by a film repercussion. We will focus on discussions raised in fields such as Space Philosophy, Urban Anthropology, Cultural Geography and even the Real Estate Market by analyzing examples from different nationalities and backgrounds that can provide a starting point for a global point of view. In order to examine this hypothesis, some proposed films are: “Roma”, by Alfonso Cuarón (Mexico, 2018), “Aquarius” by Kleber Mendonça Filho (Brazil, 2016) and “Midnight in Paris” by Woody Allen (EUA, 2011).
Keywords: Cinema, City, Urbanism, Urban space, Cinema Anthropology
Introdução
Qualquer filme permite diversas leituras e pode ser utilizado para a pesquisa e análise dos mais variados temas pois podem estar condensados ali história, contexto social, crítica, cultura e arte em uma mesma obra. Neste caso, a cidade e o espaço urbano são o objeto de nosso interesse: a presença do urbano como personagem catalizador de sentimentos e ações é o que buscamos nesta análise. A construção do espaço urbano, a sua presença nos filmes, desde a célula - a residência - até o espaço urbano.
A cidade visível, paupável, e também o que não fica explícito na complexidade da urbe estão presentes desde sempre na dramaturgia. Uma vez que o cinema pode ser entendido como a derivação ou desenvolvimento do teatro grego, no qual a tragédia e a comédia tinham uma função pedagógica importante - moral, política, estética, afetiva - o personagem da urbe serve para ver e analisar a cidades das mais variadas formas. Os dramas e problemas de uma cidade podem refletir e são espelhados por sua população, uma vez que a cidade é organismo vivo e suas mudanças são ação e reação ao cotidiano de seus habitantes.
Desta forma, situações e contextos específicos da urbe são apresentandos e podem propiciar reflexões sobre temas específicos que, de outras formas, poderiam ser tomadas como artificiais. Na Poética, Aristóteles diz:
A comédia procura imitar os homens piores e a tragédia, os melhores do que ordinariamente são (1448 a 16-18).
O cinema traz também em si a possibilidade de explorar a cidade em recortes diversos de tempo e espaço, como veremos mais adiante na análise dos filmes selecionados. As emoções e sentimentos provocados por este passeio rápido no tempo e espaço, podem trazer pistas valiosas de como a sua vivência pode influenciar a concepção de mundo dos personagens, e como espelho que o cinema é, dos próprios espectadores no mundo real.
Mais do que mera propaganda de determinada cidade ou simples cenário, o cinema pode aprofundar o conhecimento e alterar pontos de vista outrora fixos. Esta representação provoca em nós sentimentos que teríamos como se estivéssemos vivenciando o ambiente urbano e fatos ali apresentados.
A impressão de realidade que o cinema provoca, conforme mencionado por Christian Metz (1972), oferece a oportunidade única de vivenciar um contexto urbano, seja em acontecimentos dramáticos, ou apenas na apreciação da beleza de uma cidade, como cenário. Mas é impossível ficar inerte diante de situações ou dramas apresentados. Como alguns teóricos do cinema defendem o cinema é feito da mesma matéria que os nossos sonhos, ou seja, no momento em que se está sonhando, é impossível saber que não se trata de realidade.
Cinema e cidade: reflexões sobre a cidade através de imagens e enredos
Como exemplos da presença da cidade como personagem, selecionei três filmes que mostram diferentes abordagens: Aquarius (Aquarius), Meia-noite em Paris (Midnight in Paris) e Roma (Roma). A escolha de diferentes nacionalidades e linguagens cinematográficas foi proposital, como forma de obter um espectro mais amplo de análise. Pode-se dizer que Meia-noite em Paris seja o mais “comercial”, enquanto os outros dois podem ser considerados como filmes “de arte”.
a) Aquarius
O filme Aquarius, sem nunca mencionar a cidade na qual se desenvolve a trama, inicia-se ainda assim com uma pequena declaração de amor à cidade de Recife: imagens da década de 1950, 1960 e 1970 em preto e branco, desfilam pela tela, estabelecendo o início cronológico do filme, dividido em três capítulos: “O cabelo de Clara”, “O amor de Clara” e “O câncer de Clara”. O ano é 1980, e Clara a protagonista, irmão e sobrinho divertem-se e conversam na praia de Boa Viagem, que surge como extensão do apartamento de Clara onde está acontecendo o aniversário de tia Lúcia. Nesta sequência são apresentados todos os personagens e ficamos sabendo que Clara, casada, com filhos, está se recuperando de um câncer. Dentre os personagens, está o apartamento onde ela vive com sua família, no edifício Aquarius, localizado na praia de Boa Viagem do qual passamos a conhecer bem o espaço privado, assim como os espaços comuns, o quintal com suas árvores frondosas, as garagens e também como este edifício se relaciona com os espaços públicos e a praia.
Como já tínhamos visto, a praia é extensão e pertence ao universo de Clara e família. Em seguida, já em 2016, Clara, agora viúva, vive sozinha em seu apartamento, onde cada peça de mobília, cada objeto conta uma história. Aos poucos vamos compreendendo que Clara é a última moradora do edifício, localizado em uma área de Recife, agora altamente valorizada. Vizinhas ao edifício Aquarius, vemos suntuosas torres de apartamentos alto padrão e este deveria ser também o destino do lote onde o edifício Aquarius se encontra: todos os demais apartamentos do edifício foram comprados pela Construtora Bonfim, que assedia Clara de todas as formas a vender o seu apartamento, para que possam finalmente construir um edifício altamente rentável, com muito mais área construída, apartamentos de alto luxo, destinados à elite de Recife. No mercado imobiliário, este processo de expulsão da população de uma área ou bairro tradicional é chamado de “gentrificação”.
Este termo vem do inglês “gentrification”, proveniente de “gentry”, “pequena nobreza”, criado pela socióloga britânica Ruth Glass, e se destina a descrever e analisar transformações observadas em diversos bairros operários de Londres naquela altura. Na sua obra London: Aspects of Change (1964), a autora destaca processos de mudança do ambiente urbano, dos usos e significados de áreas antigas e/ou populares das cidades que apresentam sinais de degradação física, passando a atrair moradores de rendas mais elevadas devido ao seu custo menor e consequentemente atrativo. Os “gentrificadores” (“gentrifiers”) mudam-se gradualmente para estas áreas, e a concentração desses novos moradores tende a provocar a valorização econômica da região, aumentando os valores do mercado imobiliário e o custo de vida no local, levando à expulsão dos antigos residentes - em geral classes operárias e comunidades de imigrantes. Estes, impossibilitados de acompanhar a alta do custo de vida, terminam por transferir-se para outras áreas mais distantes da cidade, o que resulta na redução da diversidade social do bairro em questão.
Ainda que Clara tenha uma condição financeira razoável, e possa se mudar para um apartamento luxuoso com todas as comodidades, ela considera o edifício Aquarius e o espaço público ao redor como parte de sua personalidade e de sua vida e não tem nenhuma intenção de se mudar. A construtora passa então a assediá-la pesadamente, através do jovem Eng. Diego, neto do dono da empresa, recém chegado de um curso de business nos Estados Unidos. O novo edifício é o seu primeiro projeto dentro da empresa do avô, e como ele mesmo diz: está com “sangue nos olhos” para realizar o tal empreendimento e se provar dentro da empresa.
O assédio da construtora para a venda do imóvel torna a vida da protagonista no edifício Aquarius impossível e surge na forma de três “pragas bíblicas“, a primeira através de uma festa/orgia que a construtora organiza exatamente no apartamento acima do de Clara; a segunda, um evento religioso no edifício, permitindo a entrada de diversas pessoas estranhas e grande movimentação dentro dos espaços comuns do edifício.
Após este acontecimento e por ocasião da queima de colchões, utilizados durante a festa, no quintal do edifício, Clara confronta Diego e, simbolicamente, enfrenta a fúria do mercado imobiliário e toda violência que este impinge às cidades. No momento em que Diego lhe diz que ela não deveria viver ali, que deveria estar vivendo em um apartamento alto padrão, com segurança, câmaras de segurança, etc, Clara explode e lhe diz:
É impressionante o que se diz de que falta educação, né? E sempre se refere à gente pobre. Mas falta de educação não está em gente pobre não. Está em gente rica e abastada como você, sabe? Gente de elite, que se fala de elite, que se acha privilegiado, que não entra em fila, sabe? Gente como você que fez curso de business mas não tem formação humana, não criou caráter, sabe? Não criou caráter! Não tem, quer dizer tem, o seu caráter é o dinheiro. Portanto, meu amor, você não tem caráter!
Diego ouve calado e, ficamos sabendo depois, prepara a última e literal praga: colônias de cupins que funcionários da Construtora Bonfim colocam secretamente nos apartamentos de sua propriedade, de forma a destruir efetivamente a estrutura do edifício Aquarius, tornando-o inabitável, e desta forma conseguindo expulsar Clara do imóvel.
Miraculosamente, Clara obtém informações antigas comprometedoras sobre a Construtora e então desenvolve-se o confronto final, em uma grande catarse com a vitória, ainda que temporária, de Clara. É um final em aberto, como é o processo de disputa nas metrópoles em todo o mundo.
Como personagem neste filme, a urbe está em constante conflito e sem possibilidade de estabilização. Por agora, temporariamente Clara venceu a luta. Mas como ressalta Lefebvre (2001 p. 84-85)
O uso (o valor de uso) dos lugares, dos monumentos, das diferenças, escapa às exigências da troca, do valor de troca. É um grande jogo que se está realizando sob nossos olhos, com episódios diversos cujo sentido nem sempre aparece. A satisfação de necessidades elementares não consegue matar a insatisfação dos desejos fundamentais (ou do desejo fundamental). Ao mesmo tempo que lugar de encontros, convergência das comunicações e das informações, o urbano se torna aquilo que ele sempre foi: lugar do desejo, desequilíbrio permanente, sede da dissolução das normalidades e coações, momento do lúdico e do imprevisível. Este momento vai até a implosão-explosão das violências latentes sob as terríveis coações de uma racionalidade que se identifica com o absurdo. Desta situação nasce a contradição crítica: tendência para a destruição da cidade, tendência para a intensificação do urbano e da problemática urbana.
Clara ama o seu apartamento, seu edifício e a sua cidade e não concebe utilizá-la somente como objeto de produção, troca ou lucro. Segundo Lefebvre, a cidade é o espaço da produção, entretanto não apenas de coisas. Para ele, a produção equivale à criação em um sentido bem mais amplo de reprodução de relações sociais, cultura e tudo aquilo que possa envolver e dialogar com seus habitantes.
b) Meia-noite em Paris
Ao contrário da cidade palco e objeto de disputa e conflito, no filme-homenagem de Woody Allen, a cidade é a musa idealizada, fonte de inspiração e felicidade. Cartões postais da cidade surgem na tela, Notre Dame, Champs Élysées e o Arco do Triunfo situam-nos num conto de fadas. O protagonista Gil, escritor e roteirista de sucesso de Hollywood está com sua noiva e respectiva família em Paris. Ele encontra-se em um ponto crítico de sua vida: irá se casar e ao mesmo tempo está tentando deixar sua carreira em Hollywood e se tornar um escritor “a sério”.
Todas as noites, ao badalar da meia-noite, Gil magicamente é transportado no tempo, primeiramente para a década de 1920, onde tem a oportunidade de encontrar seus ídolos, F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, Cole Porter, Gertrude Stein, Salvador Dali, Picasso entre outros. E mais adiante, quando ele se apaixona por Adriana, uma moça da década de 1920, ele visitará a Belle Époque, na qual encontrará Monet, Degas e Toulouse Lautrec. Ao se transmutar no tempo, a cidade-luz oferece diversas formas de interação e aprendizagem para Gil.
Conforme a visão de Simmel (1976), que vê a metrópole como local de concentração e reprodução do dinheiro, tornando a mente moderna mais calculista, exigindo pontualidade dos comportamentos e afazeres variados. Esta lógica, própria do funcionamento urbano, para se manter precisaria reproduzir o tempo de maneira linear, medida e dividida para as várias funções interdependentes tornando a cidade mecanizada, fria e causa da despersonalização de seus habitantes.
Em contraste, a metrópole do filme, eventualmente por ser a década de 1920, é apresentada como local de encontros e ebulição de ideias. Ainda que limitada, a diversidade de seus habitantes neste período, produz a efervescência necessária à criação de obras-primas. A diversidade gera criatividade.
Entretanto, percebemos, em uma análise física do espaço construído, que para que haja este encontro e faísca criativa, as cidades têm necessariamente que apresentar o ambiente físico para tal, terão que ser locais de estar e não locais somente de passagem. Ian Gehl em seu livro Cidades para Pessoas (2013), menciona.
É, em si mesmo, uma conexão importante o fato de tanto o caráter quanto a gama de vida urbana serem dramaticamente influenciados pela qualidade do espaço público. (2013, p. 22).
De fato, as atividades sociais que realmente tornam uma cidade viva e interessante requerem um ambiente propício para este fim e acima de tudo são necessárias condições físicas para a interação social. Em uma cidade onde é possível andar a pé, como a Paris do filme, é possível ver, ouvir e mesmo ser transportado (metaforicamente) para outras épocas, dada a quantidade de camadas históricas preservadas presentes na cidade.
O ato de caminhar possibilita antes de tudo ver e ouvir, e com estes sentidos é possível o contato social. Não é à toa que Gil está apaixonado por Paris, ela é uma festa para os sentidos, o oposto de Los Angeles de onde ele vem. Em um local onde há muito ruído promovido por automóveis, é difícil estabelecer uma conversa, ou mesmo interagir com outras pessoas. Da mesma forma, se há muros e paredes sem vitrines ou janelas nos caminhos, não há nada de interessante para se ater ou observar e o percurso é monótono e desagradável, e será realizado muito mais rapidamente.
Uma colocação de Gehl (2013), a respeito da vida nas cidades, vem da constatação de que o que é realmente interessante em uma cidade são as próprias pessoas. Ele cita o poema épico islandês de mais de mil anos, Hámaval: “o homem é a maior alegria do homem”. Este poema descreve o encanto e interesse humano pelos outros humanos e como nada é mais fascinante do que isso.
Partindo desta premissa, todas as intervenções urbanas e novas cidades a serem projetadas deveriam ser pensadas e desenhadas de forma a propiciar esta apreciação da vida e interação humana. Segundo o antropólogo Edward T. Hall, os sentidos podem ser divididos em: à distância – visão, audição e olfato – e os sentidos de proximidade – tato e paladar - e assim como a escala humana, são fatores fundamentais nesta equação, já que são dados biológicos utilizados em todas as atividades humanas.
Em relação à visão, a distância de 100m é o número mágico no qual ainda é possível distinguir movimentos e acontecimentos, enquanto a partir dos 25m, torna-se possível distinguir expressões faciais e emoções. Estas dimensões estão presentes nas principais praças medievais de Paris, como por exemplo a Place des Vosges ou uma praça contemporânea como a Place Georges-Pompidou, assim como nos teatros e salas de ópera em todo o mundo. Da mesma forma, a nossa visão tem ângulos precisos de alcance, 70º para baixo e 50º para cima, ou seja, não somos capazes de apreender completamente os edifícios altos e obviamente sofremos o maior impacto direto do que está na nossa linha do horizonte.
Nesta cidade onde os sentidos são tão estimulados é que Gil encontra-se a si mesmo. Segundo Edward Glazer, a urbe é local de fusão de ideias, e é a única forma de desenvolvimento humano.
“The enduring strength of cities reflects the profoundly social nature of humanity. Our ability to connect with one another is the defining characteristic of our species. We grew as species because we hunted in packs and shared our skills. Psychologist Steven Pinker argues that group living, the primitive version of city life “set the stage for the evolution of humanlike intelligence”. We built civilizations and culture together, constantly learning from one another and from the past. New technologies from the book to Google have failed to change our fundamentally social nature. They’ve made it easier to learn some things without meeting face-to-face, but that hasn´t eliminated the extra edge that comes from interacting in person. Indeed, since new technologies have increased the returns from new ideas, they have also increased the returns from face-to-face collaboration.
Talvez por esta razão a Belle Époque e os loucos anos 20 são tão fascinantes. Por sua interação humana tão abundante e intrincada. E na verdade nesta história de amor, a cidade de Paris é o personagem da amada. Uma cidade-mito, vivida em diferentes períodos, onde Gil acredita que estando com ela, o melhor de si poderá aflorar, ele poderá finalmente se tornar o escritor que sonha.
De fato, o entorno tem esse poder de mudar as pessoas. Cada cidade, cada contexto urbano - que vai muito além da construção física - tem este poder de trazer à tona certas qualidades ou defeitos de um indivíduo. É impossível ser o mesmo em toda a parte. Seremos sempre diferentes pessoas em diferentes cidades.
c) Roma
Ao contrário dos outros exemplos, não há viagens no tempo no filme de Cuarón. Estamos fixos no início da década de 1970 no bairro Roma na cidade do México, em uma residência de classe média. Entramos no dia a dia de Cleo, uma das empregadas domésticas de origem indígena (mixteca) da família de Antonio e Sofia, composta por seus quatro filhos, além da mãe de Sofia e um cão.
Em termos urbanísticos, neste filme caminhamos do particular ao geral: primeiramente compreendemos em detalhe a casa, espaços exteriores e distribuição interior, adentramos o anexo onde vivem as serviçais e o majestoso terraço – área de trabalho de Cleo e brincadeiras das crianças – de onde é possível avistar toda a cidade do México. O silêncio de Cleo nos permite ouvir todos os sons da cidade e será assim durante todo o filme. Sobre isto comenta Guillermo del Toro na mídia social Twitter:
En mi opinión el “silencio” de Cleo es usado como herramienta dramática para el arco de su historia y nos lleva a revelar su dolor más íntimo - revelado por el agua - “No quería que naciera”. Cleo se calla y sofoca su emoción y culmina en esta explosión.
A casa é parte da ação e a mudança deste ambiente, acompanha as alterações na vida de Cleo e da família. Aos poucos vamos compreendendo as classes sociais envolvidas e bastante estratificadas – indígenas e descendentes europeus – assim como o bairro e sua dinâmica urbana. Passamos à cidade e equipamentos relevantes – hospital, cinema, centro de compras – até irmos ao campo e ao litoral, para então podermos voltar à casa, transformados, ainda que parcialmente. Sobre esta reconstrução fabulosa da cidade na década de 1970, ressaltou Guillermo del Toro na mídia social Twitter:
Me parece que esta poco difundido el hecho de que Cuaron y Eugenio Caballero reconstruyeron en un lote enorme, varias cuadras de la ciudad de Mexico - con banquetas, lamparas, asfalto, tiendas, etc, etc. Un logro titánico.
Através do olhar de Cleo, percebemos a dinâmica da família: o casal em conflito, à beira da separação. Antonio, médico, já praticamente vivendo fora de casa. Quando aparece, com seu carro Galaxie, motivo de orgulho e extremo cuidado – sua masculinidade motorizada – que mal cabe na garagem e entra raspando nas paredes: seu ego é grande demais para esta família.
No final, quando Sofia troca o veículo por um menor e mais prático, é um momento de libertação: o veículo já não é um símbolo de status e poder, é apenas utilitário. Apesar de não ser tão veloz é realmente o que a família necessita naquele momento:
Após termos explorado o suficiente o ambiente doméstico, a casa, partimos para o reconhecimento da cidade. Cleo e Adela vão ao cinema com respectivos namorados e vemos o ambiente urbano da década de 1970. Cleo não chega a entrar no cinema, vai a um quarto com seu namorado Fermín e acaba grávida. Numa segunda ida ao cinema com o namorado, Cleo lhe dá a notícia e é abandonada ali mesmo. Ela então conta à patroa, Sofia, que está grávida. Mais uma vez, vamos explorar a cidade indo ao hospital, onde a gravidez é confirmada.
Chega o ano novo e é o momento de explorarmos o campo, onde somos confrontados com disputas de terra e conflitos por reforma agrária. As diferentes classes, a separação física no espaço da casa de campo e psicológica entre os descendentes de europeus e indígenas fica novamente ressaltada, cada grupo social com seu Reveillon particular, que finalmente são reunidos quando um incêndio na fazenda, talvez proposital, interrompe as comemorações.
Voltando de viagem, mais uma vez vamos ao cinema no centro da cidade. Cleo acompanha as crianças e avó. Ao explorarmos o burburinho e agitação urbana, vemos o pai, Antonio, feliz, com uma jovem mulher. Somente Cleo percebe. Sofia não contou às crianças que o pai saiu de casa, somente disse que ele partiu para realizar um trabalho de pesquisa no Canadá.
Em seguida, Cleo irá em busca do pai do bebê na periferia da cidade, onde veremos a realidade do ambiente urbano construído informalmente. Fermín está participando de uma aula de treinamento de artes marciais ao ar livre e o vemos completamente imerso no grupo, na massa. Ele não é mais um ser pensante, é parte da massa, tanto que o perdemos completamente de vista. Após o treino, quando Cleo se aproxima e tenta conversar, ele a repele, recusa-se a reconhecer o filho e ainda a ofende, dizendo que ela é apenas uma empregada.
Em mais uma incursão pela cidade, a avó leva Cleo a comprar um berço. Compreendemos que é um momento de grande ebulição na cidade, com diversos protestos em curso. Do diálogo ficamos sabendo que recentemente manifestantes tinham sido agredidos. Em determinado momento a loja de móveis é invadida por assassinos de aluguel que perseguem os manifestantes e Fermin é um destes assassinos. Nesse momento a bolsa de Cleo estoura e devido aos congestionamentos para chegar ao hospital, seu bebê nasce morto.
Após este evento traumático, Sofia propõe a Cleo irem todos passar alguns dias na praia. No litoral durante o jantar, Sofia diz às crianças que ela e o pai estão separados e que o motivo real da a viagem era para que o pai pudesse retirar suas coisas de casa. Apesar de Cleo não saber nadar, Sofia a deixa vigiando as crianças na praia. Estas quase se afogam no mar revolto, mas são salvas por Cleo que enfrenta as ondas até recuperá-las. Neste momento catártico no filme, todos se abraçam na praia e Cleo confessa que de fato não desejava o bebê que havia perdido. Na volta, encontram a casa transformada, sem estantes, sem mobília, num despojamento total restando então apenas o essencial a todos. Guillermo Del Toro destaca:
Cuaron parece sugerir que todo es ciclico: Por eso, quizá, Pepe recuerda otras vidas en que perteneció a clases y profesiones diferentes. Todo viene y va: solidaridad, amor, la vida... y solo a veces nos podemos abrazar junto al océano.
Devido ao fato de ser até certo ponto autobiográfico, o filme de Cuarón, reconstrói o bairro Roma e a cidade, assim como os acontecimentos ali passados.
A construção humana da memória diante dos fatos é seletiva e obedece a regras culturais inconscientes de projeção e apropriação. Assim a forma de narrá-los os transforma em objetos moldáveis que destacam alguns dos seus aspectos, conservando-os, abandona outros, reelabora e reconstrói ainda outros ou, então, os esquece. (Santana, 2007)
Além disso, o filme é uma homenagem sincera à Cleo e à paisagem urbana, rural e litorânea do México da década de 1970. Seus longos travellings colocam o espectador em um estado de contemplação e compreensão do ambiente. Há tempo e dimensão visual para apreender tanto o espaço apresentado quanto as emoções ali vividas. É também um grande instrumento de reflexão sobre a herança do passado e suas sequelas no presente. Guillermo Del Toro o define:
Roma es, en todo sentido, una pintura mural, un fresco enorme. Lo anuncia así el uso de angulares y de elaborados dollies laterales. Cuarón cifra su dramaturgia en imagen y sonido. Todo esta ahi.
Concluindo
Os filmes destacados apresentam situações concretas nas quais podemos perceber a cidade como personagem do enredo. Ao mesmo tempo em que mostram a urbe em suas locações e cenários reais ou contruídos – destacando os seus monumentos e pontos de interesse – mostram também a dinâmica, as pessoas, o processo urbano como organismo vivo. Através do seu instrumento, o diretor produz um momento eterno pelo modo que escolheu filmar os espaços: ângulo, movimento, luz e enquadramento.
Conforme a abordagem do diretor esta personagem urbe será apresentada de forma mais poética como em “Roma”, a cidade-luz mais estética e estático como em “Meia-noite em Paris” ou ainda será um espaço de desfrute e de batalha como em “Aquarius”.
Neste último, por ocasião da sua participação no Festival de Cannes, o filme transforma-se em veículo político de denúncia de um momento complexo do Brasil. Podemos dizer que os personagens saíram da tela e foram representar mais do que o contexto urbano da cidade de Recife, mas uma realidade, ou visão de realidade.
Sendo parte da economia, do poder e da cultura, o cinema é uma prática social (Turner, 1997). Seus conteúdos e suas formas são ferramentas fundamentais para a compreensão dos espaços urbanos e da sociedade contemporânea.
Referências bibliográficas
Aristóteles. 1979. Metafísica, São Paulo: Abril Cultural (Col. Os Pensadores)
_____________. Poética, 1979. São Paulo: Abril Cultural (Col. Os Pensadores).
Gehl, Jan. 2013. Cidades para pessoas. São Paulo. Editora Perspectiva.
Jacobs, Jane. 2000. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes.
Lefebvre, Henry. 2001. O Direito à Cidade. Tradução Rubens Eduardo Frias. São Paulo: Centauro.
Glaeser, Edward. 2011. Triumph of the city – How urban spaces make us human. Londres: Pan Books.
Glass, Ruth. 1964. London: Aspects of change, Londres, MacGibbon & Kee.
Metz, Christian. 1972. A significação no cinema, São Paulo: Perspectiva.
Morin, Edgard. 1970. O cinema ou o homem imaginário, Lisboa: Moraes.
Simmel, G. 1976. A metrópole e a vida mental. in: VELHO, Otavio G. O fenômeno urbano. 3. ed., Rio de Janeiro.
Turner, G. 1987. Cinema como prática social, São Paulo: Ed. Summus.
Artigos em Revistas
Santana, Gilmar. 2009. “A cidade no cinema – Pedro Almodóvar: uma experiência de afetos – da movida à maturidade, a Madrid de um cineasta” em Cadernos Ceru, série 2, v. 20, n. 1.
Livro eletrônico e textos em linha
https://brasil.elpais.com/brasil/2019/01/15/cultura/1547547557_946418.html. “Roma” comentado por Guillermo del Toro em dez twittes. Acedido em 9 de maio de 2019
Filmografia
Aquarius (Aquarius), 2016, Brasil; Dir.: Kleber Mendonça Filho; Elenco: Sônia Braga, Humberto Carrão, Maeve Jinkings e Irandhir Santos.
Meia Noite em Paris (Midnight in Paris). 2011, EUA; Dir.: Woody Allen; Elenco: Owen Wilson, Marion Cotillard e Rachel McAdams.
Roma (Roma), 2018, México; Dir.: Alfonso Cuarón; Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graf, Daniela Demesa, Enoc Leaño e Daniel Valtierra.